Samuel Farber
Tradução / Em 1791, enquanto a França entrava nos estágios iniciais de sua revolução, os escravos de sua colônia caribenha, Santo Domingos, rebelaram-se e pegaram em armas. Foi a primeira revolta de escravos bem sucedida na história, uma revolta que derrubou o domínio colonial branco e estabeleceu o novo estado do Haiti em 1804.
A Revolução Haitiana causou arrepios nas propriedades européias no Caribe e na América Latina, e nos Estados Unidos então recém-independentes. Tornou-se um tremendo símbolo de esperança para os povos escravizados nesses países e um tremendo terror para os senhores proprietários, em especial para aqueles que viviam nas colônias. Seus efeitos se estenderam ao movimento de independência sul-americano liderado por Simon Bolívar e à França, particularmente durante os momentos mais radicais de sua própria revolução.
Em “Espelho da Liberdade: Cuba e Haiti na Era da Revolução”, a historiadora Ada Ferrer faz uma avaliação abrangente do impacto da Revolução Haitiana sobre Cuba, então uma colônia espanhola localizada a apenas 80 quilômetros das fronteiras marítimas ocidentais do Haiti.
Ferrer – cujo livro anterior, “Cuba Insurgente”, examinava as dimensões raciais do movimento pró-independência na ilha na segunda metade do século XIX – desenvolve uma avaliação abrangente de como a Revolução Haitiana levou à intensificação do latifúndio escravista em Cuba, fomentando a uma só vez o poder crescente dos senhores de escravos e um novo espírito de rebeldia entre os escravos, intensificando um antagonismo que culminou em várias conspirações e rebeliões de escravos fracassadas.
Quando a revolta eclodiu em 1791, Santo Domingos tinha oitocentos latifúndios de cana de açúcar que juntos produziam tanto açúcar quanto todas as colônias do Caribe britânico juntas. Quando chegou ao fim, a produção de açúcar havia colapsado no Haiti, juntamente com a escravidão e o domínio francês.
Com a insurgência de escravos levando ao colapso da plantação e manufatura do açúcar no Haiti, a produção explodiu na vizinha Cuba, assim como se desenvolveu um novo sistema de plantação de café estabelecido por refugiados brancos de Santo Domingos, na parte oriental da ilha.
Nos trinta anos que se seguiram, aproximadamente 325.000 africanos foram trazidos para Cuba como escravos, mais de quatro vezes o número trazido nas três décadas anteriores. Em 1804, as exportações de açúcar cubano aumentaram de 15.000 toneladas para 40.000. Entre 1791 e 1810, a população de Havana duplicou. A economia e a sociedade de Cuba foram rapidamente transformadas.
O crescimento da produção de açúcar e a importação maciça de escravos converteram Cuba numa sociedade distintamente escravagista. Governantes e a elite branca cubana ficaram obcecados com o “equilíbrio racial” da população. Já em 1815 as autoridades coloniais estabeleceram uma “Junta de Población Blanca” (Conselho da População Branca) encarregada de aumentar a imigração branca.
Em 1817, as autoridades espanholas emitiram um decreto real, especificamente desenhado para atrair colonos brancos para a ilha, estendendo os direitos de propriedade e isenções fiscais para todos os europeus que migrassem. Assim, a elite dirigente cubana conseguiu restabelecer a maioria branca após a primeira metade do século XIX.
Colônias sangrentas
A Revolução Haitiana causou arrepios nas propriedades européias no Caribe e na América Latina, e nos Estados Unidos então recém-independentes. Tornou-se um tremendo símbolo de esperança para os povos escravizados nesses países e um tremendo terror para os senhores proprietários, em especial para aqueles que viviam nas colônias. Seus efeitos se estenderam ao movimento de independência sul-americano liderado por Simon Bolívar e à França, particularmente durante os momentos mais radicais de sua própria revolução.
