14 de maio de 2025

De uma cabana com telhado de zinco, Pepe Mujica retirou a pompa da política

O ex-presidente uruguaio, que morreu na terça-feira, mostrou o valor de líderes mundiais viverem como seus concidadãos.

Jack Nicas
Jack Nicas cobre a América do Sul e foi um dos últimos jornalistas a entrevistar José “Pepe” Mujica antes de sua morte.

José “Pepe” Mujica, o ex-presidente do Uruguai, em sua casa modesta nos arredores de Montevidéu, no ano passado. Foto de Dado Galdieri para o New York Times.

José “Pepe” Mujica não via muita utilidade na residência presidencial de três andares do Uruguai, com seus lustres, elevador, escadaria de mármore e móveis em estilo Luís XV.

“É uma porcaria”, ele me disse no ano passado. “Deviam transformá-la em uma escola de ensino médio.”

Assim, quando se tornou presidente de sua pequena nação sul-americana em 2010, Mujica decidiu que faria o trajeto diário a partir de sua própria casa: uma cabana desorganizada de três cômodos, do tamanho de um estúdio, abarrotada com um fogão a lenha, estantes cheias de livros e potes de legumes em conserva.

Antes de sua morte na terça-feira, Mujica viveu ali por décadas com sua companheira de vida, Lucía Topolansky — que também foi vice-presidente — e sua cadela de três patas, Manuela. Eles cultivavam crisântemos para vender em feiras locais e dirigiam seu Fusca azul-céu de 1987 até seus bares de tango favoritos.

Segundo ele, não havia motivo para que um novo cargo exigisse uma mudança de endereço.

Isso significava que, depois de sentar lado a lado com Barack Obama no Salão Oval ou de dar palestras a líderes mundiais sobre os perigos do capitalismo nas Nações Unidas, Mujica voltava para casa voando na classe econômica, retornando a uma vida que se assemelhava à de um agricultor pobre.

Foi um golpe de mestre político. Sua presidência não conseguiu cumprir todas as metas econômicas. Mas seu estilo de vida austero fez com que muitos uruguaios o venerassem por viver como eles, ao mesmo tempo em que lhe dava espaço na imprensa internacional para alertar que a ganância estava corroendo a sociedade. Ele insistia que aquele era, de fato, o modo como queria viver — mas também reconhecia que isso servia para ilustrar como os políticos, há muito tempo, viviam com regalias em excesso.

“Fizemos todo o possível para que a presidência fosse menos venerada”, disse Mujica ao meu antecessor do New York Times na América do Sul, Simon Romero, em 2013, enquanto compartilhava com ele uma cuia de mate — a bebida herbal passada de mão em mão durante conversas nesta parte do mundo.

Visitei Mujica na mesma casa no ano passado. Ele estava enrolado em um casaco de inverno e usava um gorro de lã em frente ao fogão a lenha, frágil e quase sem conseguir se alimentar, em decorrência do tratamento de radioterapia para um tumor no esôfago. Mas, diante de um jornalista que poderia levar suas ideias ao mundo — talvez pela última vez —, ele falou por quase duas horas, dissertando sobre como encontrar propósito e beleza na vida e como, disse-me espontaneamente: “a humanidade, do jeito que vai, está condenada.”

Ele também explicou por que acreditava que os símbolos do cargo público — os palácios, os criados, os jatinhos de luxo — eram o oposto do que a democracia deveria representar.

“Os resquícios culturais do feudalismo permanecem — dentro da república. O tapete vermelho, as cornetas quando o senhor feudal saía do castelo para a ponte. Tudo isso continua existindo”, disse. “O presidente gosta de ser bajulado.”

Ele relembrou uma visita à Alemanha durante seu mandato. “Me colocaram num Mercedes-Benz. A porta devia pesar uns 3.000 quilos. Botaram 40 motos na frente e outras 40 atrás”, contou. “Fiquei envergonhado.”

A imprensa internacional o apelidou de “o presidente mais pobre do mundo”, observando que seu patrimônio líquido era de apenas US$ 1.800 quando assumiu o cargo. Mujica detestava o apelido e costumava citar o filósofo romano Sêneca: “Não é pobre o homem que tem pouco, mas sim aquele que deseja mais.”

Seria difícil encontrar um contraste mais marcante com o presidente Trump, que fez de uma vida cercada de luxo o centro de sua identidade. Na nossa entrevista, três meses antes da eleição, Mujica mencionou Trump várias vezes. “Parece mentira — um país como os Estados Unidos ter um candidato como Trump”, disse. “Democracia no nível de um capacho.”

Mujica entrou para a política nos anos 1960 como guerrilheiro de esquerda, assaltando bancos. Seu grupo, os Tupamaros, ganhou notoriedade pela violência. Mujica afirmava que tentavam evitar ferir civis, mas acrescentava que, às vezes, a luta de esquerda exigia o uso da força.

Depois de escapar da prisão duas vezes, ele acabou preso por 14 anos durante a ditadura militar uruguaia — grande parte desse tempo em confinamento solitário. Preso em um buraco no chão, contou que fez amizade com ratos e uma pequena rã para manter a sanidade mental.

Foi libertado com a redemocratização do Uruguai e, com o tempo, foi eleito para o Congresso, chamando atenção por chegar ao trabalho de Vespa. Em 2009, os eleitores o elegeram presidente do país de 3,3 milhões de habitantes.

Durante seu governo, o Uruguai descriminalizou o aborto, legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, investiu em energia renovável e se tornou o primeiro país do mundo a legalizar completamente a maconha. Ainda assim, muitas de suas metas — como reduzir significativamente a desigualdade e melhorar a educação — acabaram sucumbindo às realidades da política.

Mas, à medida que a notícia de sua morte se espalhava na terça-feira, pessoas ao redor do mundo não o lembravam por suas políticas. Foi sua humildade que se tornou seu legado.

No início deste ano, seu protegido político, um ex-professor de história chamado Yamandú Orsi, assumiu a presidência do Uruguai. Ele tem feito o trajeto até o trabalho a partir da casa onde vive com a família, e a residência oficial da presidência permanece, em grande parte, vazia.

Jack Nicas é o chefe do escritório do New York Times no Brasil, liderando a cobertura de grande parte da América do Sul.

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