31 de julho de 2019

A rebelião está se intensificando

Os contínuos protestos de Hong Kong são uma lembrança democrática de que as manifestações massivas nas ruas podem derrotar uma legislação aparentemente invencível.

Uma entrevista com
Au Loong Yu

Entrevistado por 
Kevin Lin

Jacobin

Apoiadores de manifestantes anti-extradição reagem a um veículo policial do lado de fora do Tribunal de Magistrados do Leste em 31 de julho de 2019 em Hong Kong, China. Billy H. C. Kwok / Getty Images

Tradução / Os contínuos protestos de Hong Kong são uma lembrança democrática de que as manifestações massivas nas ruas podem derrotar uma legislação aparentemente invencível.

No mês passado, as marchas de um milhão de pessoas obrigaram ao governo de Hong Kong a arquivar seu projeto de lei de extradição da China, que segundo os críticos permitiria a Pequim sufocar vozes dissidentes na antiga colônia britânica. Insatisfeitos com a mera suspensão, os manifestantes exigiram a retirada completa do projeto de lei e a renúncia da chefa executiva de Hong Kong, aprovada por Pequim, Carrie Lam.

Diferentemente do “Movimento dos Guarda-Chuvas” em 2014 de Hong Kong, que tinha múltiplos porta-vozes, os manifestantes juvenis rejeitam qualquer liderança e não mostram interesse em canalizar sua ira para o processo eleitoral. Em contrapartida, intensificaram sua ações diretas, lutando batalhas campais com a polícia, ocupando momentaneamente o Conselho Legislativo e protestando dentro do Aeroporto Internacional de Hong Kong.

O governo chinês advertiu aos manifestantes para não tocar seu “balanço” de “um país, dois sistemas” (o princípio, idealizado pela primeira vez por Deng Xiaopingo no início da década de 1980, que trata Hong Kong como parte da China mas lhe dá uma medida de autonomia). Pequim inclusive insinuou uma possível intervenção militar. Até agora se absteve de uma participação mais direta, mas a ameaça de uma repressão grave paira sobre as batalhas cada vez mais físicas, com quarenta e quatro manifestantes acusados de distúrbios pela primeira vez em dois meses de manifestações.

Nem Hong Kong nem Pequim os manifestantes mostram sinais de retrocesso. E dada a indignação generalizada entre os cidadãos comuns de Hong Kong, que ainda não têm a capacidade de eleger seu diretor executivo sem a participação de Pequim, não é seguro que inclusive a renúncia de Carrie Lam resolveria o impasse.

O colaborador da Jacobin Magazine Kevin Lin falou com o autor e veterano socialista Au Loong Yu sobre a intensificação das manifestações, a composição ideológica do movimento de protesto, o papel dos sindicatos no protesto e o efeito que várias relações geopolíticas (Pequim e Hong Kong, Estados Unidos e China) estão tendo sobre a efervescente rebelião.

Kevin Lin

Desde as massivas manifestações em junho, nós vimos mais ações militantes de grupos de manifestantes contra as autoridades de Hong Kong. O que devemos fazer com esta escalada?

ALY | Dentro do campo da “fita amarela”, aqueles que apoiam a reforma democrática, há duas facções: a juventude radical (que desempenha o papel de vanguarda) e os partidários mais velhos e pan-democratas (a oposição liberal desde a década de 1980 que pressionou pelo sufrágio universal enquanto manter o “mercado livre” de Hong Kong). A geração jovem está mais decidida que a geração anterior a exigir que o governo retire o projeto de lei de extradição da China. Há uma forte ansiedade e amargura entre eles, e temem que, se não podem ganhar esta vez, perderão para sempre.

Desde 6 de julho houve três grandes protestos em diferentes distritos. Também vimos ciclos de violência entre as duas partes, ainda que sempre é a polícia a qual é muito mais provocativa e violenta. Apesar da violência, os jovens seguem sendo amplamente apoiados pelo campo mais amplo da “fita amarela”. Qão grande é o campo da “fita amarela”? A participação em 9 de junho, em 16 de junho e em 1 de julho foi de 1 milhão, 2 milhões e meio, respectivamente. Pelo contrário, o campo pró-Pequim “fita azul” mobilizou não mais que 150 000 pessoas.

Também existe uma crescente ira entre os cidadãos de mais velha agora. Não somente foram enganados para acreditar na promessa de sufrágio universal de Pequim, mas que também seus poderiam terminar com a mesma decepção e enfrentar uma mobilidade social ainda pior.

Kevin Lin

Como caracterizaria a relação entre os governos de Pequim e Hong Kong?

ALY | Temos a situação mais absurda: todo o mundo sabe que foi decisão de Pequim apressar o projeto de lei, mas tanto Pequim como Carrie Lam continuam fingindo que é completamente uma decisão desta última e que a primeira somente está sendo solidária.

É culpa de Pequim e Carrie Lam se poucos acreditam nelas. Desde que Xi [Jinping] chegou ao poder em 2012, seu Gabinete de Ligação em Hong Kong rompeu a política de seus predecessores de manter um perfil baixo e se fez visível totalmente na política loval, inclusive a intromissão nas eleições. Carrie Lam respaldou feliz e publicamente a intervenção de Pequim desde que assumiu o cargo há dois anos. Além disso, o projeto de lei de extradição da China envolve Taiwan e, portanto, ultrapassa a jurisdição habitual do governo de Hong Kong. Como seria possível que somente Carrie Lam apresentasse o projeto de lei?

Acredita-se amplamente que Pequim está utilizando o projeto de lei como moeda de troca na negociação de Xi com Trump sobre a guerra comercial. Daí a pressa. Pequim tratou de acalmar a situação fazendo que Carrie Lam adiasse o projeto de lei em 15 de junho, mas não tem nenhum desejo de fazê-la retroceder um passo a mais ao retirar o projeto de lei.

Neste momento, Hong Kong está num ponto morto. Carrie Lam já anunciou que “o projeto de lei está morto”, mas graças à sua administração não goza de legitimidade e todos sabem que é o Gabinete de Ligação, e não ela, quem toma as decisões, ninguém acreditará até que retire oficialmente o projeto de lei.

No entanto, segundo os informes dos meios, é algo que ela não pode fazer porque isso poderia implicar que Pequim também cometeu erros, e para Pequim, “livrar a cara” sempre é primordial. A necessidade de “livrar a cara” a todo custo produz uma super rigidez por parte da liderança do Partido Comunista. Isso apresenta um problema menor para o Partido Comunista Chinês (PCCh), já que Pequim não é transparente em absoluto. Mas Hong Kong ainda mantém certos elementos de governança liberal: responsabilidade, liberdade de expressão, justiça processual, independência do poder judicial, que lhes dá a seus residentes mais capacidade de adivinhar o que sucede atrás das portas fechadas do Gabinete de Ligação e o gabinete da Chefa Executiva.

Portanto, a rigidez e as mentiras do governo de Pequim e Hong Kong parecem ainda mais tontas e desprezíveis. E os jovens não duvidaram em mostrar seu completo desdém pelo PCCh: na noite de 21 de julho, os jovens picharam o emblema oficial do Gabinete de Ligação. Restringidos pela política de “livrar a cara”, tanto o Gabinete de Ligação como Carrie Lam não têm outra alternativa do que se apegar à velha política de tomar medidas enérgicas contra a juventude radical.

É razoável supor que Pequim está colocando armadilhas para os manifestantes. A ocupação da legislatura em 1 de julho é bastante suspeita: a polícia se retirou frente a uma legislatura assediada, permitindo que os jovens interviessem. Novamente, depois da grande marcha de 21 de julho, houve um chamado repentino para marchar continuamente em direção ao Gabinete de Ligação. No entanto, antes que chegasse a marcha, a polícia que vigiava o Gabinete foi evacuado, o que permitiu aos manifestantes pichar e grafitar em sua parede. Na mesma noite, a máfia atacou indiscriminadamente passageiros no Yuen Long West Rail. E depois outro suicídio juvenil ocorreu nessa noite também. Também estes desenvolvimentos antagonizaram ainda mais o campo da fita amarela e podem radicalizar ainda mais o movimento.

O PCCh tem um longo histórico de provocar um levante prematuro entre as pessoas somente para legitimar a repressão sangrenta posterior. Deveríamos observar de perto se este é o caso. O lado mais preocupante da história é que se o regime de Pequim se mantém estável, o levante de um povo de Hong Kong provavelmente não terminará bem.

Kevin Lin

Uma das ações mais alentadoras durante os protestos foi um chamado dos sindicatos à greve de trabalhadores. Mas infelizmente não tiveram êxito em convencer os trabalhadores para que fossem. Como explicaria este fracasso?

ALY | A densidade sindical de Hong Kong a partir de 2017 é de 25 por cento, que não é baixa. Mas este nível de densidade se conquista através de contribuições sindicais ridiculamente baixas, tão baixas que os principais sindicais não dependem das contribuições dos filiados para seu financiamento, mas de executar programas de reciclagem financiados pelo governo, operar negócios com fins de lucro ou receber fundos estrangeiros, especialmente dos Estados Unidos. Poucos membros são realmente ativos. Ainda que há muitos “sindicatos industriais”, a maioria deles são muito pequenos em locais de trabalho individuais.

Ante isso, não é surpreendente que o chamado para a greve não tenha alcançado êxito. Na data em que se convocou a greve, a Confederação de Sindicatos de Hong Kong (HKCTU) lançou uma concentração próxima à sede do governo, mas somente assistiram algumas poucas centenas.

A liderança da HKCTU, durante duas décadas, seguiu a defesa da democracia por parte dos pan-democratas dentro dos limites da Lei Básica sem nenhuma crítica. Inclusive depois que seu líder, Lee Cheuk-yan, fundou um pequeno Partido Trabalhista em 2011, seu partido continuou seguindo a linha política da direita liberal.

Em termos de direitos laborais, tanto o Partido Trabalhista como a HKCTU se tornaram mais abertos nos últimos dez anos e se aproximaram um pouco mais para a centro-esquerda. Entretanto, suas posturas políticas de longa data dificultavam a conexão com a geração jovem em ascensão que tendem a desprezar os jovens pan-democratas. Sua incapacidade para levar a cabo uma greve exitosa durante o Movimiento dos Guarda-Chuvas em 2014 indubitavelmente se somou a seu fracasso. Finalmente, Lee e outro legislador do Partido Trabalhista perderam suas cadeiras nas eleições legislativas de 2016, e Lee não podê recuperá-las nas eleições parciais de 2018. Estas derrotas significaram que tanto a HKCTU como o Partido Trabalhista somente puderam desempenhar um papel marginal no movimento atual.

Kevin Lin

O movimento de protesto provocou mais discussões em Hong Kong sobre a relação da região especial com China continental, com os chamados “localistas”, que vêem o continente com desprezo, desempenhando um papel destacado. Quais são suas políticas e quão influentes são no movimento de protesto?

ALY | Os principais meios de comunicação ocidentais tendem a ver os localistas de Hong Kong de uma maneira positiva, vendo-os como combatentes democráticos contra Pequim. No entanto, a imagem é muito mais complicada. O termo chinês “localismo”, quando foi adotado pela primeira vez pelos movimentos sociais, foi utilizado por pessoas amplamente de esquerda. Contudo, é a ala direita a qual cresceu muito mais. Estes localistas são mais como nativistas, muito xenofóbicos.

Vários anos antes do Movimento dos Guarda-Chuvas, esta corrente começou a ganhar seguidores entre os jovens. Seus porta-vozes foram Raymond Wong e o erudito Chin Wan-kan. Junto com o aprendiz de Raymond Wong, Wong Yeung-tat, constituíram um trio xenófobo. Suas ações na área de ocupação consistiramem silenciar as vozes de outros democratas, usar a violência ou a ameaça de violência, fazer declarações racistas sobre os chineses (chamando-os “lagostas” que deveriam ser eliminadas) e atacar os imigrantes da China continental em Hong Kong por supostamente estar roubando o bem-estar do governo.

O trio xenófobo também atacou ferozmente a HKFS (Federação de Estudantes de Hong Kong) durante o Movimento dos Guarda-Chuvas. Em 12 de outubro, depois a chamada de Chin Wan-kan, os localistas foram a Mong Kok para interromper o fórum da HKFS realizado na rua. Que isso mais tarde se converteu na destruição de seus púlpitos, ataques contra seus piquetes e, finalmente, o desmantelamento da HKFS não é surpreendente.

O trio xenofóbo se apresentou como mais radical que outras correntes. Seu lema era “HKFS não nos representa” e se opuseram a todos os sinais ou símbolos de liderança: faixas, bandeiras e tentativas de convocar uma assembleia. Estavam especialmente interessados em pedir chaidatai, ou “desmontar o palco”, e colocar isso em prática sempre que a HKFS celebrasse um fórum de discussão como etapa preparatória.

Provavelmente porque eram muito toscos, o trio perdeu nas eleições de 2016, mas se elegeu uma geração mais jovem de localistas xenofóbos, como “Youngspiration”. Este último, ainda que um pouco mais sofisticado, herdou a ideia básica do trio. Sua ideia de “desmontar o palco” também influenciou na geração jovem na campanha contra a lei de extradição da China, onde os jovens radicais favorecem um movimento “sem líder” sem “o palco central dando ordens”.

Há apoio para esta corrente localista de direita entre certos estratos sociais. Em abril de 2016, dois anos depois da ocupação, um estudo encontrou que os “localistas” gozavam de 8,4 por ceento de apoio, com um número maior entre os jovens entre 18 e 29 anos.

Ainda assim, as pessoas que favorecem o termo “localismo” não têm a mesma interpretação do que significa. O movimento de lei anti-extradição exibe muito menos tendências xenófobas que o Movimento de Guarda-Chuvas. Isso se deve provavelmente a que o velho trio seja considerado fora de moda, e os localistas como Youngspiration viram seus dois legisladores desqualificados pelo governo e caídos na inatividade desde então, deixando os jovens radicais de hoje em grande parte sozinhos. Inclusive se alguns mostram preconceito contra os chineses continentais, isso não se cristalizou num programa ou projeto político. Então, em lugar de criticar desde o exterior, a esquerda deveria se envolver e tentar ganhar os jovens.

