Páginas

5 de junho de 2025

Esqueça Elon Musk. Preste atenção em Russell Vought.

Elon Musk foi retirado do governo Trump. Seu comportamento errático e suas palhaçadas constrangedoras o tornaram um alvo fácil para a mídia. Mas Musk sempre executou a agenda de Russell Vought, autor do Projeto 2025 — e Vought ainda está no poder.

Branko Marcetic

Jacobin


Russell Vought em Washington, DC, em 30 de maio de 2025. (Celal Gunes / Anadolu via Getty Images)

Ao deixar oficialmente a Casa Branca, Elon Musk reclamou repetidamente que ele e seu Departamento de Eficiência Governamental (DOGE) foram transformados em “bode expiatório” do governo, absorvendo a culpa e a indignação por praticamente tudo o que o presidente e sua equipe fizeram e que as pessoas não gostaram. A surpresa é que esta é uma das raras vezes em que o bilionário da Tesla está realmente certo sobre algo.

Nos últimos cinco meses, Musk tem sido um saco de pancadas útil para os democratas, a esquerda, a imprensa e praticamente qualquer um que queira sangrar politicamente o segundo governo Trump. E quem pode culpá-los? Seu comportamento bizarro, a corrupção flagrante e a antipatia geral foram feitos sob medida para cliques e compartilhamentos, sem mencionar que o tornaram um alvo fácil para os críticos de Trump que buscavam lançar o presidente ao mar atado a uma rocha, o que teve consequências políticas reais para o governo.

Portanto, não é de se surpreender que, mesmo com a mídia divulgando artigos que fazem um balanço do período de Musk no governo, a cobertura seja repleta de insistências de que Musk não está realmente saindo e que continuará a exercer influência externa sobre o governo Trump e, portanto, será responsável por qualquer coisa que ele venha a fazer na sequência. Isso, sem dúvida, será pelo menos um pouco verdadeiro, e o público certamente parece concordar. Mas tentar manter os holofotes sobre um Musk que já partiu pode não ser tão politicamente eficaz quanto os críticos esperam, e corre o risco de não esclarecer o que realmente está acontecendo na Casa Branca sob Trump.

A realidade é que, embora Musk tenha sido e ainda seja um conveniente oponente político, mesmo quando ocupava um lugar importante na Casa Branca, ele ainda estava apenas fazendo o trabalho sujo e prático de outra pessoa: Russell Vought, o arquiteto do Projeto 2025 e diretor do Escritório de Gestão e Orçamento (OMB) de Trump.

Qualquer um que pretenda responsabilizar devidamente o governo Trump, sem mencionar entender o que as pessoas que o comandam estão tentando fazer, precisa desviar o foco do bilionário para Vought. Se a política estadunidense fosse Kill Bill, Musk e sua equipe DOGE seriam os capangas excêntricos e coloridos com quem a Noiva gasta a maior parte do seu tempo e energia lidando, enquanto o desconhecido Bill aguarda, intocado, e comanda as coisas de salas escuras, longe da ação.

Mudar o foco para Vought será complicado, porque ele passou este primeiro semestre de indignação máxima contra os cortes do DOGE trabalhando discretamente e fora de vista, é muito menos favorável aos cliques e à audiência do que o ultrajante Musk e, em geral, é uma figura menos errática e mais treinada para a mídia, que provavelmente não criará a mesma dor de cabeça política para a Casa Branca. Mas, além do próprio presidente, ele é a força motriz da agenda de Trump — e agora vai começar a agir como tal.

O Wall Street Journal noticiou há um mês que, com a saída de Musk, Vought se tornará o arquiteto oficial do programa de austeridade de Trump, trabalhando com o Congresso para implementar novos cortes e obter a aprovação legislativa para alguns dos já feitos sob Musk, além de fazer campanhas na mídia para vendê-los ao público. No último domingo, Vought esteve na CNN defendendo os cortes e outras partes da agenda da Casa Branca.


Mas não é como se ele tivesse ficado de braços cruzados antes. Vought foi, mesmo antes de ser nomeado para um cargo governamental, o responsável pelo desastroso decreto executivo de Trump em janeiro, suspendendo todos os subsídios federais, que a Casa Branca foi forçada a revogar rapidamente. Toda a teoria e abordagem jurídica que sustenta o DOGE — segundo a qual o presidente dos EUA pode simplesmente se recusar a gastar o dinheiro autorizado pelo Congresso para várias agências e programas, e pode desmantelá-los ou eliminá-los em massa à vontade — vem de Vought, que esteve intimamente envolvido nos cortes do DOGE desde o início. O segundo mandato de Trump, como um todo, seguiu de perto o Projeto 2025, o projeto político cuja criação Vought teve papel tão central, e ele admitiu a repórteres disfarçados no ano passado que ainda estaria moldando as políticas de Trump de fora do governo, mesmo que não recebesse um cargo na Casa Branca.

