Edward Luttwak
The London Review of Books
Vol. 16 No. 7 · 7 April 1994 |
Tradução / Que o capitalismo livre de regulações públicas, cartéis, monopólios, sindicatos eficientes, inibições culturais ou obrigações de parentesco é a máquina mais sofisticada de crescimento econômico constitui uma verdade surrada, hoje só contestada por um punhado de entusiastas da Gosplan preservados criogenicamente e um número razoável de acadêmicos anglo-saxões mal pagos. Que a máquina capitalista alcança o crescimento tão bem como o faz porque sua competição inexorável destrói velhas estruturas e métodos, permitindo assim que surjam em seu lugar estruturas e métodos mais eficientes, é a parte mais famosa das idéias schumpeterianas, até mais famosa do que as escapadas amorosas do ex-professor da Universidade de Czemowitz. E, finalmente, que a mudança estrutural pode infligir mais danos às vidas profissionais, firmas, indústrias inteiras e suas localidades do que as pessoas podem absorver, ou o tecido conjuntivo de amizades, famílias, grupos eletivos, vizinhanças, povoados, vilas, distritos, cidades ou mesmo nações pode suportar, é outra verdade surrada mais fácil de reconhecer do que se pode soletrar Gemeinschaft e Gesellschaft.
O que há de novo na presente situação é só uma questão de grau, uma mera aceleração no ritmo das mudanças estruturais que acompanham o crescimento econômico, qualquer que seja sua taxa. Mas isso, na medida em que se produz, é suficiente para fazer toda a diferença no mundo. A mudança estrutural, com todas as suas revoluções pessoais e rupturas sociais, é agora muito rápida mesmo quando há crescimento zero, e ainda mais rápida quando as economias crescem. A máquina gira, triturando vidas e desgastando relações humanas estabelecidas, mesmo quando o carro é freado; e alcança rotações por minuto de uma Ferrari nas velocidades mais modestas de um rolo compressor.
Uma causa óbvia da crescente destrutividade do processo capitalista é a retração mundial da propriedade pública, do planejamento central, da direção administrativa e do controle regulatório, e igualmente de todas as suas rigidezes contrárias à inovação, à mudança estrutural, ao crescimento econômico, ao deslocamento individual e à ruptura social. Da Argentina a Zâmbia, com todo o mundo comunista incluído, a propriedade estatal de empresas econômicas era antes aceita como o garante do interesse público: agora ela aparece como o garante da ociosidade burocrática, da estagnação técnica e da roubalheira conspícua. O planejamento central, antes distinguido como a via aritmética para a prosperidade segura, é agora tido como impossível simplesmente porque nenhum grupo de meros humanos pode predeterminar a demanda do próximo ano para cada um das centenas de diferentes polímeros, sem falar nos três milhões de outros itens, de guindastes de escavadeiras a palitos de dente. A direção administrativa, antes gloriosamente bem-sucedida no Japão, na Coréia e em Taiwan, pelo menos útil na França, um fracasso conhecido na Inglaterra de George Brown, e ineficiente ou corrupta, ou ineficiente e corrupta em quase todos os outros lugares, está agora sendo (lentamente) abandonada mesmo no Japão, tendo sido abandonada há muito tempo em todos os outros lugares.
Quanto aos controles regulatórios, seu número não pára de crescer, porque mesmo não sendo mais necessário impor limites de velocidade às locomotivas a vapor para evitar que elas provoquem abortos em vacas, muitas novidades técnicas bem mais recentes acarretam a regulação, e algumas mesmo a requerem — por exemplo, a alocação de frequências. Outras razões para a regulação são velhas conhecidas, mas a regulação comercial (p. ex. de companhias aéreas), enquanto oposta à saúde e à segurança, e a regulação ambiental definitivamente se retraíram, e continuam a fazê-lo. Com isso, aumenta a eficiência, empresas Outrora seguras enfrentam os riscos do mercado, e empregados outrora igualmente seguros não o são mais.
Outra causa parcialmente relacionada e igualmente óbvia da mudança estrutural acelerada é a muito celebrada unificação das poças, lagunas, lagos e mares de economias locais, provinciais, regionais e nacionais num único oceano econômico global, e consequentemente a crescente exposição dessas mesmos poças, lagunas, lagos e mares aos vagalhões do oceano econômico global, devido à remoção de barreiras à importação, proibições de exportação de capital, controles do investimento e restrições de licenciamento sobre a venda de serviços transnacionais; o advento e a rápida disseminação geográfica de telecomunicações instantâneas rápidas e baratas que facilitam a formação de novos relacionamentos comerciais tanto materialmente como psicologicamente; à importância decrescente dos custos de transporte devido à evanescência do conteúdo material do comércio, bem como ao barateamento do transporte com a melhoria dos serviços aéreos, dos portos e das estradas — notadamente estradas rurais na Ásia e na América Latina quando não na África; à difusão de tecnolgias atualizadas para a produção de bens ou componentes para exportação, mesmo em economias em outros aspectos atrasadas; e à uniformização por achatamento de preferências de consumidores antes diversas pelas imagens e o marketing de meios de comunicações de massa internacionais.
