O debate sobre a possibilidade de cálculo econômico racional em um sistema econômico socialista, definido como aquele no qual os meios de produção são de propriedade pública, foi efetivamente iniciado por Barone em 1908; ganhou força depois na literatura econômica alemã durante a década de 1920, mas foi continuado na literatura inglesa durante a década de 1930; depois disso, desapareceu na década de 1940, após o artigo de Bergson em 1948.5 Os dois lados principais do debate eram os economistas da escola austríaca, que negavam a possibilidade do cálculo racional sob o socialismo, e os economistas socialistas que pensavam dentro do paradigma neoclássico, mas que defendiam que tal cálculo era possível.
Subjacente ao debate não se encontravam apenas diferentes visões sobre qual sistema, capitalismo ou socialismo, seria desejável, mas também diferentes abordagens epistemológicas e metodológicas. Essas diferenças de abordagem ficaram, no entanto, amplamente implícitas na época; argumentou-se, ademais, que a corrente austríaca enquanto tal apenas se cristalizou como resultado do próprio debate e da reflexão subsequente sobre ele.6
No paradigma neoclássico, o conhecimento é conceituado como objetivo; as possibilidades de produção, os custos e as receitas são tomados como restrições objetivamente conhecidas, ou seja, como dadas para os agentes econômicos que tomam decisões maximizadoras. Na escola austríaca, pelo contrário, o conhecimento é conceituado como subjetivo. Em vez de ser acolhido como dado para o propósito da tomada de decisões, ele, enquanto conhecimento subjetivo – ou "tácito" –, deve ser descoberto por meio da ação, por meio da atividade empreendedora e competitiva no próprio mercado.
A ênfase na centralidade do processo de "descoberta" é a marca registrada da moderna escola austríaca e a base de sua posição reformulada no debate sobre a possibilidade de cálculo racional sob o socialismo, retomado nos anos 80. É o fundamento da alegação dos austríacos modernos quanto à impossibilidade de um sistema econômico socialista racional, que este, portanto, possa ser efetivado não apenas na história, mas, mais significativamente, até mesmo de modo teórico.
No debate, o papel do mercado como meio social que torna possível o cálculo econômico racional foi discutido sob três títulos: possibilidade do cálculo, motivação e descoberta. Em 1920, Mises argumentara que o cálculo econômico só é possível em um sistema de livre mercado, baseado na propriedade privada. Eis que é aí que se forma o valor de troca de todos os bens e serviços e se fornece aos agentes econômicos as informações necessárias – na forma de preços – para as suas decisões. 7
Descobriu-se, no entanto, que Barone já havia refutado o argumento de Mises ao demonstrar que uma economia socialista poderia alcançar o mesmo nível de eficiência de sua contraparte capitalista, desde que fosse possível resolver um conjunto de equações simultâneas, baseadas em funções de produção e utilidade, as quais descreveriam supostamente o comportamento interdependente dos agentes econômicos no sistema.8 A contribuição de Hayek, em 1935, em resposta a essa tese tem sido historicamente interpretada como um contra-argumento matemático. Embora a solução analítica de Barone seja concebível em teoria, seria impossível na prática, dada a quantidade de informação que teriam que ser coletadas centralmente e a escala do cálculo necessário para resolver o sistema de equações simultâneas.9 Lange respondeu ao argumento de Hayek produzindo um modelo seminal de socialismo de mercado, baseando-se em modelos descentralizados anteriormente conhecidos. 10
Nesse modelo, o departamento de planejamento central anuncia um conjunto inicial de preços para os bens de produção; os gerentes das empresas estatais tomam esses preços como dados (ou seja, como parâmetros) e seguem a regra de que devem procurar minimizar os custos, definindo o preço como igual ao custo marginal; as empresas contratam mão-de-obra fornecida pelos trabalhadores que buscam maximizar a sua utilidade, vendem mercadorias aos consumidores e estes as compram de acordo com suas demandas, maximizando também utilidade; as empresas compram e vendem bens de produção umas para as outras.
Com base nas informações fornecidas pelas firmas sobre os aumentos ou reduções nos estoques, os quais refletem excesso de oferta ou de demanda de bens de produção, o departamento de planejamento anuncia um novo conjunto de preços para esses bens; esse processo continua por meio de uma série de iterações até que a oferta e a demanda por todos os bens seja equalizada.11
O modelo de Lange incorpora mercados reais para bens de consumo e para a força de trabalho, assim como “falsos mercados de capitais” para bens de produção. Uma vez que o Estado possui os meios de produção, não há renda não auferida e os "lucros" são distribuídos pelo Estado de acordo com critérios democraticamente determinados. O modelo combina a eficiência alocativa do capitalismo idealizado pela teoria neoclássica, o qual é perfeitamente competitivo, mas dá origem a uma distribuição de renda socialista.
Embora a maior parte da discussão nas décadas de 1920 e 1930 tenha sido sobre o problema do cálculo socialista, alguma discussão sobre motivação também ocorreu. Hayek respondeu ao modelo de Lange enfatizando a relação entre propriedade, incentivos e eficiência econômica.12 Entretanto, os seus argumentos não produziram o impacto esperado por ele. No início dos anos 1940, a "avaliação padrão" do debate era que a escola socialista neoclássica tivera sucesso em refutar o desafio austríaco, de tal modo que parecia àqueles que se preocupavam com o tema que a economia socialista era realmente possível.
Foi assim que as coisas permaneceram até a década de 1980, quando a moderna interpretação austríaca do debate começou a desafiar a tese que se tornara padrão. Nesse meio tempo, no entanto, a pesquisa no interior do paradigma neoclássico sobre o chamado problema “agente e principal” já havia começado. Embora não explicitamente relacionado aos modelos de socialismo, ela se tornou a base do tratamento do problema “motivação/incentivo” na pesquisa contemporânea sobre o socialismo de mercado. Um “agente” é uma pessoa que representa os interesses de seu “principal” em troca de uma recompensa; eis que os agentes podem ser gerentes e os principais podem ser diretores, acionistas ou o próprio Estado, embora estritamente falando o próprio Estado seja um agente para seu principal, a “sociedade”. Em um contexto de informação assimétrica, como aqueles que estão na posição de “principal” não possuem toda a informação disponível aos agentes, surge um problema de monitoramento. Os diretores em geral são incapazes de dizer se seus agentes estão atuando, em seu próprio nome, da maneira mais eficiente possível; eis que agentes podem tirar proveito dessa incerteza e perseguir os seus próprios interesses, que não são aqueles dos diretores.
O problema “agente e principal” aparece prontamente em qualquer modelo de socialismo descentralizado, pensado por meio da teoria neoclássica. Como o centro do sistema não pode monitorar perfeitamente o que cada empresa socialista faz, problemas de incentivo podem surgir. A dificuldade para o centro, então, é encontrar um esquema contratual ótimo entre si mesmo e a empresa ou, então, criar um conjunto de parâmetros que a empresa tem de tomar como dado. Estes parâmetros induziriam a empresa a se comportar de tal maneira que, ao maximizar os seus próprios interesses, atuasse também para a obtenção da máxima eficiência do ponto de vista social.
Deve-se notar que essa relação “agente e principal” é simétrica para as economias socialista e capitalista corporativa. O problema com o qual o principal socialista – o centro – tem que lidar é estruturalmente o mesmo que o enfrentado pelo principal capitalista – o acionista –, a saber, como induzir os seus agentes a agir adequadamente na busca de seus interesses. Existe agora uma literatura significativa sobre o desenho de mecanismos de “incentivos compatíveis” que atingem esse objetivo em maior ou menor extensão.13
No entanto, embora o problema seja estruturalmente o mesmo, ainda existe a questão de saber se o centro teria um incentivo igual ou semelhante ao dos acionistas para projetar e implementar mecanismos que sejam “compatíveis”. Como observado acima, os verdadeiros princípios socialistas implicam, estritamente falando, que as pessoas se consideram como constituintes da sociedade – e não como indivíduos. Tem sido argumentado, ademais, que os membros individuais da sociedade carecem do conhecimento que lhes permitiria monitorar o centro. Além disso, eles não têm incentivo para adquirir tal conhecimento, uma vez que o esforço envolvido seria desproporcional à diferença que a ação de qualquer indivíduo poderia fazer e, portanto, ao retorno que pudessem receber. Assim, as pessoas tenderiam a escapar dessa tarefa, já que todos confiariam em todos os outros e, consequentemente, não haveria assim qualquer monitoramento efetivo.
É sabido que os economistas neoclássicos vêm investigando precisamente esse problema no contexto do capitalismo corporativo. Talvez seja verdade que os eleitores individuais, em um contexto de socialismo de mercado, tenderiam a “pegar carona” nos “outros”, em vez de monitorar ativamente o centro. Ocorre que os resultados da teoria aplicadas aos mercados de capitais sugerem que os acionistas de uma empresa capitalista corporativa tender a ter um comportamento semelhante. Os acionistas que possuem frações insignificantes do total de ações de uma empresa têm pouco incentivo para monitorar o seu desempenho. Como Stiglitz bem coloca, “sempre há algum custo associado tanto à obtenção de informações para determinar se um gerente é um bom gerente, quanto para avaliar equipes alternativas de gerenciamento, em outras palavras, para votar de maneira inteligente, pois o benefício é bem insignificante”. 14
Assim, igualmente, os cidadãos socialistas e os acionistas capitalistas não têm incentivos para monitorar seus agentes. Em uma economia capitalista, uma solução possível para esse problema é fornecida pelas instituições financeiras intermediárias, as quais desempenham um papel positivo ao monitorar os administradores em nome dos acionistas. As instituições financeiras podem monitorar o desempenho gerencial e intervir em assembleias de acionistas ou em oferta pública de ações, embora a evidência empírica sugira que o mercado de controle corporativo está longe de ser eficiente.15 No entanto, se o monitoramento pelas instituições financeiras é possível em uma economia capitalista, é igualmente possível criar instituições intermediárias comparáveis em uma economia socialista de mercado.16
Assim, mesmo no interior do paradigma neoclássico, usualmente aplicado a uma economia capitalista corporativa, não há apoio teórico convincente para o argumento de que a propriedade privada é mais eficiente intrinsecamente ao lidar com o problema do “agente e principal” que, aliás, não deveria existir no caso da propriedade pública socialista. Em relação ao cálculo e à motivação, o socialismo de mercado neoclássico é teoricamente pelo menos tão eficiente quanto o capitalismo corporativo sob a ótica neoclássica.
No entanto, o desafio original à possibilidade do socialismo racional veio de Mises e Hayek, dois membros proeminentes da escola austríaca – que não é, como se sabe, neoclássica. Embora no debate histórico eles tenham focalizado também os problemas do cálculo e da motivação, a característica definidora da escola austríaca é seu conceito subjetivo de conhecimento e a consequente centralidade do processo de descoberta por meio da atividade empreendedora. Embora tenha sido afirmado por Dan Lavoie que a descoberta inerente ao processo de mercado estava já implícita nas contribuições dos anos 1920 e 1930 de Mises e Hayek,17 a completa articulação e expressão da questão da “descoberta” – assim como o desafio que apresenta à possibilidade do socialismo – foram desenvolvidos pelo revivescimento da escola austríaca moderna no debate nos anos oitenta.
