2 de junho de 1994

O triunfo do capital financeiro

Este artigo foi originalmente uma palestra apresentada em uma conferência organizada pela Associação de Graduados da Faculdade de Economia da Universidade de Istambul, Turquia, em 21 de abril de 1994.

Paul M. Sweezy


Volume 46, Issue 02 (June)

Tradução / O assunto desta conferência é "Novas Tendências na Turquia e no Mundo". Eu não devo tentar dizer qualquer coisa sobre as novas tendências na Turquia, parcialmente devido à minha ignorância, mas fundamentalmente porque a Turquia é parte do mundo e neste período a mãe de todas as novas tendências possui natureza global. Para compreender o que está acontecendo em qualquer parte do mundo, deve-se começar a partir do que está acontecendo no mundo todo. A máxima de Hegel que diz "A Verdade está no todo", jamais foi tão verdadeira e relevante como hoje. Em uma passagem muito citada, escrita em 1936, John Maynard Keynes disse:

"É provável que os especuladores não causem prejuízos como as bolhas num rio caudaloso quando o empreendimento é estável e a economia é saudável. Mas a situação é grave quando a bolha vira um redemoinho e o negócio torna-se mera especulação. Quando o desenvolvimento de capital de um país toma-se um subproduto das atividades de um cassino, é provável que a tarefa seja mal feita."

Presumivelmente, Keynes estava aludindo à situação que existia nos anos 20 nos Estados Unidos, o país capitalista mais avançado do mundo. Hoje, esta passagem tem o tom sinistro de uma profecia que estava para ser completamente realizada há mais de um século atrás, nos anos 80 e 90 — não apenas nos Estados Unidos, mas no mundo todo.

O capital financeiro, uma vez liberado do seu papel original de ser apenas um catalisador modesto de uma economia eminentemente de produção, para atender às necessidades humanas torna-se sempre um capital especulativo, mantendo-se exclusivamente para sua própria auto-expansão. Em tempos anteriores, ninguém nunca sonhou que o capital especulativo, um fenômeno tão antigo quanto o próprio capitalismo, pudesse se desenvolver para dominar uma economia nacional, deixando desprotegido o mundo inteiro. Mas isto ocorreu.

Esta é a realidade que enfrentamos hoje. Suas conseqüências terríveis são visíveis por todos os lados, a partir dos 35 milhões de desempregados nos países industrialmente avançados, até o recrudescimento da pobreza e da miséria no Terceiro Mundo e a deterioração ecológica incontrolada em todo lugar.

O que está em questão aqui e que precisa ser explicado é como tudo isto aconteceu. A acumulação de capital sempre foi a força motora do sistema capitalista e tem sido tratado como tal por todas as principais escolas de análise econômica — clássica, marxista e neoclássica. Tomou-se como certo de um modo geral, que a acumulação de capital contribui para a riqueza, renda e padrão de vida dos países nos quais isto ocorre. Sempre houve, naturalmente, um outro lado para o processo de acumulação — os pânicos periódicos e as quebras aos quais o mesmo está propenso, os benefícios desiguais conferidos a vários segmentos da população, etc. Mas no todo, tem sido e ainda é visto como um processo necessário, cujos aspectos positivos têm de longe mais importância que os negativos.

Não é a minha finalidade presente, colocar isto em discussão, como um julgamento do funcionamento e das conseqüências à acumulação de capital, vistos sob a perspectiva de sua história, que já dura séculos. O que eu quero argumentar é que as mudanças recentes, a maioria ocorrida desde a Segunda Guerra Mundial, modificaram de tal modo as modalidades da acumulação de capital que o mesmo deixou de ser, no todo, uma força positiva e benigna, tendo-se tornado terrivelmente destruidora.

A história do capitalismo como o conhecemos hoje, começa na revolução industrial, na segunda metade do século dezoito. Os atores principais foram as pequenas empresas operando em mercados competitivos. Os avanços tecnológicos, começando e se expandindo a partir das indústrias têxteis, motivaram o que logo se transformou em um processo de auto-reprodução e auto-expansão de acúmulo e crescimento econômico. Este processo foi a base empírica da primeira ciência social real, a economia política clássica.

Nos primeiros estágios do capitalismo industrial, os mercados eram ainda amplamente locais, um fato que não apenas limitava seu tamanho, mas também agia como um retentor para o comportamento competitivo dos participantes. Mais tarde, com o desenvolvimento dos meios de transporte e comunicação (canais, barcos a vapor, ferrovias, telégrafo), os mercados expandiram-se muito, produzindo uma concorrência impessoal e acirrada. Até a segunda metade do século passado, a acumulação de capital e o crescimento econômico já haviam chegado a um grau de intensidade febril.

De um ponto de vista, isto era esplêndido. O capitalismo estava fazendo o que se esperava dele. Mas, de um outro ponto de vista, no que se refere à rentabilidade do capital, as coisas pareciam bem diferentes. A dificuldade era que cada vez mais na atividade industrial, os capitalistas, na tentativa de obterem melhores resultados que os outros, expandiram sua capacidade de produção muito além do ponto de lucro máximo, em muitos casos além do ponto de qualquer lucro. As empresas mais fracas caíram em grupos à beira do caminho, e mesmo as mais fortes tinham que lutar para sobreviver. Para os Estados Unidos, já brigando por um lugar de liderança no mundo capitalista, um número conta a história. O índice de preços de venda no atacado (1910-1914) chegou a 185 no final da Guerra Civil em 1865. Em 1890, caiu para 82, um declínio de 57% em vinte e cinco anos. Tanto o capital quanto o trabalho foram gravemente arrochados; a agitação industrial e a violência alcançaram novas alturas; a literatura econômica do período é cheia de pessimismo e presságios terríveis.

