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Ilustração vintage de três gerações de uma família americana da década de 1950, sentadas na sala de estar assistindo televisão (serigrafia), 1950. (GraphicaArtis / Getty Images) |
Na véspera da primeira vitória presidencial de Donald Trump, uma pesquisa de opinião pública descobriu que 70% de seus apoiadores acreditavam que o país havia mudado para pior desde a década de 1950. O New York Times publicou um artigo , “Eleitores que anseiam por uma vida estilo Leave It to Beaver”, interpretando a descoberta como evidência de que os eleitores de Trump estavam nostálgicos pelas hierarquias sociais rígidas e valores culturais retrógrados da época — Ward Cleaver voltando do trabalho para o colar de pérolas e a carne assada de June, a personagem negra única, uma empregada doméstica, que aparece em um único episódio na temporada final da série.
Essa caracterização não foi totalmente arbitrária, já que Trump rotineiramente expressava diretamente suas preocupações com raça, nacionalidade e gênero. Mas, no ano passado, outra pesquisa introduziu algumas nuances no debate. Quando questionados sobre cada década, os conservadores consideraram a década de 1950 como aquela que tinha famílias mais felizes, menor criminalidade e moral mais elevada. Os liberais demonstraram uma visão mais mista da década de 1950, mas até mesmo eles a imaginaram como a década em que as comunidades estavam mais unidas — o que não é pouca coisa, já que a coesão social e a participação social nos bairros estão fortemente associadas à satisfação geral com a vida e ao bem-estar.
É verdade que a sociedade se tornou menos coesa desde então, como evidenciado por tudo, desde a queda vertiginosa no número de membros de grupos até a perda da arte de receber visitas em casa. Aliás, a temporada de Leave It to Beaver, de 1957 a 1963, coincidiu quase exatamente com o auge da confiança social. Entre 1957 e 1964, cerca de 77% dos estadunidenses afirmavam que quase todo mundo era confiável. Esse número caiu pela metade desde então.
Qual memória cultural é mais responsável pela romantização dos anos 50: a autoridade patriarcal ou a relação com os vizinhos? As pessoas sentem mais nostalgia de “uma época em que os cristãos brancos, em particular, tinham mais poder político e cultural”, como afirmou um pesquisador, ou de uma época em que as crianças andavam de bicicleta até o pôr do sol e era possível comprar fiado no supermercado?
Para muitos estadunidenses, é difícil separá-las. Os conservadores afirmam que a relação é causal: as hierarquias sociais dos anos 50 eram naturais e segui-las tornou a sociedade mais estável, enquanto dispensá-las tornou as coisas desequilibradas. Nossa cultura carece de uma explicação alternativa convincente da coesão social de meados do século, uma que a dissocie das atitudes chauvinistas comuns em relação à raça e gênero da época. À medida que as pessoas buscam respostas para os crescentes problemas sociais, começamos a ver fenômenos alarmantes, como um aumento acentuado na agitação pela ortodoxia dos papéis de gênero, como o recente aumento da opinião pública de que as mulheres devem retornar aos seus papéis tradicionais na sociedade.
"Os estadunidenses não sabem que a época que muitos deles lembram com carinho como uma era de segurança, abundância e laços familiares e comunitários foi o auge do poder dos trabalhadores e da igualdade econômica."
Há uma explicação diferente para o porquê de a sociedade ter se sentido mais amigável, mais confiante e mais sociável. As décadas de meados do século, frequentemente conhecidas como a “Grande Compressão”, ostentaram a menor desigualdade de renda, a maior taxa de sindicalização, os maiores salários reais, a maior atividade grevista, a maior tributação progressiva, a maior regulamentação da indústria e o maior investimento público da história estadunidense. Melhores salários e serviços permitiram que milhões de trabalhadores alcançassem uma medida de segurança que havia escapado às gerações anteriores, reduzindo a competição por recursos. E as perspectivas econômicas individuais dos trabalhadores aumentaram em relação à prosperidade geral da nação, imbuindo a sociedade com um senso de propósito comum. Essas dinâmicas foram responsáveis por uma sociedade mais coesa, não os valores culturais conservadores dominantes da época.