Segundo a escola austríaca, tal como ela se cristalizou atualmente, o problema econômico não é, como sustenta a escola neoclássica, simplesmente uma questão de como alocar recursos limitados entre usos alternativos que são buscados por desejos ilimitados; ao contrário, o problema é como o conhecimento subjetivo, ou tácito, necessariamente fragmentado e disperso, pode ser socialmente mobilizado. Hayek expressa o argumento austríaco sobre a impossibilidade de uma análise objetiva dos dados existentes como se segue:
A resposta austríaca é que a mobilização e coordenação destes conhecimentos incompletos e contraditórios ocorrem por meio das ações de empreendedores, competindo uns contra os outros no processo de mercado, descobrindo e aprendendo o que é e o que não é possível.19 Assim, no cenário da teoria austríaca, o nexo entre meios e fins da vida econômica não é predeterminado, mas está sujeito à ação criativa dos participantes do mercado. Assim, o problema econômico é considerado, não como otimizar o uso dos recursos disponíveis, mas como otimizar o uso do conhecimento.
Embora a natureza tácita do conhecimento e o processo de descoberta e, assim, de aprendizagem sejam centrais para todos os membros da escola austríaca, há alguma diferença nas visões dos autores que a ela pertencem. Como McNulty assinalou, enquanto o empreendedor misesiano e kirzneriano detecta e explora as oportunidades que os outros não perceberam dentro do leque existente das atividades econômicas, desempenhando, assim, um papel equilibrador, o empresário schumpeteriano desempenha um papel diferente, ou seja, desequilibrador, que interrompe o rol das atividades existentes e cria novas por meio da inovação. No processo de mercado, os dois tipos de empreendedores se complementam – um deles cria a mudança, o outro responde a ela. 20
O papel do cálculo (ou da computação) e da motivação (ou do incentivo) do mecanismo de mercado são comuns às escolas neoclássica e austríaca. O papel da descoberta e da aprendizagem, no entanto, é distintiva da escola austríaca. O processo cognitivo de descoberta inerente aos mercados é visto, tal como o processo do discurso humano por meio da linguagem, como um processo intrinsecamente social:
É essa função de descoberta e de aprendizado, inerente como tal ao processo de mercado, o ponto crucial da escola austríaca, que, ademais, nitidamente a afasta da perspectiva neoclássica. Ele sustenta a afirmação da escola austríaca de que o socialismo de mercado postulado pela teoria neoclássica, assim como o planejamento central que defende, é impossível ou irracional, já que a descoberta e a mobilização eficientes do conhecimento subjetivo, necessariamente disperso, requerem um processo de mercado baseado na propriedade privada dos meios de produção.
Don Lavoie argumenta que os empreendedores, motivados por incentivos privados, direcionam os seus esforços para a obtenção de lucros potenciais e, ao fazê-lo, utilizam os seus conhecimentos dispersos para descobrir novas oportunidades: “O papel dos lucros não é primariamente motivar as pessoas a fazerem a coisa certa, mas consiste apenas em induzir a descoberta, por meio do próprio processo de interação mercantil, daquela coisa certa que deve ser feita. 22 A propriedade privada, segundo eles, não apenas induz tal esforço, mas também – e ainda mais importante – é uma condição necessária para que descoberta ocorra.
Agora, enquanto a objeção epistemológica austríaca ao paradigma neoclássico e, portanto, ipso facto ao socialismo neoclássico, pode ser convincente, isso ainda não estabelece a afirmação mais forte de que todas as formas de socialismo, por si só, são ineficientes. Portanto, o argumento de Janos Kornai de que há uma “afinidade” entre a propriedade privada e o processo de mercado deve ser aceito.23 Se o argumento de que a descoberta e o aprendizado só podem ocorrer por meio das operações inerentes ao processo de mercado – e que esse processo requer a propriedade privada – fosse verdadeiro, ele seria uma refutação convincente da possibilidade de toda forma possível de socialismo de mercado.
No entanto, mesmo aceitando esse argumento incorreto, a afirmação dos economistas austríacos acerca da superioridade do capitalismo só seria relevante no caso em que os empreendedores privados usassem apenas o seu próprio capital ou empregassem capital para o seu próprio uso. O caso do capitalismo corporativo moderno, no qual surge a questão da relação entre proprietários de capital como acionistas e atividade empreendedora dos gerentes, não tem sido amplamente explorado pelos austríacos.24 Isso abriu espaço para a construção de modelos do que pode ser chamado de "socialismo de mercado austríaco", que incorpora o empreendedorismo e o mercado de capitais com a finalidade precípua de resolver assim o problema da descoberta.
Qualquer modelo de economia socialista deve lidar com os problemas relativos ao cálculo, à motivação e à descoberta das informações. O modelo soviético de planejamento centralizado e de comando administrativo acabou falhando em cada um desses três rótulos. Dentro do paradigma neoclássico, estabeleceu-se que os problemas do cálculo e da motivação podem ser devidamente tratados, isto é, dentro do critério da eficiência, com base tanto em empresas estatais como em base de empresas privadas. Dentro do paradigma austríaco, como vimos, o foco está na motivação e, acima de tudo, na descoberta. Em nossa opinião, a crítica austríaca do paradigma neoclássico e, com ele, do socialismo de mercado neoclássico – e, a fortiori, do planejamento central neoclássico – é esmagadora. O processo de mercado do capitalismo, tal como é apreendido pela teoria neoclássica, é essencialmente uma metáfora ruim que visa permitir apenas a análise dos estados de equilíbrio, assim como das propriedades estáticas do estado de bem-estar. O paradigma neoclássico nada contribui para uma compreensão do modo de operar do processo de mercado do capitalismo, assim como dos processos de mercado em geral.
A escola austríaca, ao contrário, oferece esclarecimentos efetivos sobre a operação das forças reais que operam no mercado capitalista, tais como conhecimento imperfeito, incerteza, mudança contínua, desequilíbrio endêmico e um processo infindável de descobertas. Qualquer modelo de economia socialista deve ser capaz de enfrentar o desafio austríaco, o qual foi reforçado pelo peso da experiência histórica. Eis que diz que o socialismo – e, assim, os modelos ou as sociedades reais que se pretendem socialistas – não é capaz de mobilizar e organizar de modo eficiente indivíduos dispersos, que formam crenças pessoais e subjetivas na experiência prática, chegando apenas a deter um conhecimento incompleto e contraditório das condições da própria ação.
No entanto, embora a visão austríaca seja obstinadamente insistente, ela é incompleta. O compromisso ideológico da escola austríaca com a propriedade privada e as forças de mercado a leva a subestimar a relevância de uma terceira – ainda que menor – contribuição para o debate histórico do cálculo econômico socialista, aquela que foi formulada por Maurice Dobb.
Dobb insistiu que o planejamento econômico, que visa sempre a coordenação ex-ante de grandes investimentos interdependentes, é uma característica definidora de economia socialista e é incompatível com a propriedade privada.25 Ele criticou os modelos descentralizados dos socialistas de mercado neoclássicos, alegando que eles procuravam meramente imitar o capitalismo tal como visto pelo prisma neoclássico – mas não em desenvolver um sistema qualitativamente novo. No entanto, sua contribuição foi amplamente ignorada pelos outros participantes do debate.
O argumento de Dobb era de que os economistas socialistas neoclássicos, tendo definido o socialismo apenas com base na propriedade legal dos meios de produção, estavam preocupados com a questão de alocar uma dada quantidade de recursos escassos entre vários usos alternativos. Eles se concentraram nas condições marginais para o equilíbrio estacionário e deram pouca ou nenhuma atenção aos problemas de coordenação e aos caminhos do crescimento de longo prazo. Dobb recusou-se a aceitar que a estrutura do debate deveria ser aquela estabelecida pelo problema da escassez e da necessidade de se chegar a uma avaliação relativa das alternativas para otimizar o uso de recursos escassos.
Criticou, então, os modelos descentralizados do tipo proposto por Lange por sua confiança no mecanismo de mercado, argumentando que “aqueles que sonham em casar o coletivismo com a anarquia econômica não devem, de qualquer modo, fingir que a descendência desse estranho casamento herdará apenas as virtudes do pais mal casados”. 26 Para Dobb, a capacidade de planejar a atividade econômica era a principal diferença entre uma economia de mercado capitalista e um sistema socialista. Segundo ele, “o contraste essencial se dá entre um sistema econômico em que as decisões multifacetadas, que regem a produção, são tomadas cada uma ignorando todas as outras e um sistema alternativo em que tais decisões são coordenadas e unificadas”. 27
O ponto defendido por Dobb dizia que o planejamento econômico permitiria que
os dois principais inconvenientes do mecanismo de mercado – as instabilidades e as
externalidades – fossem superados. Ele sustentou que o desequilíbrio em uma
economia de mercado só é corrigido após o evento, com a consequência de que as
flutuações econômicas são endêmicas e os recursos desperdiçados, enquanto o
planejamento econômico permitiria que decisões, especialmente aquelas relacionadas
a grandes investimentos interdependentes, fossem coordenadas antes de qualquer
comprometimento dos recursos.
Tal como Dobb admitiu, essa coordenação ex-ante traria doistipos de vantagens.
Primeiro, numa economia não planejada, o equilíbrio de mercado “só é alcançado por
meio de flutuações incessantes, que são elas próprias condicionadas pelas incertezas
inerentes à própria produção mercantil, pois cada decisão autônoma aí é
necessariamente ‘cega’ em relação às decisões relacionadas”;1
já o planejamento
permite que as incertezas decorrentes da natureza atomizada das tomadas de decisão
individual sejam superadas. Em segundo lugar, o planejamento permite que as
externalidades sejam levadas em consideração explicitamente e que as decisões interrelacionadas, como as que envolvem a infraestrutura, sejam coordenadas antes de
serem implementadas.
Finalmente, Dobb argumentou que, com o planejamento, aquilo que aparece
como “dado” no problema estático pode ser convertido em “variável” em uma estrutura
dinâmica. Assim, seria possível tomar decisões sociais conscientes, não apenas sobre a
taxa global de investimento, mas também sobre a distribuição do investimento entre
indústria de bens de capital e de bens de consumo, sobre a escolha de técnicas, quanto
a distribuição regional do investimento e assim por diante.
Foi visto que, durante o debate histórico, tanto os austríacos quanto Dobb
criticaram a escola neoclássica do socialismo de mercado, embora a partir de diferentes
perspectivas. Do ponto de vista de Dobb, a forma organizacional atomista de uma
suposta economia de mercado necessariamente gera imperfeições de conhecimento.
Argumentou, por isso mesmo, que essas imperfeições poderiam ser remediadas por
uma agência de planejamento. Ele não abordou, entretanto, a percepção austríaca
moderna do processo de descoberta e de aprendizagem por meio do qual o
conhecimento tácito é socialmente mobilizado.
De acordo com a escola austríaca, em contraste, esse processo de descoberta e
aprendizado requer necessariamente a atuação de empresários no mercado. Os
austríacos aceitam que o atomismo característico da forma organizacional do
mecanismo de mercado gera imperfeições de conhecimento, mas afirmam, nas palavras
de Israel Kirzner, que “descrever o processo competitivo como desperdiçador porque
corrige os erros somente depois que eles ocorreram parece similar a atribuir a doença
ao remédio que produz a cura, ou até mesmo culpar o procedimento diagnóstico pela
doença que ele identifica.2
A relevância do debate do cálculo econômico socialista para o socialismo
contemporâneo vem das questões teóricas que levanta. Uma maneira de caracterizálas consiste em considerar dois tipos de imperfeições de conhecimento que devem ser
levados em conta quando se pensa em sistemas econômicos alternativos: aquelas
geradas pela natureza tácita do conhecimento disperso e aquelas geradas pela forma
atomística inerente à organização do mercado.