Foi nestas circunstâncias que a história deu uma virada decisiva. Em todos os países capitalistas avançados, as duas últimas décadas do século XIX testemunharam um processo intenso de concentração e centralização de capital. As companhias mais fortes abocanhavam as mais fracas e uniam-se de várias formas e combinações (cartéis, "trustes", "holdings", corporações gigantes), visando eliminar a concorrência estreita e obter o controle das políticas de preço e produção. Foi neste período também que os capitalistas dos países principais, buscando avidamente novos mercados e fontes mais baratas de matérias primas, chegaram a colonizar ou por outro lado ganhar o controle de países mais fracos da África, Ásia e América Latina. Até a virada do século XX o que já tinha sido em pequena escala, o capitalismo local de pequeno alcance do século dezenove, transformou-se no sistema imperialista controlado por monopólio típico do século XX .

E importante compreender o papel das finanças nesta transformação histórica. Até o último trimestre do século dezenove, os bancos e os intermediários das finanças, tinham duas funções principais: de um lado, prover o crédito de curto prazo necessário para manter o ritmo da indústria e o giro do comércio e, do outro lado, abastecer as exigências de longo prazo dos governos (especialmente para sustentar exércitos e travar guerras), sejam empresas de serviços privadas ou públicas (canais, estradas de ferro, instalações para distribuição de água, etc.) e grandes companhias de seguro. Após a Guerra Civil (1861-1865), em cujo financiamento e abastecimento foram feitas muitas fortunas, muitos capitalistas direcionaram sua atenção de maneira crescente para a indústria e tornaram-se os principais movimentadores no processo global de concentração, freqüentemente detendo a propriedade ou o controle de vastos títulos e ações no que viria a ser mais tarde chamado de ponto culminante do comando da economia. Em tudo isto, a carreira de J.P. Morgan, o financista mais famoso da América, tornou-se paradigmática de um modo que raramente ocorre no caso de um único indivíduo. Eu deveria mencionar também a literatura extensa, tanto analítica quanto artística, que foi estimulada pela transformação histórica do capitalismo. Três exemplos importantes vêm à mente: nos Estados Unidos, "The Theory of Business Enterprise" (1904) de Thorstein Veblen; na Alemanha, "Das Finanzkapital" (1910) de Rudolf Hilferding; e na Rússia, "Imperialism" (1917) de Lênin.

De nosso ponto de vista atual, aquele das novas tendências globais deste fim do século XX, é importante compreender que o que ocorreu cem anos atrás, já estabeleceu o cenário para o triunfo final do capital financeiro, mas não conseguiu cumprir seus objetivos iniciais. Durante a primeira metade do século XX, o processo de acumulação de capital continuou a se concentrar sobre o capital industrial, como tinha sido no início da revolução industrial. Os financistas desempenharam um papel importante como parceiros e freqüentemente parceiros dominantes dos capitalistas industriais. Os dois grupos partilharam o objetivo de maximizar os lucros do capital produtivo (aço, óleo, produtos químicos, utilidades, papel, etc.), no entanto, muitos deles devem ter lutado pela divisão dos despojos. Havia, naturalmente, especialistas como banqueiros comerciais, corretores da bolsa de valores e negociadores de títulos que viviam em um mundo financeiro onde a especulação sempre foi uma tentação e oportunamente, como em toda a história do capitalismo, poderiam encarregar-se da atividade de seus próprios seguimentos com grande envolvimento na sociedade e com conseqüências desastrosos para muitos. Mas no todo, as finanças eram ainda subordinadas à produção.

No processo de acumulação de capital propriamente dito, ocorreu uma mudança significativa nos últimos anos do século XX , seguindo o período tempestuoso de concentração e centralização que precederam. Os preços 110 atacado que, conforme observado anteriormente, estavam caindo desde a Guerra Civil, começaram a subir com a virada cíclica da metade do século XIX e após isto continuaram numa tendência de elevação (com um grande destaque na Primeira Guerra Mundial) até os anos 20. A contrapartida deste movimento de preços foi uma queda no investimento de capital visto que as corporações oligopolísticas emergentes mais recentes aprenderam como ajustar suas políticas de produção à capacidade de absorção de seus mercados. Os historiadores deste período observaram de maneira geral que a década anterior à guerra foi apática com um nível elevado de do desemprego e declínios não frequentemente longos e curtos períodos de ascensão.

Na retrospectiva, parece claro que o início do século XX foi também o começo de um longo período de estagnação como aquele característico das os anos 30. O que impediu isto de acontecer mais cedo foi a Primeira Guerra Mundial. Após isto, veio um crescimento rápido conseqüente, que por sua vez foi sustentado por uma série de fatores especiais, mais particularmente a primeira onda da revolução automobilística com suas implicações. Mas forças profundamente estabelecidas, tinham sido implantadas na economia capitalista durante a transformação do século XIX e era apenas uma questão de tempo antes que as mesmas emergissem como fator dominante no funcionamento do sistema. Isto finalmente aconteceu como a quebra financeira espetacular de 1929, abrindo caminho gradualmente para a Grande Depressão dos anos 30.

A Grande Depressão era algo novo na história do capitalismo, uma década inteira na qual não houve crescimento: o processo de acumulação de capital simplesmente sofreu uma interrupção. Nos Estados Unidos, já então o país líder capitalista, o desemprego chegou a 25% da força de trabalho em 1933. Uma virada para um novo ciclo de crescimento à qual muitos economistas baseando-se em experiência passada, imaginavam que levaria ao pleno emprego, foi freada com uma taxa de desemprego ainda nos níveis de 14% em 1937. Seguiu-se uma recessão dentro da depressão. O desemprego subiu para 19% em 1938 e a década parecia destinada a terminar não apenas com a economia, mas com toda a sociedade em profunda crise. O Novo Acordo de Roosevelt que tinha introduzido reformas há muito esperadas e que salvou milhões da fome, através de programas de emergência, estava perdendo suporte e pela primeira vez na história dos EUA, o futuro do próprio capitalismo começou a ser questionado seriamente.

