1 de abril de 2009

Os caminhos sinuosos do capital

O autor de "Um Longo Século XX" e Adam Smith em Pequim, entrevistado por David Harvey, sobre desapropriação e desenvolvimento, crises capitalistas e o futuro da China. A formação política de um jovem gerente de fábrica, através das lutas de libertação africanas e da autonomia operária; e as influências — Braudel, Gramsci, Smith, Marx — na obra de Arrighi.

Giovanni Arrighi


NLR 56 • Mar/Apr 2009

Você poderia nos falar sobre a história de sua família e de sua educação?

Eu nasci em Milão no ano de 1937. Pelo lado de minha mãe, meus antepassados são burgueses. Meu avô, filho de suíços que emigraram para a Itália, saiu das fileiras da aristocracia operária para estabelecer, no início do Século XX, suas próprias fábricas, produzindo inicialmente máquinas têxteis e mais tarde, aquecedores e condicionadores de ar. Meu pai era filho de um trabalhador ferroviário nascido na Toscana. Ele veio para Milão e conseguiu um emprego na fábrica do meu avô materno – em outras palavras, ele acabou casando com a filha do patrão. Existiam tensões, que acabaram por levar meu pai a montar seu próprio negócio, em competição com seu sogro. No entanto, os dois compartilhavam sentimentos antifascistas e isto teve grande influência no início da minha infância, dominada como foi pela guerra: a ocupação nazista do Norte da Itália após a rendição de Roma em 1943, a resistência e a chegada das tropas aliadas.

Meu pai morreu de repente em um acidente de carro, quando eu tinha 18 anos. Contrariando os conselhos de meu avô, eu decidi manter a empresa funcionando e entrei na Universidade de Bocconi para estudar economia, acreditando que isto me ajudaria a entender como administrar a firma. O Departamento de Economia era um reduto neoclássico, intocado por qualquer tipo de keynesianismo, e não auxiliou em nada em relação aos negócios do meu pai. Finalmente percebi que teria de fechar o negócio. Então, eu passei dois anos no chão de fábrica de uma das empresas de meu avô, coletando dados sobre a organização do processo de produção. O estudo me convenceu que os elegantes modelos de equilíbrio geral da economia neoclássica eram irrelevantes para entender a produção e distribuição da renda. Isto se transformou na base de minha dissertação. Fui então designado “assistente volontario”, ou docente assistente não remunerado do meu professor – naqueles dias, o primeiro degrau na hierarquia das universidades italianas. Para ganhar a vida eu fui trabalhar como gerente trainee na Unilever.

Como foi que você acabou indo para a África, para trabalhar na University College da Rodésia e Niassalândia, em 1963?

O porquê de eu ter ido para lá foi muito simples. Eu fiquei sabendo que as universidades britânicas estavam efetivamente pagando pessoas para ensinar e pesquisar – ao contrário da posição na Itália, onde você tinha de trabalhar como “assistente volontario” por 4 ou 5 anos antes de qualquer expectativa de um emprego remunerado. No início dos anos 1960 os britânicos estavam instalando universidades em todo seu antigo império colonial, como faculdades das universidades britânicas. A UCRN[5] era uma faculdade da Universidade de Londres. Eu havia me candidatado para duas vagas, uma na Rodésia e outra em Singapura. Eles me chamaram para uma entrevista em Londres e, por causa do interesse da UCRN, ofereceram-me um trabalho como Professor de Economia. Assim, eu fui.

Foi um verdadeiro renascimento intelectual. A tradição neoclássica modelada em termos matemáticos, na qual eu havia sido treinado, não tinha nada a dizer sobre os processos que eu observava na Rodésia, ou as realidades da vida africana. Na UCRN eu trabalhei ao lado de antropólogos sociais, particularmente Clyde Mitchell, que já estava realizando um trabalho sobre análise de redes, e Jaap Van Velsen, que estava introduzindo a análise situacional, mais tarde reconceitualizada como análise de estudos de caso estendido. Eu assisti regularmente aos seminários deles e fui muito influen- ciado por ambos. Gradualmente, fui trocando a modelagem abstrata pela teoria da antropologia social, fundamentada em termos concretos, empíricos e históricos. Eu comecei minha longa marcha da economia neoclássica para a sociologia histórico-comparativa.

Este foi o contexto de seu ensaio de 1966, “A Economia Política da Rho- desia”, que analisa as formas de desenvolvimento das classes capitalistas e suas contradições específicas – explicando a dinâmica que levou, em 1962, à vitória dos fundadores do Partido da Frente da Rodésia, e à Declaração unilateral de Independência por Smith, em 1965. Olhando para trás, qual foi o impulso inicial por trás deste ensaio, e qual a importância dele para você?

“A Economia Política da Rodésia” foi escrita por incentivo de Van Velsen, que era um implacável crítico do meu uso de modelos matemáticos. Eu fiz uma revisão do livro de Colin Leys, “A Política Européia na Rodésia do Sul”, e Van Velsen sugeriu que eu deveria desenvolvê-la em um artigo mais longo. Neste, e em “Ofertas de Trabalho em Perspectiva Histórica”, eu analisei as formas como a proletarização completa do campesinato rodesiano criava contradições para a acumulação de capital - de fato, acabaram produzindo mais problemas do que vantagens para o setor capitalista[6]. Enquanto foi parcial, a proletarização criou condições nas quais os camponeses africanos subsidiavam a acumulação de capital, pois eles produziam parte de sua própria subsistência; porém, quanto mais o campesinato se proletarizava, mais esses mecanismos começaram a quebrar.

O trabalho totalmente proletarizado podia ser explorado, somente se fosse pago um salário de subsistência integral. Assim, ao invés de tornar mais fácil a exploração do trabalho, a proletarização estava, na realidade, tornando mais difícil esta exploração, e muitas vezes tornando o regime mais repressivo. Martin Legassick e Harold Wolpe, por exemplo, afirmavam que o Apartheid sul africano deveu-se principalmente ao fato de que o regime tinha de se tornar mais repressivo, porque a força de trabalho sul-africana era totalmente proletarizada, e já não podia subsidiar a acumulação de capital como tinha feito no passado.