Kevin Lin

Qual é a sua avaliação do apoio, ou falta dele, na China Continental para o movimento de protesto de Hong Kong?

ALY | A repressão na China continental é seguramente o fator mais direto para isolar e exterminar os esforços de solidariedade com a resistência de Hong Kong. Mas o regime chinês também é muito bom manipulando a opinião pública. Os informes seletivos ou as notícias falsas sobre Hong Kong são os truques mais crus deste jogo.

Pequim realizou um esforço mais sofisticado para romper o vínculo entre residentes de Hong Kong e China continental. Algumas pessoas pensam que o trio xenófobo e seus principais partidários são provocdores do Partido Comunista. Em 2016, dois legisladores de Youngspiration modificaram seus juramentos, pronunciando a palavra “China” como “Chi-na”, um termo desrespeitoso para os chineses, e Pequim os desqualificou, junto com quatros legisladores em favor da autodeterminação. Este ato tonto e racista provocou um debate sobre a verdadeira identidade destes dois localistas.

É difícil saber até que ponto os provocadores se infiltraram no movimento. Mas falando objetivamente, os “localistas” ajudaram Pequim a estreitar seu controle sobre Hong Kong provocando desnecessariamente a China, com sua política racista e seus ataques contra os visitantes do continente, os imigrantes e as forças democráticas. Também ajudaram Pequim a distanciar os chineses continentais de Hong Kong.

Kevin Lin

Como impactou a rivalidade entre os Estados Unidos e China no movimento de protesto, e quais são as raízes estruturais dessa rivalidade?

ALY| Uma das razões pelas quais Pequim decidiu fazer que Carrie Lam deixasse de lado o projeto de lei em 15 de junho foi porque China estava ansiosa por não fazer que Xi Jinping se visse mal quando compareceu à cúpula do G20 em Osaka duas semanas depois. Quanto aos Estados Unidos, seguramente tinha razões suficientes para fazer perguntas difíceis sobre o projeto de lei de extradição, já que estava destinado a qualquer pessoa em Hong Kong, inclusive os investidores estrangeiros ou os visitantes estrangeiros de passagem.

Inclusive se a decisão de Pequim de arquivar o projeto de lei ajudou Xi a tratar com Trump, resultou incapaz de apaziguar os manifestantes de Hong Kong. Em geral, existe uma forte simpatia pelo governo dos Estados Unidos entre os meios liberais aqui, especialmente Apple Daily. Este último é essencial para promover o ponto de vista da oposição, mas também é fortemente pró-estadunidense e inclusive às vezes pró-Trump. Este tipo de lógica de “o inimigo do meu inimigo é meu amigo” pode empurrar o movimento democrático de Hong Kong para uma direção indesejável.

O capitalismo da China é uma espécie de “capitalismo burocrático”, onde a classe dominante combina o poder coercitivo do estado e o poder do capital. Este tipo de capitalismo é altamente explorador, monopolista e, o que é mais importante, expansionista. Daí a rivalidade entre os Estados Unidos e China. No entanto, devemos entender que China ainda está longe de estar pareada com os Estados Unidos em muitos campos.

A última vez que os Estados Unidos lançaram uma guerra comercial com a segunda maior economia do mundo foi durante a década de 1980 com o Japão. Este terminou em grande medida depois de que os Estados Unidos negociaram o Acordo de Plaza, que obrigou ao yen japonês se apreciar significativamente, seguido de uma taxa alfandegária de 100 por cento contra as importações do Japão. A economia do Japão recebeu um grande golpe, mas a aliança entre os Estados Unidos e o Japão se manteve intacta.

Esta vez é diferente, em parte porque Pequim aprendeu com o caso japonês. Desde a década de 1980, o caso japonês sempre foi objeto de debate entre os economistas, estrategistas e nacionalistas chineses, e o argumento dos nacionalistas sempre foi o mais forte: China, como país em desenvolvimento, não pode permitir-se uma derrota ao estilo japonês nas mãos dos Estados Unidos, e China deve resistir aos Estados Unidos se Washington começa a mostrar seus dentes. Este é precisamente o que Xi fez até agora.

Há outra lição da história tal como a entendem os partidários da linha dura de Pequim: a única forma de que um país de segunda categoria evite ser invadido ou intimidado é se esforçar por se converter no poder hegemômico superior. À diferença do Japão, o PCCh sob Xi não vai aceitar, indefinidamente, uma posição de segunda categoria. À diferença do Japão, Xi quer substituir a versão “ocidental” da globalização com sua versão “chinesa”, aqui e agora.

É comum ver presidentes dos Estados Unidos atacando a China durante suas campanhas eleitorais e depois, uma vez no cargo, recorrem à China. Este ciclo parece ter chegado a seu fim. Trump pode fazer mais giros e voltas táticas no futuro próximo, especialmente quando se aproximar a eleição de 2020, mas a tendência geral de uma rivalidade intensificada entre os Estados Unidos e China pode persistir, porque agora tanto os democratas como os republicanos têm consenso sobre a política da China.

Esta guerra comercial não é uma guerra comercial regular. É simplesmente a primeira batalha de uma rivalidade prolongada entre Estados Unidos e China, e uma que traria o desastre ao mundo.

Kevin Lin

O que deveriam fazer as pessoas progressistas na China continental, Hong Kong, Estados Unidos e outros lugares para os movimentos democráticos em Hong Kong e reduzir as tensões entre os Estados Unidos e China?

ALY | As duas partes nesta rivalidade farão que as pessoas elejam “ou Washington ou Pequim”. Todas as pessoas progressistas, seja em Hong Kong ou em outro lugar, deveriam rechaçar essas opções. Não são opções reais para os trabalhadores em Hong Kong, China ou os Estados Unidos. Os trabalhadores não têm nada que ganhar nesta rivalidade.

O projeto de Trump é fazer que o exército estadunidense e suas corporações voltam a ser grandiosos, e no curso do mesmo sacrificar os trabalhadores e o meio ambiente, nos Estados Unidos, China e o resto do mundo. O projeto de modernização da China de Xi, levado a cabo em nome de seu povo, não tem pontos em comum com os interesses dos trabalhadores. Ele está defendendo interesses no Mar do Sul da China enquanto esgota o futuro da China: seus recursos naturais, seu equilíbrio ecológico e a saúde de sua gente. Está defendendo os ativos e a posição dos mandarins destrói o sustento das pessoas. Hong Kong foi essencial no auge da China, e agora Pequim está pagando sua dívida com Hong Kong descumprindo sua promessa de outorgar sufrágio universal a Hong Kong.

Não devemos cair na armadilha nacionalista de apoiar a agressão estadunidense ou a agressão chinesa. Esse será o primeiro passo para se opor à rivalidade entre Estados Unidos e China, e evitar que se converta numa guerra.

Sobre o entrevistado

Au Loong Yu é um ativista residente em Hong Kong.

Sobre o entrevistador

Kevin Lin é colaborador da Jacobin.

30 de julho de 2019

Socialismo millennial e seus limites

Jeffrey C. Isaac


Boitempo Editorial

O Manifesto Socialista de Bhaskar Sunkara é um livro inteligente cujo autor, o fundador e editor da revista Jacobin, desempenha um papel importante na definição da maneira como muitos millennials de esquerda pensam sobre capitalismo, socialismo e democracia. Enquanto abre e fecha com uma discussão política, o livro centra-se em uma narrativa histórica projetada para tornar plausível uma tradição amplamente marxista de política socialista comprometida com a “social-democracia de luta de classes” e “uma alternativa radical para uma decrépita centro-esquerda”.

Sunkara descreve o projeto como "um livro que eu queria escrever quando tinha 68 anos. Estou escrevendo quarenta anos antes do tempo e talvez um dia queira revisar grande parte dele." Um millennial brilhante, enérgico e politicamente sofisticado, Sunkara claramente acredita que agora é a hora para esse livro. E ele tem todos os motivos para pensar isso. Pois os Estados Unidos estão experimentando uma onda bastante extraordinária de interesse pelo socialismo entre os jovens, que desempenharam um papel central em alimentar a "revolução política" de Bernie Sanders e em transformar os Socialistas Democráticos da América (DSA) em uma importante força política cujo número de membros, agora em mais de 50.000, aumentou sete vezes nos últimos anos.

O livro tem um toque moderno. Começa com uma piada sobre Jon Bon Jovi; habilmente descreve Marx e Engels como o “Jordan e Pippen” do socialismo; recomenda empregos de organizador sindical para “jovens socialistas” como “bons conselhos de carreira”; e conclui com capítulos intitulados "Return of the Mack" e "Stay Fly". Ao mesmo tempo, o livro é politicamente sério e até mesmo sério sobre a importância de reviver a tradição do socialismo marxista, e exige muito de seus leitores por meio de compreensão histórica e convicção política.

Admiro o esforço de Sunkara para promover sua visão do socialismo por meio de textos longos e sérios. Como o famoso Manifesto de 1848 que seu título invoca deliberadamente, seu relato envolve os argumentos políticos atuais em uma metanarrativa de época. Há drama em sua história e um senso de direção. Mas, ao mesmo tempo, o drama é muito simplista, muito animado e muito seguro de si - como deve ser qualquer texto que afirme ser o Manifesto. Não leva em conta as falhas mais profundas do marxismo e as lições aprendidas sobre essas falhas por gerações de ex-marxistas que optaram por não abandonar seus compromissos igualitários, mas abandonar uma metanarrativa de “luta de classes” em nome desses próprios compromissos. Também falha em levar em conta os limites políticos da política socialista, que tem um papel importante a desempenhar se os socialistas abandonarem as aspirações hegemônicas e pretensões históricas mundiais e se considerarem simplesmente uma parte de uma esquerda democrática mais ampla.

*

O livro começa com um “experimento mental” envolvendo um hipotético “pasta sauce proletário” que trabalha em uma fábrica de engarrafamento e experimenta as desigualdades e inseguranças associadas ao capitalismo. Sunkara convida este trabalhador a imaginar como sua situação seria muito melhor sob uma versão idealizada da social-democracia sueca, mas depois a considerar a possibilidade de que tal social-democracia tenha suas próprias contradições e que haja uma alternativa ainda “superior” - o socialismo. Ele passa a imaginar um cenário em que uma nova coalizão da classe trabalhadora constrói poder, enfrenta contradições e conflitos de classe, desenvolve "um mandato para mudar a sociedade" e começa a instituir um conjunto de reformas que inclui o controle operário das fábricas, a transformação dos salários em participações nos lucros, conselhos de planejamento locais e regionais e bancos de investimento, e o financiamento público de “serviços sociais expansivos e garantias públicas”.

Tal socialismo eliminaria a categoria de trabalho assalariado e instituiria uma igualdade social e econômica muito maior. Mas dificilmente seria perfeito. O experimento mental de Sunkara sugere não que tal transformação seria politicamente fácil, mas apenas que é possível, e um mapa viável para isso pode ser imaginado.

O núcleo do livro é a Parte I, que, nas palavras de Sunkara, "traça a história do socialismo de Marx até os dias atuais." Sunkara insiste que é obrigatório que os socialistas “se envolvam com os muitos fios desta história”. Sua história, centrada no marxismo, é reconhecidamente seletiva, buscando tirar lições das conquistas históricas, mas também dos fracassos do socialismo.

Ele primeiro centra-se em Marx e Engels e combina a exegese do Manifesto Comunista e do Capital com uma breve discussão do pensamento de Marx sobre "a ditadura do proletariado" na esteira das derrotas de 1848 e 1871. Então a história muda para a Revolução Russa e as formas como o bolchevismo, desenvolvido especialmente por Lenin e Trotsky, representou uma resposta séria e justificável aos desafios enfrentados pelo novo regime revolucionário em um mundo em guerra, mesmo quando lançou as bases para a ascensão da ditadura stalinista e então, do "coletivismo autoritário". Depois de desvios para a China, Tanzânia, Granada, Nicarágua, Chile e Cuba, a narrativa de Sunkara afasta-se totalmente da cronologia e em 27 páginas atravessa toda a história do "Socialismo e da América", do início do século XIX até hoje.

O Partido Socialista sob a liderança de Eugene V. Debs e, em seguida, Norman Thomas e o ativismo trabalhista do Partido Comunista das décadas de 1930 e 1940 avultam. O capítulo culmina na formação dos Socialistas Democratas da América em 1982, sob a liderança de Michael Harrington, e conclui olhando para a promessa de Bernie Sanders.

Sunkara retorna às questões de praticidade política na Parte II, que pode ser lida como uma crítica estendida das tendências socialdemocratas do início da DSA por um dos principais ideólogos da DSA mais jovem e radical de hoje. Ele descreve como a crise de meados da década de 1970 do "contrato social" pós-Segunda Guerra Mundial levou ao surgimento do neoliberalismo; como a crise financeira de 2008 levou ao enfraquecimento político do neoliberalismo e à ascensão de movimentos populistas de direita; e como uma forma distintamente socialista de populismo de esquerda, representada de formas diferentes por Bernie Sanders e Jeremy Corbyn, demonstra "que os socialistas podem angariar apoio popular construindo uma oposição confiável enraizada em uma visão assumidamente de esquerda".

A luta de classes está no centro da visão de Sunkara. Ele apóia uma política de reformismo radical, baseada em “uma renovação do antagonismo de classe e movimentos de baixo” e a geração de uma “hegemonia” da classe trabalhadora sobre uma série de outras lutas subalternas. Ele argumenta que os militantes socialistas precisam ser experientes em seu trabalho político dentro do movimento trabalhista, em sua liderança de greves e protestos de rua e em encontrar o equilíbrio certo entre trabalhar dentro de partidos social-democratas existentes, ainda que "desacreditados", e criar os novos partidos socialistas que são necessários. Seu principal argumento estratégico:

Democratic socialists must secure decisive majorities in legislatures while winning hegemony in the unions. Then our organizations must be willing to flex their social power in the form of mass mobilizations and political strikes to counter the structural power of capital and ensure that our leaders choose confrontation over accommodation with elites.