O que colocou um fim a este período, naturalmente, foi a Segunda Grande Guerra. Como John Kenneth Galbraith expressou tão apropriadamente, a Grande Depressão nunca terminou, simplesmente fundiu-se à economia de guerra. Nos cinco anos de 1939 a 1944, o Produto Interno Bruto do país aumentou em cerca de 75% e o desemprego praticamente desapareceu. Mas isto não era parte da lógica interna do sistema capitalista. Esta lógica tinha sido exposta em sua forma mais pura na Grande Depressão: a condição normal do sistema capitalista maduro é a estagnação. Na medida em que este não é o estado real dos países capitalistas avançados, a explicação tem que ser buscada nas forças externas e não econômicas.

Aproximadamente 25 anos após a Segunda Guerra Mundial, ou seja, da metade dos anos 40 até os anos 70, estas forças externas estavam influindo fortemente: a reparação dos danos da guerra, a reposição da escassez causada no tempo da guerra, pelo desvio de recursos da produção civil, o aproveitamento das tecnologias desenvolvidas para fins militares, tais como eletrônica e aviões a jato, principalmente uma nova fase de guerras, seja quente ou fria. Durante duas décadas, nos anos 50 e 60, as condições para a acumulação de capital eram extremamente favoráveis. O capitalismo entrou numa nova era dourada, remanescente dos melhores anos de sua juventude. Mas isto não poderia durar e não durou muito. E da natureza da acumulação eliminar a demanda que o estimula. E a menos que novos estímulos surjam, o processo se abate e volta a tendência à estagnação. Isto é o que estava começando a acontecer quando os anos 60 chegaram ao fim, culminando com uma recessão aguda de 1974-1975, de longe a mais séria desde o final da Segunda Guerra Mundial.

Um novo estímulo era perversamente necessário e surgiu em uma forma que, muito embora e seguramente não previsto, era um resultado lógico de tendências bem estabelecidas dentro da economia capitalista global.

Devo interromper a história aqui, confessando que no território em que estamos para entrar, se não exatamente desconhecido, é em grande parte inexplorado e mapeado muito inadequadamente - além do que eu não estou particularmente bem qualificado, por treinamento ou experiência, a desempenhar o papel de explorador. Além disso, o assunto é tão importante que qualquer coisa que estimule o interesse e o debate pode provar ser útil.

O que estou falando é sobre o desenvolvimento nos últimos vinte anos, ou bem assim de uma superestrutura relativamente independente - relativa, ou seja, ao que foi antes — assentada no topo da economia do mundo e muitas de suas unidades nacionais. É constituído de bancos — central, regional e local — e uma multidão de negociadores em uma variedade atordoante de componentes do ativo financeiro e serviços, tudo interligado por uma rede de mercados, alguns dos quais estruturados e regulados, outros informais e não regulados. Tal entidade é multi- dimensional e não há unidade conceitual que possa ser utilizada para medir seu tamanho. Mas que ela é muito grande e crescente não é apenas intuitivamente evidente mas claramente refletido pelas estatísticas que relacionam aspectos mensuráveis importantes do todo.

Eu disse que esta superestrutura financeira havia sido a criação das últimas duas décadas. Isto significa que seu surgimento foi basicamente contemporâneo com o retorno da estagnação nos anos 70. Mas isto não vai contra toda a experiência anterior? Tradicionalmente, a expansão financeira tem seguido de mãos dadas com a prosperidade na economia real. É possível que isto não mais seja verdade, que agora no fim do século XX o contrário seria o mais próximo da verdade, ou seja, que agora a expansão financeira não se alimenta de uma economia saudável, senão de uma economia estagnada?

A resposta à questão, eu penso, é sim, é possível e isto vem acontecendo. E eu acrescento que estou absolutamente convencido de que a relação inversa entre o financeiro e o real é a chave para o entendimento de novas tendências no mundo com as quais esta conferência está preocupada.

Gostaria de ser capaz de explicar tudo isto em termos simples e compreensíveis. Mas não posso, não apenas por falta de tempo. Estes são problemas muito complicados e eu não conheço ninguém que tenha surgido com soluções satisfatórias. A maior parte dos economistas mais importantes, simplesmente nega sua existência e ao fazer isto, em minha opinião, perde o contato com a realidade. Tudo que posso fazer é tentar sugerir a lógica subjacente do argumento.

A economia real, aquela que produz produtos e serviços que fazem com que as pessoas vivam e reproduzam, é de propriedade de uma minoria diminuta de oligopolistas. É estruturada para proporcionar a eles grandes lucros, muito além do que poderiam ou mesmo quereriam consumir. Sendo capitalistas, querem investir a maior parte de seus lucros. Mas exatamente a mesma estrutura que proporciona estes lucros, coloca limites estritos sobre as rendas da população que está abaixo. Estas pessoas podem simplesmente comprar de maneira escassa, o nível atual de produção oferecido a elas a preços calculados para render a taxa existente de lucro do oligopólio. Não há, portanto, lucro a ser feito a partir da expansão da capacidade de produção de bens que entram em consumo de massa. Fazer isto seria investir em excesso de capacidade, uma irracionalidade capitalista patente. O que, então, eles devem fazer com seus lucros?