Toda a região Sul da África - estendendo-se desde a África do Sul e Botsuana através das antigas Rodésias[7], Moçambique, Malavi, que então era Niassalândia, até Quênia, como o posto avançado do nordeste, era caracterizada pela riqueza mineral, agricultura de colonização e desapropriação extrema do campesinato. Isto é muito diferente do restante da África, incluindo o Norte. As economias do Oeste Africano eram essencialmente de base camponesa. Mas o Sul – região que Samir Amin denominou “a África das reservas de trabalho” – foi, em muitos aspectos, o paradigma da extrema desapropriação dos camponeses e, portanto, de proletarização. Muitos de nós estávamos mostrando que este processo de extrema desapropriação era contraditório. Inicialmente, ele criou as condições para o campesinato subsidiar a agricultura capitalista, a mineração, a indústria e assim por diante. Mas cada vez mais ele criava dificuldades para explorar, mobilizar e controlar o proletariado que estava sendo criado. O trabalho que estávamos então realizando – o meu “Labour Supplies in Historical Perspective”, e os trabalhos relacionados, como de Legassick e o de Wolpe, estabeleceram o que veio a ser conhecido como o paradigma sul africano dos limites da proletarização e da desapropriação.

Ao contrário daqueles que ainda identificam o desenvolvimento capitalista com proletarização tout court - Robert Brenner, por exemplo - a experiência do Sul da África mostrou que a proletarização, em si e por si mesma, não favorece o desenvolvimento capitalista - toda uma variedade de outras circunstâncias são necessárias. Para a Rodésia, eu identifiquei três estágios de proletarização, dos quais apenas um era favorável à acumulação capitalista. No primeiro estágio, os camponeses respondiam ao desenvolvimento capitalista rural através do fornecimento de produtos agrícolas, e somente vendiam sua força de trabalho em troca de altos salários. Toda a área, assim, passou a ser caracterizada por uma falta de mão-de-obra, porque sempre que a agricultura capitalista ou a mineração começavam a se desenvolver, criavam uma demanda por produtos locais, que os camponeses africanos supriam rapidamente; eles podiam participar da economia monetária através da venda da sua produção em vez de a venda de seu trabalho. Um dos objetivos do apoio do Estado à agricultura dos colonos era criar uma concorrência para os camponeses africanos, de modo que estes se veriam obrigados a ofertar trabalho ao invés de produtos. Isso levou a um longo processo de expropriação que foi da proletarização parcial até a proletarização completa; mas, como já mencionado, se tratava de um processo contraditório. O problema da simplificação do modelo “proletarização como desenvolvimento capitalista”, é que ele ignora não apenas toda a realidade do capitalismo de colonos do Sul da África; mas também muitos outros casos, como os próprios Estados Unidos, que se caracterizaram por um padrão totalmente diferente - uma combinação de escravidão, genocídio da população nativa e imigração de mão-de-obra excedente da Europa.

Você foi um dos nove professores da UCRN presos por atividades políticas durante a repressão promovida pelo governo de Smith em Julho de 1966?

Sim, nós ficamos presos por uma semana, e depois fomos deportados.

Você foi para Dar es Salaam, que, em muitos aspectos, era visto na época como um paraíso para diálogos intelectuais. Você pode nos contar sobre este período, e sobre o trabalho lá realizado em colaboração com John Saul?

Foi um período muito empolgante, tanto intelectual como politicamente. Quando cheguei a Dar es Salaam em 1966, a Tanzânia estava independente há apenas alguns anos. Nyerere estava defendendo o que considerava ser uma forma de socialismo africano. Ele conseguiu manter-se equidistante de ambos os lados durante a cisão sino – soviética, e conservou relações muito boas com os escandinavos. Dar es Salaam, tornou-se o posto avançado dos exilados de todos movimentos de libertação nacional da África Meridional
- das colônias portuguesas, Rodésia e África do Sul. Passei três anos na universidade, e encontrei todo tipo de gente: ativistas do movimento Black Power dos EUA, como também acadêmicos e intelectuais, como Immanuel Wallerstein, David Apter, Walter Rodney, Roger Murray, Sol Picciotto, Catherine Hoskins, Jim Mellon (que mais tarde foi um dos fundadores da Weathermen), Luisa Passerini, que estava fazendo uma pesquisa sobre a Frelimo, e muitos outros, incluindo, naturalmente, John Saul.

Em Dar es Salaam, trabalhando com John eu mudei meus interesses de pesquisa da oferta de trabalho para a questão dos movimentos de libertação nacional e os novos regimes que estavam emergindo com a descolonização. Nós dois éramos céticos quanto à capacidade destes regimes se emanciparem daquilo que estava apenas começando a ser chamado de neocolonialismo, e de realmente cumprirem suas promessas de desenvolvimento econômico. Mas havia também uma diferença entre nós dois, que penso persistir até hoje: eu estava muito menos chateado com isso do que o próprio John. Para mim, estes movimentos eram movimentos de libertação nacional; de forma alguma eram movimentos socialistas, ainda que eles abraçassem a retórica do socialismo. Eram regimes populistas e, portanto, eu não esperava muito além da libertação nacional, que ambos viam como algo muito importante em si mesmo. Mas se existiam possibilidades de evolução política para além disso, é algo sobre o qual John e eu dialogamos, com bom humor, até hoje, sempre que nos encontramos. Porém, os ensaios que escrevemos juntos[8] foram a crítica sobre a qual estávamos de acordo.

Quando você voltou para a Europa, encontrou um mundo muito diferente daquele que havia deixado seis anos antes?