Com base nessa classificação, três abordagens alternativas que visam ou não
esses dois tipos de imperfeição podem ser identificadas no debate. A escola neoclássica
desconhece as duas formas de imperfeição.3 A escola austríaca admite a existência de
ambos os tipos, mas argumenta que a descoberta e mobilização de conhecimento tácito
por meio do processo de mercado requerem ação autônoma por parte dos agentes
econômicos. Ora, isso impossibilita qualquer tentativa de coordenação ex-ante a fim de
lidar com o segundo tipo de imperfeição. Finalmente, Dobb defende a coordenação exante da atividade econômica para lidar com as imperfeições do conhecimento intrínseco
ao processo de mercado, mas não reconhece a natureza tácita da informação.
A análise até agora feita sugere que os modelos de economia socialista devem
ser avaliados em termos (i) de sua capacidade de lidar com as questões do cálculo, da
motivação e da descoberta, e (ii) da forma como lidam com as imperfeições do
conhecimento que surgem da natureza tácita do conhecimento e da tomada de decisão
atomizada que caracteriza o mecanismo de mercado. Se partirmos do pressuposto que
o socialismo requer alguma forma de propriedade não capitalista, podemos identificar
três candidatos contemporâneos ao posto de melhor alternativa ao capitalismo: os
modelos de socialismo de mercado que envolvem mercados reais, em oposição ao que
se pode denominar de falsos mercados; os modelos baseados em cálculo direto, sem
mercados reais; e um modelo de planejamento participativo, no qual as forças de mercado são substituídas por uma combinação de mercado de trocas reais e de
coordenação ex-ante dos grandes investimentos por meio de um processo de tomada
de decisão participativo.
Contendentes contemporâneos: o socialismo de mercado
Os modelos contemporâneos de socialismo de mercado são baseados em
empresas estatais ou em empresas pertencentes a várias instituições não estatais, mas
não privadas, ou mesmo cooperativas de trabalhadores. Essas empresas operam em
mercados reais de produtos e, às vezes, também em mercados reais de capital. Eles
buscam combinar a eficiência supostamente inerente aos mercados com uma igualdade
de renda associada aos valores socialistas. Nossa avaliação desses modelos enfocará a
eficiência no uso do estoque de capital existente, a eficiência na alocação do
investimento e a extensão em que os modelos incorporam considerações sociais mais
amplas.
Sob cada um desses títulos, distinguiremos aqui os modelos que estão
essencialmente dentro do paradigma neoclássico com relação aos seus pressupostos
epistemológicos e metodológicos e aqueles que se enquadram no paradigma austríaco.
Como regra geral, os modelos que reconhecem implícita ou explicitamente o problema
da descoberta por meio da atividade empreendedora, podem eles ser caracterizados
como tipos de um socialismo de mercado austríaco. Por outro lado, aqueles que não
reconhecem esse problema podem identificados como tipos de um socialismo de
mercado neoclássico4
.
Eficiência no uso do estoque de capital existente
As questões que surgem aqui dizem respeito ao cálculo, à motivação e ao
problema associado de “agente e principal”. O modelo de “socialismo viável” de Alec
Nove, talvez o mais célebre modelo de socialismo de mercado depois do modelo de
Oskar Lange, prevê uma economia em lenta mudança na qual as empresas satisfazem
as demandas de mercado com a capacidade pré-existente, procurando fazer
investimentos incrementais, os quais são financiados pelos lucros retidos ou por
créditos bancários. Elas, em suma, procuram sempre se adaptar às lentas mudanças na
demanda e na tecnologia.5 Os preços emergentes nos mercados competitivos fornecem
a base para o cálculo racional e esses próprios mercados fornecem a motivação para a
eficiência.
O modelo de Nove cai essencialmente dentro do paradigma neoclássico, uma
vez que o seu foco está no ajuste marginal, sem que seja atribuído qualquer papel para
empreendedorismo ou para descoberta de informações. Assume-se que as maiores
mudanças e os investimentos não marginais, juntamente com a regulação do
comportamento empresarial, são feitos pelo Estado. Não há, entretanto, qualquer
discussão de como isso deve ser feito ou como o conhecimento necessário às tomadas de decisões vem a ser descoberto. Assim, o problema de “agente e principal” não é
discutido e o desafio teórico austríaco não é enfrentado. Além disso, as lições da
experiência histórica em relação às tentativas reais de implementar versões do
socialismo de mercado são, na maior parte, ignoradas.6
A maior parte dos trabalhos sobre o socialismo de mercado após o de Nove são
denominados por Bardhan e Roemer como "modelos de quinta geração".
7 Eles se
preocupam em analisar as propriedades de eficiência de uma economia composta por
empresas não privadas que maximizam o lucro dentro de uma estrutura econômica
concebida nos moldes da teoria neoclássica. Uma característica distintiva dessa geração
de modelos é a aceitação do problema de “agente e principal” como uma dificuldade
central que os socialistas de mercado precisam enfrentar. Trata-se, então, de pensar as
várias formas de alocar direitos de propriedade de tal modo que pessoas auto
interessadas ou mesmo egoístas possam atuar de maneira que resulte em um uso
eficiente dos recursos.8 Deve-se notar que, dentro do paradigma neoclássico, o conceito
de eficiência utilizado é o de “ótimo de Pareto”. Este, como se sabe, advém de uma
definição técnica que se refere a uma situação em que, dadas certas suposições
altamente restritivas, a utilidade de uma pessoa não pode ser aumentada sem que a
utilidade de qualquer outra seja diminuída.
O modelo neoclássico atual mais cristalizado de socialismo de mercado é o de
Bardhan e Roemer. Nele, o problema sobre como o principal pode monitorar o agente
é explicitamente abordado.9 Eles propõem dois mecanismos, os quais conscientemente simulam os arranjos institucionais para disciplinar os administradores mais comuns
encontrados no próprio capitalismo: o monitoramento centrado em bancos e um falso
mercado de capitais.
O mecanismo centrado em bancos, que, aliás, tem muito em comum com a
organização japonesa do “keiretsu”, consiste em formar um grupo corporativo que tem
em seu núcleo um banco público como principal. As firmas que atuam como membros
desse grupo são sociedades anônimas. Uma minoria das ações é de propriedade dos
trabalhadores da empresa, pois o restante delas pertence ao banco nuclear do grupo,
às outras empresas do grupo e à terceiros fora do grupo, tais como outras empresas,
fundos de pensão ou governos locais. O banco nuclear é de propriedade do Estado, com
participação majoritária de outras instituições financeiras. Assim, as empresas não
seriam de propriedade direta do Estado, mas apenas indiretamente por meio do banco
nuclear e de outras empresas do grupo.
O monitoramento seria realizado principalmente pelo banco nuclear, mas
também pelos outros membros do grupo. Em geral, o grupo seria tecnologicamente
inter-relacionado, de modo que, entre outras coisas, o banco nuclear “poderia se
especializar em alguma área tecnológica relativamente estreita e bem definida, com o
objetivo de monitorar e examinar seus empréstimos e participações acionárias nas
empresas associadas”.
10
O monitoramento seria eficaz, uma vez que tanto o banco nuclear quanto as
outras empresas do grupo deteriam a maior participação, assim como mais informações
"internas" sobre cada uma das empresas do que acionistas ordinários em um sistema
centrado no mercado de ações. Esse sistema, ademais, seria capaz de detectar e de agir
com base nos primeiros sinais de futuros problemas mais facilmente do que um corpo
difuso de acionistas. Além disso, ele seria mais propenso a ter uma visão mais ampla em
matéria de riscos e de inovações”.11
Esse sistema seria capaz de monitorar efetivamente os agentes, mas teria ele
também suficiente incentivo para fazer isso? O argumento deles é que eles o teriam,
porque todas as firmas do grupo estariam interessadas no retorno de suas participações
umas nas outras e o banco nuclear “desejaria manter sua reputação de credibilidade
como monitor delegado em um sistema de monitoramento por delegação recíproca
com um pequeno número de outros bancos. Ele “não desejaria perder o ativo intangível
que acumulara especificamente em seu relacionamento de longo prazo com as
empresas afiliadas”.
12
Modelos alternativos
O segundo mecanismo de monitoramento proposto vem a ser um falso mercado de capitais, ou seja, um “mercado de conchas”. De início, todos os cidadãos recebem uma dotação inicial igual de senhas, que só podem ser usadas para comprar ações de empresas, denominadas não em dinheiro, mas em cupons – ou em conchas. As ações não podem ser compradas ou vendidas por dinheiro, pois apenas podem ser negociadas a preços expressos em cupons. A participação acionária implica em um direito a uma parcela dos lucros da empresa. Os preços em cupons das participações, portanto, oscilarão tal como os preços das ações nas bolsas de valores capitalistas. As ações de empresas cuja administração está tendo um desempenho ruim, com consequentes lucros baixos, serão vendidas e seu preço em cupons cairá, e vice-versa. Assim, esse falso mercado de capitais “forneceria os mesmos sinais que fornece um mercado de ações capitalista”. 13
O monitoramento com base nesses sinais seria realizado pelo sistema bancário. As empresas são financiadas neste sistema por empréstimos de bancos públicos. Este mercado de conchas não é uma fonte de financiamento de capital, mas apenas um mercado de direitos de propriedade sobre os lucros das empresas. Se o preço em cupons relativo à participação em uma empresa começar a cair, os bancos teriam um incentivo para investigar o desempenho da administração da empresa, a fim de garantir que ela permanecesse suficientemente lucrativa para pagar seus empréstimos aos bancos.
É certo que o sistema de conchas poderia ser combinado com o monitoramento interno feito a partir do sistema “keiretsu”, centrado nos bancos. Eis que os sinais dados pelos preços em cupons referentes às ações podem influenciar a intensidade do monitoramento interno que é feito pelo banco nuclear. Assim, “poder-se-ia projetar um sistema que permitisse graus variados de influência de tal mercado de ações na alocação de capital e no monitoramento da empresa, dependendo da visão que se possa tersobre a eficiência desse mercado acionário. 14
Bardhan e Roemer reconhecem que em ambos os sistemas a questão da relação entre o Estado e os bancos continua sendo um problema. Eles consideram que a questão central é se os bancos teriam independência suficiente do Estado para poder agir com base em critérios econômicos – e não em critérios políticos. Argumentam, no entanto, que o modelo por eles proposto teria sucesso em remover as empresas da órbita do Estado sem conceder aos cidadãos individuais direitos desenfreados de propriedade privada.
As participações acionárias referente ao banco nuclear e as participações acionárias interligadas das empresas que participam de um grupo corporativo proporcionariam um amortecedor contra a influência política direta nas atividades das empresas. As ações do banco nuclear mantidas por outros bancos e instituições financeiras, ainda que minoritárias, tornariam mais difícil para o Estado pressionar o banco. Mesmo assim, Bardhan e Roemer recomendam que seja criada uma norma constitucional que limite estritamente as circunstâncias em que o Estado poderia usar sua participação majoritária para intervir nas operações dos bancos.