Retrospectivamente, a resposta parece óbvia: deveriam investir em ativos produtivos não reais, financeiros. E que, eu penso, é justamente o que começaram a fazer em uma escala crescente quando a economia entrou uma vez mais em estagnação nos anos 70. Do lado do abastecimento, também, a situação estava amadurecida para a mudança. A atividade financeira, geralmente de um tipo tradicional, tinha sido estimulada pelo crescimento rápido do pós-guerra nos anos 50 e 60, sofrendo algo como uma decepção com a volta da estagnação. Os financistas estavam, portanto, procurando novos negócios. O capital que migrava para fora da economia real, foi alegremente recebido no setor financeiro. Então começou o processo que durante as próximas duas décadas resultou no triunfo do capital financeiro.

Quando comecei a me preparar para esta palestra, eu tinha noções pomposas acerca do que queria incluir. Primeiro viria uma afirmação do tema central, a ascensão ao domínio por parte do capital financeiro; depois, um esboço, tanto histórico quanto analítico, das origens e desenvolvimento deste processo; finalmente e o mais importante, pensamentos sobre as implicações para o entendimento do que está acontecendo no mundo e o que esperar quando olhamos para o futuro. Eu até mesmo pensei que poderia encontrar tempo para dizer algo sobre o que poderia ou deveria ser feito por aqueles de nós que não estão satisfeitos com a maneira pela qual as coisas vão.

Ai que ilusão! Eu logo me dei conta que tentar lidar com uma agenda dessas numa palestra poderia resultar apenas em uma cobertura inadequada. Então eu fui obrigado a voltar atrás e concentrar-me no aspecto histórico. Mas eu não quero terminar sem pelo menos algumas observações sobre as implicações.

1) O lugar do poder econômico e político foi transferido juntamente com a ascendência do capital financeiro. Considerou-se como certo por muito tempo, especialmente dentre os radicais, que o lugar do poder na sociedade capitalista estava nas salas de diretoria de umas poucas centenas de corporações multinacionais gigantes. Muito embora não haja dúvidas quanto ao papel destas entidades na alocação de recursos e outros assuntos importantes também, creio que há uma consideração a mais e que precisa ser ampliada. Os ocupantes destas salas de diretoria são por si próprios, numa extensão crescente, constrangidos e controlados pelo capital financeiro, visto que este funciona através da rede global dos mercados financeiros. Em outras palavras, o poder real está nem tanto nas salas de diretoria das corporações, quanto nos mercados financeiros. Aqui uma observação: as corporações gigantes são também os maiores jogadores nestes mercados e ajudam a lhes dar importância. Parece que a mão invisível de Adam Smith está representando um reaparecimento em uma nova forma e com força aumentada.

2) O que se crê para os chefes executivos das corporações, também se crê para os controladores do poder político. Mais e mais eles também são controlados no que podem e não podem fazer pelos mercados financeiros. Isto é muito óbvio com relação aos membros economicamente mais fracos da comunidade internacional, muitos dois quais estão diretamente sob o domínio do FMI e do Banco Mundial. Mas isto é dificilmente menos verdade no que se refere aos membros mais fortes, incluindo os Estados Unidos. Tudo, como conseqüência assegurada pela administração Clinton, desde a política fiscal até a reforma da saúde, deve passar pelo teste de aceitabilidade nos mercados financeiros. Apenas duas semanas atrás, o The New York Times publicou um relato feito por um de seus mais importantes jornalistas, intitulada "Stock Market Diplomacy" (Diplomacia na Bolsa de Valores) com um subtítulo "A Política Externa de Clinton inclui uma Consideração de Como Uma Mudança Influi no Comércio Mundial". No que se refere às forças intermediárias, aquela que estão entre o mais fraco e o mais forte, é preciso apenas apontar para a experiência da França no início dos anos 80. O povo francês elegeu um governo socialista por uma maioria impressionante. O novo governo, respondendo ao eleitorado, embarcou num curso de reformas sociais suaves e expansão fiscal. O resultado não tardou a chegar: uma séria crise no balanço de pagamentos seguida de um ligeiro retrocesso. Como entre a democracia e o capital financeiro no mundo, como estruturados hoje, existe pouca dúvida sobre qual é o mais forte.

3) O que deve ser feito? Se minha análise estiver correta, no sentido de que tanto a economia global, operando sob suas regras atuais, e o governo compelido a cumprir estas regras, pode proporcionar o que a grande maioria das pessoas no mundo precisa — empregos decentes, segurança, sobrevivência — parece claro que não têm escolha, mas desafiar a própria estrutura. Estou confiante de que eles o farão — eventualmente. A espécie humana está sofrendo há muito tempo, mas não é provável que tolerará para sempre o que parece um escorregão entre a ingovernabilidade e o caos. Nesse ínterim, presságios das coisas que estão para vir podem ser visíveis aqui e lá. Estou particularmente impressionado pela revolta dos camponeses mais pobres no estado mais pobre do México, um país sob um regime que abraçou entusiasticamente o bravo novo mundo da ortodoxia financeira. Os Chiapas não estão prontos para assumir o poder, longe disso. Mas abalaram toda a sociedade em suas bases e o México pode nunca mais ser novamente o que era antes de 1 de janeiro de 1994. Coisas semelhantes provavelmente devem ocorrer em outros lugares. Assim espero.

7 de abril de 1994

Por que o fascismo é a onda do futuro

Em seu artigo, Edward Luttwak conclui que com a ‘insegurança econômica pessoal completamente sem precedentes dos trabalhadores, desde trabalhadores industriais e funcionários administrativos até gerentes de nível médio-alto’, um vasto novo espaço político foi deixado aberto para um ‘partido fascista com produtos aprimorados, dedicado ao aprimoramento da segurança econômica pessoal das grandes massas’.