Sim. Eu voltei para a Itália em 1969, e me envolvi imediatamente em duas situações. Uma delas foi na Universidade de Trento, onde me tinha sido oferecida uma vaga como professor. Trento era o principal centro de militância estudantil, e, na época, a única universidade na Itália que oferecia doutorados em Sociologia. A minha nomeação foi patrocinada pelo comitê organizador da universidade, formado pelo democrata-cristão Nino Andreatta, pelo socialista liberal Norberto Bobbio e por Francesco Alberon. Era parte de uma tentativa de domesticar o movimento estudantil, através da contratação de um radical. No primeiro seminário que eu dei, eu tinha apenas quatro ou cinco alunos, mas no semestre do outono, após a publicação do meu livro sobre a África, no Verão de 1969, eu tinha quase 1.000 alunos tentando entrar na minha sala de aula. Meu curso tornou-se o grande evento de Trento. Isto até mesmo dividiu a Lotta Continua: a facção de Boato queria que os estudantes fossem às aulas para ouvir uma crítica radical das teorias do desenvolvimento, enquanto a facção de Rostagno tentava perturbar as aulas, jogando pedras na sala a partir do pátio.

A segunda situação foi em Turim, por meio de Luisa Passerini, que era uma proeminente propagadora dos escritos situacionistas e, portanto, tinha uma grande influência em muitos quadros da Lotta Continua que estavam começando a conhecer o situacionismo. Eu viajava de Trento para Turim, via Milão, partindo do centro do movimento estudantil para o centro do movimento dos trabalhadores. Eu me sentia atraído e, ao mesmo tempo, incomodado com alguns aspectos desse movimento – particularmente, a sua rejeição da “política”. Em algumas das assembleias, trabalhadores muito militantes se levantavam e diziam: “Chega de política! A política está nos arrastando para a direção errada. Precisamos de unidade.” Para mim, foi um choque muito grande, vindo da África, descobrir que os sindicatos comunistas eram considerados reacionários e repressivos pelos trabalhadores em luta - e havia um importante elemento de verdade nisso. A reação contra os sindicatos do PCI tornou-se uma reação contra todos os sindicatos. Grupos como o Potere Operaio, a Lotta Continua colocaram-se como alternativas, tanto para os sindicatos, como para os partidos de massa. Com Romano Madera, que então era um estudante, mas também um quadro político e um gramsciano - uma raridade na esquerda extraparlamentar – começamos a desenvolver a ideia de encontrar uma estratégia gramsciana de se relacionar com o movimento.

Foi aí que a ideia de Autonomia - da autonomia intelectual da classe operária - surgiu pela primeira vez. A criação deste conceito é hoje geralmente atribuída a Antonio Negri. Mas, na verdade, originou-se na interpretação de Gramsci que desenvolvemos no início da década de 1970, no Gruppo Gramsci co-fundado por Madera, Passerini e eu. Nós vimos que nossa principal contribuição para o movimento não era fornecer um substituto para os sindicatos ou para os partidos, mas como estudantes e intelectuais que estavam envolvidos em ajudar as vanguardas dos trabalhadores a desenvolverem a própria autonomia – Autonomia Operária – através da compreensão dos processos mais amplos, nacionais e globais, nos quais suas lutas estavam ocorrendo.

Em termos gramscianos, isto era concebido como a formação de intelectuais orgânicos da classe trabalhadora em luta. Para este fim nós formamos a Colletivi Politici Operai (CPOS), que ficou conhecida como a Area dell’Autonomia. Na medida em que estes coletivos desenvolvessem suas próprias práticas autônomas, o Gruppo Gramsci deixaria de ter uma função e poderia se dissolver. Quando ele realmente foi dissolvido, no outono de 1973, Negri entrou em cena, e levou a CPOS e a Area dell’Autonomia para uma direção aventureira, muito distante da sua intenção original.

Houve alguma lição comum que você aprendeu com as lutas africanas de libertação nacional e as lutas da classe trabalhadora italiana?

As duas experiências tiveram em comum o fato de que, em ambas, eu tinha relações muito boas com os movimentos mais amplos. Eles queriam saber em que bases eu estava participando em suas lutas. Minha posição era: “Eu não vou lhe dizer o que fazer, porque você conhece a sua situação muito melhor do que jamais conhecerei. Mas eu estou em melhor posição para compreender o contexto mais amplo em que isto se desenvolve. Então, a nossa troca tem que ser baseada no fato de você me dizer qual é a sua situação, e eu lhe dizer como ela se relaciona com o contexto mais amplo, o qual você não pode ver, ou pode ver apenas parcialmente, de onde você opera.” Esta sempre foi a base de excelentes relações, tanto com os movimentos de libertação na África Meridional, quanto com os trabalhadores italianos.

Os artigos sobre as crises capitalistas originaram-se em uma troca deste tipo, em 19729. Aos trabalhadores era dito “Agora há uma crise econômica, temos que nos manter quietos. Se continuarmos lutando, os empregos industriais irão para outro lugar”. Então os trabalhadores colocaram a questão para nós: “Estamos em uma crise? E se assim é, quais são suas implicações? Devemos ficar quietos agora, apenas por causa disso?”. Os artigos que compunham “Para uma Teoria das Crises Capitalistas” foram escritos dentro desta problemática particular, enquadrada pelos próprios trabalhadores, que estavam dizendo: “Conte-nos sobre o mundo lá fora, e o que podemos esperar.” O ponto de partida dos artigos era: “Olha, crises ocorrem com vocês lutando ou não, elas não resultam da militância dos trabalhadores, ou de ‘erros’na gestão econômica, mas são sim fundamentais para as operações da própria acumulação capitalista.” Esta foi a orientação inicial. O artigo foi escrito bem no início da crise, antes da existência desta ser amplamente reconhecida. Ele se tornou importante como um referencial que eu tenho usado ao longo dos anos para monitorar o que está acontecendo. Desse ponto de vista, tem funcionado muito bem.

Nós voltaremos à teoria das crises capitalistas, mas antes eu gostaria de perguntar sobre seu trabalho na Calábria. Em 1973, justo quando o movimento estava começando a declinar, você aceitou a oferta de um posto de professor em Consenza?

Para mim, uma das atrações para ir a Calábria, era a possibilidade de continuar, em um novo lugar, minha pesquisa sobre a oferta de trabalho.