Esta história ainda é muito pouco conhecida. Quando os estadunidenses foram questionados este ano sobre qual década apresentou a maior participação do poder dos trabalhadores em relação aos empregadores, eles ficaram completamente perdidos. Nenhuma década ou período em particular se destacou. Os estadunidenses não sabem que a época que muitos deles lembram com carinho como uma era de segurança, abundância e laços familiares e comunitários foi o ponto alto do poder dos trabalhadores e da igualdade econômica. Nesse vácuo, explicações estritamente culturais para o declínio social são cada vez mais populares — ameaçando nos arrastar de volta à era das trevas sociais sem repor a prosperidade econômica e a confiança mútua que perdemos.
Essa caracterização não foi totalmente arbitrária, já que Trump rotineiramente expressava diretamente suas preocupações com raça, nacionalidade e gênero. Mas, no ano passado, outra pesquisa introduziu algumas nuances no debate. Quando questionados sobre cada década, os conservadores consideraram a década de 1950 como aquela que tinha famílias mais felizes, menor criminalidade e moral mais elevada. Os liberais demonstraram uma visão mais mista da década de 1950, mas até mesmo eles a imaginaram como a década em que as comunidades estavam mais unidas — o que não é pouca coisa, já que a coesão social e a participação social nos bairros estão fortemente associadas à satisfação geral com a vida e ao bem-estar.
É verdade que a sociedade se tornou menos coesa desde então, como evidenciado por tudo, desde a queda vertiginosa no número de membros de grupos até a perda da arte de receber visitas em casa. Aliás, a temporada de Leave It to Beaver, de 1957 a 1963, coincidiu quase exatamente com o auge da confiança social. Entre 1957 e 1964, cerca de 77% dos estadunidenses afirmavam que quase todo mundo era confiável. Esse número caiu pela metade desde então.
Qual memória cultural é mais responsável pela romantização dos anos 50: a autoridade patriarcal ou a relação com os vizinhos? As pessoas sentem mais nostalgia de “uma época em que os cristãos brancos, em particular, tinham mais poder político e cultural”, como afirmou um pesquisador, ou de uma época em que as crianças andavam de bicicleta até o pôr do sol e era possível comprar fiado no supermercado?
Para muitos estadunidenses, é difícil separá-las. Os conservadores afirmam que a relação é causal: as hierarquias sociais dos anos 50 eram naturais e segui-las tornou a sociedade mais estável, enquanto dispensá-las tornou as coisas desequilibradas. Nossa cultura carece de uma explicação alternativa convincente da coesão social de meados do século, uma que a dissocie das atitudes chauvinistas comuns em relação à raça e gênero da época. À medida que as pessoas buscam respostas para os crescentes problemas sociais, começamos a ver fenômenos alarmantes, como um aumento acentuado na agitação pela ortodoxia dos papéis de gênero, como o recente aumento da opinião pública de que as mulheres devem retornar aos seus papéis tradicionais na sociedade.
"Os estadunidenses não sabem que a época que muitos deles lembram com carinho como uma era de segurança, abundância e laços familiares e comunitários foi o auge do poder dos trabalhadores e da igualdade econômica."
Há uma explicação diferente para o porquê de a sociedade ter se sentido mais amigável, mais confiante e mais sociável. As décadas de meados do século, frequentemente conhecidas como a “Grande Compressão”, ostentaram a menor desigualdade de renda, a maior taxa de sindicalização, os maiores salários reais, a maior atividade grevista, a maior tributação progressiva, a maior regulamentação da indústria e o maior investimento público da história estadunidense. Melhores salários e serviços permitiram que milhões de trabalhadores alcançassem uma medida de segurança que havia escapado às gerações anteriores, reduzindo a competição por recursos. E as perspectivas econômicas individuais dos trabalhadores aumentaram em relação à prosperidade geral da nação, imbuindo a sociedade com um senso de propósito comum. Essas dinâmicas foram responsáveis por uma sociedade mais coesa, não os valores culturais conservadores dominantes da época.