E assim Sunkara se identifica com Sanders e Corbyn, não porque ele os considera "puros" ou imagina que suas plataformas prometem algo mais do que um passo no caminho para o "socialismo", mas porque eles "não representam uma política social-democrata que servirá como uma alternativa moderada às demandas socialistas mais militantes. Em vez disso, eles oferecem uma alternativa radical a uma centro-esquerda decrépita.” Ao abraçar uma política de “demandas da classe trabalhadora” e promover “polarização ao longo das linhas de classe”, eles representam a possibilidade de uma “política alternativa” que rompe com o capitalismo em nome do socialismo.

Os leitores deste livro aprenderão muito sobre o socialismo marxista, sua história e as muitas fontes de seu apelo. Embora Sunkara não ofereça aos socialistas millennials uma agenda política coerente ou estratégia política cuidadosamente desenvolvida, ele oferece o tipo de estrutura ampla e sentido de significado histórico de que qualquer movimento social vital precisa. Porque o movimento socialista de hoje desempenha um papel importante na mobilização de ativistas e na promoção de ideias importantes como o New Deal Verde, o que Sunkara oferece é louvável. Ao mesmo tempo, os mitos históricos têm suas desvantagens, encorajando os ativistas do movimento a exagerar sua própria popularidade, retidão ou importância, como a história do marxismo certamente demonstra. E o “manifesto” de Sunkara encoraja um tipo de conforto histórico e rigidez política que pouco servirão a seus leitores se eles vão participar, de uma forma agonística, mas também respeitosa, no desenvolvimento de uma esquerda democrática mais ampla na qual eles serão apenas uma parte.

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Sunkara baseia seu argumento em sua leitura da história. Como ele reconhece, todas as histórias são, em certo sentido, "seletivas". O problema com o relato de Sunkara é o quão seletivo ele é, e quanta importância ele deixa de fora ou considera apenas como uma nota de rodapé da história do socialismo centrada em Marx de Sunkara.

Embora discuta um pequeno número de pensadores social-democratas - Eduard Bernstein, Rudolf Meidner - ele não incorpora seriamente toda a gama de abordagens não marxistas do socialismo e do radicalismo de esquerda que desempenharam um papel importante na história mais ampla que ele conta (aqui eu recomendo fortemente o livro de Sheri Berman, The Primacy of Politics: Social Democracy and the Making of Europe's Twentieth Century). Em sua discussão sobre o socialismo debsiano, por exemplo, ele afirma: “Debs permaneceu o coração do partido. Em seus discursos, ele conseguiu sintetizar o populismo, a retórica messiânica do cristianismo, o sindicalismo ocidental e o socialismo marxista em um todo coerente”. Mas sua narrativa não tem lugar real para uma consideração do populismo americano, ou a tradição do Evangelho Social a partir do qual Debs (e ainda mais Norman Thomas) emergiu, ou formas de sindicalismo, pacifismo, feminismo e progressismo liberal que desempenharam importantes papéis na história do socialismo debsiano. Sunkara sabe disso; suas notas finais indicam que ele leu muitas das fontes primárias e secundárias que tornariam possível contar uma história mais ampla, eclética e pluralista. Mas seja Debs ou Léon Blum ou Anthony Crosland, Sunkara não está realmente interessado em muito além de se e como tais líderes figuram em sua história da luta de classes entre capital e trabalho. Assim, seus leitores recebem uma versão muito resumida da história moderna do socialismo, na qual as formas não marxistas de dissidência, radicalismo e até mesmo socialismo são marginalizadas, e a importância e a promessa do marxismo são exageradas.

O mesmo problema surge na própria história do marxismo de Sunkara, uma tradição distintamente histórica e intelectual que liga teoria e prática. O marxismo de Sunkara é surpreendentemente centrado no partido. Poucos dos argumentos teóricos que desempenharam um papel tão importante na história do marxismo recebem muita atenção em seu relato, embora esses argumentos - sobre a natureza da classe, o papel da ideologia, os desafios associados à hegemonia e a ética do engajamento político - foram cruciais para a política marxista e para a cultura intelectual mais ampla do marxismo que não é redutível à política partidária. Em 1985, Ernesto Laclau e Chantal Mouffe publicaram seu importante livro Hegemony and Socialist Strategy. Eis aqui está como eles começam:

Left-wing thought today stands at a crossroads. The “evident truths” of the past [...] have been seriously challenged by an avalanche of historical mutations which have riven the ground on which those truths were constituted. [...] [F]rom Budapest to Prague and the Polish coup d’etat, from Kabul to the sequels of Communist victory in Vietnam and Cambodia, a question-mark has fallen more and more heavily over a whole way of conceiving both socialism and the roads that should lead to it. [...] But there is more to it than this. A whole series of positive new phenomena [...] have made so urgent the task of theoretical reconsideration: the rise of the new feminism, the protest movements of ethnic, national and sexual minorities, the anti-institutional ecology struggles [...] all these imply an extension of social conflictuality to a wide range of areas...

O que se seguiu foi um esforço elaborado de mais de 200 páginas para reconstruir e pluralizar o marxismo por meio de uma leitura do conceito gramsciano de hegemonia. O autodenominado "pós-marxismo sem desculpas" de Laclau e Mouffe continua a gerar muito debate na esquerda, sobre a situação histórica, os conceitos fundamentais do materialismo histórico e a centralidade da luta de classes. Eles não foram os únicos marxistas importantes a desafiar as aspirações totalizantes do marxismo: Jürgen Habermas, Étienne Balibar, E. P. Thompson e Hilary Wainwright foram outros. O relato de Sunkara não considera nenhuma dessas discussões.

Na verdade, o único lugar em que ele os registra é uma referência indiferente a Stuart Hall, o ativista marxista britânico-jamaicano e teórico dos "estudos culturais" que argumentou que o sucesso do thatcherismo exigia abordagens novas e menos reducionistas do que ele chamou de “populismo autoritário”. Sunkara deprecia Hall por sua tendência “a exagerar o apelo popular do neoliberalismo e a extensão do conservadorismo da classe trabalhadora. O que deveria ter sido motivo para reexaminar a estratégia de esquerda em uma era em mudança tornou-se uma desculpa para descartar a teoria marxista e a política socialista.” O ensaio que Sunkara cita, "Faith, Hope or Clarity", foi a contribuição de Hall em 1985 para um simpósio no jornal Marxism Today. Isto é o que Hall escreveu lá:

Does the Left look like the kind of alliance capable of putting socialism as a political project back on the agenda — and doing so in a way which is capable of winning mass majority popular support in the country? I do not believe that any serious analyst of politics can answer these strategic questions in the affirmative. [...] I think the only way in which Labour, or any other political party on the Left for that matter, should function is by recognising the fundamentally diverse character of this thing which is called “the Left”. It is impossible to foresee a point when all those struggles and movements come into line inside the already established hierarchy of social forces that constitute the existing labour movement, settle their differences and resolve in the great scheme of things to take their appointed place in the line and wait in turn, women behind men, blacks behind women, gays behind everybody. Waiting their turn. As a political project that seems to be absolutely dead... It is hard to see how Hall is refusing to reexamine left strategy, or how he is rejecting socialism. But it seems obvious why Sunkara objects: because he wishes to reinstate the “established hierarchy of social forces” that has been placed in question by some of the smartest people on the left, including Hall, for over 40 years.

Igualmente perturbador, Sunkara não registra debates anteriores sobre a culpabilidade das tendências dentro do marxismo pelos crimes cometidos pelos regimes marxistas no poder. Sunkara reconhece e critica francamente a coerção, a crueldade e o autoritarismo praticados pelos regimes comunistas soviéticos e chineses, e enfatiza repetidamente a importância da democracia. Mas eu acho que é justo dizer que ele também apresenta uma imagem bastante romântica dos bolcheviques como socialistas democráticos comprometidos fazendo o seu melhor sob condições “implacáveis”. Enquanto o stalinismo é denunciado, Lenin e Trostky são apresentados heroicamente, e a tomada do poder pelos bolcheviques em outubro de 1917 é celebrada: “Embora certamente não tão espontâneo quanto a Revolução de Fevereiro, Outubro representou uma genuína revolução popular liderada por trabalhadores industriais, aliados a elementos do campesinato. [...] [Os] bolcheviques foram a força que mais militantemente tentou cumprir os objetivos frustrados da Revolução de Fevereiro. ”

Sunkara é sincero em sua condenação da opressão do comunismo de estilo soviético. Ao mesmo tempo, seu julgamento geral é surpreendentemente otimista: "Tendo visto mais de dez milhões de mortos em uma guerra capitalista e vivendo em uma era de convulsão, os bolcheviques podem ser perdoados por tentar traçar um curso para um mundo melhor."

Sério? Bem desse jeito? O “perdão” não vem das vítimas? O capítulo de Sunkara não contém uma única referência à literatura documental substancial ou estudos históricos sobre a experiência de terror e privação por russos que viviam sob o comunismo antes, durante e depois do governo de Stalin.

Sunkara também ignora as críticas ao comunismo desenvolvidas na esquerda, como as Aventuras da Dialética de Maurice Merleau-Ponty (1955), ou os três volumes magistrais de Leszek Kołakowski, Principais correntes do marxismo (1976), ou a trajetória que levou muitos brilhantes marxistas da Europa Oriental como Kołakowski se afastarem do marxismo e se dirigirem ao liberalismo. A primeira nota de Sunkara é para um ensaio da Dissent de 1968, de Michael Walzer. Mas em nenhum lugar Sunkara se envolve com esse ensaio, ou luta com os debates sobre marxismo, socialismo, identidade, ética, literatura e cultura que preocupam a Dissent desde sua co-fundação, há mais de 60 anos, pelo renegado ex-trotskista e iídiche Irving Howe.

Em 1988, Walzer, co-editor de longa data da Dissent, publicou um livro de ensaios, The Company of Critics, que envolveu alguns dos mais importantes intelectuais políticos da esquerda do século 20, incluindo Jean-Paul Sartre, Albert Camus, Ignazio Silone, George Orwell, Simone de Beauvoir e Martin Buber. Não há lugar para qualquer um desses pensadores, ou as experiências históricas das quais eles se orientaram, na narrativa de Sunkara, e acho preocupante que alguns leitores deste livro possam imaginar que tais figuras nunca existiram. Sunkara de fato intitula provocativamente um de seus capítulos "The God That Failed". Mas este capítulo é sobre a social-democracia pós-Segunda Guerra Mundial; em nenhum lugar Sunkara considera o livro de 1949 com esse título, que incluía ensaios de Silone, Arthur Koestler, André Gide, Louis Fischer, Stephen Spender e Richard Wright sobre como seus respectivos compromissos com o "Deus" do marxismo revolucionário deram lugar a experiências de desencanto e resistência.

Nenhum livro pode discutir tudo, e Sunkara não tem a pretensão de ter produzido um trabalho acadêmico exaustivo de história intelectual. Mas, ao essencialmente ignorar os escritores e argumentos mencionados acima, ele remove da história do socialismo as anomalias, reversões e apostasias endêmicas a qualquer movimento político. Em 1947, Simone de Beauvoir publicou uma de suas obras mais importantes, The Ethics of Ambiguity, sobre os desafios do compromisso político radical. Há pouca consideração no livro de Sunkara sobre ética ou ambigüidade.

O limite mais sério da história de Sunkara é a maneira improvisada como ele trata a história americana. Ele passa rapidamente pela maioria dos episódios e, como observado acima com relação a Debs, ele tende a reduzir uma grande variedade de experiências, idéias e movimentos aos termos simples da luta de classes.

Os limites dessa abordagem são mais bem revelados em seu tratamento da muito distinta história do racismo americano. Em sua discussão sobre o radicalismo do início do século XX, Sunkara faz uma breve referência aos esforços para organizar os meeiros do sul, mas diz pouco sobre o racismo que desempenhou um papel tão importante, não redutível à classe, no desenvolvimento político americano. Ele observa, por exemplo, que na década de 1890, o populista "Tom Watson desafiou os agricultores brancos e negros a se organizarem além das fronteiras raciais", mas não menciona que, em poucos anos, o radicalismo agrário de Watson o levou a se tornar um virulento segregacionista, anticatólico, anti-semita e defensor da restrição à imigração. Ele menciona o compromisso de Debs com a igualdade racial, mas não menciona os afro-americanos como WEB Du Bois ou Ida B. Wells que desempenharam um papel tão importante na luta contra o racismo no início do século XX, nem menciona o importante papel de socialistas como William English Walling, Charles E. Russell e Mary White Ovington ao se unirem a Du Bois e Wells para formar a NAACP.

A falha mais flagrante de Sunkara em  se envolver seriamente o racismo ocorre na única página em que ele discute o movimento dos Direitos Civis. Isso é o que ele escreve:

In the 1960s, labor and other progressive movements were able to push important legislation through Democratic-controlled Congresses. The most significant concerned civil rights. Radicals played vital roles in the Second Reconstruction of mid-decade, which married demands for political equality for Black Americans with calls for economic justice. Socialists, including Ella Baker, Bayard Rustin, and A. Philip Randolph joined Martin Luther King Jr. in trying to replace Jim Crow with an egalitarian social democracy. [...] But none of them marched for change under the socialist banner or worked through socialist organizations that sustained previous generations of left activism.

Todo o parágrafo é estruturado não em torno do racismo, dos direitos civis ou da luta pela liberdade dos negros, mas em torno do papel dos “trabalhadores e outros movimentos progressistas” na década de 1960 na continuação da história do socialismo. Embora Sunkara observe que Baker, Rustin e Randolph eram pessoas com histórias socialistas que não agiam principalmente como socialistas, ele não dedica atenção às bandeiras sob as quais marcharam e às organizações das quais participaram. E, portanto, não há menção da Conferência de Liderança Cristã do Sul, do Comitê de Coordenação Estudantil Não Violento ou do Congresso de Igualdade Racial. E King é discutido principalmente em conexão com o socialismo.