Eu já tinha visto na Rodésia como, quando os africanos foram todos proletarizados – ou, mais precisamente, quando eles se tornaram conscientes de que estavam agora completamente proletarizados – passavam a lutar para obter um salário mínimo nas áreas urbanas. Em outras palavras, a ficção de que “nós somos homens solteiros, nossas famílias continuam a viver como camponeses lá no interior” já não podia ser mantida, pois eles realmente tinham que viver nas cidades. Eu tinha destacado isto em “Labour Supplies in Historical Perspective”. E ficou ainda mais claro na Itália, porque lá existia esse quebra-cabeças: nos anos 1950 e começo dos 1960, imigrantes do sul eram levados ao norte industrial como peões[10]. A partir da década de 1960 e especialmente no fim dela, eles haviam se transformado na vanguarda da luta de classes, o que é a experiência típica dos imigrantes. Quando eu iniciei um Grupo de Pesquisa na Calábria eu fiz os componentes lerem os textos dos antropólogos sociais sobre a África, principalmente sobre imigração, e então analisamos a oferta de trabalho na Calábria. As questões eram: o que estava criando as condições para esta imigração? E quais eram seus limites – dado que, até certo ponto, em lugar de criar uma força de trabalho dócil que poderia ser usada para minar o poder de barganha da classe trabalhadora do Norte, os próprios imigrantes se tornavam uma vanguarda militante? Duas coisas emergiram da pesquisa. Primeiro, o desenvolvimento capitalista não depende necessariamente da proletarização completa. Por outro lado, a imigração de trabalhadores de longa distância estava acontecendo em lugares onde não estava ocorrendo nenhuma desapropriação; onde havia inclusive possibilidade dos trabalhadores comprarem terras dos latifundiários. A imigração estava relacionada com o sistema de primogenitura, pelo qual somente o filho mais velho herdava a terra. Tradicionalmente, os filhos mais jovens acabavam entrando para a Igreja ou para o exército, até que a imigração de longa distância e em grande escala ofereceu um caminho alternativo cada vez mais importante para obter o dinheiro que permitiria comprar terra na cidade natal e instalar suas próprias fazendas. Por outro lado, nas áreas realmente pobres, onde o trabalho já estava totalmente proletarizado, em geral eles não tinham como financiar a imigração. A única maneira para fazer isto foi, por exemplo, quando o Brasil aboliu a escravidão em 1888 e necessitou de uma força de trabalho substituta e barata. Eles então recrutavam trabalhadores destas áreas profundamente pobres do Sul da Itália, pagavam-lhes a viagem e os assentavam no Brasil para substituir os escravos emancipados. Estes são padrões muito diferentes de migração. Mas de um modo geral, não eram os realmente pobres que migravam, porque era necessário ter alguns meios e contatos para fazê-lo.

A segunda conclusão da pesquisa na Calábria tinha similaridades com os resultados da pesquisa na África. Aqui também, a disposição dos imigrantes para se engajarem nas lutas dos trabalhadores nos lugares para onde eles haviam se mudado dependia de eles considerarem que as novas condições determinavam de modo permanente suas vidas. Não é suficiente dizer que a situação nas áreas de origem determina o salário e as condições pelas quais os migrantes irão trabalhar. É necessário também dizer em que ponto os migrantes percebem que a maior parte de sua subsistência provém do trabalho assalariado – é uma mudança que pode ser detectada e monitorada. Mas a principal questão que emerge é um tipo diferente de crítica à ideia da proletarização como o processo típico do desenvolvimento capitalista.

Como a versão inicial desta pesquisa foi roubada de um carro em Roma, a redação final foi feita já nos Estados Unidos, vários anos depois de você ter se mudado para Binghamton em 1979, onde a análise dos sistemas-mundo estava sendo desenvolvida. Foi esta a primeira vez em que você explicitamente colocou sua posição sobre a relação entre proletarização e desenvolvimento capitalista vis-à-vis às posições de Wallerstein e Brenner?

Sim, embora eu não tenha sido suficientemente explícito sobre isso, mesmo tendo mencionado Wallerstein e Brenner de passagem; mas o trabalho inteiro é, de fato, uma crítica a ambos[11]. Na teoria de Wallerstein, as relações de produção são determinadas pela posição na estrutura centro-periferia. Segundo ele, na periferia tendem a prevalecer relações de produção que são coercitivas; você não tem a proletarização completa, que é uma situação que você encontra no centro. Brenner possui, em alguns aspectos, a visão contrária, mas em outros pontos, ela é muito parecida: que as relações de produção determinam a posição [de uma determinada região] na estrutura centro-periferia. Em ambos, você tem uma relação específica entre a posição na estrutura centro-periferia e as relações de produção. A pesquisa na Calábria mostrou que este não é o caso. Ali, na mesma localidade periférica, nós encontramos três vias se desenvolvendo simultaneamente e se reforçando mutuamente. E mais ainda, as três vias tinham fortes semelhanças com desenvolvimentos que, historicamente, caracterizaram diferentes regiões centrais. Uma é muito similar à via “Junker” de Lênin – latifúndio com proletarização completa; outra ao “caminho americano” de Lênin, de pequenos e médios fazendeiros (agricultores), imersos no mercado. Lênin não tem a terceira via que nós chamamos de caminho Suíço: migração de longa distância com investimento e manutenção da propriedade na localidade de origem. Na Suíça não há desapropriação dos camponeses e sim uma tradição de imigração que permitiu a consolidação da pequena propriedade rural. O que é interessante acerca da Calábria, é que todas as três vias, que em outros autores estão associadas a uma posição no centro, aqui foram encontradas na periferia – o que é uma crítica tanto ao processo único de proletarização de Brenner, quanto à correspondência, feita por Wallerstein, da posição das relações de produção [na estrutura centro-periferia].

Seu “Geometria do Imperialismo”12 apareceu em 1978, antes de sua ida para o EUA. Relendo-o, fiquei impressionado pela metáfora matemática – a geometria – que você usa para construir a compreensão da teoria do imperialismo de Hobson, e que desempenha uma função muito útil. Mas, além disso, há uma interessante questão geográfica: quando você coloca Hobson e o capitalismo juntos, a noção de hegemonia emerge de repente, como uma mudança da geometria para a geografia naquilo que você está fazendo. Qual foi a motivação inicial para escrever “A Geometria...” e qual a importância dele pra você?