Em “Espelho da Liberdade: Cuba e Haiti na Era da Revolução”, a historiadora Ada Ferrer faz uma avaliação abrangente do impacto da Revolução Haitiana sobre Cuba, então uma colônia espanhola localizada a apenas 80 quilômetros das fronteiras marítimas ocidentais do Haiti.
Ferrer – cujo livro anterior, “Cuba Insurgente”, examinava as dimensões raciais do movimento pró-independência na ilha na segunda metade do século XIX – desenvolve uma avaliação abrangente de como a Revolução Haitiana levou à intensificação do latifúndio escravista em Cuba, fomentando a uma só vez o poder crescente dos senhores de escravos e um novo espírito de rebeldia entre os escravos, intensificando um antagonismo que culminou em várias conspirações e rebeliões de escravos fracassadas.
Quando a revolta eclodiu em 1791, Santo Domingos tinha oitocentos latifúndios de cana de açúcar que juntos produziam tanto açúcar quanto todas as colônias do Caribe britânico juntas. Quando chegou ao fim, a produção de açúcar havia colapsado no Haiti, juntamente com a escravidão e o domínio francês.
Com a insurgência de escravos levando ao colapso da plantação e manufatura do açúcar no Haiti, a produção explodiu na vizinha Cuba, assim como se desenvolveu um novo sistema de plantação de café estabelecido por refugiados brancos de Santo Domingos, na parte oriental da ilha.
Nos trinta anos que se seguiram, aproximadamente 325.000 africanos foram trazidos para Cuba como escravos, mais de quatro vezes o número trazido nas três décadas anteriores. Em 1804, as exportações de açúcar cubano aumentaram de 15.000 toneladas para 40.000. Entre 1791 e 1810, a população de Havana duplicou. A economia e a sociedade de Cuba foram rapidamente transformadas.
O crescimento da produção de açúcar e a importação maciça de escravos converteram Cuba numa sociedade distintamente escravagista. Governantes e a elite branca cubana ficaram obcecados com o “equilíbrio racial” da população. Já em 1815 as autoridades coloniais estabeleceram uma “Junta de Población Blanca” (Conselho da População Branca) encarregada de aumentar a imigração branca.
Em 1817, as autoridades espanholas emitiram um decreto real, especificamente desenhado para atrair colonos brancos para a ilha, estendendo os direitos de propriedade e isenções fiscais para todos os europeus que migrassem. Assim, a elite dirigente cubana conseguiu restabelecer a maioria branca após a primeira metade do século XIX.
Colônias sangrentas
Entre as muitas virtudes do trabalho de Ferrer está sua vívida descrição da mentalidade dos senhores de escravos cubanos ao se verem frente às conseqüências da Revolução Haitiana, que disseminou terror, ainda que a chegada de cerca de 35.000 refugiados brancos de Santo Domingos (nem todos permaneceram em Cuba) tenha servido para fortalecer seu poder de classe.
Assombrados ao longo de todo o século XIX pelo espectro do Haiti, escreve Ferrer, proprietários de escravos cubanos incessantemente invocavam uma imagem dessa revolução, na qual “os escravos se levantaram, mataram mestres, cobriram de sangue a mais rica colônia do mundo e a transformaram em uma montanha de cinzas “.
Essa imagem convenientemente obscurecia as atrocidades francesas, que aceleraram a rebelião de escravos, tais como as narradas por Nicolas Geffrard, uma testemunha ocular citada por Ferrer, que conseguira escapar de Santo Domingos em outubro de 1802, quando as forças francesas na cidade portuária de Le Cap cercaram e afogaram milhares de membros negros do exército colonial francês.
Simultaneamente, o relato de Ferrer revela que por trás da ideologia racista e colonial dessas histórias de horror se escondia um medo de classe fundamentalmente racional. Entre as muitas expressões de medo, a obsessão dos proprietários de escravos na congregação de muitos “negros franceses”, se referindo aos negros haitianos, em Havana, que foram identificados como uma fonte potencial de contágio político para escravos nascidos em Cuba – uma preocupação validada pela descoberta de cinco pequenas conspirações de escravos e rebeliões na região perto da capital entre 1802 e 1803.
