30 de janeiro de 2016

O Sistema Clinton

Poucos foram tão adeptos de explorar a política do dinheiro grande quanto Bill e Hillary Clinton. É importante considerar como eles construíram sua poderosa máquina de doadores e o que sua existência pode significar para a conduta futura de Hillary Clinton como presidente americana.

Simon Head



Tradução / Em 17 de janeiro, no debate final dos Democratas antes do início da temporada de primárias, Bernie Sanders atacou Hillary Clinton por seus laços financeiros muito íntimos com Wall Street, coisa que Sanders sempre evitou em sua campanha até aquele momento: "Não tomo dinheiro dos grandes bancos... A senhora recebeu mais de $600 mil dólares de Goldman Sachs em honorários por palestras, em um único ano", disse ele. As críticas de Sanders coincidiram com matérias recentes segundo as quais o FBI poderia estar expandindo as investigações sobre mensagens de e-mail de Hillary Clinton, de modo a incluir os contatos dela com grandes doadores, quando servia como secretária de Estado. Mas as maiores questões têm a ver com como Hillary & Bill Clinton construíram sua poderosa máquina de recolher doações em dinheiro, e o que a existência dessa máquina posse vir a significar para a conduta futura de Hillary Clinton se vier a ser eleita presidente dos EUA. O trabalho investigativo aqui desenvolvido, a partir de muitas diferentes fontes, visa a oferecer quadro amplo dos fatos sobre os Clintons, não a endossar qualquer dos candidatos na campanha eleitoral em curso.

É um axioma da política de Washington na era de "Cidadãos Unidos" e Super PACs que empresas e os muito ricos podem direcionar quantias praticamente ilimitadas de dinheiro para eleger candidatos as principais cargos políticos, abrindo caminho assim para favores futuros. Segundo o website de utilidade pública Open Secrets, na campanha de 2016, em outubro, além das contribuições diretas de campanha, Jeb Bush tinha a seu dispor $103 milhões em "dinheiro externo" – grupos como PACs e Super PACs e as chamadas organizações de "dinheiro obscuro" que trabalham para um determinado candidato. Ted Cruz tem $38 milhões desses fundos; Marco Rubio $17 milhões; e Chris Christie $14 milhões.

Mas poucos se revelaram tão usufrutuários dessa política de big-money quanto Bill e Hillary Clinton. Na campanha de 2016, em outubro, Hillary Clinton tinha levantado $20 milhões de dinheiro "externo", além dos $77 milhões em contribuições diretas de campanha – a mais alta arrecadação dentre todos os candidatos até aquele momento. Mas ela e o marido têm outras conexões com grandes doadores, e que tem raízes muito anteriores ao atual ciclo eleitoral. O que em todos os casos chama a atenção no que designo como "O Sistema Clinton" é a escala e a complexidade das conexões envolvidas, o longo tempo ao longo do qual se mantém em operação, a presença do ex-presidente Bill Clinton ao lado de Hillary como sócio votante da empresa, e a magnitude estonteante dos fundos envolvidos.

Escala e complexidade são efeito dos múltiplos canais que conectam dos "Clinton-doadores" e os Clintons-CPFs: há o fluxo de remuneração de 6 dígitos por palestra, paga a Bill e Hillary Clinton, quase todas as palestras oferecidas em grandes empresas e bancos, que renderam à dupla mais de $125 milhões nos 15 anos desde que Bill Clinton deixou a Casa Branca em 2001. Há os pagamentos diretos a campanhas políticas de Hillary Clinton (incluindo para o Senado em 2000 e para a presidência em 2008 e agora em 2016, e que até 30 de setembro de 2015 alcançaram um total de $712,4 milhões, a mais recente compilação de valores feita pela organização Open Secrets. Quatro das principais cinco maiores fontes de dinheiro são grandes bancos: Citigroup Inc, Goldman Sachs, JPMorgan Chase & Co e Morgan Stanley. E a campanha Clinton fixou, como meta, arrecadar $1 bilhão para o Super PAC dela para a eleição de 2016.

