19 de julho de 2019

Cavalaria keynesiana

Até o Ministério da Economia concluiu que é necessário incentivar a demanda

Nelson Barbosa


Em relação às contas do governo central (que reúne Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central), em maio houve um déficit de R$ 14,7 bilhões. O rombo é 27% maior que o registrado um ano atrás e quarto pior para o mês na série histórica com valores corrigidos pela inflação. Fernando Frazão/Folhapress

O governo parece ter acordado para o risco de recessão. Nas últimas semanas, até o Ministério da Economia, que só falava de medidas de oferta, concluiu que é necessário adotar alguns incentivos de demanda para recuperar a renda e o emprego mais rapidamente.

Como coloquei na coluna anterior, não há contradição entre realizar reformas estruturais do lado da oferta e adotar estímulos de demanda em uma economia com alto grau de ociosidade de recursos. Os dois tipos de iniciativa podem se ajudar, e, neste momento, há três estímulos de curto prazo ao alcance do governo.

A primeira medida é a redução da taxa Selic. Os dados de inflação e atividade econômica recomendam reduzir juros há algum tempo. A evolução da economia internacional aponta no mesmo sentido, com perspectiva de flexibilização monetária nos EUA e na União Europeia.

Agora, diante da provável aprovação da reforma da Previdência até outubro, o Banco Central simplesmente não tem mais desculpa para adiar a queda da taxa básica de juros.

A redução da Selic ajudará na recuperação econômica, mas seus efeitos levarão algum tempo para se materializar. Caso o BC finalmente siga o que recomenda, o próprio sistema de metas de inflação, nossa taxa básica de juro pode cair sem risco para 5% ao ano, com efeitos positivos sobre renda e emprego em meados de 2020.

O segundo estímulo deve vir do “orçamento parafiscal”, repetindo o que Temer fez em 2017, isto é, liberação extraordinária de saques do FGTS para compensar o corte do gasto discricionário do governo.

Segundo declarações do ministro da Economia, a liberação de FGTS pode atingir R$ 30 bilhões (0,4% do PIB) neste ano. Parte desses recursos provavelmente será utilizada para pagar dívidas, mas outra parte deve ir para o consumo, gerando uma expansão temporária de demanda na virada de 2019 para 2020.

A injeção de FGTS na renda das famílias brasileiras não é obviamente uma medida estrutural, mas ela pode ser um impulso importante enquanto o investimento não se recupera.

O terceiro incentivo de demanda deve ocorrer quando o TCU autorizar o leilão dos “excedentes de petróleo”, programado para novembro. A expectativa do governo é arrecadar R$ 106 bilhões, que, por sua vez, serão utilizados para a União acertar suas contas com a Petrobras, transferir recursos para estados e municípios e cancelar parte do contingenciamento de gastos em curso.

Mais especificamente, caso o leilão de petróleo tenha sucesso, o governo poderá cancelar todo ou parte do atual contingenciamento de R$ 30 bilhões e, com isso, injetar mais 0,4% do PIB na demanda agregada no fim deste ano.

No caso dos estados e municípios, o sucesso do leilão de petróleo significará mais recursos no início de 2020, o que, por sua vez, permitirá que governadores e prefeitos aliviem o arrocho fiscal sobre consumo e investimento no próximo ano.

Somando os efeitos da redução da Selic, da liberação de FGTS, dos descontingenciamento de gastos federais e das transferências de recursos para estados e municípios, podemos ter uma verdadeira “cavalaria Keynesiana” de estímulos de curto prazo à demanda nos próximos 12 meses.

​Do ponto de vista estrutural, o ideal seria que a virada da política econômica contasse, também, com o aumento substancial e duradouro do investimento público, sobretudo em infraestrutura. Porém, para que isso aconteça, será necessário revisar o teto de gasto via emenda constitucional, liberando investimentos. Essa medida ainda não está no radar do governo, mas ela pode e deve entrar no radar do Congresso.

Sobre o autor

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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