Em 1811, as Cortes de Cádiz na Espanha – pressionadas a estabelecer uma monarquia constitucional liberal pela resistência nacionalista à ocupação francesa que acompanhou a Guerra Ibérica – começaram a considerar uma série de reformas no sistema escravista, incluindo a possibilidade de sua abolição.
O delegado cubano à convenção constitucional em que ocorreram as discussões insistiu que as considerações a respeito de tais medidas fossem mantidas em segredo, expressando ansiedade de que a mera discussão de reformas levaria a uma catástrofe na ilha. Sua proposta foi aprovada por unanimidade. Os temores dos cubanos brancos de “outro Santo Domingos” atrasaria a abolição da escravidão e a luta armada pela independência da Espanha até a segunda metade do século XIX.
A escravocracia cubana não suportaria a própria existência da nação negra independente vizinha. A preocupação primordial dos donos de escravos não era a ameaça de uma invasão, nem mesmo a instigação à revolta em Cuba, mas o perigo que representava para o comércio marítimo cubano, que trazia a mão de obra escrava para a ilha e levava o açúcar para fora. No entanto, como mostra Ferrer, o medo dos proprietários de escravos cubanos de rebelião negra e a desconfiança com seus novos vizinhos nunca poderiam competir com o fascínio dos lucros do tráfico de escravos.
Com a cumplicidade de compradores locais e autoridades governamentais, os proprietários de fazendas cubanas continuaram a comprar e vender escravos, incluindo negros livres capturados em Santo Domingos, ex-insurgentes entre eles. Por um constante flerte com a anexação americana, a classe dominante colonial de Cuba repeliu qualquer gesto de reforma vindo do império espanhol.
Contágio político
Assombrados ao longo de todo o século XIX pelo espectro do Haiti, escreve Ferrer, proprietários de escravos cubanos incessantemente invocavam uma imagem dessa revolução, na qual “os escravos se levantaram, mataram mestres, cobriram de sangue a mais rica colônia do mundo e a transformaram em uma montanha de cinzas “.
Essa imagem convenientemente obscurecia as atrocidades francesas, que aceleraram a rebelião de escravos, tais como as narradas por Nicolas Geffrard, uma testemunha ocular citada por Ferrer, que conseguira escapar de Santo Domingos em outubro de 1802, quando as forças francesas na cidade portuária de Le Cap cercaram e afogaram milhares de membros negros do exército colonial francês.
Simultaneamente, o relato de Ferrer revela que por trás da ideologia racista e colonial dessas histórias de horror se escondia um medo de classe fundamentalmente racional. Entre as muitas expressões de medo, a obsessão dos proprietários de escravos na congregação de muitos “negros franceses”, se referindo aos negros haitianos, em Havana, que foram identificados como uma fonte potencial de contágio político para escravos nascidos em Cuba – uma preocupação validada pela descoberta de cinco pequenas conspirações de escravos e rebeliões na região perto da capital entre 1802 e 1803.
Em 1811, as Cortes de Cádiz na Espanha – pressionadas a estabelecer uma monarquia constitucional liberal pela resistência nacionalista à ocupação francesa que acompanhou a Guerra Ibérica – começaram a considerar uma série de reformas no sistema escravista, incluindo a possibilidade de sua abolição.
O delegado cubano à convenção constitucional em que ocorreram as discussões insistiu que as considerações a respeito de tais medidas fossem mantidas em segredo, expressando ansiedade de que a mera discussão de reformas levaria a uma catástrofe na ilha. Sua proposta foi aprovada por unanimidade. Os temores dos cubanos brancos de “outro Santo Domingos” atrasaria a abolição da escravidão e a luta armada pela independência da Espanha até a segunda metade do século XIX.