Por fim, há os quase $2 bilhões que doadores deram à Fundação Clinton e suas organizações satélites, desde que Bill Clinton deixou a presidência. Pode parecer estranho incluir doações à fundação entre os meios principais pelos quais empresas e super ricos compram seu acesso aos Clintons, à boa vontade do casal e, assim, contam com receber favores futuros em troca. Os fundos da fundação são gastos, principalmente, em causas indiscutivelmente excelentes – há de tudo, desde promover reflorestamento na África e ajudar pequenos sitiantes no Caribe a operar com governos locais e empresas dos EUA para promover bem-estar e boa forma física.

Além disso, nem todos os doadores da Fundação Clinton e suas instituições afiliadas são empresas. A Fundação Bill & Melinda Gates, por exemplo, está entre as que mais contribuem para a Fundação Clinton, com doações que totalizam mais de $25 milhões desde a criação, e com foco especial, para citar um press-release da Fundação Clinton de 2014, numa parceria "para reunir e analisar dados sobre o status da participação de mulheres e meninas em todo o planeta."

Mas entre os maiores contribuidores para a fundação estão muitos dos mesmos doadores que apoiaram as campanhas políticas de Hillary Clinton e que pagaram as tais remunerações de 6 dígitos por palestras. Para esses doadores empresariais, o acesso aos Clintons pode ser tão importante como os objetivos para os quais é usado o dinheiro que eles doam. Segundo análise de fevereiro de 2015 do dinheiro doado à Fundação Clinton, publicada pelo The Washington Post, a indústria de serviços financeiros é a maior doadora dentre todas as empresas doadoras. Outros grandes doadores são empresas de energia e do setor de Defesa, e governos clientes dessas empresas.

Ex-presidentes dos EUA há muito tempo usam fundações de caridade como meio para perpetuador a própria influência e atrair convites para palestras regiamente pagas como lucrativa fonte de renda. Mas os Clintons são únicos, na medida em que fazem render o poder de arrecadar dinheiro de um ex-presidente, Bill Clinton, para financiar a carreira política da mulher dele – sempre com a expectativa, entre os doadores, de que como senadora, secretária de Estado e possível futura presidenta, Hillary Clinton sempre estará em posição da qual poderá retribuir os favores. O encontro anual da Clinton Global Initiative garantiu cenário privilegiado para as transações entre os Clintons e seus benfeitores. Dentre os patrocinadores corporativos das conferências de 2014 e 2015 da "Iniciativa Clinton Global" em Nova York, por exemplo, estavam HSBC, Coca-Cola, Monsanto, Proctor and Gamble, Cisco, PricewaterhouseCoopers, o Grupo Blackstone, Goldman Sachs, Exxon Mobile, Microsoft e Hewlett Packard. Desde que paguem $250 mil dólares ou mais, executivos que mostrem a cara nas reuniões da "Iniciativa Clinton Global" podem usufruir de privilégios considerados especiais, inclusive do maior deles: acesso direto aos Clintons.

Em artigo investigativo para o The New Republic, Alec MacGillis descreveu as reuniões anuais da Iniciativa Clinton Global como complicado negócio de toma-lá-dá-cá, no qual altos executivos de grandes empresas fazem doações para os projetos do casal Clinton (sempre projetos ecológicos ou, mais recentemente, também de promoção da igualdade de gêneros), em troca de acesso aos Clintons, pai, mãe e filha. MacGillis focou-se nas atividades de Douglas Band, ex-servidor de baixo escalão da Casa Branca dos Clintons, e quem nas reuniões da Iniciativa Global Clinton arranjava favores para seleto grupo de altos executivos "metendo-os sobre o palco com os Clintons, relaxando nos procedimentos de revista e autorização de entrada em troca de dinheiro, ou vendendo lugares na foto dos principais participantes com o casal Clinton." Na reunião de 2012 da Iniciativa Clinton Global, foi Muhtar Kent, então presidente da Coca Cola, quem, como noticiou o The New York Times, "conseguiu um dos cobiçados assentos no palco com Mr. Clinton."