O efeito geral da "globalização" é que qualquer produção em qualquer lugar pode expandir-se enormemente, muito além dos limites do mercado doméstico, desde que seja competitiva — e, é claro, que qualquer produção em qualquer lugar, e o emprego correspondente, possa ser deslocada a qualquer tempo por uma produção mais barata de algum outro lugar do mundo. A vida na economia global é cheia de surpresas excitantes — e desastres catastróficos.
Outra causa ainda da mudança estrutural desproporcionalmente rápida é a chegada muito repentina dos há tanto esperados, e igualmente adiados, aumentos de eficiência administrativos e burocráticos que as máquinas para computação eletrônica, armazenamento de dados, reprodução e comunicação interna deveriam assegurar já faz tempo. Em parte porque com a mudança geracional mesmo os executivos sênior podem agora, se quiserem, operar eles mesmos essas máquinas, o que permite que eles entendam seus usos, abusos e não-usos; em parte porque os executivos mais jovens são cada vez mais compelidos a usar essas máquinas em lugar do auxílio e do acompanhamento burocrático; e em parte porque as redes de computadores permitem que os executivos no nível imediatamente superior literalmente supervisionem, diretamente em suas telas, o trabalho que seus subordinados estão fazendo ou não fazendo, o que lhes permite, portanto, a mesma transparência do trabalho na linha de montagem, com a mesma visibilidade imediata dos procedimentos ineficientes, hábitos ineficientes e empregados ineficientes — por todas essas razões o tão esperado e tão adiado aumento na eficiência do trabalho burocrático finalmente chegou, expondo doravante os trabalhadores de colarinho branco mais seguros a deslocamentos de lugar de trabalho e demissões em massa ou, pelo menos, às perspectivas minguantes de emprego que foram por muito tempo o quinhão dos trabalhadores manuais industriais nas economias maduras.
O que há de novo na presente situação é só uma questão de grau, uma mera aceleração no ritmo das mudanças estruturais que acompanham o crescimento econômico, qualquer que seja sua taxa. Mas isso, na medida em que se produz, é suficiente para fazer toda a diferença no mundo. A mudança estrutural, com todas as suas revoluções pessoais e rupturas sociais, é agora muito rápida mesmo quando há crescimento zero, e ainda mais rápida quando as economias crescem. A máquina gira, triturando vidas e desgastando relações humanas estabelecidas, mesmo quando o carro é freado; e alcança rotações por minuto de uma Ferrari nas velocidades mais modestas de um rolo compressor.
Uma causa óbvia da crescente destrutividade do processo capitalista é a retração mundial da propriedade pública, do planejamento central, da direção administrativa e do controle regulatório, e igualmente de todas as suas rigidezes contrárias à inovação, à mudança estrutural, ao crescimento econômico, ao deslocamento individual e à ruptura social. Da Argentina a Zâmbia, com todo o mundo comunista incluído, a propriedade estatal de empresas econômicas era antes aceita como o garante do interesse público: agora ela aparece como o garante da ociosidade burocrática, da estagnação técnica e da roubalheira conspícua. O planejamento central, antes distinguido como a via aritmética para a prosperidade segura, é agora tido como impossível simplesmente porque nenhum grupo de meros humanos pode predeterminar a demanda do próximo ano para cada um das centenas de diferentes polímeros, sem falar nos três milhões de outros itens, de guindastes de escavadeiras a palitos de dente. A direção administrativa, antes gloriosamente bem-sucedida no Japão, na Coréia e em Taiwan, pelo menos útil na França, um fracasso conhecido na Inglaterra de George Brown, e ineficiente ou corrupta, ou ineficiente e corrupta em quase todos os outros lugares, está agora sendo (lentamente) abandonada mesmo no Japão, tendo sido abandonada há muito tempo em todos os outros lugares.
Quanto aos controles regulatórios, seu número não pára de crescer, porque mesmo não sendo mais necessário impor limites de velocidade às locomotivas a vapor para evitar que elas provoquem abortos em vacas, muitas novidades técnicas bem mais recentes acarretam a regulação, e algumas mesmo a requerem — por exemplo, a alocação de frequências. Outras razões para a regulação são velhas conhecidas, mas a regulação comercial (p. ex. de companhias aéreas), enquanto oposta à saúde e à segurança, e a regulação ambiental definitivamente se retraíram, e continuam a fazê-lo. Com isso, aumenta a eficiência, empresas Outrora seguras enfrentam os riscos do mercado, e empregados outrora igualmente seguros não o são mais.
Outra causa parcialmente relacionada e igualmente óbvia da mudança estrutural acelerada é a muito celebrada unificação das poças, lagunas, lagos e mares de economias locais, provinciais, regionais e nacionais num único oceano econômico global, e consequentemente a crescente exposição dessas mesmos poças, lagunas, lagos e mares aos vagalhões do oceano econômico global, devido à remoção de barreiras à importação, proibições de exportação de capital, controles do investimento e restrições de licenciamento sobre a venda de serviços transnacionais; o advento e a rápida disseminação geográfica de telecomunicações instantâneas rápidas e baratas que facilitam a formação de novos relacionamentos comerciais tanto materialmente como psicologicamente; à importância decrescente dos custos de transporte devido à evanescência do conteúdo material do comércio, bem como ao barateamento do transporte com a melhoria dos serviços aéreos, dos portos e das estradas — notadamente estradas rurais na Ásia e na América Latina quando não na África; à difusão de tecnolgias atualizadas para a produção de bens ou componentes para exportação, mesmo em economias em outros aspectos atrasadas; e à uniformização por achatamento de preferências de consumidores antes diversas pelas imagens e o marketing de meios de comunicações de massa internacionais.