A escravocracia cubana não suportaria a própria existência da nação negra independente vizinha. A preocupação primordial dos donos de escravos não era a ameaça de uma invasão, nem mesmo a instigação à revolta em Cuba, mas o perigo que representava para o comércio marítimo cubano, que trazia a mão de obra escrava para a ilha e levava o açúcar para fora. No entanto, como mostra Ferrer, o medo dos proprietários de escravos cubanos de rebelião negra e a desconfiança com seus novos vizinhos nunca poderiam competir com o fascínio dos lucros do tráfico de escravos.
Com a cumplicidade de compradores locais e autoridades governamentais, os proprietários de fazendas cubanas continuaram a comprar e vender escravos, incluindo negros livres capturados em Santo Domingos, ex-insurgentes entre eles. Por um constante flerte com a anexação americana, a classe dominante colonial de Cuba repeliu qualquer gesto de reforma vindo do império espanhol.
Contágio político
Em um dos episódios mais elegantemente narrados no livro, Ferrer relata como a chegada de um navio negreiro em Cuba durante os primeiros estágios da Revolução Haitiana trouxe a notícia do levante negro vitorioso, bem como alguns de seus protagonistas recapturados para serem vendidos: a destruição e reconstrução do sistema caribenho de escravidão em um único momento.
Apesar dos dados limitados, Ferrer é capaz de oferecer uma variedade de fontes que atestam o impacto dos escravos vindo de Santo Domingos e dos materiais gráficos e escritos que vieram juntos com eles. Ela descreve encontros de negros capturados recém chegados da África e escravos caribenhos, tanto aqueles nascidos em Cuba quanto aqueles transplantados do Haiti; as notícias (às vezes falsas ou incoerentes) e as opiniões que trocavam conforme tentavam antecipar o que o levante no Haiti significaria para Cuba, e a forma como mobilizavam essas notícias como um símbolo de sua própria libertação futura.
As pessoas e material gráfico chegaram rapidamente a Cuba vindo do Haiti. Ferrer descreve como os trabalhadores portuários negros carregavam cartazes impressos de líderes negros como Toussaint Louverture e os compartilhavam com escravos quando podiam. Apesar de tentativas de censura, a Declaração da Independência do Haiti foi traduzida para o espanhol e publicada em um jornal que circulava entre os negros cubanos, livres ou escravizados.
Os escravos rebeldes em Santo Domingos, assim como em Cuba, bebiam de um conjunto diverso de influências ideológicas. Ferrer cita o exemplo bem conhecido de um escravo rebelde capturado e executado em Santo Domingos em 1791, que estaria carregando pólvora, um talismã africano e panfletos de “Direitos do Homem” [do revolucionário britânico Thomas Paine]: símbolos da modernidade, da tradição africana e da Revolução Francesa em um único bolso.
A Revolução Francesa, então em escalada, parece ter exercido a influência mais significativa, particularmente em suas fases mais radicais. Mas o sinal viajou em ambas as direções: embora Ferrer não o mencione, em janeiro de 1794 a delegação multirracial de Santo Domingos foi recebida, como CLR James [intelectual marxista negro de Trinidad e Tobago] descreve de modo comovente em “Os Jacobinos Negros”, com grande entusiasmo pela Convenção Revolucionária Francesa, que procedeu a abolir a escravidão em todos os territórios franceses.
Da mesma forma, as tradições intelectuais e políticas sincretizadas influenciaram as conspirações e rebeliões de escravos em Cuba. Neste contexto, Ferrer discute a insurreição de 1812 liderada por José Antonio Aponte, homem negro livre, que era carpinteiro, artista e, possivelmente, um padre na religião afro-cubana da Santería.