Na época, eu estava incomodado pela confusão terminológica que estava se formando em torno do termo “imperialismo”. Meu objetivo era dissipar algo dessa confusão através da criação de um espaço topológico onde os diferentes conceitos, que eram com frequência equivocadamente entendidos como “imperialismo”, pudessem ser diferenciados uns dos outros. Mas como um exercício sobre o imperialismo, sim, ele também funcionou para mim como uma transição para o conceito de hegemonia. Eu disse isso explicitamente no postscriptum da 2ª. edição de 1983 de “A Geometria do Imperialismo”, no qual argumentei que o conceito gramsciano de hegemonia poderia ser mais útil que “imperialismo” para analisar a dinâmica contemporânea do sistema interestatal. Deste ponto de vista, o que eu – e outros – fizemos foi simplesmente reaplicar a noção gramsciana de hegemonia às relações interestatais, onde ela originalmente estava antes que Gramsci a empregasse para a análise das relações de classe no interior de uma jurisdição política nacional. Com isso, Gramsci certamente enriqueceu o conceito em muitos aspectos que não tinham sido percebidos antes. Nossa reexportação dele para a esfera internacional beneficiou-se enormemente desse enriquecimento.

Braudel teve uma influência central na concepção de “O Longo Século XX”, publicado em 1994. Depois de tê-lo absorvido, você tem alguma crítica significativa a respeito dele?

Esta crítica é relativamente fácil. Braudel é uma fonte de informação incrivelmente rica sobre mercados e capitalismo, mas ele não tem um marco teórico. Ou mais precisamente, como Charles Tilly observou, ele é tão eclético que tem inúmeras teorias parciais, cuja soma não é uma teoria. Você não pode simplesmente contar com Braudel. Você tem que consultá-lo com uma ideia muito clara do que você está procurando, e do que você está extraindo dele. Uma coisa que eu enfoquei, que distingue Braudel de Wallerstein e de todos os outros analistas dos sistemas-mundo – para não falar de historiadores econômicos mais tradicionais, marxistas ou não –, é a ideia de que o sistema de estados nacionais, que emergiu nos séculos dezesseis e dezessete, foi precedido por um sistema de cidades-Estado; e que e as origens do capitalismo devem ser buscadas lá, nas cidades-Estado. Esta é uma característica distintiva do Ocidente, ou Europa, comparada com outras partes do mundo. Mas você se perde facilmente se você apenas segue Braudel, porque ele leva você para muitas direções diferentes. Eu por exemplo, tive que extrair esse ponto e combiná-lo com o que eu esta- va aprendendo em “Pursuit of Power”, de William McNeill, que de uma perspectiva diferente também argumenta que o sistema de cidades-Estado precedeu e preparou o surgimento de um sistema de estados territoriais.

Outra ideia, à qual você dá uma profundidade teórica muito grande, mas que, no entanto, também vem de Braudel, é a noção de que a expansão financeira anuncia o outono de uma hegemonia sistêmica particular e precede a mudança para um novo hegemon. Isso seria visto como o “in- sight” central de “O Longo Século XX”?

Sim. A ideia é que as organizações capitalistas líderes, de uma determinada época, seriam também as líderes da expansão financeira, que sempre ocorre quando a expansão material das forças produtivas chega a seu limite. A lógica deste processo – ainda que, de novo, Braudel não a forneça – é que, quando a competição se intensifica, o investimento na economia material se torna cada vez mais arriscado e, portanto, acentua-se a preferência pela liquidez dos acumuladores, o que, por sua vez, cria as condições de oferta das expansões financeiras. A questão seguinte, naturalmente, é como são criadas as condições de demanda para as expansões financeiras. Para explicar isso, eu me baseei na ideia de Weber de que a concorrência interestatal pelo capital circulante constitui a especificidade histórico-mundial da era moderna. Esta competição, argumentei, cria as condições de demanda para a expansão financeira. A ideia braudeliana do “outono” – como a fase de conclusão de um processo de liderança na acumulação, que passa do material para o financeiro, e finalmente à substituição por outro líder – é crucial. Mas também o é a ideia de Marx de que o outono de um determinado Estado que experimenta a expansão financeira, é também a primavera para uma outra região: lucros que se acumularam em Veneza vão para Holanda; aqueles que se acumularam na Holanda vão então para a Grã-Bretanha; e aqueles acumulados na Grã-Bre- tanha vão para os Estados Unidos. Assim, Marx nos permite complementar o que nós temos em Braudel: o outono se transforma em primavera em outro lugar, provocando uma série de desenvolvimentos interligados.

“O Longo Século XX” traça esses ciclos sucessivos de expansão capitalista e poder hegemônico da Renascença até o presente. Na sua narrativa, fases de expansão material finalmente se tornam mais fracas sob a pressão de uma competição excessiva, dando lugar a fases de expansão financeira, cujo esgotamento então dá lugar a uma época de caos interestatal que é resolvido pela emergência de uma nova potência hegemônica, capaz de restaurar a ordem global e reiniciar mais uma vez o ciclo de expan- são material, apoiado em um novo bloco social. Estes hegemons foram consecutivamente Genova, Holanda (Províncias Unidas) Inglaterra e os Estados Unidos. Até onde você considera o aparecimento regular deles, cada um pondo um fim a uma época anterior de problemas, como um conjunto de contingências?

Uma questão boa e difícil! Há sempre um elemento de contingência. Ao mesmo tempo, a razão pela qual essas transições demoram tanto, e atravessam períodos de turbulência e caos é que os próprios agentes, na forma como eles surgem para organizar o sistema, passam por um processo de aprendizagem. Isso fica claro se nós olhamos para o caso mais recente, o dos EUA. No final do século XIX, os EUA já apresentavam algumas características que faziam deles um possível sucessor da Grã-Bretanha como líder hegemônico. No entanto, demorou mais de meio século, duas guerras mundiais e uma catastrófica depressão, antes que os Estados Unidos de fato desenvolvessem estruturas e ideias que, depois da II Guerra Mundial, habilitassem-nos para ser verdadeiramente hegemônicos. Foi este desenvolvimento do EUA no século XIX, como potencial hegemon, estritamente uma contingência, ou há aí algo mais? Eu não sei. Claramente, havia um aspecto geográfico contingencial – a América do Norte tinha uma configuração espacial diferente da Europa, que possibilitou a formação de um Estado que não poderia ser criado na Europa, exceto na parte Leste, onde a Rússia também estava se expandindo territorialmente. Mas também havia um elemento sistêmico: A Grã-Bretanha tinha criado um sistema de crédito internacional que, depois de certo ponto, favoreceu em formas específicas a consolidação dos Estados Unidos.