Além da Fundação Clinton, remuneração por palestras também são outro interessante meio pelo qual empresas interessadas, como Citicorp e Goldman Sachs podem oferecer apoio aos Clintons sem configurar doações diretas de campanha. Dados extraídos das declarações financeiras anuais dos Clinton, da Fundação Clinton e dos próprios bancos, mostram que, entre 2001 e 2014 Bill Clinton recebeu $1,52 milhões em remuneração por palestras do UBS, $1,35 milhão de Goldman Sachs, $900 mil do Bank of America, $770 mil do Deutsche Bank e $650 mil de Barclays Capital. Desde que deixou o cargo de secretária de Estado em fevereiro de 2013, Hillary vem recebendo dinheiro equivalente, das mesmas fontes. Dos quase $10 milhões que ela recebeu como remuneração por palestras só em 2013, quase $1,6 milhão veio dos maiores bancos de Wall Street, incluindo $675 mil de Goldman Sachs (são os pagamentos a que Bernie Sanders referiu-se, no debate de 17 de janeiro de 2016), e $225 mil de cada um dos seguintes doadores: UBS, Bank of America, Morgan Stanley e Deutsche Bank.

Dentre os traços mais impressionantes e incômodos do Sistema Clinton estão as grandes contribuições que empresas estrangeiras e governos estrangeiros fizeram à Fundação Clinton, além da rapidez com que Bill Clinton aceita remuneração de seis dígitos de alguns deles para palestras, não raras vezes quando os próprios doadores de dinheiro tinham interesse financeiro potencial em decisões a serem tomadas pelo Departamento de Estado de Hillary Clinton. Reportagem de investigação publicada em abril de 2015 por Andrew Perez, David Sirota e Matthew Cunningham-Cook no International Business Times mostra que durante o período de três anos, de outubro de 2009 até dezembro de 2012, durante o qual Hillary Clinton foi secretária de Estado, houve pelo menos 13 ocasiões – ao preço coletivo de $2,5 milhões – nas quais Bill Clinton recebeu pagamentos da ordem dos seis dígitos por palestras em empresas ou grupos financeiros que, segundo os registros do governo federal dos EUA, trabalhavam em lobbies ativos dentro do Departamento de Estado.

Aqueles pagamentos a Bill Clinton em 2010 incluíram: $175 mil da VeriSign Corporation, que fazia lobby dentro do Departamento de Estado em questões de cibersegurança e taxação sobre a Internet; $175 mil da Microsoft, que pressionava o governo na questão dos visas para trabalho de imigrados; $200 mil da SalesForce, empresa que naquele momento pressionava o governo em questões de segurança digital, dentre outras questões. Em 2011, aqueles pagamentos incluíram $200 mil de Goldman Sachs, que fazia lobby na discussão da Lei de Controle do Orçamento; e $200 mil da PhRMA, a associação comercial que representa empresas de drogas e queria garantir leis especiais para proteção ao comércio de novas drogas patenteadas nos EUA, dentro do Tratado da Parceria Trans-Pacífico que então estava sendo negociado.

E em 2012, os pagamentos incluíram: $200 mil da Federação Varejista Nacional, que pressionava o Departamento de Estado para obter leis contra os produtores chineses; $175 mil de BHP Billiton, que queria que o governo Obama protegesse seus interesses de mineração no Gabão; $200 mil da Oracle, a qual, como a Microsoft, queria que o governo Obama emitisse vistos de trabalho e medidas para enfrentar a ciber-espionagem; e $300 mil da Dell Corporation, que pressionava o Departamento de Estado para que protestasse contra tarifas que países europeus haviam imposto aos computadores Dell.

Durante o mandato de Hillary como secretária de Estado, empresas da Defesa nos EUA e seus clientes além-mar também contribuíram com de $54 a $141 milhões para a Clinton Foundation. (A Fundação só divulga uma faixa de valores dentro da qual se inserem os doadores privados; por isso só se pode ter estimativas de contribuição mínima e contribuição máxima.) No mesmo período, essas empresas de defesa dos EUA e seus clientes governamentais no exterior também pagaram um total de US $ 625.000 para Bill Clinton em honorários de palestras.