De modo paralelo a esses modelos baseados em formas de propriedade nãoestatais e não privadas, há um grupo de modelos baseados em cooperativas de trabalhadores ou em empresas administradas por eles. A análise neoclássica inicial da empresa administrada pelos trabalhadores identificou várias ineficiências decorrentes da suposição de que os trabalhadores buscam maximizar a renda por trabalhador enquanto os capitalistas maximizam os lucros.15
Os modelos contemporâneos dessa tradição se preocuparam em mostrar como essas ineficiências podiam ser superadas. Sertel demonstrou que as ineficiências não surgem quando um mercado de direitos de participação é introduzido, caso em que o comportamento de uma empresa administrada por trabalhadores torna-se idêntico ao de sua equivalente capitalista.16 Fleurbaey propõe um modelo baseado na democracia no local de trabalho no qual o financiamento externo indireto – com base na poupança doméstica canalizada por meio do sistema bancário – permite que a maioria das ineficiências tradicionais seja superada.17 Weisskopf desenvolve um modelo no qual as empresas autogeridas por trabalhadores obtêm ativos por meio da venda, entre outras coisas, de ações negociáveis sem direito a voto para fundos mútuos independentes. Então, analisa as propriedades de eficiência do modelo e conclui que:
é possível responder às várias linhas de crítica de modo a diminuir consideravelmente a força do argumento de que o modelo de socialismo de mercado que advogo será ineficiente. Não pretendo sugerir que será tão eficiente (por critérios convencionais de eficiência) quanto um modelo capitalista. Contra qualquer desvantagem de eficiência restante..., porém, deve ser levado em conta não apenas as suas contribuições para... os objetivos socialistas..., mas também certas vantagens de eficiência compensatórias.18
A conclusão de Weisskopf encapsula a essência da abordagem neoclássica do socialismo de mercado – esta analisa diferentes modos de alocar direitos de propriedade para contrariar o comportamento oportunista, voltado para o próprio interesse – e não da sociedade como um todo. Para tanto, cria modelos de acordos contratuais que são eficientes no sentido de Pareto. Os socialistas de mercado neoclássicos têm sido mais ou menos bem-sucedidos ao lidar, em seus próprios termos, com as questões do cálculo e da motivação em relação ao uso eficiente (no sentido de Pareto) do capital existente, mas não são capazes de abordar minimamente a questão da descoberta. Nem é de modo algum evidente, mesmo em princípio, que eles poderiam fazê-lo.
Contudo, há o modelo de Tidor Liska que procura lidar com a questão da descoberta no contexto do emprego da capacidade existente. E ele poderia ser considerado como um primeiro a ser classificado como modelo de socialismo de mercado austríaco. Esse autor procura substituir o “gerente socialista” pelo “empresário socialista”. O seu modelo se baseia na ideia de alugar unidades de produção de propriedade estatal a empresários privados por meio de um processo de licitação competitiva.19
Nessa proposta, o Estado possui os meios de produção existentes e toma decisões sobre investimentos. Mas os licitantes capazes de fazer os maiores lances decidem como os meios de produção existentes devem ser usados e o fazem com base em suas expectativas iniciais e no que eles descobrem ao empregá-los na produção. Quando o contrato expira, o processo de licitação é repetido e o empreendedor em operação deve ser capaz de fazer o lance mais alto ou deixar o negócio porque outro licitante foi capaz de fazer um lance vencedor. A ênfase está, portanto, nos "recursos humanos" dos empreendedores; ao final, são destes que resultam – supõe-se – um ganho excedente residual que os remunera. Assim, o modelo pode ser interpretado como uma tentativa de assegurar que a produção estatal e as unidades de produção sejam usadas de um modo empresarial de tal modo que o uso mais eficiente dos recursos é descoberto na prática.
Eficiência na alocação do investimento
No entanto, embora o modelo de Liska aborde a questão da descoberta no contexto do uso da capacidade existente, como tal ela só pode surgir como uma questão fundamental quando as decisões de investimento são tomadas num contexto de mudança e incerteza radical. É por isso que os modelos neoclássicos do socialismo de mercado, dominados pela análise das propriedades de eficiência dos estados de equilíbrio em condições de certeza ou de risco calculável são incapazes de responder ao desafio austríaco moderno. Ora, este último, abraçando a incerteza radical, está mais preocupado com os problemas de motivação e da descoberta do que com os problemas de cálculo e motivação.20 A maioria dos modelos neoclássicos de socialismo de mercado simplesmente assume que o padrão de investimento gerado por forças de mercado perfeitamente competitivas é eficiente para, então, explorar as maneiras pelas quais esse padrão pode ser alcançado em uma economia composta por empresas que não são mais privadas.
Apesar disso, existem alguns modelos socialistas de mercado que tentam lidar explicitamente com as questões do empreendedorismo e da descoberta em um contexto dinâmico em que há incerteza. Tais projetos, portanto, podem ser considerados como legítimos modelos austríacos de socialismo de mercado. O modelo de Brus e Laski formula o que eles mesmos chamam de "socialismo de mercado propriamente dito". Eis que procura combinar, “de uma forma ou outra, a propriedade estatal” com “total independência das firmas e um verdadeiro empreendedorismo".
Este último tem de se fazer valer tanto num mercado de capitais real quanto em mercados reais de produtos e de força de trabalho. 21 No entanto, as condições que devem ser satisfeitas para alcançar esse resultado – note-se que o modelo replica de fato o capitalismo – são tais que tornam a retenção formal da propriedade estatal algo bem artificial e redundante. Assim, Brus e Laski concluem que “a lógica pura do mecanismo de mercado em sua completude parece indicar que a empresa não-estatal (ou seja, a empresa privada) vem a ser o constituinte mais natural do setor empresarial".22
Estrin pensa uma economia na qual as cooperativas de trabalhadores autogerenciadas podem tomar capital emprestado de companhias matrizes (holdings). As ações dessas companhias são de propriedade do governo e das próprias empresas autogeridas, mas elas, no entanto, maximizam lucro. Ele argumenta, por um lado, que as forças de trabalho existentes nas empresas autogestionadas devem arcar com os riscos da produção, mas, por outro lado, devem receber quaisquer excedentes residuais. Já a companhias matrizes devem desempenhar a função empreendedora de inovação, pesquisa e desenvolvimento, assim como de pesquisa de mercado. As matrizes administrariam o capital social criando e fechando empresas – no último caso, mesmo quando há oposição dos trabalhadores envolvidos.23
Schweickart propoz um modelo de "democracia econômica" em que a produção é feita por unidades gerenciadas por trabalhadores. Os mercados de bens de consumo e de produção, assim como os investimentos, são socialmente controlados. As empresas competem umas com as outras, obtendo recursos financeiros nos bancos comunitários regionais, e os aplicando em novas oportunidades à medida em que estas vão sendo descobertas. Schweickart afirma que “a democracia econômica prevê e, na verdade, requer a existência de empreendedores socialistas”, isto é, indivíduos ou coletivos dispostos a inovar, a assumir riscos, na esperança de fornecer novos bens e serviços ou ainda bens antigos de novas maneiras”. 24
O que esses modelos austríacos de socialismo de mercado têm em comum é a tentativa de imitar o mais próximo possível as instituições do capitalismo, mesmo se propõem diferentes formas de propriedade não capitalista. Quanto mais se aproximam desse desiderato, quanto mais incorporam um processo de descoberta e de mobilização do conhecimento tácito, mais se afastam da capacidade de lidar com as imperfeições do conhecimento decorrentes da tomada de decisão atomizada, a qual, como se sabe, é inerente ao funcionamento das forças do mercado.
Considerações sociais mais amplas
Os modelos socialistas de mercado enfatizam a eficiência das forças de mercado mesmo se as interpretam de diferentes maneiras. Afirmam que a sua superioridade em relação ao capitalismo está principalmente na distribuição de renda bem mais igualitária, algo que apenas a propriedade não privada torna possível. No entanto, alguns socialistas de mercado também reconhecem que o funcionamento das forças de mercado é caracterizado por problemas de coordenação, externalidades e aversão ao risco. Por conseguinte, procuraram incorporar em seus modelos certas instituições e procedimentos que permitem ter em conta considerações sociais mais amplas do que aquelas que podem ser predicadas do funcionamento não regulamentado das forças do mercado competitivo. 25
Um modelo neoclássico recente de Ortuno-Ortin, Roemer e Silvestre explora maneiras diferentes de impulsionar padrões de investimento politicamente determinados. Isso é feito por meio de incentivos fiscais e taxas de juros que diferem entre setores.26 Desenvolveram um modelo de equilíbrio geral no qual o centro implementa um padrão predeterminado de investimento seja por meio de comandos diretos seja por meio de “planejamento indireto”. Este último é constituído por sinais paramétricos de mercado aos quais as empresas públicas respondem maximizado o lucro.27 Entretanto, o fator crucial a ser notado é que nesse modelo “o poder público tem informações completas sobre a tecnologia das firmas”; em consequência, a crítica austríaca aos pressupostos epistemológicos subjacentes ao paradigma neoclássico aplicam-se com força total.28
As tentativas do socialismo de mercado austríaco de levar em conta considerações sociais mais amplas do que aquelas permitidas pela operação das forças de mercado competitivas foram feitas por, entre outros autores, por Estrin e Winter e por Schweickart.
Estrin e Winter, no contexto de um modelo de empresas autogeridas e de matrizes (holdings) que maximizam lucro – antes desenvolvido por Estrin – defenderam o planejamento indicativo para reduzir as imperfeições do conhecimento associadas à coordenação ex-post das decisões atomizadas que resultam do mero funcionamento das forças de mercado.
Schweickart propõe que a taxa global de investimento seja decidida democraticamente por meio do processo político. Os bancos comunitários regionais, então, recebem alocações de parcelas dos fundos de investimento disponíveis para que passem a emprestar às empresas com base nas prioridades sociais acordadas. As empresas gerenciadas pelos trabalhadores, portanto, competiriam por esses fundos de investimento. Os bancos as alocariam principalmente com base na lucratividade esperada, mas também levariam em conta outros critérios politicamente determinados.29
Um modelo relacionado, que busca “a democratização do mercado dentro de uma estrutura de planejamento estratégico” foi proposto por Elson. 30 Essa autora argumenta que o processo de mercado não permite uma reflexão coletiva que ocorra antes da tomada de decisão por parte das unidades produtoras individuais. Como essa última prática fomenta a busca de objetivos individuais às expensas da cooperação de longo prazo, sugere que o mercado deve ser transformado ou "socializado" por novas instituições de regulação e controle democráticos
Em seu modelo, as empresas são de propriedade pública; há representantes dos
consumidores e da comunidade local em seus conselhos, mas elas são autogeridas
internamente. Um órgão “regulador de empresas públicas" desempenha as funções do
mercado de capitais; os preços são fixados por meio de um diálogo entre as empresas e
as “comissões de salários e preços”. Essa configuração, de acordo com Elson, mudaria a
natureza antagônica das relações sociais entre compradores e vendedores, de tal modo
que tornaria o processo de formação de preços mais público do que privado. Além disso,
a operacionalidade do sistema seria reforçada pela criação de “redes de compradores-vendedores”, as quais facilitariam a troca de informações e garantiriam a divulgação de
informações.