Dado tudo o que Sunkara omite nesta discussão, sua conclusão é ainda mais surpreendente: “O Partido Democrata nunca foi realinhado em uma força que geraria a social-democracia. No entanto, o fim da Jim Crow transformou os Estados Unidos e pode ser o legado mais importante e duradouro da esquerda americana.” Sunkara nunca para para considerar que talvez, para o bem ou para o mal, a “social-democracia” simplesmente não fosse uma preocupação central do movimento dos Direitos Civis. Ele também não considera que, se o fim da Jim Crow foi a conquista mais importante da esquerda americana, então isso parece minar a narrativa da esquerda sobre a qual se centra todo o seu capítulo sobre os Estados Unidos, que dificilmente menciona a Jim Crow, e concentra-se em forças não essenciais para sua derrota.

O relato de Sunkara se compara desfavoravelmente a um livro de 2011 publicado pela Verso - ao qual ele é associado - que ele nem mesmo menciona: The “S” Word: A Short History of an American Tradition … Socialism, que dedica mais de 300 páginas ao tópico ao qual Sunkara dedica apenas 27.

Nichols conta uma história muito complicada, em toda a sua riqueza, dedicando ampla discussão às formas como as ideias socialistas se cruzaram, extraíram e ajudaram a revigorar uma série de discursos de esquerda: as ligações entre o "Republicanismo Vermelho" de Tom Paine e partidos de trabalhadores do início do século XIX; as sinergias entre comunistas alemães emigrados e socialistas utópicos franceses na véspera da Guerra Civil, e as ligações entre Marx e Lincoln; as sinergias produtivas entre socialistas do início do século XIX, como Victor Berger de Milwaukee, e progressistas radicais como Robert M. La Follette, um dos políticos de esquerda mais importantes da história dos Estados Unidos, que serviu por décadas como governador, representante dos EUA e senador de Wisconsin, e cuja corrida presidencial em 1924 ganhou o apoio dos socialistas; e "como os socialistas salvaram a Primeira Emenda", um relato do papel de Berger, Debs e outros socialistas em dissentir da Primeira Guerra Mundial, contestando a supressão de suas liberdades civis e defendendo a democracia constitucional (socialistas como Seymour Stedman, Elizabeth Gurley Flynn, Helen Keller e Norman Thomas desempenharam um papel crucial, em aliança com liberais como Roger Baldwin, John Dewey e Felix Frankfurter, no estabelecimento da ACLU em 1920; Sunkara não menciona isso).

O tema central de Nichols é que “devemos reconhecer os fios socialistas que foram tecidos em nossa tapeçaria nacional”, e que “não é preciso ser socialista, nem seguidor de qualquer tendência ou partido de esquerda, para reconhecer a contribuição de socialistas para a América”.

Agora Sunkara, com certeza, está tentando algo muito diferente de Nichols. O primeiro fala principalmente aos socialistas millennials e busca fornecer a eles um credo ideologicamente bem definido. Este último busca um público muito mais amplo, lembrando os leitores da importância do socialismo para o desenvolvimento da democracia americana, ajudando assim a expandir o alcance contemporâneo das idéias socialistas. Mas, ao fazer isso, Nichols também trabalha para expandir as perspectivas históricas e os horizontes intelectuais e políticos dos socialistas contemporâneos e para fornecer-lhes motivações para trabalhar com outros na ampla esquerda democrática para contestar a desigualdade.

O Manifesto de Sunkara não é uma abreviação de sectarismo ou rigidez doutrinária. Fornece uma justificativa historicamente abrangente para o tipo de socialismo democrático que está sendo perseguido pelos Socialistas Democratas da América. Embora entusiasmado com a campanha do Sanders de 2016 e com a promessa de uma campanha de Sanders em 2020, Sunkara deixa claro que os socialistas enfrentam desafios reais e devem trabalhar junto com outros da esquerda para enfrentar esses desafios. Como ele escreve: “É [...] vital que tenhamos uma tradição que [...] possa nos fornecer uma noção de nosso lugar na história e um significado para nosso trabalho. Isso não quer dizer que um movimento de classe popular por políticas redistributivas precisa ser explicitamente socialista para conseguir reformas, mas os socialistas são necessários em tal movimento para fornecer visão e impulsionar as coisas”. Essas palavras expressam sinceramente um certo compromisso com o pluralismo e o experimentalismo. Mas eles também articulam uma espécie de ortodoxia marxista, identificando a esquerda com um "movimento de classe" centrado em "políticas redistributivas" e implicando que enquanto outros podem fazer um trabalho importante em tal "movimento de classe", são (apenas?) os socialistas quem pode fornecer "visão" e movimento para a frente.

Existem dois problemas com essa maneira de pensar.

A primeira é que é simplesmente empírica, normativamente e até epistemicamente errado imaginar que a luta de classes é o antagonismo fundamental em termos do qual todos os outros conflitos devem ser explicados e travados. A história de racismo nos Estados Unidos, por exemplo, não se reduz à história de classe, como indiquei acima. O mesmo vale para a história de opressão sexual e de gênero, ou a exclusão de imigrantes, ou a degradação ambiental, ou a democracia. A classe se cruza com todas essas coisas, com certeza. Mas o inverso também é verdadeiro: todas essas coisas se cruzam com a classe. Sunkara dedica duas páginas para insistir que "[nossa] política deve ser universalista", explicando que [os] socialistas não rejeitam lutas contra a opressão, mas tentam colocá-los em um movimento operário mais amplo". Mas aqueles que estão engajados em lutas não-classe muitas vezes não desejam ser incorporados a "um movimento operário mais amplo", e não há razão para que devessem. E imaginar o contrário parece tolo e contraproducente. Essas questões muito reais estão atualmente em jogo na campanha de Sanders, que enfrentou críticas legítimas por não levar em conta a importância independente da política racial e da política de gênero. (A Jacobin de Sunkara apóia fortemente Sanders.)

O segundo problema com essa forma de pensar está relacionado: ela exagera muito o poder real dos socialistas de projetar sua visão e "empurrar as coisas para frente". O aumento acentuado do DSA, para mais de 50.000 membros, por exemplo, é impressionante. Mas é muito menos impressionante quando se considera que o Sierra Club reivindica 3,5 milhões de membros; a National Abortion and Reproductive Rights Action League (NARAL) 2,3 milhões; a National Organization for Women 500.000 e o NAACP 400.000 membros. (Em comparação, a NRA tem pelo menos quatro milhões de membros.) E “a classe trabalhadora” à qual Sunkara apela continuamente é extraordinariamente fraca para os padrões históricos - apenas 10,5% da força de trabalho é sindicalizada.

Sunkara de fato reconhece isso: “e embora o socialismo tenha sido ressuscitado, seu pulso está fraco. A direita populista ainda parece mais adequada do que a esquerda socialista para falar sobre a desigualdade, a raiva e o ressentimento que as políticas neoliberais inevitavelmente produzem”. Esta é uma grande concessão, mas Sunkara a nota apenas de passagem, antes de prosseguir para um capítulo sobre “How We Win”, que a ignora completamente.

O socialismo volta a ser uma parte importante do debate político americano. Isso se deve à importância das questões de classe que os socialistas corretamente visam, e também às realizações políticas muito reais de socialistas como Bernie Sanders, Alexandria Ocasio-Cortez e Rashida Tlaib, os muitos capítulos eficazes da DSA, e o sucesso de periódicos como Jacobin. Os socialistas têm um papel importante a desempenhar no avanço, na resistência ao trumpismo, na revitalização do Partido Democrata e na reforma das instituições americanas. O Manifesto Socialista ajuda a explicar e justificar esse socialismo ressurgente, e isso é bom. Mas também incentiva uma abordagem para a construção do movimento e ação política que é redutora, arrogante e injustificadamente flutuante, e isso não é tão bom.

Muitos jovens socialistas irão ler o livro. Espero que eles aprendam com isso. Mas também espero que eles o interroguem e tratem como um estímulo para aprender mais sobre as coisas que ele não consegue discutir adequadamente, para que possam engajar melhor os outros com quem devem trabalhar para defender a democracia e estender a política social e justiça econômica.

Sobre o autor

Jeffrey C. Isaac é professor James H. Rudy de Ciência Política na Indiana University, Bloomington. Ele atuou como editor-chefe da Perspectives on Politics, um periódico emblemático da American Political Science Association, de 2009 a 2017, e em 2017 recebeu o Prêmio Frank J. Goodnow da APSA por Serviço Público Distinto para a profissão por seu trabalho. Seu livro #AgainstTrump: Notes from Year One, foi publicado no final de 2018 pela Public Seminar Books / OR Books.

29 de julho de 2019

Frear a mudança climática nunca será um "bom negócio"

O novo livro do ativista e escritor Bill McKibben é um registro de quão urgente é a crise climática. Mas ele falha ao tentar propor soluções verdes no interior do capitalismo para problemas que requerem mudanças radicais e sistêmicas.

Paul Fleckenstein

Jacobin

Bill McKibben aceita o EMA Lifetime Achievement Award no palco durante o 23º Annual Environmental Media Awards no Warner Bros. Studios em 19 de outubro de 2013 em Burbank, Califórnia. (Michael Buckner / Getty Images)

Resenha de Falter por Bill McKibben (Henry Holt and Co., 2019).

Tradução / Ativista pela justiça climática e fundador da 350.org, professor de estudos ambientais, autor de best sellers e jornalista, Bill McKibben dispensa apresentações. Ele contribuiu enormemente para a consciência pública sobre a necessidade de nos prevenirmos com a emergência climática. E ele continua a promover importantes avanços nessa luta, incluindo a Extinction Rebellion e a greve climática global, 20 de setembro.

Nos 30 anos entre O fim da Natureza e o lançamento do seu novo livro Falter, lançado este ano, o destino ecológico do planeta tomou o rumo ao pior dos cenários. Agora, confrontados com as catástrofes climáticas, nós precisamos urgentemente de livros que transmitam nossas terríveis condições ambientais e contribuam à compreensão política que sirva como guia para a ação. Falter cumpre o primeiro critério, mas falha desastrosamente no segundo.

Colapso ecológico

Falter é brilhante na explicação que faz sobre o colapso ecológico. Possui bases na ciência climática e narra as múltiplas formas que os gases do efeito estufa estão desestabilizando e alterando o planeta para sempre.

O aumento extremo de temperatura colocará 1,5 bilhões de pessoas em áreas de alto risco, submetidas a combinações de temperatura e umidade que humanos não são capazes de sobreviver por mais que poucas horas. A rápida mudança de condições climáticas ameaça desarranjar radicalmente as ecologias de solos, plantas e insetos que tornam a agricultura possível. Cerca de 93% do calor é retido pela água e a acidez do oceano tem aumentado em 30% por causa das emissões de CO². Além disso, aumenta o risco de colapso total dos ecossistemas oceânicos. A Organização Internacional de Migração avalia que haverá mais de duzentos milhões de refugiados climáticos por volta de 2050, ou talvez acima de um bilhão, na melhor das estimativas.

Naquilo que McKibben chama de jogo humano, o tabuleiro está afundando rapidamente. A destruição ecológica restringe o espaço de manobra dos humanos. Reinos inteiros da experiência humana com a natureza estão desaparecendo também. McKibben apresenta interpretações matizadas e persuasivas sobre essa catástrofe. Há muito pelo que lutar.

Raízes da catástrofe

A forma que analisamos um problema determina como somos capazes de lidar com ele. Por isso vale à pena explorar o que McKibben diz a respeito das raízes da emergência climática.

Ao longo do livro, McKibben lista os vilões que contribuem para os desastres ecológicos: companhias de óleo, os irmãos Koch, negacionismo climático, nossas expectativas por mais produtos tecnológicos, sistema de crescimento, hiper individualismo, as consequências psicológicas da participação em um paraíso de consumo, o zeitgeist e a desigualdade de renda. Por mais que às vezes mencione atores poderosos, na maior parte ele aponta para atitudes e crenças.

Consistente com a ênfase nas ideias que levam à destruição ecológica, o momento histórico chave para McKibben, no qual “os Estados Unidos podem ter decidido o futuro geológico e tecnológico do planeta”, foi a virada para o neoliberalismo na década de 1970. McKibben argumenta que os Estados Unidos entraram em uma Era mais predatória de desregulamentação, privatização, ganância individual, e desigualdade de renda, impedindo a habilidade do capitalismo de responder ao aquecimento global. Ele atribui a Ayn Rand as novas normas do capitalismo. Rand é a autora amplamente lida (entre os patrões) dos manifestos capitalistas A Revolta de Atlas e A Nascente. Para McKibben, a celebração que Rand faz do individualismo e do egoísmo deformaram o pensamento dos governantes norte-americanos e erodiram valores social-democratas, o que por sua vez conteve possibilidades de prevenir a emergência climática.

Essa narrativa demonstra como McKibben equivocadamente acredita que os problemas da destruição climática partem de más ideias e políticas, ao invés de questões sistêmicas. A virada da década de 1970 ao neoliberalismo originou-se, de fato, com a crise geral na lucratividade capitalista – não das idéias de Ayn Rand.

O boom pós Segunda Guerra Mundial terminou com a recessão de 1973. O período subsequente de estagnação econômica foi devido ao excesso de investimentos em produção e taxas reduzidas de lucro. Em todo lugar, capitalistas e seu governantes, de Houston à Suécia, começaram a operar reformas para reduzir o custo de produção cortando salários, regulações e impostos. A destruição de sindicatos, austeridade e o corte de programas governamentais – exceto os militares – ajudou a aumentar os lucros e a trazer rentabilidade de volta ao capitalismo norte-americano. O capitalismo continuou seguindo os mesmos imperativos de crescimento e lucro (falaremos mais sobre isso adiante), mas passou a exigir um novo conjunto de normas.

Se você, enquanto capitalista, adota a ideologia empresarial individualista de Ayn Rand, então isso vai te ajudar a ser mais bem-sucedido, a ignorar mais facilmente os danos causados aos trabalhadores, comunidades e ao meio ambiente. Mas a ideologia dela é uma consequência, não a causa da guinada neoliberal.

Falhar em compreender o caráter sistêmico do capitalismo e sua relação com a mudança climática também leva às duas tecnologias transformativas que McKibben defende: o potencial empreendedor da energia solar para remodelar o sistema energético capitalista e a política de protestos não-violentos, não como uma forma de tomada de poder dos governantes, mas de mudar suas mentes.