Esta história ainda é muito pouco conhecida. Quando os estadunidenses foram questionados este ano sobre qual década apresentou a maior participação do poder dos trabalhadores em relação aos empregadores, eles ficaram completamente perdidos. Nenhuma década ou período em particular se destacou. Os estadunidenses não sabem que a época que muitos deles lembram com carinho como uma era de segurança, abundância e laços familiares e comunitários foi o ponto alto do poder dos trabalhadores e da igualdade econômica. Nesse vácuo, explicações estritamente culturais para o declínio social são cada vez mais populares — ameaçando nos arrastar de volta à era das trevas sociais sem repor a prosperidade econômica e a confiança mútua que perdemos.
O grande "Nós"
Os EUA de meados do século foi de fato um tempo e lugar de coesão macro e microssocial mais forte. Robert Putnam e Shaylyn Romney Garrett, autores de The Upswing: How We Came Together a Century Ago and How We Can Do It Again [A Grande Virada: Como a Sociedade se Uniu no Passado e Como Podemos Fazer Isso Agora], discutem a “curva eu-nós-eu”, na qual o individualismo e a desconfiança da Era Dourada deram lugar nas primeiras décadas do século XX a uma crescente consciência cívica, uma onda que atingiu o auge de meados da década de 1950 a meados da década de 1960. A ascensão da consciência social produziu o New Deal e as reformas da Grande Sociedade e pôs em movimento as profundas revoluções sociais do século, antes que o grande “nós” se dissolvesse em muitos “eus” concorrentes mais uma vez.
Putnam é o autor de Jogando Boliche Sozinho, uma obra histórica da ciência política que traça a ascensão e queda da sociedade civil — igrejas, clubes, sindicatos, lojas, ligas esportivas, associações de voluntários, organizações de bairro, grupos de jovens — para demonstrar e explicar o desmoronamento do mutualismo estadunidense de meados do século. Independentemente da filiação ideológica ou política, o argumento de Putnam procede, a participação em massa em grupos e a natureza muito mais social da vida estadunidense evidenciaram um senso de solidariedade social muito mais forte do que existe hoje. Mesmo os anticomunistas mais fervorosos que defendiam o individualismo descarado viviam em uma sociedade onde as pessoas rotineiramente se moviam em uníssono em direção a objetivos comuns — tão diferente dos satélites solitários de hoje cruzando o espaço vazio. Este era o outro lado pró-social do que os liberais lembram apenas como uma conformidade sufocante.
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Um Ford Thunderbird 1958. (Hugh Llewelyn / Wikimedia Commons) |
Em The Upswing, Putnam e Garrett mapeiam essa tendência, juntamente com várias outras, aprofundando nossa compreensão de quão diferente era a vida estadunidense em meados do século em relação à atual. Fundamentalmente, o arco da desigualdade econômica segue o mesmo padrão de curva em sino.
“Durante décadas após a Segunda Guerra Mundial”, escrevem os autores, “a diferença entre ricos e pobres continuou a diminuir. A parcela dos estadunidenses de renda média e baixa na abundância da prosperidade do pós-guerra aumentou, reduzindo ainda mais a desigualdade de renda.” A riqueza coletiva dos Estados Unidos estava crescendo, mas, diferentemente da Era Dourada ou de hoje, a parcela dessa riqueza também era distribuída de forma mais equitativa.
“Uma maré econômica crescente elevou todos os barcos”, escrevem Putnam e Garrett. “Na verdade, durante esse período, os botes subiram mais rápido do que os iates.”
As políticas responsáveis por essa redução drástica da desigualdade de renda e pela elevação do padrão de vida da classe trabalhadora emergiram da convergência de diversas forças históricas: a massiva organização trabalhista da década de 1930, a transformação da relação entre governo e economia promovida pelo New Deal e a extraordinária expansão econômica que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. Consequentemente, a década de 1950 representou o que o historiador Robert Brenner chama de “a verdadeira era de ouro para o trabalhador estadunidense”, com os trabalhadores da produção industrial desfrutando de ganhos econômicos sem precedentes.
“Durante décadas após a Segunda Guerra Mundial”, escrevem os autores, “a diferença entre ricos e pobres continuou a diminuir. A parcela dos estadunidenses de renda média e baixa na abundância da prosperidade do pós-guerra aumentou, reduzindo ainda mais a desigualdade de renda.” A riqueza coletiva dos Estados Unidos estava crescendo, mas, diferentemente da Era Dourada ou de hoje, a parcela dessa riqueza também era distribuída de forma mais equitativa.