Em março de 2011, por exemplo, Bill Clinton recebeu $175 mil, da Fundação Kuwait America, para aparecer como convidado de honra e principal orador no jantar anual de gala da organização, em Washington. Entre os patrocinadores estavam a Boeing e o governo do Kuwait, por meio de sua embaixada Washington. Pouco antes, o Departamento de Estado de Hillary Clinton autorizara negócio de $693 milhões, para fornecer ao Kwait aeronaves Globemaster de transporte militar fabricadas pela Boeing. Como secretária de Estado, Hillary Clinton tinha, por lei, o dever de decidir quais os negócios de venda de armas a governos estrangeiros não agrediam interesses nacionais dos EUA.

Além disso, pesquisas mais aprofundadas feitas por Sirota e Perez para o International Business Times e baseadas em dados distribuídos pela própria Clinton Foundation e pelo governo dos EUA, durante o mandato de Hillary na Secretaria de Estado a secretária autorizou vendas comerciais de armas no total de $165 bilhões para vinte países que haviam feito doações para a Clinton Foundation. Dentre eles, os governos de Arábia Saudita, Omã, Qatar, Argélia, Kuwait e Emirados Árabes Unidos, todos esses com registros de graves agressões a direitos humanos que o próprio Departamento de Estado de Hillary criticava publicamente. Durante os anos de Hillary Clinton como secretária de Estado, as vendas de armas a governos estrangeiros que haviam feito doações à Clinton Foundation foram praticamente o dobro do total de vendas feitas àqueles mesmos países durante o segundo mandato de George W. Bush. E houve também um adicional de $151 bilhões em armas vendidas a 16 nações que haviam doado dinheiro à Clinton Foundation; eram negócios organizados pelo Pentágono, mas que só podiam ser concluídos se autorizados formalmente por Hillary Clinton, secretária de Estado. Esses, totalizaram quase 1,5 vezes a mais que as correspondentes vendas feitas durante o segundo mandato de Bush.

Dentre as amizades mais importantes e lucrativas que os Clintons fizeram mediante a Fundação Clinton e suas Iniciativas Globais Clinton, está o bilionário da indústria da energia do Canadá Frank Giustra. Grande doador da fundação durante anos, Giustra tornou-se membro da diretoria e desde 2007 é copatrocinador da Iniciativa Clinton-Giustra de Crescimento Sustentável. Em troca, a influência política de Clinton e seus contatos pessoais com chefes de estado em todo o mundo são de máxima serventia para promover os interesses empresariais de Giustra. Em setembro de 2005, Bill Clinton e Giustra viajaram a Almaty, capital do Cazaquistão, para se reunirem com o presidente Nursultan Nazarbayev. No encontro, Clinton disse a Nazarbayev que ele apoiaria a candidatura do Cazaquistão à presidência da Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). A OSCE é um corpo internacional cuja missão é verificar, dentre outras coisas, a lisura de eleições entre os estados membros. Segundo as mais diferentes fontes, dentre as quais a BBC, The Washington Post e o The New York Times, Nazarbayev aspirava àquela posição para o Cazaquistão, sobretudo como uma marca de respeitabilidade europeia diplomática para seu país e ele próprio.

O apoio de Clinton à candidatura do Cazaquistão foi realmente bizarro, dado que o Cazaquistão sempre esteve listado pela Transparência Internacional entre os países mais corruptos do mundo, lado a lado com Paquistão, Bielorrússia e Honduras. Para Freedom Houseem New York, o Cazaquistão é "não livre", com Nazarbayev vencendo eleições presidenciais sempre com mais 90% dos votos. Pois mesmo assim, em carta de dezembro de 2005, depois de uma daquelas eleições unânimes, Bill Clinton escreveu: "Reconhecer que o próprio trabalho recebe nota máxima, é das mais importantes recompensas que se pode ter na vida". Não se sabe ainda que influência teve, se é que teve alguma, o apoio de Bill Clinton, nos esforços do Cazaquistão para chegar à presidência da OSCE, mas fato é que, em 2007, depois de receber pleno apoio do delegado dos EUA, o Cazaquistão foi eleito presidente da OSCE, posição que assumiu em 2010.