Certamente, se no final do século XIX não houvesse um Estados Uni- dos, com sua particular configuração histórico-geográfica, a história teria sido muito diferente. Quem teria se tornando hegemônico? Nós só podemos conjecturar. Mas havia os Estados Unidos, que estavam construindo uma hegemonia, em muitos aspectos, na tradição da Holanda e da Grã-Bretanha. Genôva era um pouco diferente: eu nunca disse que ela foi hegemônica; ela era mais próxima de um tipo de organização financeira transnacional que ocorre nas diásporas, incluindo a diáspora chinesa contemporânea. Mas ela não foi hegemônica no sentido gramsciano em que o foram a Holanda, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos. A Geografia tem muita importância; mas ainda que sejam três hegemonias espacialmente muito diferentes, cada uma se construiu com características organizacionais aprendidas da anterior. A Grã-Bretanha tomou muita coisa emprestada da Holanda e os Estados Unidos da Grã-Bretanha; esses são um conjunto interligado de Estados – há um tipo de efeito bola de neve. Então, sim, há contingências; mas há também ligações sistêmicas.

O Longo Século XX não aborda o destino do movimento operário. Você o omitiu porque, na época, você o considerava menos importante, ou porque a arquitetura do livro – seu subtítulo é Dinheiro, Poder e as Origens de Nossa Época – já era tão ampla e complexa que se você incluísse o trabalho ela ficaria sobrecarregada?

Mais pela última razão. Originalmente, O Longo século XX seria escrito em coautoria com Beverly Silver – quem eu encontrei pela primeira vez em Binghamton – e era pra ser em três partes. Uma seria sobre as hegemonias, que agora compõem o primeiro capítulo do livro. A segunda parte se esperava que fosse sobre o capital – a organização do capital, a empresa; basicamente, a competição. A terceira seria sobre o trabalho – as relações trabalho-capital e os movimentos trabalhistas. Mas a descoberta da financerização como um padrão recorrente do capitalismo histórico afetou todo o projeto. Isso me forçou a voltar no tempo, o que eu nunca quis fazer, porque o livro era realmente pra ser sobre o “Longo Século Vinte”, ou seja, da Grande Depressão da década de 1870 até o presente. Quando eu descobri o paradigma da financeirização eu fiquei completamente fora de rumo, e “O Longo Século XX” se tornou basicamente um livro sobre o papel do capital financeiro no desenvolvimento histórico do capitalismo, desde o século quatorze. Por isso, Beverly assumiu a pesquisa sobre o trabalho em seu Forces of Labour, que veio à luz em 200313.

Escrito em coautoria por vocês dois em 1999, “Caos e Governabilidade” parece respeitar o tipo de estrutura que vocês haviam inicialmente planejado para o “O Longo século XX”.

Sim, em Caos e Governabilidade14 há capítulos sobre geopolítica, empresas, conflitos sociais e assim por diante. Assim, o projeto inicial nunca foi abandonado. Mas isso certamente não foi incorporado em O Longo Século XX, porque eu não poderia enfocar a recorrência cíclica das expansões financeiras e expansões materiais e, ao mesmo tempo, tratar do trabalho. Depois que você muda o foco na definição do capitalismo para uma alternância de expansões materiais e financeiras, torna-se muito difícil retornar para a questão do trabalho. Não apenas há muito o que cobrir, mas há também uma considerável variação temporal e espacial nas relações entre capital e trabalho. Por um lado, como nós assinalamos em Caos e Gover- nabilidade, há uma aceleração da história social. Quando você compara as transições de um regime de acumulação para outro, você percebe que, na transição da hegemonia holandesa para a britânica no século dezoito, os conflitos sociais aconteceram tarde em relação às expansões financeiras e às guerras. Na transição da hegemonia britânica para norte-americana, no começo do século vinte, a explosão do conflito social foi mais ou menos simultânea ao desabrochar da expansão financeira e das guerras. Na atual transição – para um fim desconhecido – a explosão dos conflitos sociais do fim dos anos 1960 e começo da década de 1970 precedeu a expansão financeira e se deu sem guerras entre as principais potências.

Em outras palavras, se você toma a primeira metade do século vinte, as maiores lutas dos trabalhadores aconteceram na véspera e depois das guerras mundiais. Esta foi a base da teoria da revolução de Lênin: ao acabarem em guerras, as rivalidades intercapitalistas criariam condições favoráveis para a revolução, o que é algo que pode ser observado empiricamente até a Segunda Guerra Mundial. Em certo sentido se poderia argumentar que na presente transição, a aceleração do conflito social impediu os estados capitalistas de deflagrarem guerras entre si. Assim, para voltar à sua pergunta, em O Longo Século XX, eu escolhi me concentrar na elaboração completa do argumento sobre expansões financeiras, ciclos sistêmicos de acumula- ção de capital e hegemonias mundiais; mas em Caos e Governabilidade, eu retornei à questão das inter-relações entre conflito social, expansões financeiras e transições hegemônicas.

Na sua discussão da acumulação primitiva, Marx escreve sobre a dívida pública nacional, o sistema de crédito, as falências – de uma certa maneira, a integração entre finanças e Estado ocorreu durante a acumulação primitiva – como sendo absolutamente crítica para o modo como sistema capitalista evolui . Mas a análise em “O Capital”, recusa-se a tratar do sistema de crédito, até que você chega ao Volume Três, porque Marx não quer lidar com o juro, ainda que o sistema de crédito continue se revelando crucial para a centralização do capital, para a organização do capital fixo e assim por diante. Isto levanta a questão de como a luta de classes de fato opera em torno das conexões finanças-Estado, que desempenha o papel central que você está assinalando. Parece haver uma brecha na análise de Marx: por um lado, dizendo que a dinâmica importante é aquela entre o capital e o trabalho; por outro lado, o trabalho parece não ser crucial ao processo sobre o qual você está falando – transferência de hegemonia, saltos de escalas. É compreensível que “O Longo Século XX” tenha tido dificuldade para integrar o trabalho nesta história, porque, num certo sentido, a relação capital-trabalho não é central para este aspecto da dinâmica capitalista. Você concorda com isto?