Edward Luttwak

The London Review of Books

Vol. 16 No. 7 · 7 April 1994

Tradução / Que o capitalismo livre de regulações públicas, cartéis, monopólios, sindicatos eficientes, inibições culturais ou obrigações de parentesco é a máquina mais sofisticada de crescimento econômico constitui uma verdade surrada, hoje só contestada por um punhado de entusiastas da Gosplan preservados criogenicamente e um número razoável de acadêmicos anglo-saxões mal pagos. Que a máquina capitalista alcança o crescimento tão bem como o faz porque sua competição inexorável destrói velhas estruturas e métodos, permitindo assim que surjam em seu lugar estruturas e métodos mais eficientes, é a parte mais famosa das idéias schumpeterianas, até mais famosa do que as escapadas amorosas do ex-professor da Universidade de Czemowitz. E, finalmente, que a mudança estrutural pode infligir mais danos às vidas profissionais, firmas, indústrias inteiras e suas localidades do que as pessoas podem absorver, ou o tecido conjuntivo de amizades, famílias, grupos eletivos, vizinhanças, povoados, vilas, distritos, cidades ou mesmo nações pode suportar, é outra verdade surrada mais fácil de reconhecer do que se pode soletrar Gemeinschaft e Gesellschaft.

O que há de novo na presente situação é só uma questão de grau, uma mera aceleração no ritmo das mudanças estruturais que acompanham o crescimento econômico, qualquer que seja sua taxa. Mas isso, na medida em que se produz, é suficiente para fazer toda a diferença no mundo. A mudança estrutural, com todas as suas revoluções pessoais e rupturas sociais, é agora muito rápida mesmo quando há crescimento zero, e ainda mais rápida quando as economias crescem. A máquina gira, triturando vidas e desgastando relações humanas estabelecidas, mesmo quando o carro é freado; e alcança rotações por minuto de uma Ferrari nas velocidades mais modestas de um rolo compressor.

Uma causa óbvia da crescente destrutividade do processo capitalista é a retração mundial da propriedade pública, do planejamento central, da direção administrativa e do controle regulatório, e igualmente de todas as suas rigidezes contrárias à inovação, à mudança estrutural, ao crescimento econômico, ao deslocamento individual e à ruptura social. Da Argentina a Zâmbia, com todo o mundo comunista incluído, a propriedade estatal de empresas econômicas era antes aceita como o garante do interesse público: agora ela aparece como o garante da ociosidade burocrática, da estagnação técnica e da roubalheira conspícua. O planejamento central, antes distinguido como a via aritmética para a prosperidade segura, é agora tido como impossível simplesmente porque nenhum grupo de meros humanos pode predeterminar a demanda do próximo ano para cada um das centenas de diferentes polímeros, sem falar nos três milhões de outros itens, de guindastes de escavadeiras a palitos de dente. A direção administrativa, antes gloriosamente bem-sucedida no Japão, na Coréia e em Taiwan, pelo menos útil na França, um fracasso conhecido na Inglaterra de George Brown, e ineficiente ou corrupta, ou ineficiente e corrupta em quase todos os outros lugares, está agora sendo (lentamente) abandonada mesmo no Japão, tendo sido abandonada há muito tempo em todos os outros lugares.

Quanto aos controles regulatórios, seu número não pára de crescer, porque mesmo não sendo mais necessário impor limites de velocidade às locomotivas a vapor para evitar que elas provoquem abortos em vacas, muitas novidades técnicas bem mais recentes acarretam a regulação, e algumas mesmo a requerem — por exemplo, a alocação de frequências. Outras razões para a regulação são velhas conhecidas, mas a regulação comercial (p. ex. de companhias aéreas), enquanto oposta à saúde e à segurança, e a regulação ambiental definitivamente se retraíram, e continuam a fazê-lo. Com isso, aumenta a eficiência, empresas Outrora seguras enfrentam os riscos do mercado, e empregados outrora igualmente seguros não o são mais.

Outra causa parcialmente relacionada e igualmente óbvia da mudança estrutural acelerada é a muito celebrada unificação das poças, lagunas, lagos e mares de economias locais, provinciais, regionais e nacionais num único oceano econômico global, e consequentemente a crescente exposição dessas mesmos poças, lagunas, lagos e mares aos vagalhões do oceano econômico global, devido à remoção de barreiras à importação, proibições de exportação de capital, controles do investimento e restrições de licenciamento sobre a venda de serviços transna￾cionais; o advento e a rápida disseminação geográfica de telecomunicações instantâneas rápidas e baratas que facilitam a formação de novos relacionamentos comerciais tanto materialmente como psicologicamente; à importância decrescente dos custos de transporte devido à evanescência do conteúdo material do comércio, bem como ao barateamento do transporte com a melhoria dos serviços aéreos, dos portos e das estradas — notadamente estradas rurais na Ásia e na América Latina quando não na África; à difusão de tecnolgias atualizadas para a produção de bens ou componentes para exportação, mesmo em economias em outros aspectos atrasadas; e à uniformização por achatamento de preferências de consumidores antes diversas pelas imagens e o marketing de meios de comunicações de massa internacionais.

O efeito geral da "globalização" é que qualquer produção em qualquer lugar pode expandir-se enormemente, muito além dos limites do mercado doméstico, desde que seja competitiva — e, é claro, que qualquer produção em qualquer lugar, e o emprego correspondente, possa ser deslocada a qualquer tempo por uma produção mais barata de algum outro lugar do mundo. A vida na economia global é cheia de surpresas excitantes — e desastres catastróficos.