Falter nos leva a ter esperança com soluções verdes no interior do capitalismo. Enfatizando que isso é um “bom negócio”, McKibben traz para o primeiro plano o trabalho de um empreendedor graduado em Harvard que tenta promover investidores em projetos de energia solar de pequena escala (com margem de lucro marginais) na África rural: “Eu não sou um socialista… Eu não acho que seres humanos estão conectados dessa maneira. Mas eu também penso que o capitalismo extrativista está esgotado”. Painéis solares produzem energia diretamente do sol e a tecnologia tem se tornado cada vez mais barata, acessível e, no mercado, pode ultrapassar a energia elétrica produzida por combustíveis fósseis.

Tais propostas eco-capitalistas soam como utópicas, visto que elas dependem que agentes hostis e indispostos, os capitalistas, mudem seus comportamentos e o funcionamento total de seu sistema. Marx explicou (e Goldman Sachs concordaria) que o capitalismo é um sistema de expansão perpétua, não por causa das ideias dos capitalistas, mas porque os proprietários precisam investir capital, explorar trabalhadores por lucro, acumular mais capital do que o investido originalmente, e assim ciclicamente, eles vão ser ultrapassados e eliminados por outros capitalistas que estejam dispostos a gerar mais lucros. A competição nacional e internacional entre capitalistas impõe um imperativo de crescimento a todo custo. É um sistema cujo lema “cresça ou morra” determina a trajetória de todas as principais instituições econômicas.

A destruição ambiental é fabricada no núcleo do capitalismo. O capitalismo opera com base no trabalho assalariado. Quando proprietários expropriam a terra, a natureza é apenas uma mera fonte que é combinada com o trabalho produtivo para gerar lucros. Isso cria o que Marx chamou de “fratura metabólica”. Na primitiva separação capitalista entre cidade e campo, a produção capitalista era fundamentalmente descompassada com as exigências ecológicas da terra – nesse caso, Marx notou a destruição da fertilidade do solo quando cidades descartavam rejeitos humanos nos rios. John Bellamy Foster, em A Ecologia de Marx, elaborou sobre o insight de Marx, revelando a incompatibilidade fundamental do capitalismo com o resto da natureza.

Os combustíveis fósseis tiveram um papel fundamental ao longo dos últimos duzentos anos no desenvolvimento desse sistema. McKibben nota, e isso é importante, que “um barril de óleo, atualmente custando cerca de sessenta dólares, fornece energia equivalente a cerca de 23.000 horas de trabalho humano”. Mas ele não vai adiante. O fato, contudo, é crucial para entender que o capitalismo se desenvolveu atrelado aos combustíveis fósseis em razão de sua fonte de energia portátil e compacta, elevando enormemente o poder dos patrões sobre o trabalho, bem como da produtividade do trabalho e dos lucros. Não há substituto equivalente no capitalismo.

Para aqueles que querem se aprofundar nisso, leiam o livro de Fred Magdoff e Chris Williams, Criando uma Sociedade Ecológica. Magdoff e Williams partem de um lugar similar ao de McKibben, dos princípios e violações da ecologia do planeta. Mas eles mantêm uma aproximação científica na análise das causas materiais da destruição ambiental no capitalismo e disso extraem conclusões sobre políticas e estratégias para transformar a sociedade.

Existe alternativa?

Existe alternativa ao capitalismo? Que tal o socialismo? McKibben diz não a ambos. Ele concorda com o anticomunismo de Ayn Rand, descartando o socialismo (que ele confunde com stalinismo) como totalitário. Ele também aponta a destruição ambiental e estagnação social da Rússia durante a Guerra Fria.

Há uma questão importante aqui. Se você acredita que toda revolução da classe trabalhadora resulta em desastre, e que por isso é necessário priorizar a colaboração com os administradores existentes da sociedade (os capitalistas e os seus governantes representativos), então uma alternativa radical ao status quo é impossível.

Felizmente, desde a década de 1950, historiadores têm realizado muitas produções críticas, interessantes e investigativas sobre a breve Revolução Russa que buscam informar as atuais gerações sobre como conquistar uma alternativa ao capitalismo. Um excelente ponto de partida é o recentemente publicado Outubro: Uma História da Revolução Russa, por China Miéville.

A Suécia e a social democracia são, conforme McKibben argumenta, as bases potenciais de uma alternativa? Greta Thunberg afirma que apenas 2% da população sueca são negacionistas climáticos, ainda assim ela começou seus protestos na frente do parlamento sueco devido a sua inatividade.

Podemos todos concordar com McKibben que aspectos da sociedade sueca como sua educação, assistência médica e aposentadoria são melhores do que nos Estados Unidos. Mas vem ao caso que todas essas conquistas são conquistas da luta da classe trabalhadora depois das Primeira e Segunda Guerras Mundiais em uma região do mundo marcada por greves de massas, conselho de trabalhadores, partidos socialistas revolucionários e a primeira e inspiradora revolução da classe trabalhadora na Rússia. Conquistas da social democracia são debitarias disso, não existem graças às ideias dos governantes. E desde a década de 1970, na Suécia e em todo lugar, todos esses avanços estão sob ataque em um mundo de reestruturação e austeridade neoliberal.

Também é importante salientar que a Suécia está no topo da exportação de armas e que a Noruega é um petroestado, liderando a produção de gás e óleo nas reservas do Mar do Norte, e ainda está turbinando os investimentos na infraestrutura de extração. Em termos de crescimento, economias capitalistas mais reguladas também devem engajar-se em crescimento competitivo para evitar a se afundar em crises econômicas.

Tendo anulado a revolução, McKibben recomenda tecnologias de transformação como vilas de painéis solares em uma narrativa na qual boas tecnologias promovidas por capitalistas iluminados podem destituir as ruins com o passar do tempo. Dado o caráter sistêmico do problema, contudo, isso é um mero desejo. Assim como é ilusório o esgotamento do “capitalismo extrativista”. O investimento em extração continua em todo o mundo.

Existem trilhões de dólares em investimentos, não apenas em plataformas de óleo e oleodutos, mas também em plástico, plantas de energia, companhias aéreas, automobilísticas, náuticas, e outras indústrias que terão de ser abandonadas. Administradores capitalistas não tem incentivo algum para abandonar tais investimentos lucrativos, o que traria “sérios riscos” à rentabilidade caso o façam.

Justiça climática e anti-capitalismo

É uma pena que a narrativa de McKibben jogue um balde de água fria sobre o período recente de consciência de classe, greves de professores e suas vitórias, e o aprofundamento do sentimento anticapitalista.

Precisamos vencer as reformas de curto prazo que seguem o modelo New Deal – redirecionar os investimentos estatais para nova infraestrutura de transporte, plano de saúde universal e uso massivo de energia solar e eólica. Lutas de classes e greves, por causa do poder dos trabalhadores de paralisar e mesmo conduzir a produção, são as mais importantes capacidades de influência que a vasta maioria possui sobre os poucos que detém e concentram poder.

A greve global que ocorreu em setembro (para trabalhadores e estudantes) é um importante desenvolvimento, especialmente se entendido não apenas como mais um protesto global, mas como um passo no processo de cultivar a organização coletiva nos ambientes de trabalho para a luta climática. Isso demonstra uma alternativa ao mero lobbyng e à esperança que corporações tenham bom senso. Se o sistema é o problema, então as greves são onde temos o poder real de vencer o problema para aplicar as reformas.

E, finalmente, se a destruição ecológica é forjada no capitalismo, também precisamos de uma mudança radical sistêmica. O novo movimento socialista, o maior nos Estados Unidos desde a década de 1930 – uma das últimas vezes, por falar nisso, que os ganhos da social democracia foram conquistados nesse país – tem muito a contribuir para a integração entre as lutas climáticas e de classe.

Vale a pena ler esse livro, mas discuta e debata-o. A ameaça existencial que já ameaça milhões irá alcançar todos nós. Nós precisamos de políticas para as lutas de classe. Nós precisamos do socialismo, incluindo uma economia democrática que priorize necessidades humanas e as necessidades do resto da natureza.

Sobre o autor

Paul Fleckenstein é um ativista socialista e ambiental de Burlington, Vermont.

Não há futuro para as empresas privadas de patinetes

Não importa se você ama ou odeia os patinetes que entopem as calçadas de muitas cidades ao redor do mundo, uma coisa está clara: os termos do seu uso precisam ser decididos democraticamente, pelo público.

Paris Marx


Pessoas usando patinetes elétricos da Bird na praia de Venice, em Los Angeles, nos EUA. (Foto por Mario Tama/Getty)

Tradução / Durante décadas os carros dominaram as ruas, relegando os pedestres e ciclistas às beiradas e calçadas. Porém, nos últimos anos, as pessoas têm se cansado da irritação do trânsito e das dificuldades para comprar e manter um carro. As cidades estão aumentando o investimento em ruas, ciclovias e infraestrutura para pedestres – mas nenhuma tentativa de enfrentar esses desafios tem sido mais visível do que os patinetes elétricos.

Há quase dois anos, os patinetes elétricos sem local definido para devolução começaram a aparecer nas calçadas das principais cidades dos Estados Unidos e se espalharam pela Europa, Ásia, Austrália, América Latina e etc.. Na maioria das cidades estadunidenses, as empresas nem se deram ao trabalho de obter licenças ou verificar se seus serviços seriam legais; elas simplesmente espalharam seus patinetes, provocando o que alguns jornalistas apelidaram de “guerras dos patinetes“.

As cidades entraram em colapso para atualizar suas leis e implementar programas de licenciamento porque moradores passaram a reclamar de patinetes bloqueando as calçadas (uma questão essencial para a acessibilidade dos usuários de cadeiras de rodas e pessoas com todos os tipos de dificuldades de mobilidade, além de pedestres tentando usar as calçadas); de usuários de patinetes que os atropelavam enquanto estavam caminhando e dos próprios patinetes não serem confiáveis e causarem acidentes. Os patinetes têm acelerado um debate sobre o futuro das ruas, mas a sua imposição sobre o espaço público tem sido preocupante. À medida que mais detalhes são divulgados sobre o modelo econômico das empresas de patinetes, fica claro que elas eventualmente terão de se tornar um serviço público se quiserem sobreviver – uma mudança que garantirá às cidades mais controle sobre elas.

Viés elitista
Não são só os patinetes; as empresas de tecnologia têm se tornado muito interessadas em todas as formas de transporte. Nas cidades por todos os cantos, a Uber e seus pares de “corrida” pioraram os congestionamentos, aumentaram as viagens de veículos e declararam guerra ao trânsito. A solução eventual da Uber será começar a oferecer carros voadores para as pessoas escaparem do problema (que ela ajudou a levar até o ponto de ruptura, em primeiro lugar), enquanto Elon Musk quer enviar carros por um sistema de túneis subterrâneos, porque qualquer futuro que não envolva todo mundo em veículos pessoais está simplesmente fora do reino da possibilidade para o “maior gênio do mundo”.

Essas visões de futuro estão limitadas pela posição elitista das pessoas que as imaginam. O consultor de transportes Jarret Walker chama a incapacidade das companhias de tecnologia de aceitar que as restrições espaciais das cidades não podem ser resolvidas apenas por tecnologia um exemplo de “projeção elitista“: a incapacidade de reconhecer que o que funciona melhor para eles pode não funcionar se for usado por todo mundo. Elon Musk respondeu o chamando de idiota. Esta, porém, não é a primeira vez que as pessoas que levam em frente a narrativa sobre os transportes não são capazes de reconhecer seus próprios preconceitos.

Num ensaio visionário de 1973, o filósofo social André Gorz descreveu o automóvel como um item de luxo cuja promessa de velocidade não poderia funcionar quando todos tivessem o seu: “Tendo prometido a todos que poderiam ir mais rápido, a indústria automobilística acaba tendo o resultado implacavelmente previsível de fazer com que todo mundo tenha de seguir tão lentamente quanto o mais lento no caminho, a uma velocidade determinada pelas leis simples da dinâmica dos fluidos.” Apesar de décadas construindo novas estradas e alargando as rodovias, o problema do congestionamento não pôde ser resolvido, porque cada tentativa de solução simplesmente atrai mais e mais carros.

O uso do automóvel em massa, escreveu Gorz, é “um triunfo absoluto da ideologia burguesa”, porque “sustenta em todos a ilusão de que cada indivíduo poderia buscar seu próprio benefício, às custas de todos os outros”. Depois de destruir as alternativas e de matar a cidade para abrir espaço para os carros, as pessoas ficaram sem alternativas. Entretanto, depois de várias décadas desse status quo, a maré está se voltando contra a o uso do automóvel.

As decisões sobre o aspecto desse futuro não podem, no entanto, simplesmente ser deixadas para outro grupo de bilionários distantes, motivados pelo acúmulo de capital e não pelo que seria melhor para promover comunidades justas e habitáveis.

O modelo de “compartilhamento” de patinetes privados não funciona
O afluxo de patinetes não foi um desastre completo. Eles forçaram um debate importante sobre o espaço público e sobre quem deve ter direito à rua – e facilitaram que milhares de pessoas experimentassem bicicletas e patinetes elétricos como alternativa aos seus padrões atuais de deslocamento. O resultado, porém, não pode ser simplesmente deixarmos que as empresas de patinetes definam os parâmetros, o que inevitavelmente privilegiará a expropriação de infra-estrutura pública para que elas obtenham lucros privados, como as empresas de “caronas” seguem fazendo.

Mesmo que essas empresas queiram que as pessoas pensem que não é assim, a viabilidade de longo prazo dos serviços privados de patinetes e bicicletas eletrônicas sem local de retorno levanta suspeitas. Assim como a Uber continua perdendo grandes somas de dinheiro mesmo dez anos após sua fundação, sem perspectivas de lucratividade no futuro previsível, as empresas de patinetes também têm lutado para fazer suas finanças fecharem – mas isso já em um estágio muito anterior de suas existências.