Aponte e seus associados elaboraram um plano para queimar as usinas de açúcar e atacar as fortalezas e arsenais de Havana, apreendendo arsenal para armar os quatrocentos homens que, segundo Aponte, estavam organizados e esperando para se levantar quando convocados. Chegado o momento, Aponte emitiu uma declaração pública de libertação para todos os escravos, que mais tarde foi pregada às portas do palácio do governo.
O movimento foi violentamente esmagado e Aponte enforcado em 9 de abril de 1812. Sua rebelião teve lugar no período de atividade antiescravista efervescente nas colônias do Atlântico que se seguiram à Revolução Haitiana, ao lado de tramas e conspirações em Trinidad, Jamaica, Estados Unidos, Porto Rico e Brasil.
Liderança revolucionária
Apesar dos dados limitados, Ferrer é capaz de oferecer uma variedade de fontes que atestam o impacto dos escravos vindo de Santo Domingos e dos materiais gráficos e escritos que vieram juntos com eles. Ela descreve encontros de negros capturados recém chegados da África e escravos caribenhos, tanto aqueles nascidos em Cuba quanto aqueles transplantados do Haiti; as notícias (às vezes falsas ou incoerentes) e as opiniões que trocavam conforme tentavam antecipar o que o levante no Haiti significaria para Cuba, e a forma como mobilizavam essas notícias como um símbolo de sua própria libertação futura.
As pessoas e material gráfico chegaram rapidamente a Cuba vindo do Haiti. Ferrer descreve como os trabalhadores portuários negros carregavam cartazes impressos de líderes negros como Toussaint Louverture e os compartilhavam com escravos quando podiam. Apesar de tentativas de censura, a Declaração da Independência do Haiti foi traduzida para o espanhol e publicada em um jornal que circulava entre os negros cubanos, livres ou escravizados.
Os escravos rebeldes em Santo Domingos, assim como em Cuba, bebiam de um conjunto diverso de influências ideológicas. Ferrer cita o exemplo bem conhecido de um escravo rebelde capturado e executado em Santo Domingos em 1791, que estaria carregando pólvora, um talismã africano e panfletos de “Direitos do Homem” [do revolucionário britânico Thomas Paine]: símbolos da modernidade, da tradição africana e da Revolução Francesa em um único bolso.
A Revolução Francesa, então em escalada, parece ter exercido a influência mais significativa, particularmente em suas fases mais radicais. Mas o sinal viajou em ambas as direções: embora Ferrer não o mencione, em janeiro de 1794 a delegação multirracial de Santo Domingos foi recebida, como CLR James [intelectual marxista negro de Trinidad e Tobago] descreve de modo comovente em “Os Jacobinos Negros”, com grande entusiasmo pela Convenção Revolucionária Francesa, que procedeu a abolir a escravidão em todos os territórios franceses.
Da mesma forma, as tradições intelectuais e políticas sincretizadas influenciaram as conspirações e rebeliões de escravos em Cuba. Neste contexto, Ferrer discute a insurreição de 1812 liderada por José Antonio Aponte, homem negro livre, que era carpinteiro, artista e, possivelmente, um padre na religião afro-cubana da Santería.
Aponte e seus associados elaboraram um plano para queimar as usinas de açúcar e atacar as fortalezas e arsenais de Havana, apreendendo arsenal para armar os quatrocentos homens que, segundo Aponte, estavam organizados e esperando para se levantar quando convocados. Chegado o momento, Aponte emitiu uma declaração pública de libertação para todos os escravos, que mais tarde foi pregada às portas do palácio do governo.
O movimento foi violentamente esmagado e Aponte enforcado em 9 de abril de 1812. Sua rebelião teve lugar no período de atividade antiescravista efervescente nas colônias do Atlântico que se seguiram à Revolução Haitiana, ao lado de tramas e conspirações em Trinidad, Jamaica, Estados Unidos, Porto Rico e Brasil.