Observe os orçamentos e as políticas que Vought elaborou e defendeu enquanto trabalhava no Congresso ou como ativista. Você verá rapidamente que os cortes atribuídos a Musk teriam ocorrido de uma forma ou de outra enquanto Vought estivesse na Casa Branca. Ao longo dos anos, Vought defendeu a privatização dos Correios dos EUA e a revogação do Obamacare, além de cortar ou eliminar o Departamento de Educação, o Medicaid, a USAID, a radiodifusão pública, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças, a Autoridade Federal de Aviação e muitos outros.

Você também verá para onde o governo Trump provavelmente irá no futuro. Vought há muito tempo tem na mira os grandes benefícios sociais, como a Previdência Social (que ele quer privatizar) e o Medicare, e disse abertamente a um entrevistador, há dois anos, que seu objetivo é usar essa onda atual de cortes para condicionar a opinião pública à ideia, para que, em algum momento, possam atacar esses grandes programas, antes “intocáveis”.

Mas é exatamente por isso que Vought poderia, de fato, se tornar um fardo político para Trump tanto quanto Musk — bastaria uma crítica substancial e bem direcionada, menos adequada a manchetes sensacionalistas do que a gestão de Musk. Até agora, isso não aconteceu.

"Toda a teoria e abordagem jurídica que sustenta o DOGE vem de Vought."

A imprensa liberal tende a enquadrar Vought como um “nacionalista cristão” assustador, um termo que não significa muito para o cidadão comum e pode até soar atraente para um público que ainda é majoritariamente cristão e, como qualquer população, considera seu próprio interesse nacional como sua principal prioridade. Enquanto isso, em sua entrevista de domingo com o diretor do OMB, Dana Bash, da CNN, dedicou bastante tempo ao tema da teoria do “represamento” de Vought e sua constitucionalidade, um assunto jurídico importante, mas obscuro, que provavelmente não agradará a muitos.

O que é ao mesmo tempo preciso e uma linha de crítica mais eficaz é que a ideologia de Vought — um fanatismo militante antigovernamental que significa que ele literalmente considera o investimento governamental em infraestrutura completamente ilegítimo e quer eliminar ou vender ao maior lance praticamente todos os programas governamentais, do Medicaid à NASA — é estranha e desagradável para a maioria dos estadunidenses modernos, incluindo a própria base da classe trabalhadora de Trump, e prejudicará a eles e a seus entes queridos. Uma maioria recorde na faixa de estadunidenses de 30 anos agora quer que o governo faça mais para resolver os problemas do país, não faça menos ou quase não exista, como Vought sonha.

Se você entende a história de Vought, sabe que todo o desenrolar de sua carreira é definido pelo fato de que seus objetivos políticos têm se mostrado consistentemente tão tóxicos para os estadunidenses comuns, incluindo os eleitores republicanos, que nunca conseguiram ser implementados democraticamente. A principal reclamação de Vought é que toda vez que ele redigia um orçamento que retirava o plano de saúde da população e dissolvia metade do governo (exceto o Pentágono, é claro), ele nunca era aprovado, porque os congressistas republicanos que defendiam sua ideologia antigovernamental da boca para fora ficavam com medo ao perceber que seriam atacados por seus eleitores se ousassem colocá-lo em prática.

Foi isso que eventualmente levou Vought a Trump. Vought afirmou abertamente que tanto o consenso político estadunidense quanto a opinião jurídica dominante estão tão distantes de sua visão antigovernamental que a única maneira de torná-la realidade é tomar medidas radicais e sem precedentes — como confiar a um presidente todo-poderoso a tarefa de desmantelar sozinho o governo federal e declarar guerra aos outros poderes se eles se intrometerem. Isso é espantosamente antidemocrático, mas também é antidemocrático por necessidade, porque está a serviço de uma agenda política que seria repulsiva para a maioria dos estadunidenses se fossem devidamente informados sobre ela.

Na verdade, isso já foi provado: basta olhar para a furiosa reação pública à pausa nas doações proposta por Vought, que forçou os membros republicanos do Congresso a pressionar a Casa Branca para desfazê-la, ou a raiva que os republicanos estão enfrentando em assembleias públicas sobre um orçamento dizimador do Medicaid, modelado a partir do que Vought havia planejado.

A saída de Musk deve ser uma oportunidade para redirecionar o escrutínio para Vought, que tem conseguido passar despercebido nos últimos cinco meses graças à busca de atenção do bilionário da Tesla. Vought pode não ter um caráter tão pitoresco, mas se o público for informado com precisão sobre o que ele acredita e planeja fazer, ficará igualmente perturbado com sua influência na Casa Branca.

Colaborador

Branko Marcetic é redator da Jacobin e autor de Yesterday's Man: The Case Against Joe Biden.

Nenhum comentário:

Postar um comentário