“Uma maré econômica crescente elevou todos os barcos”, escrevem Putnam e Garrett. “Na verdade, durante esse período, os botes subiram mais rápido do que os iates.”
As políticas responsáveis por essa redução drástica da desigualdade de renda e pela elevação do padrão de vida da classe trabalhadora emergiram da convergência de diversas forças históricas: a massiva organização trabalhista da década de 1930, a transformação da relação entre governo e economia promovida pelo New Deal e a extraordinária expansão econômica que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. Consequentemente, a década de 1950 representou o que o historiador Robert Brenner chama de “a verdadeira era de ouro para o trabalhador estadunidense”, com os trabalhadores da produção industrial desfrutando de ganhos econômicos sem precedentes.
"Como os liberais perderam qualquer inclinação para enquadrar a política em termos de classe, eles não têm contra-argumentos convincentes para o relato sedutor da direita sobre a grandeza estadunidense perdida."
Segundo Brenner, o período de 1948 a 1959 registrou ganhos econômicos sem precedentes para os trabalhadores, com os salários da indústria crescendo a uma taxa média anual de 3,4% — o maior crescimento salarial sustentado de todo o século XX ou XXI, exceto em tempos de guerra. Essa prosperidade se estendeu para além dos trabalhadores fabris, com ganhos semelhantes em toda a economia.
Essa transformação notável resultou de dois fatores-chave. Primeiro, a força organizacional dos trabalhadores atingiu níveis históricos, com os sindicatos conquistando uma alta porcentagem de eleições de reconhecimento e a filiação sindical atingindo o pico de aproximadamente 35% da força de trabalho do setor privado em meados da década de 1950. Segundo, como argumenta Brenner, o boom econômico do pós-guerra criou condições em que os empregadores priorizaram a manutenção da produção estável em detrimento da contenção salarial. Nesse ambiente de alta demanda e mercados de trabalho concorridos, a ameaça de paralisações deu aos trabalhadores uma vantagem substancial nas negociações, permitindo-lhes garantir melhorias significativas na remuneração e nas condições de trabalho.
A combinação de baixa desigualdade e altos salários em meados do século XX promoveu menos competição, estresse e criminalidade, gerando maior estabilidade, confiança e solidariedade social. Os liberais frequentemente descartam essa abundância como um fenômeno exclusivo dos brancos, mas a realidade é mais sutil. A segregação e a discriminação impostas pelas leis de Jim Crow limitaram severamente as oportunidades dos negros estadunidenses, mas eles não foram totalmente excluídos da prosperidade do período. De fato, os negros estadunidenses experimentaram ganhos econômicos significativos durante as décadas do pós-guerra, impulsionados por uma equalização de renda mais ampla que os beneficiou particularmente à medida que migravam do Sul em busca de melhores empregos.
Esse período testemunhou a menor desigualdade econômica racial da história americana, com a diferença salarial entre negros e brancos diminuindo ao longo da década de 1950 e posteriormente, até 1968, quando a desigualdade geral começou a aumentar. Essa inclusão econômica acelerada no grande “nós” expôs as contradições raciais dos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que trouxe recursos para os negros estadunidenses, o que intensificou a luta por plenos direitos civis.
Mas, assim como os negros estadunidenses garantiram a igualdade jurídica formal, o consenso econômico do pós-guerra começou a se desfazer. Com a estagnação dos salários e a aceleração da desigualdade a partir da década de 1970, os negros estadunidenses suportaram o fardo mais pesado dessas tendências — assim como se beneficiaram desproporcionalmente da era anterior de prosperidade compartilhada. As vitórias jurídicas do movimento pelos direitos civis precederam uma transformação econômica que minaria seu potencial nas décadas seguintes.
Para as mulheres, o cenário era igualmente complexo. Embora muitas mulheres não ganhassem nada trabalhando fora de casa durante esse período, os salários que sustentavam a família significavam que elas frequentemente desfrutavam de padrões de vida relativamente altos graças à renda dos maridos. Mas esse arranjo doméstico era profundamente instável.