Contradições não resolvidas do socialismo de mercado
A maioria dos trabalhos modernos no campo da teoria econômica do socialismo
consiste na elaboração de versões alternativas do socialismo de mercado. No entanto,
a coerência do projeto socialista de mercado tem sido questionada, tanto por aqueles
que acreditam que o capitalismo é intrinsecamente mais eficiente quanto por aqueles
que acreditam que o socialismo envolve necessariamente planejamento econômico. O
objetivo dos socialistas de mercado é combinar igualdade com eficiência, levando em
consideração as considerações sociais mais amplas acima mencionadas. No entanto,
existem tensões não resolvidas, de fato não resolvíveis, dentro do projeto socialista de
mercado.
A fim de alcançar um grau maior de igualdade em relação àquele que se imagina
possível sob o capitalismo, a propriedade privada é substituída nos modelos socialistas
de mercado por várias formas de propriedade não privada. Para evitar as ineficiências
associadas ao planejamento central e ao comando administrativo, ou às intervenções
políticas do Estado, é requerido que as empresas se tornem mais ou menos autônomas.
Assim, as decisões das empresas não privadas que compõem a economia são
coordenadas, em diferentes graus, em diferentes modelos socialistas de mercado, pelas
forças do mercado. No entanto, para que as propriedades de eficiência supostamente
associadas às forças do mercado sejam plenamente realizadas é preciso que as
empresas sejam mais do que autônomas.
Em consequência, a lógica do socialismo de mercado caminha inexoravelmente
na direção do socialismo de mercado austríaco, isto é, do “socialismo de mercado
propriamente dito” de Brus e Laski. Porém, como se sabe, o mecanismo de incentivo
inerente às forças de mercado, atinentes ao sucesso ou ao fracasso competitivo, gera
desigualdade. Esse problema, adicionado às considerações sociais mais amplas que os
socialistas de mercado tendem a considerar importantes, cria pressões para limitar a
autonomia das empresas e, portanto, o escopo do funcionamento das forças de
mercado. As limitações à autonomia empresarial, por sua vez, recriam as próprias
ineficiências que o projeto socialista de mercado se propõe a superar.1
Além dessas tensões – ou mesmo contradições – dentro do projeto socialista de
mercado, há outras considerações que levam alguns socialistas a rejeitar o próprio
conceito de socialismo de mercado. Em primeiro lugar, há o ponto de Dobb segundo o
qual a tomada de decisão atomizada, feita por empresas autônomas por meio das forças de mercado, cria necessariamente imperfeições de conhecimento que resultam na
“anarquia da produção”. Essa dificuldade, argumenta-se, pode ser superada pela
coordenação ex-ante, planejada, das principais decisões interdependentes, mas não
pelo planejamento indicativo defendido tanto por Estrin e Winter como por Elson,
embora este último não tenha chegado a apontá-la.
2 Visto que, no final das contas, as
empresas envolvidas no planejamento indicativo permanecem autônomas e agem
atomisticamente, o próprio planejamento indicativo não pode superar a anarquia da
produção inerente ao funcionamento das forças de mercado.
Em segundo lugar, muitos socialistas rejeitam a suposição comportamental
admitida explicitamente nas propostas do socialismo de mercado, ou seja, de que as
pessoas necessariamente agem de maneira egoísta, estreitamente com base em seu
auto-interesse e de modo oportunista, argumentando que o comportamento é moldado
pelas instituições sociais e que os arranjos econômicos socialistas devem encorajar o
comportamento cooperativo ao invés de promover as relações sociais competitivas.
Finalmente, permanece forte – e por boas razões – a crença de que as forças de mercado
criam alienação, assim como uma sensação de desamparo, porque as pessoas ficam
sujeitas a forças que estão além de seu próprio controle. Sustenta-se, então, que é
adequado pensar em um sistema que promova a participação em um processo de
autodeterminação individual e coletivo.
No entanto, apesar dessa crítica ao socialismo de mercado, na aparente ausência
do que seria visto como uma alternativa convincente, a maioria dos socialistas, embora
com relutância, voltaram-se para ele como a única maneira de sustentar qualquer
projeto socialista global. Há, no entanto, duas outras abordagens contemporâneas
dentro da teoria econômica do socialismo que agora serão discutidas: a alternativa da
alocação direta e a do planejamento participativo.
Contendores contemporâneos: cálculo direto dos valores trabalho
Embora OskarLange, em seu célebre modelo de 1938, tenha empregado um falso
mercado, na forma de um computador descentralizado, para resolver o problema de
alocar bens de capital, em 1967, publicou uma contribuição ao Festschrift de Dobb, na
qual argumentou que o computador eletrônico moderno poderia ser um substituto
melhor do mercado.3
Lange afirma, então, que o seu seminal modelo de socialismo de
mercado havia sido superado por desenvolvimentos teóricos e técnicos subsequentes.
Os dois modelos modernos mais proeminentes de cálculo direto são os de Cockshott e
Cottrill e de Albert e Hahnel.
Cockshott e Cottrill levaram ao limite as possibilidades oferecidas pela tecnologia
da informática para resolver o problema clássico da alocação direta dos recursos
produtivos da sociedade de acordo com um conjunto democraticamente determinado de objetivos e de prioridades. Eles contrariaram o argumento aparentemente conclusivo
de Alec Nove segundo o qual o cálculo envolvido na solução de um sistema matemático
de entradas e saídas para uma economia moderna complexa seria impossível.4 Segundo
os cálculos feitos, numa economia que consiste em um milhão de produtos distintos,
um computador capaz de executar aproximadamente 200 milhões de operações por
segundo, usando o método padrão de resolução de equações simultâneas, levariam
16.000 anos para calcular os valores trabalho de cada produto. Entretanto, como se sabe
agora, usando um método de aproximação sucessiva, um computador da época
forneceria uma solução correta, com quatro dígitos decimais de aproximação, em
poucos minutos – ora, os computadores modernos operam ainda mais rapidamente.5
Cockshott e Cottrill desenvolveram, então, um algoritmo descentralizado para
calcular e revisar o conteúdo em trabalho (direto e indireto) relativo a cada produto da
economia. Eles defenderam a ideia de que um quase-mercado que opera com a
diferença entre o conteúdo calculado em trabalho de cada produto e os cupons em
trabalho que as pessoas estão dispostas a trocar pelos produtos fornece aos
planejadores centrais informações com base nas quais eles podem ajustar as instruções
de produção que devem ser emitidas aos produtores. No entanto, as informações que
os planejadores centrais precisariam ter para fazer o sistema funcionar incluem “listas
dos produtos que estão sendo produzidos... atualizações regulares sobre a tecnologia
usada em cada processo de produção... os estoques disponíveis de cada tipo de matériaprima e cada modelo de máquina”; além disso, “com base em uma avaliação central das
diferentes tecnologias de produção, o sistema de planejamento teria de escolher a
intensidade mediante a qual cada tecnologia teria de ser usada”.
6
É assim que o modelo de Cockshott e Cottrill efetivamente descarta o argumento
de que o cálculo direto é praticamente impossível. E, note-se, é disto que depende a
plausibilidade da defesa feita por Nove do socialismo de mercado como a única forma
“factível” de socialismo. Entretanto, tal raciocínio é feito com base no pressuposto
epistemológico da teoria neoclássica; ademais, em nenhum lugar, são abordadas as
questões da descoberta e do empreendedorismo.
Já Michael Albert e Robin Hahnel defendem o seu modelo de “economia
participativa” partindo da seguinte pergunta:
Por que os trabalhadores de diferentes empresas e indústrias, assim
como os consumidores de diferentes bairros e regiões, não podem coordenar os
seus próprios esforços conjuntos de modo consciente, democraticamente e de
maneira eficiente? (...) O que seria impossível em um procedimento de
planejamento social, iterativo, em que trabalhadores e consumidores propõem
e revisam as suas próprias atividades e decisões à luz de informações precisas
sobre o que é eficiente e o que é justo?7
A abordagem desses dois autores baseia-se em um procedimento de
planejamento descentralizado e iterativo, por meio do qual conselhos de trabalhadores
e conselhos de consumidores buscam alcançar o equilíbrio. Os conselhos de trabalhadores tomam decisões por meio de procedimentos de votação democrática; são
organizados com base em “complexos balanceados de empregos”, os quais determinam
que as pessoas devem realizar, rotativamente, uma sequência de tarefas durante certos
períodos que sejam considerados razoáveis. Visa-se, assim, combinar os diferentes tipos
de trabalho nas proporções em que é requerido serem eles realizados nas empresas e
na sociedade como um todo. Eles são solicitados a maximizar as funções de utilidade de
seus membros, levando em conta as condições objetivas de suas atividades e sujeitos à
restrição de que sua contribuição para a produção deve exceder os custos sociais em
que incorrem ao produzi-la. Da mesma forma, os conselhos de consumidores, nos quais
as pessoas indicam seus pedidos de consumo de bens pessoais e públicos, são
solicitados a elaborar as suas propostas de consumo para maximizar as funções de
utilidade de seus membros, sujeito a uma restrição orçamentária.
O processo de alocação é feito por meio de conselhos de consumidores e de
trabalhadores, os quais propõem e revisam as suas próprias atividades. Antes de iniciar
essas atividades, os preços são ajustados de forma automatizada de acordo com os
excessos de oferta e de demanda observados; o sistema funciona, pois, com base em
um mecanismo que atualiza os sinais de preços. Assim, o modelo replica o procedimento
iterativo de Lange – em sua versão ex-ante ao invés de ex-post – com duas novas
dimensões: procura garantir um processo participativo de tomada de decisões ao
propor que os conselhos de trabalhadores e consumidores determinam as suas próprias
atividades; busca consolidar relações de produção não hierárquicas que promovam a
equidade e a participação por meio instituição dos “complexos balanceados de
empregos”.
Albert e Hahnel concentram-se no uso da capacidade existente, levando em
conta tanto a questão “eficiência” quanto as considerações sociais mais amplas; não
discutem, porém, a questão do investimento.8 O modelo de Cockshott e Cottrill trata
formalmente o investimento, mas apenas sob o pressuposto neoclássico de que existe
um conhecimento completo de todas as funções de produção. Nenhum modelo
inspirado na teoria neoclássica aborda explicitamente as questões da descoberta e do
empreendedorismo. Além disso, em adendos de cunho político, ambos rejeitam a
democracia representativa, optando por vários procedimentos de pesquisa direta e de
referendos, sem contemplar a interação e a negociação social frente a frente.
Assim, os modelos baseados no cálculo direto são capazes de lidar com o
problema da determinação dos valores, mas não com o problema real da descoberta
que aparece de fato nas economias reais. Eles operam dentro do paradigma
epistemológico neoclássico em que o conhecimento é assumido como dado, objetiva e
prontamente codificado para ser transmitido. Apesar de serem capazes, em princípio,
de lidar com as imperfeições do conhecimento decorrentes da tomada de decisão
atomizada, são incapazes de lidar com as imperfeições apontadas pelo paradigma
epistemológico austríaco, no qual o conhecimento é tácito e tem que ser descoberto
por meio do próprio processo por meio do qual a própria sociedade se move.