O efeito geral da "globalização" é que qualquer produção em qualquer lugar pode expandir-se enormemente, muito além dos limites do mercado doméstico, desde que seja competitiva — e, é claro, que qualquer produção em qualquer lugar, e o emprego correspondente, possa ser deslocada a qualquer tempo por uma produção mais barata de algum outro lugar do mundo. A vida na economia global é cheia de surpresas excitantes — e desastres catastróficos.
Outra causa ainda da mudança estrutural desproporcionalmente rápida é a chegada muito repentina dos há tanto esperados, e igualmente adiados, aumentos de eficiência administrativos e burocráticos que as máquinas para computação eletrônica, armazenamento de dados, reprodução e comunicação interna deveriam assegurar já faz tempo. Em parte porque com a mudança geracional mesmo os executivos sênior podem agora, se quiserem, operar eles mesmos essas máquinas, o que permite que eles entendam seus usos, abusos e não-usos; em parte porque os executivos mais jovens são cada vez mais compelidos a usar essas máquinas em lugar do auxílio e do acompanhamento burocrático; e em parte porque as redes de computadores permitem que os executivos no nível imediatamente superior literalmente supervisionem, diretamente em suas telas, o trabalho que seus subordinados estão fazendo ou não fazendo, o que lhes permite, portanto, a mesma transparência do trabalho na linha de montagem, com a mesma visibilidade imediata dos procedimentos ineficientes, hábitos ineficientes e empregados ineficientes — por todas essas razões o tão esperado e tão adiado aumento na eficiência do trabalho burocrático finalmente chegou, expondo doravante os trabalhadores de colarinho branco mais seguros a deslocamentos de lugar de trabalho e demissões em massa ou, pelo menos, às perspectivas minguantes de emprego que foram por muito tempo o quinhão dos trabalhadores manuais industriais nas economias maduras.
No presente momento, por exemplo, muito embora a economia dos EUA esteja em plena recuperação, reduções de empregos de colarinho branco aos milhares estão sendo anunciadas por uma corporação famosa atrás da outra. Eles chamam isso de "reestruturação" ou, de forma mais imaginativa, de "reengenharia da empresa", e enfeitam devidamente os procedimentos com a verborragia da última moda, aqueles slogans atraentes, sugestivos embora profundamente frívolos cunhados pelos autores dos últimos best-sellers de negócios, que os proclamam a preço de ouro e com insistência evangélica no circuito de palestras empresarial, com o resultado de que eles são a seguir repetidos com grande solenidade a públicos de empregados deferentes e atônitos em briefings, "workshops" e "retiros" corporativos. Mas as economias reais que Wall Street antecipa ao provocar a subida de preços das ações — recompensando assim enormemente executivos demitidores que detêm opções na bolsa — não provêm da música de fundo da verborragia dos consultores administrativos, mas sim da substituição de secretárias eletrônicas por sistemas de correio eletrônico comandados por voz, da substituição de datilógrafas por processadores de textos e aparelhos de fax, da substituição de secretárias arquivistas por memórias eletrônicas, e da consequente substituição de supervisores burocráticos; assim como da substituição de gerentes jovens pelo processamento de fluxo de arquivo automatizado e da consequente substituição de seus supervisores administrativos; e também da substituição de todos os gerentes de nível médio que não são mais necessários para supervisionar os mandos e desmandos seja dos empregados burocráticos seja dos administrativos. É por isso que as empresas cujas vendas estão crescendo não estão, não obstante, aumentando seus postos de colarinho branco; as empresas cujas vendas estão estacionadas estão eliminando alguns postos de colarinho branco; e as empresas em declínio estão eliminando muitíssimos — dezenas de milhares no caso das gigantes doentes IBM e GM.
Os economistas deploraram por muito tempo os desapontadores ganhos de produtividade da superestrutura administrativa nas economias avançadas, a despeito da proliferação dos produtos eletrônicos para escritório. Isso era numericamente irritante para a fraternidade porque o setor de produção de bens, cuja produtividade manteve um crescimento regular, há muito tempo vem tendo sua importância diminuída, de modo que o hiato de produtividade das atividades administrativas estava rebaixando os números da economia como um todo. Esses economistas não precisam mais se procupar: a produtividade do trabalho de escritório está finalmente crescendo num ritmo rápido, permitindo que os empregadores se desfaçam de empregados na mesma velocidade.