Empresas de patinetes como a Bird e a Lime conseguiram levantar centenas de milhões de dólares em capital de risco, mas estão queimando esse dinheiro, e os investidores não têm sido tão generosos com suas carteiras quanto têm sido com a Uber. O CEO da Bird, Travis VanderZanden, disse que embora o foco para 2018 tenha sido crescer em escala, 2019 seria sobre melhorar sua economia por unidade, mas não está claro quão bem sucedidos eles têm sido nisso. Os patinetes são notórios pela curta expectativa de vida das suas frotas.

VanderZanden disse anteriormente que os patinetes precisariam durar seis meses na frota da Bird para que as contas da empresa atinjam um ponto de equilíbrio, e mesmo que ele afirme que os modelos mais novos e robustos durarão de dez a doze meses, os dados independentes não dão sustentação às afirmações dele. Patinetes da Bird em Louisville, nos EUA, duraram uma média de apenas 28,8 dias entre agosto e dezembro de 2018, e 126 dias entre janeiro e abril de 2019, em Los Angeles – muito abaixo do que seria necessário.

Pior ainda, os dados de Los Angeles mostram que o mais novo modelo de patinetes nas ruas naquele momento, o Bird Zero, tinha uma vida útil menor do que a média de apenas 116 dias. A Lime vem tendo problemas semelhantes, com o seu mais novo modelo, o Gen 3, sofrendo problemas de manutenção significativos, que podem tornar ilusória a esperada redução de custos. Mesmo com as promessas de patinetes mais duráveis, a Bird subiu os preços em várias cidades em abril, criando novas dúvidas sobre se a sua estratégia de produto vem funcionando como esperado.

As coisas não andam muito melhores para as bicicletas sem ponto de devolução. A Jump, uma subsidiária da Uber, também tem aumentado seus preços recentemente, chegando a dobrá-los de $0,15 para $0,30 por minuto em Los Angeles. Esses preços não se comparam aos $1,75 por 30 minutos ou $ 17 por mês para todos os passeios com menos de 30 minutos do sistema público de compartilhamento de bicicletas L.A. Metro, que tem acrescentado mais bicicletas e que permite, em algumas partes da cidade, que elas sejam cadeadas em racks de bicicletas ao invés de entregues em docas de devolução.

Para qualquer um que os use regularmente, esses serviços privados já são mais caros do que os sistemas públicos existentes, e esses aumentos de preço só os tornarão mais como um produto de nicho – num momento em que as empresas ainda não conseguem cobrir seus custos. Dados públicos de Austin, nos EUA, mostram que asviagens diárias por patinete estão diminuindo e que 80% do uso está concentrado em uma região com apenas 10% da população.

Assim como com os serviços de “carona”, seus preços inevitavelmente terão de subir ainda mais para alcançar a lucratividade, os colocando fora do alcance da maioria dos moradores. O modelo privado simplesmente não funciona.

Mobilidade pública para cidades justas
Se for para o aluguel de patinetes ter algum futuro, inevitavelmente eles terão de ser integrados nos sistemas públicos de compartilhamento de bicicletas por meio de um modelo híbrido baseado primariamente em docas de devolução, mas que permita o uso sem ponto de devolução em áreas sem boa cobertura de docas. Isso terá de ser acompanhado por um plano para a expansão da infra-estrutura para que bicicletas e patinetes possam ser usados sem incomodar os pedestres, o que significará tomar espaço das ruas e de estacionamento que hoje são alocados para os carros. (Também seria bom se essas transformações fossem acompanhadas por uma campanha de educação pública para convencer os usuários de patinetes a não usá-los feito idiotas.)

Apenas pintar no chão alguns quadrados onde as empresas privadas possam deixar seus veículos sem ponto de devolução não é uma medida suficiente – e aborda a presença dessas empresas como se fosse um fato consumado. Essas empresas vão se valer do mantra neoliberal para dizer que esse serviço, assim como tantos outros serviços públicos urbanos, deveria ser deixado para o mercado privado. Porém, elas já provaram que não colocam as prioridades do público acima de seus próprios objetivos de dominação de mercado e de captura do espaço público. Ela já provaram que não parceiras, mas invasoras do espaço público.

Pode ser, no entanto, que fique comprovado que os patinetes não funcionam bem como frota, seja ela pública ou privada – e as cidades não devem hesitar em restringir ainda mais esses serviços em favor da propriedade individual, se for esse o caso. Os preços crescentes dos serviços de patinetes sem ponto de atracação já estão incentivando os usuários regulares a comprar os seus próprios patinetes, já que seus preços começam em poucas centenas de dólares e são mais portáteis que uma bicicleta. Poderiam ser criados incentivos para a compra de patinetes e bicicletas elétricos; os últimos já se provaram populares na Suécia e em breve serão oferecidos no estado canadense da Colúmbia Britânica para pessoas que abandonem seus carros.

A propriedade individual não deve ser vista como um fracasso. As plataformas tecnológicas têm adotado um modelo de negócios rentista “em que um proprietário de um ativo cobra dos outros o acesso a esse ativo, assim como um proprietário cobra dos inquilinos para lhes alugar uma casa que o proprietário possui”, e o “compartilhamento” de patinetes não é exceção. Incentivar a propriedade de bicicletas e patinetes para usuários regulares seria o preferível, pois eles duram muito mais tempo e estarão sempre disponíveis para o proprietário – não importa se isso não se alinha com as preferências dos capitalistas do Vale do Silício.

Uma transição para longe da dominação do automóvel é necessária não apenas para atingirmos nossos objetivos ambientais, mas para criarmos cidades mais eqüitativas, realocando o espaço das ruas que atualmente vem sendo capturado por carros para transporte ativo e espaços públicos urbanos, como Oslo realizou, ao remover a maior parte das vagas de estacionamento nas ruas e restringir uso de veículos no seu núcleo central.

As empresas de patinetes ajudaram a acelerar essa discussão, mas seu modelo privado tem as prioridades erradas, o que torna essencial um sistema público expandido e controlado democraticamente. No entanto, a mobilidade pública deve estar inserida em um programa socialista mais amplo para as cidades, a fim de garantir que a melhoria das condições de vida não resulte simplesmente numa gentrificação que empurre para subúrbios dependentes de automóveis aqueles que teriam mais a ganhar com essas melhorias. A mobilidade é apenas um dos aspectos para a criação de cidades para todos – e não apenas para aqueles que podem arcar com os preços em disparada dos aluguéis urbanos.

Sobre o autor

Paris Marx é um escritor socialista e urbanista. Ele é o editor do Radical Urbanist e já escreveu para a NBC News, CBC News e Toronto Star.

26 de julho de 2019

"Há razões para o otimismo"

Noam Chomsky

Entrevistado por
John Nichols

Catalyst


Tradução / 7 de dezembro é, como Franklin Delano Roosevelt explicou em 1941, "uma data que se viveria na infâmia". É também o aniversário de Noam Chomsky. Quando o ataque japonês a Pearl Harbor ocorreu, Chomsky tinha treze anos de idade. Como resultado de uma série de discussões que tivemos antes e depois de seu nonagésimo aniversário, em 7 de dezembro de 2018, esse detalhe da sua infância é particularmente significativo para o homem que, em muitos sentidos, definiu a compreensão moderna do que é ser um intelectual público comentando sobre questões globais na época da sua adolescência. A entrevista a seguir foi conduzida por John Nichols em coordenação com a Catalyst. Chomsky aborda a ascensão da extrema-direita hoje, relacionando-a ao fascismo entre guerras, e então passa para uma discussão mais ampla sobre a conjuntura.

John Nichols: Quando tinha dez anos de idade, escreveu um pequeno artigo sobre as suas preocupações sobre a ascensão do fascismo. Estava a escrever após a queda de Barcelona no regime fascista de Francisco Franco, nos últimos dias da Guerra Civil Espanhola. Os americanos que lutaram naquela guerra, como membros da Brigada Abraham Lincoln, foram desacreditados como "antifascistas prematuros", ao ousarem erguer armas contra os aliados de Hitler e Mussolini antes da entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial, em 8 de dezembro de 1941. Aos dez anos de idade aliou-se aos antifascistas. Lembra-se do artigo?

Noam Chomsky: O artigo foi para o jornal do quarto ano da escola. Eu era o editor e o único leitor e, pelo que me lembro, talvez a minha mãe. Por sorte, ela não salvou nada do jornal. Tenho certeza que seria bastante embaraçoso para mim. Tudo de que me lembro é a primeira frase, que descreve o meu pensamento na época: “a Áustria caiu, a Checoslováquia caiu, Toledo caiu e agora Barcelona também”.

Eu estava a escrever depois da queda de Barcelona, ​​em fevereiro de 1939, e pareceu, na época, que a disseminação do fascismo era inexorável. Nada iria parar isso. O artigo descrevia o que estava a acontecer no mundo, algo assustador. Eu tinha idade suficiente para ouvir os discursos de Hitler nos comícios de Nuremberg - sem entender as palavras, mas era fácil perceber o tom daquilo. Podia ver o que estava a acontecer enquanto essa praga se espalhava por toda a Europa e parecia não ter fim.

Quando o regime em Barcelona desmoronou, isso não foi apenas o fim do estado democrático liberal espanhol, mas, para mim, o mais importante, foi o fim da revolução social. [A Guerra Civil Espanhola] Não foi apenas uma simples guerra entre o fascismo e a democracia liberal; houve uma incrível revolução social em grande parte da Espanha e foi esmagada pelos esforços conjuntos dos comunistas, dos fascistas e das democracias liberais. Eles não concordaram muito entre eles, mas concordaram que a revolução social tinha que ser esmagada. Barcelona foi apenas o último símbolo naquele momento. As pessoas simplesmente fugiram para a França quando podiam escapar.

John Nichols: Ficou claro para si que uma guerra maior estava a chegar?

Noam Chomsky: Bem, como eu disse, parecia impossível de ser parado. Ia-se espalhar por toda a Europa, pelo mundo. Aprendi muito mais tarde que aqueles que planeavam as políticas dos Estados Unidos já estavam a reunir-se: o Departamento de Estado e o Conselho de Relações Exteriores – além de grupos a trabalhar sobre como seria a guerra e o período pós-guerra.

Nesta altura, em 1939, eles já estavam a antecipar que a guerra terminaria com uma divisão entre dois mundos: um dominado pelos EUA e outro dominado pelos alemães. Esse foi o cenário. Então, a minha perceção infantil não era totalmente irrealista.

John Nichols: A sua perceção foi influenciada pela sua própria experiência, ao crescer em Filadélfia?

Noam Chomsky: Foi influenciada por experiências locais. Passámos a ser a única família judia num bairro predominantemente alemão e irlandês. Os irlandeses odiavam os ingleses, alemães gostavam dos alemães e assim por diante… lembro-me bem de festas com cerveja quando em Paris o regime caiu. As crianças do bairro foram para uma escola jesuíta local. Odeio pensar o que era ensinado lá, mas elas saíram delirantemente antissemitas da escola. Levava algumas horas para essas crianças se acalmarem para que pudéssemos jogar à bola na rua.

Por isso, combinou experiências pessoais, que, aliás, nunca mencionei aos meus pais. Eles não tinham ideia sobre isso até o dia das suas mortes. Naquela época não falávamos com os nossos pais sobre essas coisas. Isso é pessoal. Mas foi uma combinação dessas coisas que levaram a esse [artigo].

John Nichols: Com a experiência de comentar sobre o fascismo por oitenta anos, qual é o entendimento de onde estamos hoje? Há uma grande discussão sobre fascismo e ameaças fascistas. Pilhas de livros estão a ser escritas sobre o assunto. Como devemos pensar sobre o que está a acontecer agora?

Noam Chomsky: Bem, estou um pouco relutante em usar a palavra “fascismo”. É usado de forma bastante frouxa agora. É usado para se referir a qualquer coisa horrível. Mas o fascismo realmente significava algo nos anos trinta. De facto, vale a pena lembrar que mesmo a opinião liberal tinha uma espécie de apreciação moderada do fascismo. Assim, por exemplo, Roosevelt descreveu Mussolini, o fascista original, como “aquele admirável cavalheiro italiano”.

Os fascistas tinham conseguido esmagar o movimento trabalhista e a esquerda social-democrata e comunista, e isso era algo em que a opinião do Ocidente era bastante favorável. Os industriais ocidentais e o Departamento de Estado em 1937 descreviam Hitler como moderado e George Kennan, nosso cônsul em Berlim na época, e mais tarde um dos estadistas mais respeitados do pós-período, estava a escrever de Berlim dizendo que não deveríamos ser muito duros com essas pessoas. Há coisas erradas com elas, mas elas estão a fazer algumas coisas que são muito boas, então provavelmente podemos dar-nos bem com elas.

O fascismo foi entendido como algo diferente naquela época. Não era algo horrível. Tinha uma política social e económica específica. Era para ser um estado poderoso que coordenaria todos os setores da sociedade. Seria um estado de dominação; os negócios floresceriam, mas sob o controlo de um estado poderoso. O trabalho seria entendido como um subsidiário desse sistema geral. Não é o que chamamos de fascismo hoje.

John Nichols: Qual é o seu entendimento do que as pessoas chamam de fascismo hoje?

Noam Chomsky: O que é chamado de fascismo hoje é algo podre.

John Nichols: Essa é uma definição ampla.

Noam Chomsky: Definição ampla.

John Nichols: Existe algum lugar, quando olha ao redor do mundo atualmente [e eu sei que você faz isso] onde vê ameaças emergindo em termos concretos?

Noam Chomsky: Bem, acho que o Brasil talvez seja o caso mais extremo agora. O Brasil está nas mãos do novo presidente [Jair Messias Bolsonaro]. Bolsonaro assumiu a presidência. O Brasil, como você sabe, teve uma horrenda ditadura militar: tortura, assassinato. Bolsonaro elogia a ditadura militar. Na medida em que ele critica, diz que a ditadura militar no Brasil não matou pessoas suficientes. Para ele, a ditadura no Brasil deveria ter sido como a da Argentina, a qual teve o pior desse tipo de estado de segurança nacional neonazista. Eles mataram 30.000 pessoas.