Sim, eu concordo com uma ressalva: o fenômeno da aceleração da história social que eu mencionei. As lutas operárias dos anos 1960 e come- ço dos 1970, por exemplo, foram um fator decisivo na financeirização do final dos anos 1970 e dos 1980, e no modo como ela evoluiu. A relação das lutas dos trabalhadores e das classes subalternas com a financeirização é algo que muda com o tempo, e recentemente apresentou características que certamente não tinha antes. Mas se você está tentando explicar a recorrên- cia das expansões financeiras, você não pode focar demasiado no trabalho, porque senão você estará falando somente do último ciclo; você provavel- mente cometerá o erro de considerar o trabalho como causa das expansões financeiras, quando as anteriores se desenvolveram sem a intervenção das lutas dos trabalhadores e das classes subordinadas.

Ainda sobre a questão do trabalho, então, poderíamos voltar ao seu ensaio de 1990 sobre a reconstrução do movimento operário mundial, “Século Marxista, Século Americano”[15]. Lá você argumenta que a explicação de Marx para a classe trabalhadora em O Manifesto é profundamente contraditória, pois ele destaca ao mesmo tempo a crescente força coletiva do trabalho, à medida em que prossegue o desenvolvimento capitalista, e seu crescente empobrecimento, correspondendo, de fato, a um exército industrial ativo e a um exército de reserva. Marx, você observou, pensava que as duas tendências se unificariam na mesma massa humana; mas você argumentou que, no começo do século vinte, elas de fato se tornaram espacialmente polarizadas. Na Escandinávia e na esfera inglesa, prevaleceu a primeira, na Rússia e mais ao Leste, a segunda – Bernstein captando a primeira situação e Lênin a segunda – o que levou à divisão entre as alas reformistas e revolucionárias do movimento operário. Por outro lado, na Europa Central – Alemanha, Áustria e Itália – você argumentou que havia um equilíbrio mais variável entre exército ativo e de reserva, levando aos equívocos de Kautsky, incapaz de escolher entre reforma ou revolução, o que contribuiu para a vitória do fascismo. No fim do ensaio você sugeriu que poderia estar acontecendo uma recomposição do movimento operário – miséria reaparecendo no Ocidente, com o retorno do desemprego generalizado; e o poder coletivo dos trabalhadores, com o crescimento do Solidariedade, no Leste, talvez reunindo o que o espaço e a história tinham dividido. Como você vê este prognóstico hoje?

Bem, a primeira coisa é que junto com este cenário otimista do ponto de vista de unificar globalmente as condições da classe trabalhadora, havia no ensaio uma consideração mais pessimista, que assinalava algo que eu sempre considerei uma séria falha no “O Manifesto” de Marx e Engels. Há um salto lógico que realmente não se sustenta, intelectual ou historica- mente – a ideia de que, para o capital, aquelas coisas que hoje chamamos gênero, etnias, e nacionalidade não importa. Que a única que coisa que importa para o capital é a possibilidade da exploração; e, portanto, o grupo de status dentro da classe trabalhadora que pode ser mais explorado será empregado, sem nenhuma discriminação com base na raça, gênero e etnia. Isto certamente é verdade. No entanto, daí não se segue que os vários grupos da classe trabalhadora simplesmente aceitarão isto. De fato, é precisamente no ponto em que a proletarização se torna generalizada, e os trabalhadores estão submetidos aos desígnios do capital, que eles mobilizarão qualquer diferença de status que eles possam identificar ou construir para obter um tratamento privilegiado por parte dos capitalistas. Eles vão se mobilizar em torno de gênero, nacionalidade, etnia ou o que seja, para merecer um trata- mento privilegiado do capital. “Século Marxista, Século Americano” não é, pois, tão otimista quanto possa parecer, porque ele aponta para esta tendência interna dentro da classe trabalhadora de acentuar diferenças de status, para proteger a si própria da tendência do capital de tratar os trabalhadores como uma massa indiferenciada que seria empregada somente na medida em que possibilitasse o capital a obtenção de lucros. Assim, o ensaio termina com uma nota otimista, esta de que há uma tendência para uma equiparação; mas ao mesmo tempo em que se deveria esperar que os trabalhadores lutem para se proteger, através da formação ou da consolidação de grupos de status, contra aquela mesma tendência.

Isso significa que a diferenciação entre o exército ativo e o exército industrial de reserva também tende a ser dividida por status – em termos raciais (por exemplo), se você quiser?

Isso depende. Se você observar o processo globalmente – onde o exército de reserva é não somente o desempregado, mas também o desem- pregado disfarçado e o excluído – então definitivamente há uma divisão de status entre os dois. A nacionalidade tem sido usada por segmentos da classe trabalhadora, do exército ativo, para diferenciar-se do exército de reserva global. No âmbito nacional isto não é tão claro. Se você toma os EUA e a Europa, é muito menos visível que de fato existe uma diferença de status entre o exército ativo e o exército de reserva. Mas com os imigrantes atualmente vindos de países muito mais pobres, tem crescido sentimentos anti-imigração que são uma manifestação desta tendência para criar dis- tinções de status dentro da classe trabalhadora. Assim, é um quadro muito complicado, particularmente se você olha para os fluxos transnacionais de migração, e para a situação na qual o exército de reserva está concentrado principalmente no Sul global ao invés do Norte.