Como observou a historiadora Stephanie Coontz, a década de 1950 foi “construída para a autodestruição. Os mesmos fatores que a tornaram o epítome da família do ganha-pão masculino e a fizeram parecer a era de ouro da vida familiar também contribuíram para minar essa família”. A combinação da dependência financeira das mulheres com normas de gênero rigidamente sexistas que afirmavam a autoridade masculina e negavam a autonomia feminina criou condições que acabariam se mostrando intoleráveis à medida que as expectativas e aspirações das mulheres evoluíam.
No cerne da argumentação de Betty Friedan em seu livro inovador “A Mística Feminina”, baseado em pesquisa feita ao longo da década de 1950 e publicado em 1963, estava a afirmação de que as mulheres, assim como os homens, deveriam poder dedicar suas vidas a “um propósito humano” fora dos limites de seus lares. Os movimentos sociais das décadas subsequentes foram extensões do ethos comunitário geral da década de 1950, mesmo que se opusessem veementemente a características sociais específicas daquela época.
A rejeição das mulheres à ortodoxia dos papéis de gênero não precisa ter coincidido com o desmantelamento de altos salários, forte poder sindical e fortes laços comunitários. Uma sociedade mais equitativa poderia ter surgido se a segurança econômica permanecesse intacta enquanto as relações de gênero fossem transformadas — onde as rendas permanecessem altas o suficiente para que tanto mulheres quanto homens pudessem trabalhar em jornadas reduzidas fora de casa, enquanto compartilhavam as responsabilidades domésticas e de cuidado com os filhos de forma mais equitativa. Essa evolução progressiva nunca se materializou porque, precisamente no momento em que a segunda onda do feminismo desafiava os papéis tradicionais de gênero, a economia política estadunidense passava por sua fatídica mudança de regime para o neoliberalismo.
Quem desgastou o tecido social?
Essa transformação notável resultou de dois fatores-chave. Primeiro, a força organizacional dos trabalhadores atingiu níveis históricos, com os sindicatos conquistando uma alta porcentagem de eleições de reconhecimento e a filiação sindical atingindo o pico de aproximadamente 35% da força de trabalho do setor privado em meados da década de 1950. Segundo, como argumenta Brenner, o boom econômico do pós-guerra criou condições em que os empregadores priorizaram a manutenção da produção estável em detrimento da contenção salarial. Nesse ambiente de alta demanda e mercados de trabalho concorridos, a ameaça de paralisações deu aos trabalhadores uma vantagem substancial nas negociações, permitindo-lhes garantir melhorias significativas na remuneração e nas condições de trabalho.
A combinação de baixa desigualdade e altos salários em meados do século XX promoveu menos competição, estresse e criminalidade, gerando maior estabilidade, confiança e solidariedade social. Os liberais frequentemente descartam essa abundância como um fenômeno exclusivo dos brancos, mas a realidade é mais sutil. A segregação e a discriminação impostas pelas leis de Jim Crow limitaram severamente as oportunidades dos negros estadunidenses, mas eles não foram totalmente excluídos da prosperidade do período. De fato, os negros estadunidenses experimentaram ganhos econômicos significativos durante as décadas do pós-guerra, impulsionados por uma equalização de renda mais ampla que os beneficiou particularmente à medida que migravam do Sul em busca de melhores empregos.
Esse período testemunhou a menor desigualdade econômica racial da história americana, com a diferença salarial entre negros e brancos diminuindo ao longo da década de 1950 e posteriormente, até 1968, quando a desigualdade geral começou a aumentar. Essa inclusão econômica acelerada no grande “nós” expôs as contradições raciais dos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que trouxe recursos para os negros estadunidenses, o que intensificou a luta por plenos direitos civis.
Mas, assim como os negros estadunidenses garantiram a igualdade jurídica formal, o consenso econômico do pós-guerra começou a se desfazer. Com a estagnação dos salários e a aceleração da desigualdade a partir da década de 1970, os negros estadunidenses suportaram o fardo mais pesado dessas tendências — assim como se beneficiaram desproporcionalmente da era anterior de prosperidade compartilhada. As vitórias jurídicas do movimento pelos direitos civis precederam uma transformação econômica que minaria seu potencial nas décadas seguintes.
Para as mulheres, o cenário era igualmente complexo. Embora muitas mulheres não ganhassem nada trabalhando fora de casa durante esse período, os salários que sustentavam a família significavam que elas frequentemente desfrutavam de padrões de vida relativamente altos graças à renda dos maridos. Mas esse arranjo doméstico era profundamente instável.