Pode haver explicações adicionais para a aceleração da mudança econômica estrutural. O que conta, todavia, é o resultado: a "destruição criadora" de Schumpeter — a substituição de velhas especializações, ofícios e indústrias inteiras com suas localidades dependentes, por novas especializações, ofícios e indústrias inteiras mais eficientes — pode agora durar alguns anos, frequentemente muito poucos, em vez de gerações. E é suficiente para fazer a diferença colossal mencionada acima. A mesma taxa de mudança estrutural que favorece a prosperidade global, que beneficia muitos países e regiões, e que muitos outros países e regiões podem pelo menos suportar, excede agora brutalmente os limites adaptativos de indivíduos, famílias e comunidades. Quando os filhos e filhas de metalúrgicos norte-americanos, mineiros britânicos ou soldadores alemães são obrigados a se tornarem programadores de software, professores, advogados ou mesmo balconistas, porque as respectivas indústrias paternas oferecem cada vez menos empregos, poucos deles têm razão para se queixar. Mas quando os mesmos mecanismos de troca funcionam tão rapidamente que os metalúrgicos, mineiros de carvão ou soldadores têm eles próprios de abandonar inclinações, auto-imagens e companheiros de local de trabalho de toda a vida para adquirir as novas habilitações demandadas — sob pena de desemprego crônico ou empregos mal pagos e desqualificados —, os resultados prováveis são fracasso e frustração. Certamente, nada poderia ser mais surrado do que se preocupar com as tributações dos metalúrgicos, mineiros ou soldadores, remanescentes obsoletos da classe operária industrial branca/masculina irremediavelmente passé. De modo que a grande novidade é o deslocamento também do emprego dos colarinhos brancos.
Não disponho de estatísticas que meçam o declínio na segurança de emprego. Mas as estatísticas mostram muito claramente o impacto de um enfraquecimento da demanda por trabalhadores de colarinho branco no declínio de seus ganhos. Lá nos anos 80, quando os dirigentes sindicais e os proletariófilos incuráveis se queixavam amargamente de que os trabalhadores americanos estavam sendo expulsos do emprego industrial bem pago para empregos "hamburger-flipping"* de salário mínimo, os defensores entusiásticos da infalibilidade da economia de livre mercado os silenciavam em editoriais do Wall Street Journal apontando para o rápido crescimento dos empregos "money-flipping" ** nos serviços bancários, de seguros e financeiros, bem como nos escritórios imobiliários, que na época experimentavam um crescimento explosivo. Foi nesse ponto que o debate terminou — prematuramente. No final de 1992 mais de 6,8 milhões de americanos estavam realmente empregados no setor financeiro (escritórios bancários, de seguro, financeiros e imobiliários). Poder-se-ia supor, como o Wall Street Journal certamente presumia, que essas pessoas eram uma parcela bem paga: mas entre elas, os 4,9 milhões de empregados em funções que não as de chefia recebiam apenas US$ 10,14 por hora, comparados a US$ 10,98 para os trabalhadores de produção na indústria. O 1,1 milhão de secretárias, caixas e outros empregados subalternos de bancos ganhavam muito menos que a média do setor de US$ 8,19 por hora, enquanto 45.800 de seus correspondentes em corretoras de ações e de mercadorias — no verdadeiro coração do "money-flipping" — ganhavam seguramente muito mais de US$ 13,35 por hora. Todavia, se qualquer trabalhador industrial desempregado se equipasse com o suspensório largo vermelho obrigatório para buscar sua fortuna em Wall Street, teria achado a recompensa surpreendentemente modesta.
Numa época em que se dizia o tempo todo que era bobagem se preocupar com o declínio dos empregos industriais na era dos "serviços", a história inteira, muito maior, é que os empregados em serviços em toda a economia dos EUA recebem realmente muito menos do que seus correspondentes que ainda mantêm empregos industriais. Além do mais, os ganhos médios por hora dos empregados em serviços têm decaído durante anos em dólares reais — descontada a inflação. No comércio varejista como um todo, por exemplo, das lojas de departamento até as bancas de jornal da esquina, os 17,7 milhões de empregados "não-chefes" ganhavam uma média de US$ 6,88 por hora em novembro de 1990. Na verdade, sua média de ganho horário caiu de um pico de US$ 6,20 em 1978 para US$ 5,04 em 1990 em dólares constantes de 1982. Por certo, o comércio varejista está cheio de adolescentes que ainda estão na escola e trabalham só nos finais de semana e feriados, e de mulheres casadas que trabalham só meio período. É de se esperar que isso rebaixe os ganhos, e isso ocorre. Além disso, muitos empregados no comércio varejista ganham comissões que não são relatadas aos coletores de estatísticas trabalhistas. Mas nem os empregados em tempo parcial com demandas modestas nem as comissões podem ser encontradas no setor de transportes e nos serviços públicos (incluindo ferrovias, empresas de ônibus locais, transporte de massa, transporte rodoviário, serviços de correio, transporte hidroviário, empresas aéreas, companhias telefônicas etc.). Não obstante, os 4,9 milhões de empregados "nãochefes" em todo aquele setor tinham ganhos horários médios de US$ 13,07 em novembro de 1990 — substancialmente mais, de fato US$ 2,09, do que seus correspondentes na indústria, mas ainda substancialmente menos do que esses mesmos empregados haviam ganho na década de 1970 em dólares reais. Na verdade seus ganhos atingiram em 1978 o pico de US$ 11,18 por hora em dólares constantes de 1982 — comparados a US$ 9,58 no final de 1990 nesses mesmos dólares.
