13 de dezembro de 2021

A social-democracia nórdica é boa para todos, exceto para os ricos

Graças às políticas social-democratas, os 60% mais pobres da população dinamarquesa estão em melhor situação do que os 60% mais pobres da população americana. Até mesmo os dinamarqueses de classe média se beneficiam de um forte estado de bem-estar social. O único grupo que não se beneficia? Os ricos.

Matt Bruenig


O estado de bem-estar social universal realmente oferece benefícios a todos, mesmo àqueles que não são beneficiários diretos da redistribuição. (@febiyanr / Unsplash)

A comparação de rendas entre países apresenta certas dificuldades: as rendas são pagas em moedas diferentes, os produtos têm preços diferentes, as cargas tributárias são diferentes e os níveis de benefícios sociais são diferentes. Há muitos anos, economistas descobriram uma maneira razoável de contornar a maioria desses problemas: calcular os preços em valores na moeda local para uma determinada cesta básica de consumo e, em seguida, comparar esses preços entre os países para determinar quanto vale uma dada unidade monetária em relação ao dólar estadunidense.

Isso se chama Paridade do Poder de Compra (PPC). E permite dizer que, por exemplo, 1 dólar estadunidense equivale a 7,985071 coroas dinamarquesas. Em posse desse dado, é possível ver, por exemplo, como o PIB dinamarquês se compara ao PIB estadunidense ou como a renda média dinamarquesa se compara à renda média dos EUA.

No ano passado, o PIB per capita ajustado pela PPC da Dinamarca foi de US$ 60.551. Nos Estados Unidos, o mesmo valor foi um pouco maior, de US$ 63.543.

Em 2017, o último ano em que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) dispõe de dados sobre o tema, a renda monetária mediana disponível, ajustada pela Paridade do Poder de Compra (PPC), equivalente, na Dinamarca, era de US$ 30.739. O mesmo valor nos Estados Unidos era de US$ 35.600.

Este é o melhor dado que temos da OCDE, mas que sofre de uma falha muito grave: subtrai os impostos que as pessoas pagam de sua renda, mas não contabiliza nenhum dos benefícios não monetários que recebem. Isso significa que os impostos que o dinamarquês mediano paga para seguro saúde público, subsídios para creches e faculdade gratuita são deduzidos de sua renda, mas o valor desses benefícios não é então adicionado ao cálculo final.

É difícil dizer exatamente, mas com base nos microdados do LIS nos quais trabalhei há muitos anos e nestas estatísticas atuais da OCDE, fica bem claro que os cerca de 60% dos dinamarqueses mais pobres têm uma renda total maior (incluindo benefícios em espécie) do que os 60% mais pobres dos estadunidenses. Transposta essa linha, a diferença entre os Estados Unidos e a Dinamarca, que a princípio se mostra modesta, aumenta consideravelmente à medida que se aproxima do topo da tabela de distribuição.

Essa pode ser uma maneira chata de discutir essa questão, mas garanto que é melhor do que outras abordagens.




Em diversas discussões sobre o tema nas redes sociais, é possível ver pessoas falando sobre como os dinamarqueses ou outros europeus muitas vezes não possuem vários eletrodomésticos ou consomem menos quantidades de certos outros itens de consumo em comparação com os estadunidenses.

O problema óbvio com essa abordagem analítica é que existem muitas razões pelas quais alguém pode ter uma casa de tamanho diferente, eletrodomésticos diferentes e formas diferentes de lidar com o aquecimento residencial, que não estão relacionadas ao seu nível geral de riqueza. É por isso que não tentamos comparar diferentes lugares focando nas quantidades de um ou alguns itens de consumo específicos, mas sim nas rendas frente aos preços da cesta básica.

Os dinamarqueses claramente têm renda suficiente para comprar secadoras. Elas custam apenas algumas centenas de dólares e duram dez anos. Lembre-se: o PIB per capita ajustado pela PPC deste país é quase idêntico ao dos EUA. Se você quiser entender por que eles podem não ter secadoras, apesar de sua riqueza claramente documentada, pergunte-se: por que os estadunidenses não têm vasos sanitários no estilo japonês, apesar de sua riqueza? Por que não temos bidês franceses?