Como observou a historiadora Stephanie Coontz, a década de 1950 foi “construída para a autodestruição. Os mesmos fatores que a tornaram o epítome da família do ganha-pão masculino e a fizeram parecer a era de ouro da vida familiar também contribuíram para minar essa família”. A combinação da dependência financeira das mulheres com normas de gênero rigidamente sexistas que afirmavam a autoridade masculina e negavam a autonomia feminina criou condições que acabariam se mostrando intoleráveis à medida que as expectativas e aspirações das mulheres evoluíam.
No cerne da argumentação de Betty Friedan em seu livro inovador “A Mística Feminina”, baseado em pesquisa feita ao longo da década de 1950 e publicado em 1963, estava a afirmação de que as mulheres, assim como os homens, deveriam poder dedicar suas vidas a “um propósito humano” fora dos limites de seus lares. Os movimentos sociais das décadas subsequentes foram extensões do ethos comunitário geral da década de 1950, mesmo que se opusessem veementemente a características sociais específicas daquela época.
A rejeição das mulheres à ortodoxia dos papéis de gênero não precisa ter coincidido com o desmantelamento de altos salários, forte poder sindical e fortes laços comunitários. Uma sociedade mais equitativa poderia ter surgido se a segurança econômica permanecesse intacta enquanto as relações de gênero fossem transformadas — onde as rendas permanecessem altas o suficiente para que tanto mulheres quanto homens pudessem trabalhar em jornadas reduzidas fora de casa, enquanto compartilhavam as responsabilidades domésticas e de cuidado com os filhos de forma mais equitativa. Essa evolução progressiva nunca se materializou porque, precisamente no momento em que a segunda onda do feminismo desafiava os papéis tradicionais de gênero, a economia política estadunidense passava por sua fatídica mudança de regime para o neoliberalismo.
Quem desgastou o tecido social?
A partir da década de 1970, esse novo paradigma econômico desmantelou sistematicamente os fundamentos materiais da vida estadunidense de meados do século, erodindo a segurança econômica e a confiança social que caracterizavam a época. Essa transformação coincidiu com a plena expressão das mudanças sociais que vinham se formando nas décadas do pós-guerra, como a queda das leis de Jim Crow e a entrada das mulheres no mercado de trabalho formal.
O momento oportuno levou a um diagnóstico equivocado. Narrativas conservadoras exploram essa coincidência para argumentar que a própria mudança social causou a precariedade econômica. Para a direita, as supostas falhas da década de 1950 foram, na verdade, os elementos essenciais responsáveis pela coesão social do período, e nos desviamos do caminho porque buscamos a “engenharia social” da igualdade; deixar as hierarquias naturais se desenvolverem funcionaria muito melhor.
O momento oportuno levou a um diagnóstico equivocado. Narrativas conservadoras exploram essa coincidência para argumentar que a própria mudança social causou a precariedade econômica. Para a direita, as supostas falhas da década de 1950 foram, na verdade, os elementos essenciais responsáveis pela coesão social do período, e nos desviamos do caminho porque buscamos a “engenharia social” da igualdade; deixar as hierarquias naturais se desenvolverem funcionaria muito melhor.
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Vista aérea de Levittown, Pensilvânia, por volta de 1959. (Wikimedia Commons) |
O que os liberais consideram “atrasado”, como os papéis tradicionais de gênero, na verdade fornecia a estrutura necessária de ordem e propósito que impedia o caos social, argumenta a direita. A solução conservadora surge naturalmente: para tornar os Estados Unidos grandes novamente, é preciso reverter as mudanças sociais que supostamente perturbaram o equilíbrio natural e levaram ao declínio social.
Na realidade, a conexão é muito mais contingente. O Partido Democrata — sempre um partido cuja coalizão incluiu elementos conservadores como segmentos do capital, mas também o partido que foi o arquiteto das reformas do New Deal e da Grande Sociedade e defensor dos sindicatos e dos trabalhadores braçais no século XX — abandonou seu programa econômico, deixando o cenário político estadunidense sem uma oposição organizada ao neoliberalismo. Ao mesmo tempo, para dar cobertura progressista à mudança de rumo, os democratas abraçaram políticas de justiça social. Sem base em perspectivas econômicas compartilhadas (o grande “nós”), essas políticas tornaram-se cada vez mais tribalistas, refletindo a polarização e a fragmentação da vida social do final do século XX e início do século XXI.