Os economistas deploraram por muito tempo os desapontadores ganhos de produtividade da superestrutura administrativa nas economias avançadas, a despeito da proliferação dos produtos eletrônicos para escritório. Isso era numericamente irritante para a fraternidade porque o setor de produção de bens, cuja produtividade manteve um crescimento regular, há muito tempo vem tendo sua importância diminuída, de modo que o hiato de produtividade das atividades administrativas estava rebaixando os números da economia como um todo. Esses economistas não precisam mais se procupar: a produtividade do trabalho de escritório está finalmente crescendo num ritmo rápido, permitindo que os empregadores se desfaçam de empregados na mesma velocidade.
Pode haver explicações adicionais para a aceleração da mudança econômica estrutural. O que conta, todavia, é o resultado: a "destruição criadora" de Schumpeter — a substituição de velhas especializações, ofícios e indústrias inteiras com suas localidades dependentes, por novas especializações, ofícios e indústrias inteiras mais eficientes — pode agora durar alguns anos, frequentemente muito poucos, em vez de gerações. E é suficiente para fazer a diferença colossal mencionada acima. A mesma taxa de mudança estrutural que favorece a prosperidade global, que beneficia muitos países e regiões, e que muitos outros países e regiões podem pelo menos suportar, excede agora brutalmente os limites adaptativos de indivíduos, famílias e comunidades. Quando os filhos e filhas de metalúrgicos norte-americanos, mineiros britânicos ou soldadores alemães são obrigados a se tornarem programadores de software, professores, advogados ou mesmo balconistas, porque as respectivas indústrias paternas oferecem cada vez menos empregos, poucos deles têm razão para se queixar. Mas quando os mesmos mecanismos de troca funcionam tão rapidamente que os metalúrgicos, mineiros de carvão ou soldadores têm eles próprios de abandonar inclinações, auto-imagens e companheiros de local de trabalho de toda a vida para adquirir as novas habilitações demandadas — sob pena de desemprego crônico ou empregos mal pagos e desqualificados —, os resultados prováveis são fracasso e frustração. Certamente, nada poderia ser mais surrado do que se preocupar com as tributações dos metalúrgicos, mineiros ou soldadores, remanescentes obsoletos da classe operária industrial branca/masculina irremediavelmente passé. De modo que a grande novidade é o deslocamento também do emprego dos colarinhos brancos.
Não disponho de estatísticas que meçam o declínio na segurança de emprego. Mas as estatísticas mostram muito claramente o impacto de um enfraquecimento da demanda por trabalhadores de colarinho branco no declínio de seus ganhos. Lá nos anos 80, quando os dirigentes sindicais e os proletariófilos incuráveis se queixavam amargamente de que os trabalhadores americanos estavam sendo expulsos do emprego industrial bem pago para empregos "hamburger-flipping"* de salário mínimo, os defensores entusiásticos da infalibilidade da economia de livre mercado os silenciavam em editoriais do Wall Street Journal apontando para o rápido crescimento dos empregos "money-flipping" ** nos serviços bancários, de seguros e financeiros, bem como nos escritórios imobiliários, que na época experimentavam um crescimento explosivo. Foi nesse ponto que o debate terminou — prematuramente. No final de 1992 mais de 6,8 milhões de americanos estavam realmente empregados no setor financeiro (escritórios bancários, de seguro, financeiros e imobiliários). Poder-se-ia supor, como o Wall Street Journal certamente presumia, que essas pessoas eram uma parcela bem paga: mas entre elas, os 4,9 milhões de empregados em funções que não as de chefia recebiam apenas US$ 10,14 por hora, comparados a US$ 10,98 para os trabalhadores de produção na indústria. O 1,1 milhão de secretárias, caixas e outros empregados subalternos de bancos ganhavam muito menos que a média do setor de US$ 8,19 por hora, enquanto 45.800 de seus correspondentes em corretoras de ações e de mercadorias — no verdadeiro coração do "money-flipping" — ganhavam seguramente muito mais de US$ 13,35 por hora. Todavia, se qualquer trabalhador industrial desempregado se equipasse com o suspensório largo vermelho obrigatório para buscar sua fortuna em Wall Street, teria achado a recompensa surpreendentemente modesta.