Contendentes contemporâneos: planejamento participativo
Os modelos de socialismo de mercado e os modelos baseados no cálculo direto,
mesmo se são internamente coerentes, são construídos, essencialmente, dentro do
paradigma neoclássico. Os modelos austríacos de socialismo de mercado, como já foi
visto, são incoerentes ou acabam reproduzindo efetivamente um sistema baseado na
propriedade privada capitalista. Além disso, a escola austríaca rejeita, em princípio, a
possibilidade de lidar com as imperfeições do conhecimento que surgem da tomada de
decisão atomizada.
Os autores deste texto defendem um sistema de planejamento participativo e,
assim, propõem, para discussão, uma terceira alternativa contemporânea no interior da
teoria econômica do socialismo. Argumenta-se nessa perspectiva que é necessário fazer
uma mudança de paradigma no modo como as interações econômicas são conceituadas
a fim de superar as duas fontes de imperfeição do conhecimento identificadas na
avaliação anterior do debate do cálculo econômico socialista.
O sistema de planejamento participativo preconizado é aquele em que os valores
sociais mantidos pelos indivíduos e pelos coletivos interagem e se moldam mutuamente
por meio de um processo de cooperação e de negociação. Tal processo, afirma-se,
permitiria que o conhecimento tácito fosse articulado e a vida econômica fosse
conscientemente controlada e coordenada em um contexto que dispensa a coerção,
seja aquela feita pelo Estado seja aquela posta pelas forças do mercado. Assim, o dilema
apresentado por Alec Nove – como se sabe, ele afirmou que existem apenas duas
dimensões nos arranjos sociais: “ou existem ligações horizontais (de mercado) ou
existem ligações verticais (de hierarquia). Que outra dimensão existe? ”9 – pode ser
transcendido.
As premissas da mudança de paradigma subjacente ao modelo de planejamento
participativo precisam de atenção cuidadosa. A alegação austríaca é de que apenas os
empresários que tomam decisões sobre o uso do capital privado têm acesso ao
conhecimento tácito e, assim, ao incentivo, necessários à ação que leva à sua
descoberta. A abordagem de planejamento participativo afirma que as pessoas em geral
têm acesso ao conhecimento tácito e que elas podem descobrir e articular esse
conhecimento, desde que estejam equipadas com a capacidade de analisar e avaliar as
consequências de suas decisões. Assim, a participação generalizada na tomada de
decisões permitiria a mobilização social do conhecimento tácito das pessoas em geral,
em vez de confinar o processo de descoberta ao pequeno subconjunto de pessoas que
têm acesso ao capital privado em uma economia capitalista.
Trocas de mercado e forças de mercado
Embora as formas participativas de organização econômica tenham uma longa
história, a modelagem de uma possível economia socialista com base em planejamento
participativo é relativamente nova.10 Um dos autores deste escrito, Pat Devine, desenvolveu um modelo em que a base da organização econômica é um processo de
“coordenação negociada”. Esta última ocorre entre os representantes dos afetados
pelas decisões envolvidas e é informada pela discussão participativa dos múltiplos
interesses afetados.
11 No modelo de Devine, a distinção entre “mercado de troca” e
“forças de mercado” é de crucial importância:
A troca de mercado envolve transações entre compradores e
vendedores; ora, aquilo que é trocado consiste em estoques (inventários) ou
bens e serviços produzidos por empresas que empregam a sua capacidade de
produção já existente. As forças de mercado referem-se ao processo pelo qual
as mudanças são realizadas na alocação de recursos. Elas atuam para decidir o
tamanho relativo das diferentes indústrias e a distribuição geográfica da
atividade econômica. Operam por meio da interação das decisões sobre
investimento e desinvestimento que são tomadas independentemente uma da
outra, de tal modo que a coordenação ocorre ex-post.12
O processo de coordenação negociada é aquele em que a informação gerada
pelas trocas de mercado sobre a rentabilidade das diferentes atividades não é rejeitada,
mas usada de forma cooperativa e coordenada, em conjunto com outras informações
quantitativas e qualitativas, para decidir o padrão de investimento. Assim, a troca de
mercado coordena o uso da capacidade produtiva existente, mas as mudanças na
estrutura da capacidade produtiva são negociadas e coordenadas ex-ante pelos
afetados por elas. Consequentemente:
O modelo combina o planejamento com a descentralização, sem
depender das forças do mercado. A alocação global de recursos é planejada no
nível da sociedade como um todo. O grande investimento é coordenado
centralmente, mas implementado de forma descentralizada. As unidades de
produção sabem o que produzir com a capacidade existente para atender à
demanda coletiva e individualmente determinada da sociedade. Mudanças na
capacidade das unidades de produção são decididas nos órgãos de coordenação
negociados pelos afetados por elas. O interesse social é definido em cada caso
pelos interesses gerais e específicos envolvidos. As unidades de produção estão
sob escrutínio público, o que as encoraja a operar eficientemente. Como as
pessoas participam em todos os níveis das decisões econômicas que as afetam,
elas provavelmente estarão comprometidas com a implementação efetiva
dessas decisões.13
Para Devine propriedade social é aquela que é detida por aqueles afetados pelo
uso dos ativos em questão. Assim, em seu modelo, as empresas são de propriedade de
seus trabalhadores, clientes, fornecedores, comunidades e regiões nas quais estão ocalizadas. Os interesses mais geraissão representados pela comissão de planejamento
regional, nacional ou global, dependendo do alcance geográfico de suas operações,
assim como de certos grupos com interesses especiais, tais como aqueles preocupados
com o meio ambiente ou com a igualdade de oportunidades.14 Os preços seriam iguais
aos custos médios de longo prazo, os quais dependeriam dos custos de mão-de-obra,
dos insumos comprados, de uma taxa de depreciação, assim como um taxa de retorno
do capital, sendo esta última determinada centralmente. As empresas competiriam por
clientes, engajando-se em troca de mercado e gerando informações sobre a eficácia com
que estão usando seus ativos:
Não haveria nenhuma tentativa de coordenar as transações ex-ante entre
produtores e consumidores. O nível da capacidade de produção e a relação entre
o nível dos pedidos e os estoques existentes em um setor da indústria como um
todo indicariam se essa capacidade agregada precisa de expansão ou de
contratação. Assim, a necessidade de mudanças na capacidade de produção de
uma empresa específica surgiria como resultado de seu desempenho em relação
ao das outras do seu setor e/ou como resultado de um desequilíbrio entre a
oferta e a demanda agregada setorial.
15
As mudanças na capacidade de produção seriam decididas por órgãos de
coordenação que trabalhariam com base em negociação; eles seriam compostos por
representantes dos proprietários sociais do ramo industrial em consideração, ou seja,
das empresas do setor, das indústrias fornecedoras e dos clientes, assim como de
membros da comissão de planejamento regional, nacional ou global relevantes; outros
grupos com interesse legítimos no conjunto de decisões em questão poderiam também
fazer parte de tais órgãos. Os organismos de coordenação por meio de negociação
teriam à sua disposição três tipos de informações quantitativas: primeiro,
os dados contábeis sobre o desempenho de cada empresa, gerados pelo uso de
sua capacidade existente (ou seja, por meio das trocas de mercado); segundo, as
estimativas de mudanças esperadas na demanda ou nos custos em relação às
atividades existentes; terceiro, as estimativas da demanda e os custos esperados
em relação a inovações potenciais de produto ou processo. Eles também teriam
acesso a dois tipos de informações qualitativas, fornecidas pelos representantes
dos diferentes interesses que participam do processo de negociação: primeiro,
os julgamentos sobre as razões subjacentes a qualquer desempenho
diferenciado das empresas; segundo, os pontos de vista das pessoas afetadas
sobre a situação econômica e social que prevalece nas comunidades e regiões
nas quais o investimento ou o desinvestimento pode ocorrer, as prioridades de
distribuição regional acordadas por meio do processo político democrático e as
preocupações de outros interesses representados.16
O modelo de planejamento participativo de Devine incorpora a troca de
mercado, mas não as forças de mercado. Eis que as decisões de investimento
interdependentes são tomadas por representantes de todas as pessoas afetadas por elas. Uma vez que a utilização da capacidade existente é decidida por empresas que
realizam intercâmbios no mercado de forma descentralizada, o perigo de sobrecarga
administrativa é minimizado.17 Assim, as decisões com alcance global, como aquelas
relacionadas à redistribuição internacional da riqueza efetiva, ao padrão global da
atividade econômica ou das atividades que têm consequências ecológicas globais,
seriam negociadas em nível global.
Em geral, no entanto, o princípio de subsidiariedade seria aplicado para
assegurar que as decisões fossem negociadas no nível mais local, de tal modo que
venham a ser consistentes com a participação de representantes de todos os principais
interesses afetados. Como o processo de negociação seria contínuo, os envolvidos
descobririam o conhecimento tácito necessário, ou seja, descobririam o que é possível
e o que não é possível fazer e, portanto, seriam capazes de avaliar suas decisões
passadas e de aprender com elas. Consequentemente
enquanto decisões interdependentes seriam coordenadas de modo exante sempre que possível, por meio de um processo de negociação que permite
a descoberta e o aprendizado antes que os recursos fossem comprometidos, a
implementação resultaria em novas descobertas e aprendizados ex-post que
possibilitariam correção subsequente na próxima rodada de tomada de decisão.
No entanto, esses processos integrados de tomada de decisão ex-ante e ex-post
seriam baseados em negociação cooperativa, em vez de coerção ou
competição.18
Em resumo, o modelo de Devine dá grande importância à negociação e à
interação, enfatizando o aspecto transformativo da participação. Procura promover a
cooperação e o reconhecimento do interesse comum interdependente. Reconhece, ao
mesmo tempo, que as pessoas têm interesses distintos e que estes precisam poder se
manifestar no debate público; as pessoas, por sua vez, têm de poder articular e
argumentar num contexto social que também incentiva o reconhecimento e o respeito
pelos interesses dos outros.
Conclusões
A experiência histórica e teórica do século XX no tange às tentativas de construir
ou de modelar sistemas econômicos socialistas têm sido variadas e ricas, mas prima
facie desanimadoras. Tentamos tirar aqui algumas conclusões dessa experiência para
informar a discussão contemporânea no campo da teoria econômica do socialismo.
Modelos de uma economia socialista precisam ser capazes de lidar com os problemas
do cálculo, da motivação e da descoberta; eles precisam abordar as imperfeições do
conhecimento associadas tanto à natureza tácita do conhecimento quanto à tomada de
decisão atomizada provindas das forças do mercado. Os três candidatos contemporâneos são o socialismo de mercado, aquele que propõe o cálculo direto dos
valores de troca e aquele baseado no planejamento participativo.
Os modelos socialistas de mercado são de dois tipos: neoclássico e austríaco. Os
modelos neoclássicos são basicamente estáticos e estão preocupados com as questões
de incentivos e monitoramento. Eles são capazes de lidar com os problemas do cálculo
e da motivação, mas não com os problemas da descoberta e do empreendedorismo. Os
poucos modelos que discutem a questão do investimento assumem certeza ou o
equivalente à certeza (risco). Os modelos neoclássicos não reconhecem a natureza tácita
do conhecimento e são incapazes de lidar com a incerteza real. Tal como o paradigma
neoclássico como um todo, eles não têm nada a nos dizer sobre as maneiras pelas quais
as economias de mercado capitalistas realmente funcionam ou as economias de
mercado socialistas podem funcionar.