Tem havido um golpe, um golpe de direita a acontecer no Brasil há vários anos. O primeiro momento disso foi o impeachment totalmente fraudulento da presidente Dilma Rousseff [antiga líder do Partido dos Trabalhadores]. Quando Bolsonaro votou pelo impeachment, ele dedicou o seu voto ao principal torturador do regime militar, que tinha sido pessoalmente responsável pela tortura de Dilma Rousseff. Esse é o tipo de pessoa que estão lá.

As políticas de Bolsonaro são essencialmente para acabar com a população indígena, para vender totalmente o país. O seu ministro da Economia, Paulo Guedes, é um ultra neoliberal da Escola de Chicago, que trabalhou no Chile sob o regime de Pinochet, e tem como objetivo, como ele disse: privatizar tudo, vender todo o país para investidores estrangeiros. Ele quer abrir a Amazónia para a exploração de mineração e para o agronegócio: uma espécie de sentença de morte para o mundo, já que a Amazónia é um dos principais pulmões do mundo.

John Nichols: Fale-nos sobre como Bolsonaro chegou ao poder.

Noam Chomsky: A forma como ele foi eleito é bastante significativa. Devemos prestar atenção a isso. Veremos mais disso na nossa próxima eleição nos EUA. É um tipo de experiência. A primeira coisa que fizeram foi ir atrás da pessoa que iria ganhar a eleição. Julgando pelas sondagens, Lula da Silva – ex-presidente que presidiu um período que o Banco Mundial chamou de Década de Ouro do Brasil, com redução substancial da pobreza, abertura de oportunidades educacionais para minorias, para outras pessoas – fez políticas bastante eficazes. Muitos erros também, mas ele foi, de facto, provavelmente a figura política mais respeitada do mundo. Ele também estava a apoiar o papel do Sul Global e o seu esforço para escapar do legado do colonialismo, que ainda era muito severo.

Então, o que eles fizeram com Lula da Silva, que estava à frente nas sondagens, [foi colocá-lo] na prisão por vinte e cinco anos, em confinamento solitário. Ele não podia ler nada e nem fazer declarações. Eu e a minha esposa, Valeria, visitámo-lo na prisão. Vinte e cinco anos de solitária, isso é essencialmente uma sentença de morte. Mas, crucialmente, ele não tinha permissão para fazer uma declaração – ao contrário dos assassinos no corredor da morte nos EUA, que têm permissão para falar. O seu neto favorito morreu e, depois de muitas negociações, eles permitiram que ele comparecesse ao funeral por uma hora, mas não podia dizer nada… Se ele sobreviver, vai ser incrível. Ele é definitivamente o prisioneiro político mais importante do mundo.

John Nichols: Referiu que existiu pouca atenção às circunstâncias de Lula na maioria dos meios de comunicação dos EUA. Ou, realmente, de Bolsonaro. Isso faz parte de um problema mais amplo com os media dos EUA que não cobrem o mundo? Mas está especialmente preocupado com a negligência do que está a acontecer no Brasil.

Noam Chomsky: Bolsonaro é o mais próximo de algo como o fascismo – não no sentido técnico, mas no sentido de amargo, vicioso, profundamente autoritário e brutal.

John Nichols: Como ele chegou ao poder não é apenas perturbador em si mesmo. É uma indicação de como a política está a mudar em todo o mundo.

Noam Chomsky: A forma como a eleição foi ganha – e é isso que eu tinha em mente ao dizer que poderíamos pensar – foi por uma incrível campanha nos media sociais, que é a única coisa que a maioria dos brasileiros tem como fonte da chamada “informação”. O WhatsApp Foi inundado com as mais inacreditáveis ​​mentiras, distorções, invenções sobre as coisas supostamente hediondas que o PT, a oposição, faria... Suspeito que na nossa próxima eleição, na qual Bernie Sanders está a concorrer [contra Trump na eleição de novembro] será o que vai acontecer. Estes são os tipos de acusações que não dá para responder. É apenas nojento, feio, vilificação. Já está a começar, por exemplo, com as acusações da direita sobre o “socialismo”.

Notei que, no discurso do Presidente Trump sobre o Estado da União, havia um longo solilóquio sobre o socialismo e, claramente, que se tornou uma grande pedra de toque para muitas das críticas de pessoas dentro do Partido Democrata. Há um punhado de socialistas democráticos que se levantaram no Partido Democrata: Bernie Sanders, Alexandria Ocasio-Cortez, Rashida Tlaib e outros. E assim há uma realidade que temos pela primeira vez em muito tempo: um aumento de uma presença democrático-socialista aliado ao nosso discurso.

John Nichols: Pode falar-nos sobre como o presidente e alguns dos seus aliados políticos podem-se aproveitar deste termo?

Noam Chomsky: Bem, devemos ter em mente que os EUA é um país muito isolado, cultural e intelectualmente. Quer dizer, no resto do mundo, socialista é um termo normal. Comunista é um termo normal. As pessoas podem ser comunistas, o Partido Comunista pode participar em eleições. Ser socialista é apenas ser uma espécie de pessoa moderna. Aqui nos Estados Unidos, o socialismo é uma palavra de maldição – então, chamar alguém de socialista significa que ela é um monstro total, como um nazi, talvez como Estaline. Mas isso é exclusivo dos Estados Unidos.

Veja Bernie Sanders. As suas posições não teriam surpreendido [o ex-presidente Dwight] Eisenhower. Lê as declarações de Eisenhower, quando sugeriu que qualquer um que questione o New Deal não pertence ao nosso sistema político. Ou que qualquer um que pense que os trabalhadores devem ter a oportunidade de formar livremente sindicatos – e devem voltar a ser massas amontoadas e patéticas do passado – simplesmente não fazem parte do mundo civilizado.

John Nichols: De facto, Eisenhower pronunciou o discurso de “Cruz de Ferro”, em 1953, no qual ele disse que todo o avião de guerra que construímos poderia ser dinheiro a ser usado para a construção de escolas. Isso soa muito parecido com um Bernie Sanders.

Noam Chomsky: O país moveu-se muito para a direita durante o período neoliberal, desde os anos Reagan – os anos Carter-Reagan. Então, quando essas pessoas que se autodenominam “socialistas democráticos” aparecem, elas voltam essencialmente a uma tradição que é bem parecida com o New Deal. É muito saudável, penso eu, mas não tem nada a ver com socialismo ou com o sentido tradicional da palavra. Lembre-se do que o socialismo significava uma vez. O socialismo significava, no mínimo, o controlo sobre a produção pela força de trabalho, o controlo sobre outras instituições pelos participantes, o controlo democrático sobre todo o sistema social e económico.

[A maioria dos proeminentes socialistas democráticos na política americana contemporânea] não está a reivindicar isso. Eles estão a chamar o que na Europa seriam medidas social-democratas moderadas – o que para os Estados Unidos é muito importante. Então, acho que é uma coisa muito boa. Mas será banalizado com tiradas de infâmia, demonização e denúncia. Pode ter certeza disso. E o que aconteceu no Brasil, penso eu, vale a pena ser visto como uma espécie de modelo experimental do que pode vir.

John Nichols: Se, por acaso, Bernie Sanders for indicado para presidente dos Estados Unidos, qual é o sentido de como essa campanha pode ser jogada? Correndo o risco de fazer de Noam Chomsky um comentarista... o que acha que aconteceria?

Noam Chomsky: Eu acho que ele vai ser submetido – e isso é verdade se ele concorre ou se qualquer outra pessoa como ele concorre – a uma campanha muito cruel, vulgar sobre media social, através de notícias, rádio etc. Lembre-se de que todos esses instrumentos foram tomados pela extrema direita. Eu ouço rádio de vez em quando. Isso é realmente chocante. Quero dizer, isso faz a Fox News parecer liberal, sabe? E isso atinge muitas pessoas. Rush Limbaugh tem audiência de 20 ou 30 milhões de pessoas, dizendo-lhes por exemplo que existem – qual é a sua famosa frase? Instituições que existem com base no engano: governo, media, academia e ciência. Ele está a dizer às pessoas: não acreditem numa palavra que provenha destas instituições. Coisas como esta estão a atingir uma grande parte da população americana.

John Nichols: Sempre nos lembrou que as elites colocaram grande energia em restringir e estreitar o discurso político.

Noam Chomsky: O ativismo social é considerado pela classe política e empresarial como um cancro. Se ficar maligno, eles pensam: tem que pará-lo à força. Mas é muito mais rentável, no caso de um cancro, preveni-lo. E [existem] todos esses meios para impedir o surgimento de movimentos sociais organizados que desafiarão os eventos que estão a ocorrer.

Desviar a atenção das pessoas para outras direções é outra maneira de o faze. Então, existem mensagens [de Trump e dos seus aliados] sobre as hordas de estupradores, assassinos, terroristas prestes a invadir a fronteira, nos atacar e nos destruir. Ok, então eles querem que prestemos atenção nisso e não ao facto de os nossos salários reais não terem aumentado em trinta anos, que estamos a perder benefícios, que o sistema político está a entrar em colapso ou ainda, que todo o ato feito pelo governo é um ataque à força de trabalho e aos pobres. A mensagem é: “Não olhem para isso. Olhem para essas pessoas que estão a atravessar a fronteira. Preocupem-se com os seus filhos ou qualquer outra coisa”.

Existem meios muito concretos para distrair as pessoas. Eles foram desenvolvidos por muitos anos e são, em grande parte, produzidos pela indústria de publicidade – uma das mais poderosas do país – e estão a ser aplicados agora para evitar que pessoas como você, especialmente os jovens, tenham a “ideia errada” de se organizar, de serem ativos e fazer o tipo de coisas que Ocasio-Cortez está a fazer. Eles tentam, de alguma forma, impedir que você inicie qualquer tipo de coisa.

John Nichols: Eles não parecem estar a ter grande, porque Ocasio-Cortez tem mais de 3,3 milhões de seguidores no Twitter. Ela e as outras parlamentares que foram eleitas para o Congresso estão a tornar-se estrelas políticas. Existe um fenómeno lá. A sondagem mostra que pessoas com menos de trinta anos têm opiniões positivas sobre o socialismo democrático – pelo menos em oposição ao capitalismo, como é praticado atualmente. Bernie Sanders concorreu a presidência muito bem em 2016 e parece estar muito bem agora, à medida que se aproximam as eleições de 2020. Então, não há alguma evidência de que os progressistas estão a surgir? Que uma mudança está a ocorrer?

Noam Chomsky: Bem, eu colocaria de outro jeito. É por causa dos efeitos da era neoliberal que está a perceber essa reação. Há uma reação em todo o mundo e é em duas direções. Às vezes é apenas alguma coisa que está a descrever. Às vezes é neofascista mesmo.

Há uma questão real agora sobre o caminho a seguir. Na Europa, nos Estados Unidos, e em alguns outros lugares há um tremendo aumento de raiva, amargura, ressentimento. E a questão é: o que ocorrerá?

Do ponto de vista das elites políticas e financeiras do mundo, a estratégia da atenção centra-se realmente em: “violadores a atravessar a fronteira”. Do ponto de vista de Ocasio-Cortez, ou Bernie Sanders, o desejo é que seja pautada a questão social e políticas económicas que foram instituídas e que estão a marginalizar as pessoas, colocando-as de lado, minando o sistema político.

Então isso é uma luta nos Estados Unidos e em toda a Europa também. Mas a raiva e a amargura estão presentes e os diferentes [atores políticos] querem que ela seja focalizada de maneiras opostas. Alguns querem que você desvie a atenção das causas, para que eles possam controlá-lo melhor. Outros querem que preste atenção às causas, assim pode fazer algo. Esta é uma grande luta que está a formar-se em grande parte do mundo. Quero dizer: o sistema capitalista assumiu uma espécie de forma selvagem nos últimos trinta ou quarenta anos. As pessoas estão a sofrer e estão irritadas, e estão a reagir.

A questão é: como as pessoas vão responder? A esse respeito, é um pouco como nos anos 1930. Poderia ter ido em outras direções. Assim, por exemplo, nas décadas de 1920 e 1930, haviam movimentos ativistas e movimentos social-democratas muito animados, comunistas e outros movimentos de esquerda. Haviam também movimentos fascistas em ascensão. E havia uma pergunta: quem vai ganhar? Infelizmente, sabemos como isso terminou. Eu não acho que é tão dramático hoje, mas é similar estruturalmente.

John Nichols: O grande parlamentar britânico, Tony Benn, disse que nos anos 1930, quando ele era jovem e olhava ao redor do mundo, havia países que poderiam ter ido em qualquer direção. Benn disse que uma das grandes coisas que aconteceu foi que os Estados Unidos conseguiram um Roosevelt, enquanto que, noutros países, figuras muito mais perigosas e destrutivas chegaram ao poder. Agora, encontramo-nos numa era diferente, mas certamente um momento muito turbulento. Estamos há trinta anos na globalização, que está a mudar tudo sobre como nos relacionamos com o mundo, estamos há vinte anos numa revolução digital que está a mudar tudo sobre como nos comunicamos, estamos oito a dez anos numa revolução de automação que está a começar a mudar a forma como trabalhamos. As pessoas são claramente abaladas por tudo isso. O meu sentimento é que o Partido Democrata nos Estados Unidos não forneceu muitas respostas sobre como lidar com essas mudanças. É uma avaliação justa?

Noam Chomsky: Bem, temos de nos lembrar que as duas partes reconstruíram ao longo de linhas bastante diferentes no início dos anos 70. Naquela época, houve uma grande mudança em todo o sistema socioeconómico. Passámos de um período de liberalismo encorporado, capitalismo arregimentado, onde as medidas do New Deal ainda estavam essencialmente a governar a política. Agora este foi um período de enorme crescimento. O período de maior crescimento na história Americana, os anos 50 e 60. Às vezes, é chamado de “Idade de Ouro do Capitalismo”. Era o crescimento igualitário em termos proporcionais. Houve conquistas em direitos civis e outros aspetos dos direitos humanos.

Isso acabou no início dos anos 70. Há uma regressão, o chamado período neoliberal seguiu direções muito diferentes e as partes mudaram. O Partido Democrata mantinha uma espécie de coligação desconfortável entre racistas democratas sulistas e trabalhadores e liberais do norte. Isso desmoronou no momento do movimento dos direitos civis.