Numa época em que se dizia o tempo todo que era bobagem se preocupar com o declínio dos empregos industriais na era dos "serviços", a história inteira, muito maior, é que os empregados em serviços em toda a economia dos EUA recebem realmente muito menos do que seus correspondentes que ainda mantêm empregos industriais. Além do mais, os ganhos médios por hora dos empregados em serviços têm decaído durante anos em dólares reais — descontada a inflação. No comércio varejista como um todo, por exemplo, das lojas de departamento até as bancas de jornal da esquina, os 17,7 milhões de empregados "não-chefes" ganhavam uma média de US$ 6,88 por hora em novembro de 1990. Na verdade, sua média de ganho horário caiu de um pico de US$ 6,20 em 1978 para US$ 5,04 em 1990 em dólares constantes de 1982. Por certo, o comércio varejista está cheio de adolescentes que ainda estão na escola e trabalham só nos finais de semana e feriados, e de mulheres casadas que trabalham só meio período. É de se esperar que isso rebaixe os ganhos, e isso ocorre. Além disso, muitos empregados no comércio varejista ganham comissões que não são relatadas aos coletores de estatísticas trabalhistas. Mas nem os empregados em tempo parcial com demandas modestas nem as comissões podem ser encontradas no setor de transportes e nos serviços públicos (incluindo ferrovias, empresas de ônibus locais, transporte de massa, transporte rodoviário, serviços de correio, transporte hidroviário, empresas aéreas, companhias telefônicas etc.). Não obstante, os 4,9 milhões de empregados "nãochefes" em todo aquele setor tinham ganhos horários médios de US$ 13,07 em novembro de 1990 — substancialmente mais, de fato US$ 2,09, do que seus correspondentes na indústria, mas ainda substancialmente menos do que esses mesmos empregados haviam ganho na década de 1970 em dólares reais. Na verdade seus ganhos atingiram em 1978 o pico de US$ 11,18 por hora em dólares constantes de 1982 — comparados a US$ 9,58 no final de 1990 nesses mesmos dólares.
Na massa variada do conjunto dos empregados em serviços, há picos previsíveis, por exemplo, os 135.400 "não-chefes" da indústria do cinema que ganhavam US$ 18,87 por hora, e os empregados subalternos dos serviços de computação e processamento de dados a US$ 15,29 por hora, que somavam apenas 87.700 em 1972 mas alcançaram o total impressionante de 637.700 no final de 1990. Os vales são também previsíveis. O 1,3 milhão de empregos que não de chefia em hotéis/motéis pagavam só US$ 7,14 por hora em média — embora muito poucos também recebam gorjetas, é claro. Mas ninguém dá gorjeta aos 436.900 empregados das agências de detetives, dos carros blindados e das empresas de segurança que ganhavam só US$ 6,35 por hora em média. De Agências de propaganda a Zoológicos, muitos empregos em serviços certamente pagavam melhor do que isso, mas os ganhos médios de todos os empregados não agrícolas e não governamentais eram menores, de US$ 10,17 por hora, do que os dos trabalhadores industriais, de US$ 10,98 — logo, a admirável nova economia de serviços obviamente paga menos do que a antiquada indústria. Mesmo isso é só metade da história, porque a maior volatilidade dos serviços torna esses empregos cada vez menos seguros. Em outras palavras, o empobrecimento relativo dessas vidas profissionais é acompanhado de ainda mais deslocamentos.
Uma novidade ainda maior é o deslocamento das vidas profissionais dos executivos. Essa é a última tendência nos sempre progressistas EUA — e é mais precisamente uma tendência estrutural, e não meramente cíclica. Agora que a corporação "satisfaciente"* conservadoramente segura (dividendos moderados, salários moderados, crescimento lento e regular) está quase extinta, os altos executivos ganham, enquanto classe, muito mais do que antes, os executivos subalternos que conseguem manter seus empregos ganham muito menos, e é muito difícil para aqueles executivos que são expulsos encontrar qualquer emprego comparável em outro lugar. Poucos estão destinados a adornar as páginas de revistas de negócios como prodígios empresariais, não inatos mas criados pelo desemprego. Alguns se ajustam facilmente embora dolorosamente, aceitando qualquer emprego de classe média que puderem conseguir, normalmente com remuneração menor. Outros estão em situação muito pior. O homem de 50-55 anos, branco, com curso superior, ex-exemplar do sonho americano, talvez ainda vivendo em sua casa suburbana equipada suntuosamente, com dois ou três carros na garagem, um ou dois filhos em cursos superiores de US$ 20.000 por ano (ensino, alimentação e moradia — tudo o que estiver fora é por fora) e um ex-emprego extinto pela "reengenharia", que agora sobrevive da poupança, de uma segunda e uma terceira hipotecas e ganhos irrisórios como um autodescrito "consultor", se tornou uma figura familiar nos Estados Unidos contemporâneos. Eles ainda enviam currículos às dúzias. Eles ainda se mantém no circuito (isto é, imploram por empregos a qualquer pessoa que conheçam). Eles ainda vestem seus ternos de negócios para ir a almoços de "negócios" com o artigo genuíno ou para visitar agências de emprego, mas, em uma época em que mais de 10% dos formados em Harvard na classe de 1958 estão desempregados, almas menores na mesma posição têm pouco a esperar.
Se o anedotário sentimental é pouco persuasivo, ou parece absurdamente desproporcional quando comparado às dificuldades de, digamos, camponeses indianos endividados, há agora estatísticas que quantificam a decadência de toda a população de onde é extraída a classe dos executivos médios. Os ganhos médios de todos os homens na faixa de 40-54 anos com quatro anos de formação superior — uns dois milhões de americanos, dos quais só 150 mil brancos — realmente atingiram em 1972 o pico de US$ 55 mil em dólares de 1992; eles estagnaram ao longo de três ciclos econômicos até 1989, antes de declinar rapidamente para US$ 41.898 em 1992. Por outros indicadores nós sabemos que esses números revelam dois fenômenos que são igualmente inéditos na experiência americana: nessa mesma população, a renda total combinada do 1% mais rico de todos os que recebem alguma remuneração teve um crescimento sensacional, e o total combinado dos 80% mais pobres caiu radicalmente. De novo, isso implica de um modo ou de outro um quantum mais que proporcional de deslocamento. Nem é preciso dizer que as vidas profissionais individuais não podem ser deslocadas sem causar danos a famílias, filiações e comunidades eletivas — todo o musgo de relações humanas que só pode crescer sobre as pedras da estabilidade econômica. Finalmente, é inteiramente certo que o que já aconteceu nos Estados Unidos está acontecendo ou vai acontecer em todas as demais economias avançadas, porque todas elas estão expostas às mesmas forças.