Os modelos austríacos de socialismo de mercado procuram abordar os
problemas de descoberta e empreendedorismo, bem como os do cálculo e dos
incentivos. No entanto, eles são incoerentes já que imitam fortemente o capitalismo;
eis que se baseiam, de fato, na propriedade privada. Além disso, embora possam ser
capazes de lidar com o problema da mobilização do conhecimento tácito, eles são, por
definição, incapazes de lidar com as imperfeições do conhecimento associadas à tomada
de decisão atomizada. Assim, não incorporam o planejamento econômico, no sentido
de uma coordenação ex-ante dos investimentos interdependentes mais importantes.
Os modelos de cálculo direto são capazes de resolver o problema formal do
cálculo. Eis que os computadores modernos abriram espaço para os argumentos
tecnocráticos que julgam poder dar conta da coleta e do processamento das
informações econômicas. No entanto, esses modelos são incapazes de lidar com as
questões do conhecimento tácito, da descoberta e do empreendedorismo. Para lidar
com o investimento, eles têm que assumir que o conhecimento é certo ou pode ser
reduzido ao probabilístico, de tal modo que a estrutura analítica desses modelos é
essencialmente a mesma que a do paradigma neoclássico.
Se esta avaliação estiver correta, o planejamento participativo oferece a direção
mais promissora para um trabalho futuro que faça progredir a teoria econômica do
socialismo. É capaz de lidar com o problema de cálculo usando as informações
quantitativas geradas por troca real de mercado e as informações qualitativas fornecidas
por pessoas mais próximas e mais afetadas pelas decisões econômicas. Como o grande
investimento não é realizado com base em decisões atomizadas, ele pode ser
coordenado ex-ante.
Ao mesmo tempo, a natureza tácita do conhecimento é reconhecida. Um
processo social de descoberta e mobilização por meio da participação generalizada e da
coordenação negociada está no cerne do planejamento participativo. Assim, as
imperfeições do conhecimento que surgem do conhecimento tácito e da tomada de
decisão atomizada podem ser devidamente tratadas. O planejamento participativo é o
único dos três modelos, candidatos contemporâneos à proeminência enquanto modelos
de socialismo, que é capaz de resolver essa última questão.
Por que, então, o socialismo de mercado é tão predominante nas discussões
contemporâneas da economia do socialismo? Uma explicação vem do fracasso da
experiência do planejamento central no estilo soviético. Outro é o fascínio exercido pelo paradigma neoclássico – e um certo capital intelectual nele investido – que caracteriza
a maioria dos economistas e até mesmo dos economistas socialistas.
No entanto, há uma terceira razão e ela talvez seja, em última análise, a mais
reveladora. Modelos de cálculo direto e de planejamento participativo baseiam-se no
pressuposto socialista tradicional de que as pessoas têm capacidade de reconhecer os
seus próprios interesses, assim como os das outras, porque, em geral, eles são
interdependentes. As pessoas, por isso, não estão preocupados apenas com os seus
próprios, mas também com o bem geral. Os socialistas de mercado perderam a fé nessa
suposição. De fato, muitos a considerariam perigosa, interpretando-a como uma crença
na perfectibilidade dos seres humanos, com o corolário de que ela poderia ser usada
para justificar a engenharia social. Com essa crença, os socialistas de mercado projetam
seus modelos para lidar com os problemas de incentivo e monitoramento que surgem
no contexto do comportamento oportunista, voltado para o interesse próprio
característico do “gerente egoísta, do planejador e do diretor de qualquer banco
público".
19
Nossa defesa do planejamento participativo, em contraste, baseia-se na
insistência de que o socialismo deve ter uma dinâmica transformadora. Afinal de contas,
Marx poderia estar certo quando esperava que o socialismo fosse criado com base no
mais alto nível de desenvolvimento alcançado pelo capitalismo. Podemos hoje
acrescentar que isso não significa apenas um alto nível de produtividade do trabalho,
mas também um grau elevado de envolvimento na auto-organização, nas instituições
da sociedade civil, nos processos democráticos participativos.
É por isso que a evolução em direção à política e à economia participativa deve
envolver a abolição da divisão social do trabalho e a transformação da sociedade
baseada na dominação de uma classe dominante, fundada esteja na propriedade
privada ou na posição institucional na burocracia estatal, em outra que seja uma
sociedade autogovernada, em que as pessoas, no decorrer de suas vidas, assumem sua
parte justa no negócio de administrar as coisas, seja no nível micro, no nível macro ou
em ambos.20 Não surpreende, pois, que a teoria econômica do socialismo esteja
inseparavelmente ligada à teoria política do socialismo.
Notas:
1 Uma contribuição anterior se encontra em R. Blackburn, Fin de Siècle: Socialism After the Crash, New Left Review, 185, Jan.–Fev. 1991, pp. 5–66.
2 Para tomar contato com uma versão moderna do argumento de que a propriedade privada e as forças de mercados se implicam mutuamente, veja-se J. Kornai, ‘The Affinity Between Ownership Forms and Coordination Mechanisms: The Common Experience of Reform in Socialist Countries’, Journal of Economic Perspectives, 1990.
3 Para tomar contato com discussões complementares ao argumento deste artigo, veja-se Pat Devine, Democracy and Economic Planning, Cambridge 1988; F. Adaman, A Critical Evaluation of the Economic Calculation Debate with Special Reference to Maurice Dobb’s Contribution, tese de PhD, University of Manchester 1992; P. Devine, Market Socialism or Participatory Planning?, Review of Radical Political Economics, 1992; F. Adaman and P. Devine, Socialist Renewal: Lessons from the Calculation Debate, Studies in Political Economy, 1994; e F. Adaman and P. Devine, The Economic Calculation Debate: Lessons for Socialists, Cambridge Journal of Economics, 1996.
4 Veja Friedrich Hayek, The Fatal Conceit, London 1988, p. 7.
5 Enrico Barone, The Ministry of Production in the Collectivist State, in F. Hayek, ed., Collectivist Economic Planning, London 1935; A. Bergson, Socialism, in H. Ellis, ed., A Survey of Contemporary Economics, New York, 1948.
6 Israel Kirzner, The Economic Calculation Debate: Lessons for Austrians, Review of Austrian Economics, 1988.
7 Ludwin Mises, ‘Economic Calculation in the Socialist Commonwealth’, 1920, in Hayek, Collectivist Economic Planning.
8 Barone, The Ministry of Production in the Collectivist State.
9 F. Hayek, The Nature and History of the Problem and The Present State of the Debate, in Hayek, Collectivist Economic Planning.
10 O. Lange, On the Economic Theory of Socialism, in B. Lippincott, ed., On the Economic Theory of Socialism, Minneapolis, 1938. Veja também F. Taylor, The Guidance of Production in a Socialist State, 1929, no mesmo volume; H. Dickenson, Price Formation in a Socialist Community, The Economic Journal, 1933; A. Lerner, Economic Theory and Socialist Economy, Review of Economic Studies, 1934.
11 O fato de que os preços sejam alterados com base nos movimentos dos níveis reais de estoque significa que a economia é coordenada ex-post. Ora, isto pode trazer ineficiências em um contexto neoclássico. Arrow e Hurwicz posteriormente aperfeiçoaram o modelo de Lange ao projetar um mecanismo de coordenação ex-ante no qual a troca de informações entre o departamento de planejamento e as empresas ocorre antes que o plano seja implementado. Veja K. Arrow e L. Hurwicz, Decentralization and computation in resource allocation, 1960, Arrow and Hurwicz, eds, Studies in Resource Allocation, Cambridge, 1977.
12 F. Hayek, Economics and Knowledge, 1937, and Socialist Calculation: The Competitive “Solution” , 1940, in Hayek, ed., Individualism and Economic Order, London 1949. 5
13 See, for instance, J. Ledyard, ‘Incentive Compatibility’, The New Palgrave: A Dictionary of Economics, London 1987.
14 J. Stiglitz, ‘Credit Markets and the Control of Capital’, Journal of Money, Credit and Banking, 1985, p. 136.
15 Veja-se, por exemplo, F. Scherer, Corporate Takeovers: The Efficiency Arguments, Journal of Economic Perspectives, 1988.
16 See P. Bardhan and J. Roemer, Market Socialism: A Case for Rejuvenation, Journal of Economic Perspectives, 1992. Este ponto, note-se aqui, será discutido melhor a frente.
17 D. Lavoie, Rivalry and Central Planning, Cambridge, 1985.
18 F. Hayek, The Uses of Knowledge in Society, 1945, Hayek, Individualism and Economic Order, p. 77.
19 Veja uma exposição geral em A. Schand, Free Market Morality: The Political Economy of the Austrian School, London 1989.
20 P. McNulty, Competition: Austrian Conceptions, The New Palgrave. Note-se que, em muitos aspectos de seus trabalhos, Schumpeter não pode ser considerado um membro da Escola Austríaca.
21 D. Lavoie, Computation, Incentives, and Discovery: The Cognitive Function of Markets in Market Socialism, in J. Prybyla, ed., Privatizing and Marketizing Socialism, Annals of the American Academy of Political and Social Science, London 1990.
22 Ibid., p. 78.
23 Kornai, The Affinity Between Ownership Forms and Coordination Mechanisms.
24 Observe que este “em grande parte inexplorado” não deve ser interpretado como “intocado”. Até mesmo os primeiros austríacos reconheceram o problema do capitalismo corporativo, mas simplesmente o ignoraram argumentando que os acionistas, animados pelo lucro, de alguma forma garantiriam que "empresários corporativos" agiriam no interesse dos acionistas. Como ficou claro acima na discussão do problema “agente e principal”, esta é uma suposição bastante ingênua.
25 M. Dobb, Economic Theory and the Problems of a Socialist Economy, The Economic Journal, 1933.
26 M. Dobb, Political Economy and Capitalism, London 1937, p. 279. 10
27 Ibid., p. 274.
1 M. Dobb, Economic Theory and Socialist Economy: A Reply, Review of Economic Studies, 1935, p. 535.
2
I. Kirzner, Competition and Entrepreneurship, Chicago 1973, p. 232.
3 Cuidado é necessário aqui. A abordagem neoclássica foi além da suposição de livro-texto de informação
perfeita, igualmente disponível para todos. Muitas análises neoclássicas modernas estão relacionadas a
situações em que a informação é distribuída assimetricamente. A informação é entendida como uma
mercadoria que pode ser adquirida a um custo. O preço que as pessoas estão dispostas a pagar para obter
uma certa quantidade de informação depende da satisfação que ela produzirá. À primeira vista, esta
abordagem parece responder à crítica da escola austríaca. No entanto, como uma pessoa pode conhecer
a satisfação que será obtida de uma informação? Um indivíduo só pode saber se a informação em si existe
objetivamente e eles sabem disso com antecedência. No entanto, o verdadeiro problema colocado pela
escola austríaca não é como obter informações já conhecidas, mas como descobrir o conhecimento tácito
de que não há consciência pré-existente. Assim, o conceito dos neoclássicos de informação distribuída
assimetricamente é categoricamente diferente do conhecimento tácito dos austríacos; o primeiro é
conhecimento objetivado, este último está sujeito a um processo de descoberta e aprendizado. Veja S.