Razões possíveis para o apoio de Clinton começam a surgir com mais clareza quando se examinam as atividades de Frank Giustra. Em artigo para o The New York Times, datado de 31 de janeiro de 2008, Jo Becker e Don Van Natta, Jr., oferecem provas detalhadas de que Nazarbayev jogou toda sua influência a favor de Giustra e contra concorrentes mais bem qualificados, numa concorrência para explorar minas de urânio no Cazaquistão no valor de $350 milhões. Em entrevista ao Times, Moukhtar Dzakishev, então presidente da estatal nuclear do Cazaquistão Kazatomprom, confirmou que Giustra encontrara-se com Nazarbayev em Almaty, que Giustra informou o ditador sobre os negócios que tentava fazer com a Kazatomprom, e ouviu dele, como resposta que "Muito bom. Faça isso." O negócio foi fechado 48 horas depois da partida de Clinton, de Almaty. Depois dessa bem-sucedida visita à Ásia Central, Giustra doou $31 milhões à Clinton Foundation. E em junho de 2008 fez mais uma doação de $100 milhões à Fundação.

Em entrevista a David Remnick para um perfil da pós-presidência de Clinton, que New Yorker preparava em setembro de 2006, Giustra falou de como os laços que mantinha com Clinton podiam operar a seu serviço e a favor de seus interesses. Com Bill Clinton naquele momento embarcado num jato de propriedade de Giustra a caminho de uma jornada pelo continente africano ("o avião tem bancos de couro e sala de reuniões presidencial", segundo o The New Yorker), Giustra disse a Remnick que "quase todas as minhas fichas estão apostadas em Bill Clinton. É uma marca, marca de prestígio mundial, e ele pode fazer coisas e pedir que outros façam coisas como nenhuma outra pessoa."

A conexão Clinton-Giustra tornou-se ainda mais importante na Colômbia, onde a partir de 2005 Bill Clinton conseguiu vários encontros entre Giustra e o então presidente Álvaro Uribe, dos quais frequentemente Clinton participou. Giustra já era conhecido na Colômbia como fundador e acionista da Pacific Rubiales, petroleira colombiana constituída em 2003. Em 2007, segundo o The Wall Street Journal, Bill Clinton convidou Uribe e Giustra para se reunirem a ele na casa dos Clintons em Chappaqua, Nova York.

Aquelas reuniões eram o meio pelo qual Giustra influenciava Uribe e todo o seu governo a favor da Pacific Rubiales, num momento em que o governo Uribe tentava por fim ao monopólio da empresa nacional de petróleo, Ecopetrol, e para abrir o setor a investidores estrangeiros. Aqueles contatos parecem ter dado frutos para Giustra. Em 2007, Pacific Rubiales assinou negócio de $300 milhões com a Ecopetrol para construir 250 km de oleodutos entre as províncias de Meta e Casanare na região central da Colômbia. No mesmo ano, Pacific Rubiales passou a controlar o campo de petróleo Rubiales, o maior da Colômbia.

Uribe foi interlocutor bem singular para Clinton e Giustra. O presidente da Colômbia havia sido definido pelo governo George W. Bush como aliado crucial na Guerra às Drogas, na qual a Colômbia era frequentemente citada como história de sucesso. Mesmo assim, Uribe e seus aliados políticos mantinham conexões já duradouras com cartéis colombianos ativos no tráfico de drogas. Um relatório de inteligência de 1991, feito pela Agência de Inteligência da Defesa dos EUA e tornado público em agosto de 2004, descrevia Uribe como "um político e senador colombiano dedicado à colaboração com o Cartel de Medellín em níveis elevados do governo... Uribe era ligado a uma empresa envolvida em atividades de narcóticos nos Estados Unidos... [Ele] trabalhou para o cartel de Medellín" e é "amigo pessoal de Pablo Escobar Gaviria", o antigo traficante de drogas.