Liderança revolucionária
Nos anos que antecederam o estabelecimento formal do Estado haitiano, Ferrer mostra, a liderança revolucionária da ilha adotou uma política externa militante e antiescravista, ordenando ataques a navios espanhóis envolvidos no tráfico de escravos e enviando agentes para agitar contra a escravidão dentro das colônias espanholas.
Esta política foi renovada em 1809, após as autoridades coloniais em Havana, contra as orientações de Madrid, se recusarem a reconhecer o Haiti e estabelecer relações amistosas. Em resposta, Henri Christophe, governante de um estado estabelecido na parte norte do Haiti, começou a interceptar navios de escravos destinados a Havana e redirecioná-los a portos haitianos, convidando os escravos a bordo para desembarcar como cidadãos livres e devolvendo a embarcação e sua tripulação ao porto de origem.
Alexandre Petion, presidente do estado do sul do Haiti, ofereceu assistência moral e material a Simón Bolívar em sua luta pela independência da Espanha em troca da promessa do revolucionário venezuelano de abolir a escravidão nos países libertados e não vender como escravos os africanos a bordo dos navios tomados pelos insurgentes bolivarianos.
No papel, no papel, o artigo trinta e seis da Constituição do Haiti de 1805 prometia que o país não “perturbará a paz e a administração interna de colônias estrangeiras”. Mesmo antes, em 1799, Toussaint Louverture havia informado os britânicos de uma conspiração francesa para provocar uma rebelião de escravos na Jamaica, a fim de proteger o comércio do Haiti com os britânicos e americanos. Alguns anos mais tarde, em 1804-5, Jean-Jacques Dessalines, agindo no interesse do Estado haitiano, proclamou que o antiescravismo continuaria sendo uma política exclusivamente interna.
Ferrer aponta para considerações de longo e curto prazo por trás de tais mudanças políticas. Na visão de longo prazo, o Haiti era um Estado fraco, sujeito a ataques armados por parte dos franceses, e vulnerável ao isolamento econômico e político de outras potências escravistas operando no Caribe.
Mas a liderança haitiana adaptava suas políticas em resposta a questões imediatas. Entre 1805 e 1806, tomaram uma posição cautelosa sobre as rebeliões de escravos no exterior. De 1808 a 1811, no entanto, eles se envolveram mais agressivamente nas lutas antiescravistas estrangeiras porque consideraram as novas condições estratégicas como mais promissoras.
A análise de Ferrer sugere que, embora a Revolução Haitiana tenha ocorrido no momento em que a revolução industrial começou a decolar, o jovem Estado já enfrentava as pressões exercidas pelo capital organizado internacionalmente. Mesmo no final do século XVIII, um estado revolucionário como o Haiti enfrentou o dilema, típico do século XX, de pesar o internacionalismo solidário em relação a interesses nacionais mais urgentes.
Existem notáveis paralelos entre a política externa, cambiante, dos líderes revolucionários haitianos e a dos líderes da Revolução Cubana de 1959. A política externa cubana oscilou entre a ofensiva revolucionária e a defesa nacional, tanto em resposta a mudanças históricas quanto em relação a diferentes países e regiões.
Uma política agressiva em Angola e na África do Sul coexistiu com uma abordagem conservadora, condicionada pela Guerra Fria, na Etiópia e na Eritreia. O apoio aos guerrilheiros comunistas em muitos países latino-americanos não impediu relações amigáveis com o partido governista corrupto do México, o Partido Revolucionário Institucional, e com a Espanha de Franco. Como o Haiti, Cuba era um Estado fraco, vulnerável às agressões de uma superpotência imperialista, e dependia do apoio econômico e militar soviético.
No entanto, a influência sobre Cuba do marxismo stalinista importado da URSS, com suas premissas políticas da realpolitik, cristalizou a inconstante política externa cubana em um método que converteu a necessidade em virtude. Já no caso do Haiti, as limitações que impediram a Revolução Haitiana de realizar plenamente seus objetivos transformaram o destino da revolução em tragédia.