Outra causa ainda da mudança estrutural desproporcionalmente rápida é a chegada muito repentina dos há tanto esperados, e igualmente adiados, aumentos de eficiência administrativos e burocráticos que as máquinas para computação eletrônica, armazenamento de dados, reprodução e comunicação interna deveriam assegurar já faz tempo. Em parte porque com a mudança geracional mesmo os executivos sênior podem agora, se quiserem, operar eles mesmos essas máquinas, o que permite que eles entendam seus usos, abusos e não-usos; em parte porque os executivos mais jovens são cada vez mais compelidos a usar essas máquinas em lugar do auxílio e do acompanhamento burocrático; e em parte porque as redes de computadores permitem que os executivos no nível imediatamente superior literalmente supervisionem, diretamente em suas telas, o trabalho que seus subordinados estão fazendo ou não fazendo, o que lhes permite, portanto, a mesma transparência do trabalho na linha de montagem, com a mesma visibilidade imediata dos procedimentos ineficientes, hábitos ineficientes e empregados inefi￾cientes — por todas essas razões o tão esperado e tão adiado aumento na eficiência do trabalho burocrático finalmente chegou, expondo doravante os trabalhadores de colarinho branco mais seguros a deslocamentos de lugar de trabalho e demissões em massa ou, pelo menos, às perspectivas minguantes de emprego que foram por muito tempo o quinhão dos trabalhadores manuais industriais nas economias maduras.

No presente momento, por exemplo, muito embora a economia dos EUA esteja em plena recuperação, reduções de empregos de colarinho branco aos milhares estão sendo anunciadas por uma corporação famosa atrás da outra. Eles chamam isso de "reestruturação" ou, de forma mais imaginativa, de "reengenharia da empresa", e enfeitam devidamente os procedimentos com a verborragia da última moda, aqueles slogans atraentes, sugestivos embora profundamente frívolos cunhados pelos autores dos últimos best-sellers de negócios, que os proclamam a preço de ouro e com insistência evangélica no circuito de palestras empresarial, com o resultado de que eles são a seguir repetidos com grande solenidade a públicos de empregados deferentes e atônitos em briefings, "workshops" e "retiros" corporativos. Mas as economias reais que Wall Street antecipa ao provocar a subida de preços das ações — recompensando assim enormemente executivos demitidores que detêm opções na bolsa — não provêm da música de fundo da verborragia dos consultores administrativos, mas sim da substituição de secretárias eletrônicas por sistemas de correio eletrônico comandados por voz, da substituição de datilógrafas por processadores de textos e aparelhos de fax, da substituição de secretárias arquivistas por memórias eletrônicas, e da consequente substituição de supervisores burocráticos; assim como da substituição de gerentes jovens pelo processamento de fluxo de arquivo automatizado e da consequente substituição de seus supervisores administrativos; e também da substituição de todos os gerentes de nível médio que não são mais necessários para supervisionar os mandos e desmandos seja dos empregados burocráticos seja dos administrativos. É por isso que as empresas cujas vendas estão crescendo não estão, não obstante, aumentando seus postos de colarinho branco; as empresas cujas vendas estão estacionadas estão eliminando alguns postos de colarinho branco; e as empresas em declínio estão eliminando muitíssimos — dezenas de milhares no caso das gigantes doentes IBM e GM.

Os economistas deploraram por muito tempo os desapontadores ganhos de produtividade da superestrutura administrativa nas economias avançadas, a despei￾to da proliferação dos produtos eletrônicos para escritório. Isso era numericamente irritante para a fraternidade porque o setor de produção de bens, cuja produtividade manteve um crescimento regular, há muito tempo vem tendo sua importância diminuída, de modo que o hiato de produtividade das atividades administrativas estava rebaixando os números da economia como um todo. Esses economistas não precisam mais se procupar: a produtividade do trabalho de escritório está finalmen￾te crescendo num ritmo rápido, permitindo que os empregadores se desfaçam de empregados na mesma velocidade.

Pode haver explicações adicionais para a aceleração da mudança econômica estrutural. O que conta, todavia, é o resultado: a "destruição criadora" de Schumpeter — a substituição de velhas especializações, ofícios e indústrias inteiras com suas localidades dependentes, por novas especializações, ofícios e indústrias inteiras mais eficientes — pode agora durar alguns anos, frequentemente muito poucos, em vez de gerações. E é suficiente para fazer a diferença colossal mencionada acima. A mesma taxa de mudança estrutural que favorece a prosperidade global, que beneficia muitos países e regiões, e que muitos outros países e regiões podem pelo menos suportar, excede agora brutalmente os limites adaptativos de indivíduos, famílias e comunidades. Quando os filhos e filhas de metalúrgicos norte-americanos, mineiros britânicos ou soldadores alemães são obrigados a se tornarem programadores de software, professores, advogados ou mesmo balconistas, porque as respectivas indústrias paternas oferecem cada vez menos empregos, poucos deles têm razão para se queixar. Mas quando os mesmos mecanismos de troca funcionam tão rapidamente que os metalúrgicos, mineiros de carvão ou soldadores têm eles próprios de abandonar inclinações, auto-imagens e companheiros de local de trabalho de toda a vida para adquirir as novas habilitações demandadas — sob pena de desemprego crônico ou empregos mal pagos e desqualificados —, os resultados prováveis são fracasso e frustração. Certamente, nada poderia ser mais surrado do que se preocupar com as tributações dos metalúrgicos, mineiros ou soldadores, remanescentes obsoletos da classe operária industrial branca/masculina irremediavelmente passé. De modo que a grande novidade é o deslocamento também do emprego dos colarinhos brancos.