A próxima estratégia [alavancada pelo presidente Richard Nixon e os seus assessores políticos] foi tentar pegar nos elementos racistas do sul e trazê-los para o Partido Republicano. Enquanto isso, os democratas mudaram. Eles baseavam-se, pelo menos em parte, na classe trabalhadora e mantinham algum compromisso com os interesses e valores dos trabalhadores. Na década de 1970 isso mudou. Os democratas simplesmente abandonaram a classe trabalhadora, entregando-a essencialmente ao seu inimigo de classe. Isso foi o que aconteceu de facto. O último suspiro do Partido Democrata, de seu tipo de liberalismo moderado, foi o projeto de Emprego Completo da Humphrey-Hawkins, que o Congresso aprovou em 1978, mas que Carter enfraqueceu. Depois disso, não há sequer um gesto para a classe trabalhadora. Portanto, a classe trabalhadora foi essencialmente abandonada.

John Nichols: Abandonada pelos democratas, enquanto que os republicanos tentaram atrair pelo menos alguns dos seus votos.

Noam Chomsky: Os republicanos conseguiram capturar a classe trabalhadora principalmente pela técnica do desvio da atenção. E ainda está a conseguir. Mas nem sempre funcionou assim. É interessante quando Obama apareceu. Ele conseguiu os votos da classe trabalhadora. Muitos trabalhadores que votaram em Trump também votaram em Obama. Eles acreditavam na conversa sobre esperança e mudança. Mas rapidamente descobriram que não se veria uma real mudança e nem esperança.

Lembre-se do resgate dos bancos após o crash de 2008. A legislação do Congresso para esse resgate tinha duas questões: ou socorrer os criminosos que o criaram, as instituições financeiras, ou ajudar as vítimas, pessoas que perderam as suas casas – ou seja, os seus lares foram destruídos porque a economia despencou e assim por diante. Bem, poderia ter adivinhado qual parte ia ser socorrida. Na verdade, o inspetor-geral do Departamento do Tesouro, Neil Barofsky, ficou tão indignado com isso que escreveu um livro interessante sobre o assunto [Bailout: An Inside Account of How Washington Abandoned Main Street While Rescuing Wall Street].

Mas os trabalhadores puderam ver o que estava a acontecer. A reação foi: “Estamos a ser jogados aos lobos. Eles não se importam connosco. É apenas conversa”. Então a próxima coisa que fizeram foi votar no seu inimigo de classe, Trump, que está a fazer tudo o que pode para controlar os trabalhadores, tentando perceber se consegue manter algum tipo de base. Para tal, utilizando o discurso dos “violadores” ou dos “assassinos” ou alguma coisa do tipo.

Mas esta é uma situação muito desconfortável. E pessoas como Bernie Sanders, Ocasio-Cortez e outros estão a tentar trazer o Partido Democrata de volta, de facto, para o que uma vez foi – mas sem a pedra de mira dos democratas do Sul, que era um problema muito sério para Roosevelt e o New Deal e até o Movimento dos Direitos Civis.

John Nichols: Vê isso como um momento de crise política?

Noam Chomsky: Na verdade, vamos enfrentar uma crise constitucional. Se olhar para o que está a acontecer agora, apenas olhe para os números, até agora, os estados com cerca de 25% da população dirigem o Senado – a mais importante das instituições…. O Senado é dominado por membros que representam principalmente um setor rural, tradicional, mais antigo, notadamente supremacista branco, muito religioso que está a diminuir demograficamente. Mas eles vão tentar manter o seu poder. Agora é quase certo que isso levará a uma crise constitucional. E observe que não pode ser alterado nada por nenhum meio constitucional. Não pode ser modificado porque eles têm poder suficiente para bloquear qualquer tipo de possível alteração.

John Nichols: Eles têm o poder de bloquear emendas democratizantes. Mas preocupa-se com as alterações favorecidas pelas elites.

Noam Chomsky: Deve observar com muito cuidado as emendas. O mais cruel dos lobbies empresariais, e na minha opinião o mais forte deles, ALEC, o Conselho Legislativo de Intercâmbio Americano, está [a trabalhar] para conseguir que legislaturas estaduais concordem com uma emenda constitucional que estabelecerá um limite orçamental equilibrado no governo federal. O que significa um limite de orçamento equilibrado? Significa que acaba com todos os programas do estado social. Acaba com qualquer coisa que beneficie pessoas comuns. É claro, mantém o orçamento do Pentágono na estratosfera – e sem dúvida mantém grandes subsídios para o agronegócio, energia e instituições financeiras. Mas, esqueça a segurança social, a saúde ou a educação. Então, isso é um orçamento equilibrado. Então, pode ver essas coisas a acontecer nos estados que têm orçamentos equilibrados.

Há uma grande luta de classes a acontecer logo abaixo da superfície. Pedaços e partes dela são visíveis, mas isso vai levar a uma grande crise no futuro próximo.

John Nichols: No entanto, os media não divulgando, ou fazem-no de forma muito parcial. Consome muitos media e tem ideias de como obter informações de fontes inesperadas.

Noam Chomsky: Pode ler os artigos na imprensa de negócios a dizer que os grandes bancos, os maiores bancos estão a aumentar seus investimentos em combustíveis fósseis. Isso é muito interessante. É quando lê essas coisas começa a pensar. Veja, coloque-se na posição de Jamie Dimon, CEO do JPMorgan Chase. Ele sabe tudo o que sabemos sobre o aquecimento global e os seus efeitos extremamente perigosos e iminentes. Mas ele ainda está a investir dinheiro não apenas na extração de combustíveis fósseis, mas também no mais perigoso dos combustíveis fósseis: as areias asfálticas canadianas.

Então, o que ele pensa? Bem, se raciocinar sobre isso, não é muito complicado. Ele tem duas escolhas. Uma escolha é fazer exatamente o que está a fazer: tentar aumentar o lucro para o JPMorgan. A outra escolha que tem é demitir-se e ser substituído por outra pessoa que fará exatamente a mesma coisa. Este é um problema institucional profundo.

Não adianta falar sobre esses bandidos que fazem isso e aquilo. Na estrutura institucional, eles simplesmente não têm escolha, o que nos diz para onde devíamos estar a apontar: a estrutura institucional. É uma daquelas coisas das quais não quer ser desviado. Então, lê o New York Times, aprende muito. Lê a imprensa de negócios, o Wall Street Journal.

John Nichols: Aos noventa anos de idade parece que ainda está a ler tudo, a absorver tudo, a tentar influenciar o debate atual. Estamos a falar de aproximadamente cinquenta anos depois da publicação do seu ensaio sobre o papel de um intelectual na sociedade. Foi republicado pela New Press como “It is the Responsibility of Intellectuals to speak the truth to expose lies”.

Nesse ensaio, escreveu: “No que diz respeito às responsabilidades dos intelectuais, existem outras questões igualmente perturbadoras. Os intelectuais estão em posição de expor as mentiras dos governos, de analisar as ações de acordo com as suas causas e motivos e, muitas vezes, com intenções ocultas. No mundo ocidental, pelo menos, têm o poder que vem da liberdade política, do acesso à informação e da liberdade de expressão. Para uma minoria privilegiada, a democracia ocidental proporciona o lazer, as facilidades e a formação para procurar a verdade oculta por trás do véu da distorção e deturpação, ideologia e interesses de classe, através dos quais os eventos da história atual nos são apresentados. As responsabilidades dos intelectuais são muito mais profundas do que o que foi sugerido e o que eles chamam de responsabilidade das pessoas, dados os privilégios exclusivos dos intelectuais”.

Parece-me que em toda a sua vida se esforçou muito para cumprir esse dever. E acho que tem que haver um elemento de otimismo nisso.


Noam Chomsky: Bem, se quiser ser otimista, pense no período em que isso foi escrito. Foi em 1966 numa palestra para a Hillel Foundation, na Universidade de Harvard. Foi publicado pela New York Review of Books.

Como foi esse momento em 1966? Apenas pense no que foi. Primeiro de tudo, uma das piores guerras da história estava a acontecer. Neste ponto, os Estados Unidos tinham praticamente acabado com o Vietname do Sul. O principal historiador do Vietname, Bernard Fall, altamente respeitado pelo governo, escreveu na época que não sabia se era um estudioso vietnamita. Ele não sabia se o Vietname sobreviveria como uma entidade cultural e histórica depois do pior e mais cruel ataque que já havia sido lançado contra uma área daquele tamanho.

Quase não houve protestos nos Estados Unidos. Eu morava em Boston, uma cidade liberal. Em Outubro de 1965 deu-se o primeiro dia internacional de protesto. Então, tentámos fazer uma marcha em Boston, ir ao Cambridge Common, o lugar onde você dá palestras. Eu deveria ser um dos oradores. O espaço foi dividido pelos contramanifestantes, a maioria estudantes que não queriam ouvir esse tipo de discurso sobre o Vietname. O próximo dia internacional de protesto foi em março de 1966, pouco antes de isto ter sido escrito, incidentalmente, logo antes de a palestra ter ocorrido. Sabíamos que não poderíamos tê-la no Boston Common. Queríamos ter a reunião numa igreja. Na igreja de Arlington Street. A igreja foi atacada. Tomates, latas, contramanifestantes, policias do lado de fora. Isso é o que estava a acontecer em 1966.

E o que mais estava a acontecer no país? Bem, ainda tínhamos leis federais de habitação que exigiam segregação, exigiam habitação federal branca pura. E tínhamos leis de miscigenação e leis antimiscigenação tão severas que os nazistas se recusaram a aceitá-las. Quando os nazis procuravam modelos para as Leis de Nuremberg, as leis racistas, olhavam ao redor do mundo. Os únicos que eles poderiam encontrar residia nas leis americanas. Mas as leis dos EUA eram severas demais para os nazis. As leis dos EUA foram baseadas no que foi chamado de “Uma Gota de Sangue”. Então, se a sua bisavó era negra, você é negro. Isso foi demais para os nazis. [Essas leis] ainda estavam em vigor no final dos anos 1960. Leis anti sodomia, claro.

Não havia movimento de mulheres. As mulheres ainda não tinham sido reconhecidas pelo Supremo Tribunal como pares legais, como pessoas. Isso não aconteceu até 1975, quando [o tribunal] concedeu o direito de servir em júris federais como iguais. Podemos continuar. ... Mas quero dizer, que o país estava muito pior do que é agora.

O que mudou? Não haviam presentes dos céus. O que mudou é que muitas pessoas, principalmente jovens, começaram a organizar-se, começaram a manter-se ativos, lutaram, tornaram o país muito melhor.

John Nichols: E acredita que isso está a acontecer de novo agora?

Noam Chomsky: Veja o Green New Deal da Ocasio-Cortez, que agora é uma proposta muito séria. Hoje essa proposta está bem no centro da agenda. Um ano atrás, talvez, foi ridicularizada. Como isso aconteceu? Como essa mudança aconteceu? Bem, um grupo de jovens do Sunrise Moviment sentou-se no gabinete da [Presidente da Câmara] Nancy Pelosi, [e a sua questão foi] ouvida por um par de legisladores. Logo se tornou numa grande questão. [O governador de Washington] Jay Inslee acaba de anunciar a sua candidatura à nomeação presidencial democrata, com a sua principal prioridade a ser o perigo das alterações climáticas. Este é agora um assunto sobre o qual você pode falar, pode fazer algo a respeito. Não temos muito tempo. Bem, todos esses são motivos de otimismo. Muitas coisas melhoraram e foram aprimoradas por pessoas ativas, organizadas e comprometidas que trabalharam e mudaram o mundo. Esse é um motivo para ser otimista.

The German international broadcasting service Deutsche Welle observed last year that Noam Chomsky is “arguably the foremost political dissident of the last half a century.” Chomsky reminds us that intellect and dissent go together, and that the vital challenge of our times is to maintain “an independent mind.” That’s not easy in an age of manufactured consent, but it is possible, as Chomsky reminds us — by continuing to speak, as consistently and as agilely as ever, about the lies of our times.

He relishes dissent. Yet the academic and activist, whose outspoken opposition to American imperialism earned him a place on former-president Richard Nixon’s “enemies list,” well recognizes that independent thinkers face challenges in these perilous times.

During one of our conversations, I asked Chomsky about those challenges. He smiled, and recalled a preface that George Orwell wrote for Animal Farm, which was not included in the original editions of the book.

“It was discovered about thirty years later in his unpublished papers. Today, if you get a new edition of Animal Farm, you might find it there,” he recalled. “The introduction is kind of interesting — he basically says what you all know: that the book is a critical, satiric analysis of the totalitarian enemy. But then he addresses himself to the people of free England. He says: You shouldn’t feel too self-righteous. He said in England, a free country, I’m virtually quoting: Unpopular ideas can be suppressed without the use of force. And he goes on to give some examples, and, really, just a couple of common-sense explanations, which are to the point. One reason, he says, is: The press is owned by wealthy men who have every reason not to want certain ideas to be expressed. And the other, he says, essentially, is: It’s a ‘good’ education.”

Chomsky explained: “If you have a ‘good’ education, you’ve gone to the best schools, you have internalized the understanding that there are certain things it just wouldn’t do to say — and I think we can add to that, it wouldn’t do to think. And that’s a powerful mechanism. So, there are things you just don’t think, and you don’t say. That’s the result of effective education, effective indoctrination. If people — many people — don’t succumb to it, what happens to them? Well, I’ll tell you a story: I was in Sweden a couple years ago, and I noticed that taxi drivers were being very friendly, much more than I expected. And finally I asked one of them, ‘Why’s everyone being so nice?’ He pulled out a T-shirt he said every taxi driver has, and the T-shirt had a picture of me and a quote in Swedish of something I’d said once when I was asked, ‘What happens to people of independent mind?’ And I said, ‘They become taxi drivers.’”

Or Noam Chomsky.

Sobre o autor

Noam Chomsky é professor laureado de linguística na Faculdade de Ciências Sociais e Comportamentais da Universidade do Arizona.

Sobre o entrevistador

John Nichols é o correspondente de assuntos nacionais do Nation e autor de The "S" Word: A Short History of an American Tradition... Socialism (Verso, 2015) e muitos outros livros.

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