Nesta situação, o que a direita moderada — republicanos convencionais dos EUA, tories britânicos e todos os seus correspondentes em outros lugares — têm a oferecer? Só mais livre comércio e globalização, mais desregulação e mudança estrutural, portanto mais deslocamento de vidas e relações sociais. É engraçado, mas só um pouco, que nos dias de hoje o discurso-padrão do horário nobre dos republicanos/fortes seja um tema em duas partes, no qual a parte um celebra as virtudes da competição desenfreada e da mudança estrutural dinâmica, enquanto a parte dois lamenta o declínio dos "valores" da família e da comunidade que foram erodidos precisamente pelas forças elogiadas na parte um. Assim, no presente, o coração das crenças republicanas/tories é uma perfeita descontinuidade. E o que a esquerda moderada tem a oferecer? Só mais redistribuição, mais assistência pública, e preocupação particularista com grupos particulares que podem reivindicar sua condição de vítimas, do sublime patamar das velhas deficientes negras lésbicas até os simplesmente pobres.
Portanto, nem a direita moderada nem a esquerda moderada nem mesmo reconhecem, muito menos oferecem alguma solução para o problema central de nossos dias: a insegurança econômica pessoal completamente inédita da massa trabalhadora, dos trabalhadores industriais e burocráticos de colarinho branco até os executivos médios. Nenhum deles é pobre e, portanto, não podem beneficiar-se dos pagamentos de seguridade mais generosos que a esquerda moderada está inclinada a oferecer. Nem eles têm particularmente inveja dos ricos, e portanto tendem a estar desinteressados em redistribuição. Poucos deles estão realmente desempregados, e portanto eles estão imunes às promessas republicanas/tories de mais crescimento e mais empregos por meio da mágica do mercado sem freios: o que eles querem é segurança nos empregos que já têm — isto é, precisamente o que o mercado sem freios ameaça.
Um vasto espaço político é assim deixado vazio pela descontinuidade republicana/tory, por um lado, e pelo particularismo e assistencialismo da esquerda moderada, por outro. Foi este o espaço ocupado por algum tempo nos EUA pelos caprichos eleitorais de Ross Perot em 1992, e que os excessos bizarros de Zhirinovsky estão agora ocupando nas condições peculiares da Rússia, onde a insegurança econômica pessoal é o único problema que conta para a maioria das pessoas (talvez sejam raros os ex-professores de marxismo-leninismo residentes em Latvia que perderam simultaneamente seus empregos, profissões e nacionalidades, mas a maioria dos russos que ainda trabalham enfrenta agora no mínimo a ameaça iminente de perder o emprego). E esse é o espaço que permanece completamente aberto para um partido fascista melhorado, voltado ao fortalecimento da segurança econômica pessoal das amplas massas de trabalhadores (principalmente) de colarinho branco. Um tal partido poderia mesmo estar tão livre de racismo quanto o original de Mussolini estava até a aliança com Hitler, porque o que ele teria realmente a oferecer seriam restrições corporativistas ao darwinismo corporativo, e barreiras dilatórias, se não impeditivas, contra a globalização. Não é necessário saber como soletrar Gemeinschaft e Gesellschaft para reconhecer a predisposição fascista engendrada pelo capitalismo turbinado de hoje.
Uma novidade ainda maior é o deslocamento das vidas profissionais dos executivos. Essa é a última tendência nos sempre progressistas EUA — e é mais precisamente uma tendência estrutural, e não meramente cíclica. Agora que a corporação "satisfaciente"* conservadoramente segura (dividendos moderados, salários moderados, crescimento lento e regular) está quase extinta, os altos executivos ganham, enquanto classe, muito mais do que antes, os executivos subalternos que conseguem manter seus empregos ganham muito menos, e é muito difícil para aqueles executivos que são expulsos encontrar qualquer emprego comparável em outro lugar. Poucos estão destinados a adornar as páginas de revistas de negócios como prodígios empresariais, não inatos mas criados pelo desemprego. Alguns se ajustam facilmente embora dolorosamente, aceitando qualquer emprego de classe média que puderem conseguir, normalmente com remuneração menor. Outros estão em situação muito pior. O homem de 50-55 anos, branco, com curso superior, ex-exemplar do sonho americano, talvez ainda vivendo em sua casa suburbana equipada suntuosamente, com dois ou três carros na garagem, um ou dois filhos em cursos superiores de US$ 20.000 por ano (ensino, alimentação e moradia — tudo o que estiver fora é por fora) e um ex-emprego extinto pela "reengenharia", que agora sobrevive da poupança, de uma segunda e uma terceira hipotecas e ganhos irrisórios como um autodescrito "consultor", se tornou uma figura familiar nos Estados Unidos contemporâneos. Eles ainda enviam currículos às dúzias. Eles ainda se mantém no circuito (isto é, imploram por empregos a qualquer pessoa que conheçam). Eles ainda vestem seus ternos de negócios para ir a almoços de "negócios" com o artigo genuíno ou para visitar agências de emprego, mas, em uma época em que mais de 10% dos formados em Harvard na classe de 1958 estão desempregados, almas menores na mesma posição têm pouco a esperar.