A julgar pela situação dos banheiros, devemos ser um país bem pobre. Ou talvez seja simplesmente porque diferentes sociedades desenvolvem hábitos de consumo diferentes ao longo do tempo e que escolher qualquer um deles não seja muito esclarecedor quando se trata de descobrir seu nível geral de renda e poder de compra, e que, em vez disso, você deveria usar uma medida mais abrangente.

O segundo tuíte de Megan McArdle é particularmente divertido porque começa reclamando que os dinamarqueses têm casas menores, em média, mas depois passa a argumentar que as 421 horas extras de lazer que os trabalhadores dinamarqueses têm a cada ano deveriam ser desconsideradas, pois eles precisam usá-las para limpar suas casas em vez de contratar empregadas domésticas. Talvez se houvesse uma maneira de trabalhar menos horas e gastar menos tempo limpando a casa, talvez tendo uma casa menor… como os dinamarqueses têm?

Casas mal aquecidas são uma novidade para mim. A Dinamarca é conhecida por seus extensos sistemas de aquecimento urbano. Talvez um país mais ao norte do que Edmonton, no Canadá, se sinta mais confortável com temperaturas internas mais baixas e não seja secretamente mais pobre do que as estatísticas sugerem.

Não me interpretem mal. Se há estadunidenses que querem zombar dos padrões de consumo de outros países, ou mesmo de certas regiões de seu próprio país, isso pode ser muito divertido. Os europeus parecem se divertir tirando o sarro do chocolate, do queijo e da cerveja estadunidenses. Então, divirta-se com a comida sem graça ou com as geladeiras pequenas deles. Mas, ao fazer isso, é melhor não se convencer de que padrões de consumo diferentes dos seus indicam falta de prosperidade.

Quando se trata da “classe média alta” estadunidense, que podemos definir como aqueles que estão significativamente acima do ponto em que a renda dos EUA excede a renda dinamarquesa na distribuição geral (percentil setenta e cinco e valores próximos), a questão comparativa teria que se concentrar em se outras considerações poderiam superar as rendas mais baixas.

O Estado de bem-estar social universal realmente oferece benefícios a todos, mesmo àqueles que não são beneficiários diretos da redistribuição. Para essas pessoas, o principal benefício do Estado de bem-estar social é que ele suaviza a renda vitalícia e as protege contra quedas acentuadas de renda.

Toda vez que um daqueles artigos que falam que “US$ 200.000 não é muito dinheiro” aparece, se você analisar com atenção, quase sempre encontrará um orçamento detalhado de alguém que atualmente arca com muitas despesas ou poupanças que, em outros países, seriam compensadas por um Estado de bem-estar social financiado por impostos. Portanto, os orçamentos geralmente cobrem uma ou duas mensalidades de creche, além de destinar economias significativas para planos de previdência privada e de poupança para a faculdade.

Em algum momento, esses custos se estabilizarão para essa pessoa: os filhos passarão para o ensino fundamental e médio e os planos de previdência e ensino superior estarão bem capitalizados. Ela estará nadando em dinheiro. Mas, então, ela parece estar compreendendo, de forma clara, que um sistema com impostos mais altos, subsídios para creches, pensões de velhice mais generosas e faculdade gratuita resultaria em mais dinheiro para gastar naquele momento da vida, o que significa que ela compreende que a função de suavização do Estado de bem-estar social tem muito valor, mesmo para aqueles com rendas mais altas.

A maior quantidade de tempo livre também pode ser um fator a ser considerado, dependendo de suas preferências pessoais. Poder tirar um mês inteiro de folga no verão e ter mais férias e feriados em geral é muito importante para algumas pessoas, e é por isso que países como a Dinamarca implementaram essas políticas. Apesar do que McArdle diz, na verdade não é todo esse tempo livre extra que é gasto com limpeza e tarefas domésticas.

Além disso, existem, é claro, vários aspectos indiretos da qualidade de vida em uma sociedade igualitária. Há muito menos criminalidade, falta de moradia, “degradação” e coisas do tipo. Pessoas de classe média alta muitas vezes conseguem se isolar dessas coisas em sociedades altamente desiguais, mas não totalmente, e a quantidade de tempo e dinheiro gastos para se isolar das consequências do desigualitarismo também pode ser um pouco cansativa. Por fim, você pode até se importar que outras pessoas em sua sociedade tenham vidas boas por motivos menos egoístas.

Colaborador

Matt Bruenig é o fundador do People's Policy Project.

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