Esta política foi renovada em 1809, após as autoridades coloniais em Havana, contra as orientações de Madrid, se recusarem a reconhecer o Haiti e estabelecer relações amistosas. Em resposta, Henri Christophe, governante de um estado estabelecido na parte norte do Haiti, começou a interceptar navios de escravos destinados a Havana e redirecioná-los a portos haitianos, convidando os escravos a bordo para desembarcar como cidadãos livres e devolvendo a embarcação e sua tripulação ao porto de origem.
Alexandre Petion, presidente do estado do sul do Haiti, ofereceu assistência moral e material a Simón Bolívar em sua luta pela independência da Espanha em troca da promessa do revolucionário venezuelano de abolir a escravidão nos países libertados e não vender como escravos os africanos a bordo dos navios tomados pelos insurgentes bolivarianos.
No papel, no papel, o artigo trinta e seis da Constituição do Haiti de 1805 prometia que o país não “perturbará a paz e a administração interna de colônias estrangeiras”. Mesmo antes, em 1799, Toussaint Louverture havia informado os britânicos de uma conspiração francesa para provocar uma rebelião de escravos na Jamaica, a fim de proteger o comércio do Haiti com os britânicos e americanos. Alguns anos mais tarde, em 1804-5, Jean-Jacques Dessalines, agindo no interesse do Estado haitiano, proclamou que o antiescravismo continuaria sendo uma política exclusivamente interna.
Ferrer aponta para considerações de longo e curto prazo por trás de tais mudanças políticas. Na visão de longo prazo, o Haiti era um Estado fraco, sujeito a ataques armados por parte dos franceses, e vulnerável ao isolamento econômico e político de outras potências escravistas operando no Caribe.
Mas a liderança haitiana adaptava suas políticas em resposta a questões imediatas. Entre 1805 e 1806, tomaram uma posição cautelosa sobre as rebeliões de escravos no exterior. De 1808 a 1811, no entanto, eles se envolveram mais agressivamente nas lutas antiescravistas estrangeiras porque consideraram as novas condições estratégicas como mais promissoras.
A análise de Ferrer sugere que, embora a Revolução Haitiana tenha ocorrido no momento em que a revolução industrial começou a decolar, o jovem Estado já enfrentava as pressões exercidas pelo capital organizado internacionalmente. Mesmo no final do século XVIII, um estado revolucionário como o Haiti enfrentou o dilema, típico do século XX, de pesar o internacionalismo solidário em relação a interesses nacionais mais urgentes.
Existem notáveis paralelos entre a política externa, cambiante, dos líderes revolucionários haitianos e a dos líderes da Revolução Cubana de 1959. A política externa cubana oscilou entre a ofensiva revolucionária e a defesa nacional, tanto em resposta a mudanças históricas quanto em relação a diferentes países e regiões.
Uma política agressiva em Angola e na África do Sul coexistiu com uma abordagem conservadora, condicionada pela Guerra Fria, na Etiópia e na Eritreia. O apoio aos guerrilheiros comunistas em muitos países latino-americanos não impediu relações amigáveis com o partido governista corrupto do México, o Partido Revolucionário Institucional, e com a Espanha de Franco. Como o Haiti, Cuba era um Estado fraco, vulnerável às agressões de uma superpotência imperialista, e dependia do apoio econômico e militar soviético.
No entanto, a influência sobre Cuba do marxismo stalinista importado da URSS, com suas premissas políticas da realpolitik, cristalizou a inconstante política externa cubana em um método que converteu a necessidade em virtude. Já no caso do Haiti, as limitações que impediram a Revolução Haitiana de realizar plenamente seus objetivos transformaram o destino da revolução em tragédia.
Colaborador
Samuel Farber nasceu e foi criado em Cuba e escreveu extensivamente sobre esse país. Seu mais novo livro, The Politics of Che Guevara: Theory and Practice, já saiu pela Haymarket Books.
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