Ioannides, The Market, Competition and Democracy: A Critique of Neo-Austrian Economics, Hants. 1992.
4 Nenhum dos modelos que designamos como austríaco realmente querem se afigurar como tais. Nossa classificação é baseada na questão de saber se reconhecem ou não as questões de descoberta e empreendedorismo e incorporam processos institucionais para lidar com eles.
5 A. Nove, The Economics of Feasible Socialism, London 1983.
6 A experiência histórica mais relevante é a da Hungria com o seu “novo mecanismo econômico”,
introduzido em 1968; veja J. Kornai, ‘The Hungarian Reform Process: Visions, Hopes, and Reality’, Journal
of Economic Literature, 1986.
7 P. Bardhan and J. Roemer, Introduction, P. Bardhan e J. Roemer, eds, Market Socialism, New York 1993,
p. 7. Stiglitz argumentou recentemente que os modelos de equilíbrio geral walrasiano e neoclássico são
fatalmente defeituosos devido à sua incapacidade de lidar com situações caracterizadas por várias formas
de informação imperfeita e estendeu essa crítica a modelos socialistas de mercado do tipo Lange, veja J.
Stiglitz, Market Socialism and Neoclassical Economics, Bardhan and Roemer, Market Socialism. Roemer
respondeu argumentando que a crítica de Stiglitz não se aplica ao socialismo de mercado de quinta
geração, veja J. Roemer, An Anti-Hayekian Manifesto, New Left Review, 211, pp. 112–29. Concordamos
com Roemer – e com efeito Stiglitz, embora ele não o diga explicitamente – que qualquer arranjo
institucional concebido dentro do paradigma neoclássico para tratar os problemas decorrentes de
conhecimento imperfeito em uma economia de mercado pode ser adaptado de forma igualmente eficaz
a uma economia capitalista baseada em propriedade privada ou uma economia socialista de mercado
baseada na propriedade não privada. No entanto, esses desenvolvimentos dentro do paradigma
neoclássico, analisando a troca voluntária com base no comportamento maximizador, não abordam o
desafio austríaco subjacente, com base na posição epistemológica distinta daquela escola. Para poder
engajar-se na maximização do comportamento, os agentes econômicos devem saber qual será o
resultado dos cursos alternativos de ação e como cada resultado afetará sua utilidade. É precisamente a
possibilidade de possuir tal conhecimento que os austríacos disputam. Para eles, o conhecimento precisa
ser descoberto por meio da ação. Veja-se a nota de número 30 no artigo de Ioannides, The Market,
Competition and Democracy.
8
"A aparência do gerente egoísta, do planejador e do diretor do banco público está associada à visão, na
argumentação da quinta geração, de que apenas um diretor que está prestes a realizar um grande ganho
monetário monitorará adequadamente o seu agente", Bardhan and Roemer, Introduction, Market
Socialism, p. 8.
9 Bardhan and Roemer, Market Socialism: A Case for Rejuvenation; Bardhan, On Tackling the Soft Budget
Constraint in Market Socialism’, Bardhan e Roemer, Market Socialism; Roemer, Can There Be Socialism
After Communism?, no mesmo volume; Roemer, A Future for Socialism, London 1994. Veja-se também o número especial de Politics and Society, Dezembro, 1994. Embora na Introdução ao Market Socialism, os
autores se refiram à primeira escola austríaca, as discussões feitas estão inteiramente dentro do
arcabouço neoclássico e se preocupam apenas com os problemas do cálculo e da motivação. Não há
qualquer referência à escola austríaca moderna nem ao problema da descoberta. Isso é verdade em A
Future for Socialism de Roemer e em seu An Anti-Hayekian Manifesto. Estamos, pois, bem confiantes em
afirmar que o modelo de Roemer cai claramente na categoria de neoclássico.
10 Bardhan and Roemer, Market Socialism: A Case for Rejuvenation, p. 109.
11 Ibid.
12 Bardhan, On Tackling the Soft Budget Constraint in Market Socialism, p. 148.
13 Bardhan and Roemer, Market Socialism: A Case for Rejuvenation, p. 110.
14 Roemer, A Future for Socialism, p. 81.
15 As duas principais ineficiências identificadas são uma redução na produção de curto prazo em resposta a um aumento de preço e um grau sub-ótimo de intensidade de capital. Para uma pesquisa abrangente, veja-se J. Bonin and L. Putterman, Economics of Cooperation and the Labor-Managed Economy, New York, 1987.
16 See M. Sertel, Workers and Incentives, Amsterdam, 1982; M. Sertel, Workers Enterprises Are Not Perverse, European Economic Review, 1987; P. Kleindorfer and M. Sertel, The Economics of Workers Enterprises, D. Bös, ed., Public Policy and Economic Organization, London 1994.
17 M. Fleurbaey, Economic Democracy and Equality: A Proposal, in Bardhan and Roemer, Market Socialism.
18 T. Weisskopf, A Democratic Enterprise-Based Market Socialism, Bardhan and Roemer, Market Socialism p. 134; “critério de eficiência convencional” significa um ótimo de Pareto, tal como foi antes aqui definido.
19 Veja-se J. Barsony, Tidor Liska’s Concept of Socialist Entrepreneurship, Acta Oeconomica, 1982.
20 Tornou-se convencional distinguir entre certeza, risco e incerteza. O risco é uma situação na qual todos os resultados possíveis e suas probabilidades de ocorrência são conhecidos. Isso possibilita calcular um "valor esperado" de um curso de ação que pode ser maximizado como se fosse conhecido. A incerteza, ao contrário, é uma situação na qual nem todos os resultados possíveis nem suas probabilidades de ocorrência são conhecidos – simplesmente não sabemos, mas mesmo assim é preciso de acordo com a situação encontrada.
21 W. Brus and K. Laski, From Marx to the Market, Oxford 1989, pp. 105, 132.
22 Ibid., p. 149.
23 S. Estrin, Workers Cooperatives: Their Merits and Their Limitations, J. Le Grand and S. Estrin, eds, Market Socialism, Oxford, 1989.
24 D. Schweickart, ‘Economic Democracy: A Worthy Socialism That Would Really Work’, Science and Society, 1992, p. 28.
25 Veja-se, por exemplo, J. Roemer, The Possibility of Market Socialism, in D. Copp, J. Hampton and J. Roemer, eds, The Idea of Democracy, Cambridge 1993.
26 I. Ortuno-Ortin, J. Roemer, and J. Silvestre, Investment Planning in Market Socialism, in S. Bowles, H. Gintis, and B. Gustafsson, eds, Markets and Democracy: Participation, Accountability and Efficiency, Cambridge, 1993.
27 Efetivamente, este é o mesmo sistema defendido por Brus num primeiro modelo de socialismo de mercado; veja-se W. Brus, The Market in a Socialist Economy, London 1972.
28 J. Roemer and J. Silvestre, Investment Policy and Market Socialism, Bardhan and Roemer, Market Socialism, p. 109. Este capítulo citado é um sumário do modelo completo; veja-se Ortuno-Ortin, Roemer, and Silvestre, Investment Planning in Market Socialism.
29 Veja-se S. Estrin and D. Winter, Planning in a Market Socialist Economy, Le Grand and Estrin, Market Socialism; e Schweickart, Economic Democracy. Miller também propôs um modelo que busca levar em conta considerações sociais mais amplas essencialmente da mesma maneira que Schweickart. Em seu modelo, as cooperativas de trabalhadores obtêm capital de agências de investimento que equilibram a rentabilidade esperada em relação às necessidades de emprego, ambientais e outras necessidades da comunidade; veja-se D. Miller, Market, State, and Community, Oxford 1989.
30 D. Elson, Market Socialism or the Socialization of the Market?, New Left Review, 172, Nov.-dez., 1988, p. 33. Veja-se também H. Breitenbach, T. Burden, e D. Coates, Features of a Viable Socialism, Hemel Hempstead, 1990.
1 Kornai chama a atenção para essencialmente o mesmo argumento em suas reflexões sobre o
funcionamento do novo mecanismo econômico húngaro; veja-se J. Kornai, The Dilemmas of a Socialist
Economy: The Hungarian Experience, Cambridge Journal of Economics, 1980.
2 Elson concordou em conversa privada que, no final, as empresas em seu modelo são
totalmente autônomas e tomam suas próprias decisões. Assim, o complexo conjunto de
instituições destinadas a facilitar a troca de informações pode ser pensado como uma forma
desenvolvida de planejamento indicativo. Para uma discussão detalhada do modelo de Elson veja-se
Devine, Market Socialism or Participatory Planning?
3 O. Lange, ‘The Computer and the Market’, in C. Feinstein, ed., Socialism, Capitalism and Economic
Growth, Cambridge 1967.
4 Nove, The Economics of Feasible Socialism.
5 W. Cockshott and A. Cottrill, Towards a New Socialism, Nottingham, 1993.
6
Ibid., pp. 127, 131.
7 M. Albert and R. Hahnel, The Political Economy of Participatory Economics, Princeton, 1991, p. 8.
8
Isto é certamente verdade com relação ao modelo formal deles, o qualse encontra no artigo The Political
Economy of Participatory Economics. Há algumas indicações que as decisões de investimento aproximasse daquela encontra na versão popular, mas ela está aí resumida; veja-se M. Albert and R. Hahnel, Looking
Forward, Boston, 1991.
9 Nove, The Economics of Feasible Socialism, p. 226.
10 Esta afirmação não deve ser interpretada, no entanto, como se dissesse que até recentemente esforços
para modelar economias participativas estavam totalmente ausentes. O movimento sindicalista do tipo socialista das décadas de 1920 e 1930, que defendia o autogoverno não apenas no local de trabalho – e,
ademais, organizado com base em associações –, mas se estendendo para toda a sociedade, pode
certamente ser categorizado como uma importante tentativa pioneira; veja-se G.D.H. Cole, Guild
Socialism Restated, London 1920. Uma linha similar de raciocínio foi desenvolvida por Karl Polanyi; para
tomar ciência de uma discussão sobre esse tema, veja-se P. Rosner, Karl Polanyi on Socialist Accounting,
in K. Polanyi-Levitt, ed., The Life and Work of Karl Polanyi, Montreal 1990.
11 Devine, Democracy and Economic Planning.
12 Devine, Market Socialism or Participatory Planning?, pp. 79–80.
13 Devine, Democracy and Economic Planning, p. 197.
14 A produção local em pequena escala, empreendida com base no trabalho autônomo, requer,
obviamente, arranjos diferentes; veja ibid., pp. 229-30.
15 Adaman and Devine, ‘The Economic Calculation Debate’.
16 Ibid.
17 Foi o fracasso em apreciar a distinção entre troca de mercado e forças de mercado que levaram
Blackburn em Fin de Siècle: Socialism After the Crash a desenvolver uma crítica ao modelo proposto
baseada nesse equívoco fundamental. Para uma resposta detalhada à crítica de Blackburn, veja-se Devine,
Market Socialism or Participatory Planning?
18 Adaman and Devine, The Economic Calculation Debate.
19 Bardhan and Roemer, Market Socialism, p. 8.
20 Veja-se P. Devine, Democracy and Economic Planning; and P. Devine, Socialism as Social Transformation,
em M. Cagnani and A. Salsano, eds, Essays in Societal Alternatives: The Milano Papers, Montreal.