Não disponho de estatísticas que meçam o declínio na segurança de emprego. Mas as estatísticas mostram muito claramente o impacto de um enfraquecimento da demanda por trabalhadores de colarinho branco no declínio de seus ganhos. Lá nos anos 80, quando os dirigentes sindicais e os proletariófilos incuráveis se queixavam amargamente de que os trabalhadores americanos estavam sendo expulsos do emprego industrial bem pago para empregos "hamburger-flipping"* de salário mínimo, os defensores entusiásticos da infalibilidade da economia de livre mercado os silenciavam em editoriais do Wall Street Journal apontando para o rápido crescimento dos empregos "money-flipping" ** nos serviços bancários, de seguros e financeiros, bem como nos escritórios imobiliários, que na época experimentavam um crescimento explosivo. Foi nesse ponto que o debate terminou — prematura￾mente. No final de 1992 mais de 6,8 milhões de americanos estavam realmente empregados no setor financeiro (escritórios bancários, de seguro, financeiros e imobiliários). Poder-se-ia supor, como o Wall Street Journal certamente presumia, que essas pessoas eram uma parcela bem paga: mas entre elas, os 4,9 milhões de empregados em funções que não as de chefia recebiam apenas US$ 10,14 por hora, comparados a US$ 10,98 para os trabalhadores de produção na indústria. O 1,1 milhão de secretárias, caixas e outros empregados subalternos de bancos ganhavam muito menos que a média do setor de US$ 8,19 por hora, enquanto 45.800 de seus correspondentes em corretoras de ações e de mercadorias — no verdadeiro coração do "money-flipping" — ganhavam seguramente muito mais de US$ 13,35 por hora. Todavia, se qualquer trabalhador industrial desempregado se equipasse com o suspensório largo vermelho obrigatório para buscar sua fortuna em Wall Street, teria achado a recompensa surpreendentemente modesta.

Numa época em que se dizia o tempo todo que era bobagem se preocupar com o declínio dos empregos industriais na era dos "serviços", a história inteira, muito maior, é que os empregados em serviços em toda a economia dos EUA recebem realmente muito menos do que seus correspondentes que ainda mantêm empregos industriais. Além do mais, os ganhos médios por hora dos empregados em serviços têm decaído durante anos em dólares reais — descontada a inflação. No comércio varejista como um todo, por exemplo, das lojas de departamento até as bancas de jornal da esquina, os 17,7 milhões de empregados "não-chefes" ganhavam uma média de US$ 6,88 por hora em novembro de 1990. Na verdade, sua média de ganho horário caiu de um pico de US$ 6,20 em 1978 para US$ 5,04 em 1990 em dólares constantes de 1982. Por certo, o comércio varejista está cheio de adolescentes que ainda estão na escola e trabalham só nos finais de semana e feriados, e de mulheres casadas que trabalham só meio período. É de se esperar que isso rebaixe os ganhos, e isso ocorre. Além disso, muitos empregados no comércio varejista ganham comissões que não são relatadas aos coletores de estatísticas trabalhistas. Mas nem os empregados em tempo parcial com demandas modestas nem as comissões podem ser encontradas no setor de transportes e nos serviços públicos (incluindo ferrovias, empresas de ônibus locais, transporte de massa, transporte rodoviário, serviços de correio, transporte hidroviário, empresas aéreas, companhias telefônicas etc.). Não obstante, os 4,9 milhões de empregados "não￾chefes" em todo aquele setor tinham ganhos horários médios de US$ 13,07 em novembro de 1990 — substancialmente mais, de fato US$ 2,09, do que seus correspondentes na indústria, mas ainda substancialmente menos do que esses mesmos empregados haviam ganho na década de 1970 em dólares reais. Na verdade seus ganhos atingiram em 1978 o pico de US$ 11,18 por hora em dólares constantes de 1982 — comparados a US$ 9,58 no final de 1990 nesses mesmos dólares.

Na massa variada do conjunto dos empregados em serviços, há picos previsíveis, por exemplo, os 135.400 "não-chefes" da indústria do cinema que ganhavam US$ 18,87 por hora, e os empregados subalternos dos serviços de computação e processamento de dados a US$ 15,29 por hora, que somavam apenas 87.700 em 1972 mas alcançaram o total impressionante de 637.700 no final de 1990. Os vales são também previsíveis. O 1,3 milhão de empregos que não de chefia em hotéis/motéis pagavam só US$ 7,14 por hora em média — embora muito poucos também recebam gorjetas, é claro. Mas ninguém dá gorjeta aos 436.900 empregados das agências de detetives, dos carros blindados e das empresas de segurança que ganhavam só US$ 6,35 por hora em média. De Agências de propaganda a Zoológicos, muitos empregos em serviços certamente pagavam melhor do que isso, mas os ganhos médios de todos os empregados não agrícolas e não governamentais eram menores, de US$ 10,17 por hora, do que os dos trabalhadores industriais, de US$ 10,98 — logo, a admirável nova economia de serviços obviamente paga menos do que a antiquada indústria. Mesmo isso é só metade da história, porque a maior volatilidade dos serviços torna esses empregos cada vez menos seguros. Em outras palavras, o empobrecimento relativo dessas vidas profissionais é acompanhado de ainda mais deslocamentos.

Uma novidade ainda maior é o deslocamento das vidas profissionais dos executivos. Essa é a última tendência nos sempre progressistas EUA — e é mais precisamente uma tendência estrutural, e não meramente cíclica. Agora que a corporação "satisfaciente"* conservadoramente segura (dividendos moderados, salários moderados, crescimento lento e regular) está quase extinta, os altos executivos ganham, enquanto classe, muito mais do que antes, os executivos subalternos que conseguem manter seus empregos ganham muito menos, e é muito difícil para aqueles executivos que são expulsos encontrar qualquer emprego comparável em outro lugar. Poucos estão destinados a adornar as páginas de revistas de negócios como prodígios empresariais, não inatos mas criados pelo desemprego. Alguns se ajustam facilmente embora dolorosamente, aceitando qualquer emprego de classe média que puderem conseguir, normalmente com remuneração menor. Outros estão em situação muito pior. O homem de 50-55 anos, branco, com curso superior, ex-exemplar do sonho americano, talvez ainda vivendo em sua casa suburbana equipada suntuosamente, com dois ou três carros na garagem, um ou dois filhos em cursos superiores de US$ 20.000 por ano (ensino, alimentação e moradia — tudo o que estiver fora é por fora) e um ex-emprego extinto pela "reengenharia", que agora sobrevive da poupança, de uma segunda e uma terceira hipotecas e ganhos irrisórios como um autodescrito "consultor", se tornou uma figura familiar nos Estados Unidos contemporâneos. Eles ainda enviam currículos às dúzias. Eles ainda se mantém no circuito (isto é, imploram por empregos a qualquer pessoa que conheçam). Eles ainda vestem seus ternos de negócios para ir a almoços de "negócios" com o artigo genuíno ou para visitar agências de emprego, mas, em uma época em que mais de 10% dos formados em Harvard na classe de 1958 estão desempregados, almas menores na mesma posição têm pouco a esperar.