Na realidade, a conexão é muito mais contingente. O Partido Democrata — sempre um partido cuja coalizão incluiu elementos conservadores como segmentos do capital, mas também o partido que foi o arquiteto das reformas do New Deal e da Grande Sociedade e defensor dos sindicatos e dos trabalhadores braçais no século XX — abandonou seu programa econômico, deixando o cenário político estadunidense sem uma oposição organizada ao neoliberalismo. Ao mesmo tempo, para dar cobertura progressista à mudança de rumo, os democratas abraçaram políticas de justiça social. Sem base em perspectivas econômicas compartilhadas (o grande “nós”), essas políticas tornaram-se cada vez mais tribalistas, refletindo a polarização e a fragmentação da vida social do final do século XX e início do século XXI.
"A recusa dos liberais em reconhecer e explicar abertamente por que aspectos importantes da vida pareciam melhores há setenta anos leva as pessoas a caírem nas graças dos reacionários que têm uma explicação pronta."
A história que os liberais contaram sobre essa mudança de rumo foi a de que as décadas de 1960 e 1970 foram um repúdio generalizado à retrógrada década de 1950. Essa narrativa é um presente para os conservadores, criando a aparência de uma compensação entre prosperidade econômica e igualitarismo social. Como os liberais perderam qualquer inclinação para enquadrar a política em termos de classe, eles não têm contra-argumentos convincentes para o relato sedutor da direita sobre a grandeza estadunidense perdida. Tudo o que eles podem fazer é agir como se estivessem escandalizados pela nostalgia de meados do século e negar abertamente a decadência social. Isso soa como manipulação para pessoas que intuitivamente entendem que algo de valor desapareceu da vida social estadunidense.
Dezenas de milhões de estadunidenses sentem que a vida já ostentou características fortemente associadas à felicidade e ao florescimento humanos, mas que desde então as perdeu. É dever de qualquer grupo político levar a sério essa sensação de perda e oferecer uma explicação convincente — que distinga causas e efeitos, para que possamos vislumbrar um futuro que integre o melhor do passado sem retroceder em progressos sociais cruciais. A recusa dos liberais em reconhecer e explicar abertamente por que aspectos-chave da vida pareciam melhores há setenta anos leva as pessoas a se entregarem a reacionários que têm uma explicação pronta.
A história que precisamos contar rompe com mitos liberais e conservadores: o tecido social estadunidense de fato se desgastou, e a culpa é do neoliberalismo, que demoliu a base material da solidariedade social. Esse ataque econômico roubou dos estadunidenses comuns a confiança, a comunidade, a segurança e o senso de esforço comum. Se não popularizarmos essa narrativa, as pessoas continuarão pensando que a solução para recuperar o que perdemos é ressuscitar o que deveria permanecer enterrado.
Dezenas de milhões de estadunidenses sentem que a vida já ostentou características fortemente associadas à felicidade e ao florescimento humanos, mas que desde então as perdeu. É dever de qualquer grupo político levar a sério essa sensação de perda e oferecer uma explicação convincente — que distinga causas e efeitos, para que possamos vislumbrar um futuro que integre o melhor do passado sem retroceder em progressos sociais cruciais. A recusa dos liberais em reconhecer e explicar abertamente por que aspectos-chave da vida pareciam melhores há setenta anos leva as pessoas a se entregarem a reacionários que têm uma explicação pronta.
A história que precisamos contar rompe com mitos liberais e conservadores: o tecido social estadunidense de fato se desgastou, e a culpa é do neoliberalismo, que demoliu a base material da solidariedade social. Esse ataque econômico roubou dos estadunidenses comuns a confiança, a comunidade, a segurança e o senso de esforço comum. Se não popularizarmos essa narrativa, as pessoas continuarão pensando que a solução para recuperar o que perdemos é ressuscitar o que deveria permanecer enterrado.
Colaborador
Meagan Day é editora associada da Jacobin. Ela é coautora de Bigger than Bernie: How We Go from the Sanders Campaign to Democratic Socialism.
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