Um relatório de 2011 sobre eventos de 2010 da ONG Human Rights Watch oferece provas detalhadas de que Uribe arrastava com ele esse passado envenenado no momento em que negociava com Clinton e Giustra. O relatório refere-se ao governo do presidente Uribe como "eivado de escândalos em torno de execuções extrajudiciais executadas pelo exército, um processo de desmobilização paramilitar muito questionado e abusos em geral cometidos pelo serviço nacional de inteligência," que participara de vigilância ilegal sobre atividades de defensores de direitos humanos, jornalistas, políticos e juízes da Suprema Corte. Hillary Clinton foi informada sobre essas violações de direitos humanos quando, como secretária de Estado reuniu-se com Bill Clinton, Giustra e Uribe durante viagem a Bogotá, em junho de 2010. Em mensagem de e-mail que a embaixada do EUA em Bogotá enviou à secretária Clinton, o deputado Jim McGovern de Massachusetts alertava que "enquanto estiver na Colômbia, a coisa mais importante que a Secretária tem a fazer é evitar qualquer elogio muito efusivo dirigido ao presidente Álvaro Uribe."

Hillary Clinton escolheu ignorar o alerta. Falando a Uribe, no principal discurso de toda a visita, Hilary descreveu-o como "parceiro essencial dos EUA" cujo "compromisso com construir instituições democráticas fortes na Colômbia" deixaria "um legado de grande progresso que será avaliado em termos históricos". Durante a visita, Hillary também afirmou apoio a um acordo de livre comércio EUA-Colômbia, do qual Giustra e outros investidores ricos muito se beneficiariam. Isto inverteu sua oposição anterior ao acordo durante sua campanha para Presidente em 2008, em razão do desrespeito aos direitos humanos na Colômbia, especialmente a respeito dos direitos dos sindicatos.

A partir do acordo com Giustra, houve muitas reclamações contra o tratamento aos empregados dos campos de petróleo da Pacific Rubiales na Colômbia, com várias greves e processos movidos por grupos de defesa dos trabalhadores. Em um discurso em agosto de 2011 no Senado da Colômbia, Jorge Robledo, líder do partido Polo Democrático Alternativo (social-democrata) no Senado da Colômbia descreveu os alojamentos para empregados da Pacific Rubiales como "semelhantes a campos de concentração", com turnos de trabalho que não raro excediam 16 horas diárias, durante várias semanas, instalações sanitárias inadequadas e mais de um empregado por cama; e com a empresa terceirizando instalações e contratação de empregados para dificultar a sindicalização e o pagamento de pensões e assistência à saúde. (Em abril de 2015, Peter Volk, conselheiro geral da Pacific Rubiales, negou estas alegações, dizendo que a empresa "respeita os direitos dos seus trabalhadores e exige de empresas que prestam serviços a ela para também fazê-lo.")

A folha corrida do Sistema Clinton levanta graves questões sobre o que poderia ser uma presidência à Hillary Clinton, no que tenha a ver com a crescente influência política de grandes corporações empresariais e bancos de Wall Street. O presidente a ser eleito terá de enfrenar questões econômicas e sociais críticas, inclusive a estagnação da renda da classe média, os furos na legislação que permite que os aplicadores em fundos hedge e outros super ricos paguem menos impostos que a maioria dos americanos médios, e os custos exorbitantes da educação superior. Além disso, há a questão de aprofundar reformas de Wall Street e do sistema bancário, para impedir que se repitam comportamentos que trouxeram a Grande Recessão de 2007-2008.

Até aqui, Hillary Clinton tem se recusado a se comprometer com uma reapresentação para votação no Congresso da Lei Glass-Steagall da era da Depressão, que Bill Clinton ordenou que fosse rejeitada em 1999, seguindo o parecer de Democratas com laços muito íntimos com Wall Street, incluindo Robert Rubin e Larry Summers. A reabilitação da Lei Glass-Steagall – que está na plataforma de Bernie Sanders – impediria bancos de especularem em derivativos financeiros, principal causa do crash de 2007-2008. Com tantos e tão destacados bancos de Wall Street aparecendo nas listas de apoiadores dos Clintons, é possível crer que Hillary promoverá qualquer reforma nos bancos, que avance além da modesta Lei Dodd-Frank, de 2010?

Simon Head é um pesquisador sênior do Institute for Public Knowledge da New York University e diretor de programas da New York Review of Books Foundation. Ele é autor de Mindless: Why Smarter Machines Are Making Dumber Humans (2014).

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