Se o anedotário sentimental é pouco persuasivo, ou parece absurdamente desproporcional quando comparado às dificuldades de, digamos, camponeses indianos endividados, há agora estatísticas que quantificam a decadência de toda a população de onde é extraída a classe dos executivos médios. Os ganhos médios de todos os homens na faixa de 40-54 anos com quatro anos de formação superior — uns dois milhões de americanos, dos quais só 150 mil brancos — realmente atingiram em 1972 o pico de US$ 55 mil em dólares de 1992; eles estagnaram ao longo de três ciclos econômicos até 1989, antes de declinar rapidamente para US$ 41.898 em 1992. Por outros indicadores nós sabemos que esses números revelam dois fenômenos que são igualmente inéditos na experiência americana: nessa mesma população, a renda total combinada do 1% mais rico de todos os que recebem alguma remuneração teve um crescimento sensacional, e o total combinado dos 80% mais pobres caiu radicalmente. De novo, isso implica de um modo ou de outro um quantum mais que proporcional de deslocamento. Nem é preciso dizer que as vidas profissionais individuais não podem ser deslocadas sem causar danos a famílias, filiações e comunidades eletivas — todo o musgo de relações humanas que só pode crescer sobre as pedras da estabilidade econômica. Finalmente, é inteiramente certo que o que já aconteceu nos Estados Unidos está acontecendo ou vai acontecer em todas as demais economias avançadas, porque todas elas estão expostas às mesmas forças.
Nesta situação, o que a direita moderada — republicanos convencionais dos EUA, tories britânicos e todos os seus correspondentes em outros lugares — têm a oferecer? Só mais livre comércio e globalização, mais desregulação e mudança estrutural, portanto mais deslocamento de vidas e relações sociais. É engraçado, mas só um pouco, que nos dias de hoje o discurso-padrão do horário nobre dos republicanos/fortes seja um tema em duas partes, no qual a parte um celebra as virtudes da competição desenfreada e da mudança estrutural dinâmica, enquanto a parte dois lamenta o declínio dos "valores" da família e da comunidade que foram erodidos precisamente pelas forças elogiadas na parte um. Assim, no presente, o coração das crenças republicanas/tories é uma perfeita descontinuidade. E o que a esquerda moderada tem a oferecer? Só mais redistribuição, mais assistência pública, e preocupação particularista com grupos particulares que podem reivindicar sua condição de vítimas, do sublime patamar das velhas deficientes negras lésbicas até os simplesmente pobres.
Portanto, nem a direita moderada nem a esquerda moderada nem mesmo reconhecem, muito menos oferecem alguma solução para o problema central de nossos dias: a insegurança econômica pessoal completamente inédita da massa trabalhadora, dos trabalhadores industriais e burocráticos de colarinho branco até os executivos médios. Nenhum deles é pobre e, portanto, não podem beneficiar-se dos pagamentos de seguridade mais generosos que a esquerda moderada está inclinada a oferecer. Nem eles têm particularmente inveja dos ricos, e portanto tendem a estar desinteressados em redistribuição. Poucos deles estão realmente desempregados, e portanto eles estão imunes às promessas republicanas/tories de mais crescimento e mais empregos por meio da mágica do mercado sem freios: o que eles querem é segurança nos empregos que já têm — isto é, precisamente o que o mercado sem freios ameaça.
Um vasto espaço político é assim deixado vazio pela descontinuidade republicana/tory, por um lado, e pelo particularismo e assistencialismo da esquerda moderada, por outro. Foi este o espaço ocupado por algum tempo nos EUA pelos caprichos eleitorais de Ross Perot em 1992, e que os excessos bizarros de Zhirinovsky estão agora ocupando nas condições peculiares da Rússia, onde a insegurança econômica pessoal é o único problema que conta para a maioria das pessoas (talvez sejam raros os ex-professores de marxismo-leninismo residentes em Latvia que perderam simultaneamente seus empregos, profissões e nacionalidades, mas a maioria dos russos que ainda trabalham enfrenta agora no mínimo a ameaça iminente de perder o emprego). E esse é o espaço que permanece completamente aberto para um partido fascista melhorado, voltado ao fortalecimento da segurança econômica pessoal das amplas massas de trabalhadores (principalmente) de colarinho branco. Um tal partido poderia mesmo estar tão livre de racismo quanto o original de Mussolini estava até a aliança com Hitler, porque o que ele teria realmente a oferecer seriam restrições corporativistas ao darwinismo corporativo, e barreiras dilatórias, se não impeditivas, contra a globalização. Não é necessário saber como soletrar Gemeinschaft e Gesellschaft para reconhecer a predisposição fascista engendrada pelo capitalismo turbinado de hoje.