Se o anedotário sentimental é pouco persuasivo, ou parece absurdamente desproporcional quando comparado às dificuldades de, digamos, camponeses indianos endividados, há agora estatísticas que quantificam a decadência de toda a população de onde é extraída a classe dos executivos médios. Os ganhos médios de todos os homens na faixa de 40-54 anos com quatro anos de formação superior — uns dois milhões de americanos, dos quais só 150 mil brancos — realmente atingiram em 1972 o pico de US$ 55 mil em dólares de 1992; eles estagnaram ao longo de três ciclos econômicos até 1989, antes de declinar rapidamente para US$ 41.898 em 1992. Por outros indicadores nós sabemos que esses números revelam dois fenômenos que são igualmente inéditos na experiência americana: nessa mesma população, a renda total combinada do 1% mais rico de todos os que recebem alguma remuneração teve um crescimento sensacional, e o total combinado dos 80% mais pobres caiu radicalmente. De novo, isso implica de um modo ou de outro um quantum mais que proporcional de deslocamento. Nem é preciso dizer que as vidas profissionais individuais não podem ser deslocadas sem causar danos a famílias, filiações e comunidades eletivas — todo o musgo de relações humanas que só pode crescer sobre as pedras da estabilidade econômica. Finalmente, é inteiramente certo que o que já aconteceu nos Estados Unidos está acontecendo ou vai acontecer em todas as demais economias avançadas, porque todas elas estão expostas às mesmas forças.

Nesta situação, o que a direita moderada — republicanos convencionais dos EUA, tories britânicos e todos os seus correspondentes em outros lugares — têm a oferecer? Só mais livre comércio e globalização, mais desregulação e mudança estrutural, portanto mais deslocamento de vidas e relações sociais. É engraçado, mas só um pouco, que nos dias de hoje o discurso-padrão do horário nobre dos republicanos/fortes seja um tema em duas partes, no qual a parte um celebra as virtudes da competição desenfreada e da mudança estrutural dinâmica, enquanto a parte dois lamenta o declínio dos "valores" da família e da comunidade que foram erodidos precisamente pelas forças elogiadas na parte um. Assim, no presente, o coração das crenças republicanas/tories é uma perfeita descontinuidade. E o que a esquerda moderada tem a oferecer? Só mais redistribuição, mais assistência pública, e preocupação particularista com grupos particulares que podem reivindicar sua condição de vítimas, do sublime patamar das velhas deficientes negras lésbicas até os simplesmente pobres.

Portanto, nem a direita moderada nem a esquerda moderada nem mesmo reconhecem, muito menos oferecem alguma solução para o problema central de nossos dias: a insegurança econômica pessoal completamente inédita da massa trabalhadora, dos trabalhadores industriais e burocráticos de colarinho branco até os executivos médios. Nenhum deles é pobre e, portanto, não podem beneficiar-se dos pagamentos de seguridade mais generosos que a esquerda moderada está inclinada a oferecer. Nem eles têm particularmente inveja dos ricos, e portanto tendem a estar desinteressados em redistribuição. Poucos deles estão realmente desempregados, e portanto eles estão imunes às promessas republicanas/tories de mais crescimento e mais empregos por meio da mágica do mercado sem freios: o que eles querem é segurança nos empregos que já têm — isto é, precisamente o que o mercado sem freios ameaça.

Um vasto espaço político é assim deixado vazio pela descontinuidade republicana/tory, por um lado, e pelo particularismo e assistencialismo da esquerda moderada, por outro. Foi este o espaço ocupado por algum tempo nos EUA pelos caprichos eleitorais de Ross Perot em 1992, e que os excessos bizarros de Zhirinovsky estão agora ocupando nas condições peculiares da Rússia, onde a insegurança econômica pessoal é o único problema que conta para a maioria das pessoas (talvez sejam raros os ex-professores de marxismo-leninismo residentes em Latvia que perderam simultaneamente seus empregos, profissões e nacionalidades, mas a maioria dos russos que ainda trabalham enfrenta agora no mínimo a ameaça iminente de perder o emprego). E esse é o espaço que permanece completamente aberto para um partido fascista melhorado, voltado ao fortalecimento da segurança econômica pessoal das amplas massas de trabalhadores (principalmente) de colarinho branco. Um tal partido poderia mesmo estar tão livre de racismo quanto o original de Mussolini estava até a aliança com Hitler, porque o que ele teria realmente a oferecer seriam restrições corporativistas ao darwinismo corporativo, e barreiras dilatórias, se não impeditivas, contra a globalização. Não é necessário saber como soletrar Gemeinschaft e Gesellschaft para reconhecer a predisposição fascista engendrada pelo capitalismo turbinado de hoje.

Guia essencial para a Jacobin

A Jacobin tem divulgado conteúdo socialista em ritmo acelerado desde 2010. Eis aqui um guia prático para algumas das obras mais importantes ...