Em seu artigo de 1991, “A Desigualdade Mundial de renda Mundial e o Futuro do Socialismo”16, você mostrou a extraordinária estabilidade a da hierarquia da riqueza regional no século XX, na medida em que a diferença de renda per capita entre o núcleo do Norte/Ocidente e a semiperiferia e periferia Sul/Leste do mundo permaneceu inalterada, ou na realidade se aprofundou após meio século de desenvolvimentismo. O Comunismo, você apontou, não conseguiu preencher essa lacuna na Rússia, na Eu- ropa Oriental e na China, apesar de não ter feito pior a respeito, do que o capitalismo na América Latina, no Sudeste da Ásia ou na África. E, e em outros aspectos – na distribuição de renda mais igualitária dentro da sociedade e uma maior independência do Estado do centro Norte/Ociden- tal – havia feito significativamente melhor. Duas décadas mais tarde, a China obviamente quebrou o padrão que você então estava descrevendo. Até que ponto isso foi – ou não – uma surpresa para você?

Antes de tudo, não devemos exagerar na extensão em que a China tem quebrado o padrão. O nível de renda per capita da China era tão baixo, e ainda é baixo se comparado aos países ricos, que mesmo grandes avanços precisam ser ponderados. A China duplicou sua posição em relação ao mundo rico, mas ainda significa apenas ir de 2 por cento da renda média per capita dos países ricos para 4 por cento. É verdade que a China tem sido decisiva na produção de uma redução nas desigualdades de renda entre os países. Se você retirar a China, a posição relativa do Sul agravou-se desde os anos 80; se você a mantém, o Sul melhorou um pouco, isto devido quase que exclusivamente ao avanço chinês. Mas, claro, tem havido um grande crescimento da desigualdade dentro da RPC [República Popular da China]. Assim, o país também contribuiu, nas últimas décadas, para o aumento em escala mundial das desigualdades dentro dos países. Tomando juntas as duas medidas de desigualdade - entre países e dentro deles -, a China provocou, estatisticamente, uma redução no total da desigualdade global. Não devemos superestimar isto – o padrão mundial ainda é de enormes brechas, que estão sendo reduzidas de maneiras muito pequenas. No entanto, é importante por- que isto muda as relações de poder entre os países. Se continuar, pode até mudar a divisão global de renda de uma distribuição que ainda está muito polarizada, para uma mais normal, de tipo paretiana.

Eu fiquei surpreso com isso? Em certa medida, sim. Na verdade, é por isso que eu, nos últimos quinze anos, mudei meu interesse de pesquisa para o estudo do Leste Asiático: porque percebi que, embora a Ásia Oriental – com exceção do Japão, é claro – fosse uma parte do Sul, essa região tinha algumas peculiaridades que lhe permitiu gerar um tipo de desenvolvimento que não se encaixava perfeitamente dentro do padrão de desigualdade estável entre regiões. Ao mesmo tempo, ninguém defendeu – eu certamente não – que a estabilidade na distribuição da renda também significava imobilidade de determinados países ou regiões. Uma estrutura de desigualdades razoavel- mente estável pode persistir, com alguns países subindo e outros descendo. E isso, em certa medida, é o que vem acontecendo. A partir dos anos 1980 e 1990, em particular, o desenvolvimento mais importante tem sido a bifur- cação de um Leste Asiático altamente dinâmico e de mobilidade ascendente e de uma África estagnada e de mobilidade descendente em particular da África Austral – mais uma vez “A África das reservas de trabalho”. Esta bifurcação é a coisa que mais me interessa: por que a África meridional e o Leste da Ásia se moveram em direções tão opostas? É muito importante tentar compreender este fenômeno, porque fazê-lo poderia modificar também nosso entendimento dos fundamentos do sucesso do desenvolvimento capitalista, e na medida em que este depende, ou não, da desapropriação – a proletarização completa do campesinato – como aconteceu no Sul da África; ou da proletarização parcial, que ocorreu na Ásia Oriental. Assim, a divergência destas duas regiões traz uma grande questão teórica, que mais uma vez desafia a identificação do desenvolvimento capitalista de Brenner, com a proletarização completa da força de trabalho.

“Caos e Governabilidade”, em 1999, argumentou que a hegemonia americana iria declinar principalmente pela a ascensão da Ásia Oriental e, sobretudo da China. Ao mesmo tempo, o livro apresentou a previsão de que esta seria também a região onde o trabalho poderia representar, no futuro, o maior desafio para a capital, em todo o mundo. Por vezes tem sido sugerido que existe uma tensão entre essas perspectivas, a ascensão da China como um centro de poder rivalizando com os Estados Unidos, e o crescimento de distúrbios entre as classes trabalhadoras na China. Como você vê a relação entre os dois?

A relação é muito estreita, porque, em primeiro lugar, ao contrário do que muitos pensam, os camponeses e os trabalhadores chineses têm uma tradição milenar de inquietação que não tem paralelo em nenhum outro lugar do mundo. Na verdade, muitas das transições dinásticas foram ocasionadas por rebeliões, greves e manifestações, não apenas de trabalhadores e camponeses, mas também dos comerciantes. Esta é uma tradição que continua até o presente. Quando Hu Jintao, disse a Bush, há alguns anos atrás, “não se preocupe com a China tentando desafiar o domínio dos EUA; temos muitas preocupações em casa”, ele estava apontando para uma das principais características da história chinesa: como combater a combinação de rebeliões internas pelas classes subordinadas com invasões externas, os chamados bárbaros, das estepes, até o século XIX e, em seguida, desde a Guerra do Ópio, a partir do mar. Estas sempre foram as preocupações fundamentais dos governos da China, e eles definiram limites estreitos do papel chinês nas relações internacionais. O Império chinês do final século XVIII e do século XIX era basicamente uma espécie de estado de bem-estar pré-moderno. Estas características foram reproduzidas ao longo de sua subsequente evolução. Durante a década de 1990, Jiang Zemin deixou o gênio capitalista sair da garrafa. As tentativas atuais para trazê-lo de volta têm que ser definidas no âmbito desta longa tradição. Se rebeliões atuais das classes subordinadas chinesas se materializarem em uma nova forma de Estado de Bem Estar, em seguida, irão influenciar o padrão de relações internacionais durante os próximos vinte ou trinta anos. Mas o equilíbrio de forças entre as classes na China ainda está em disputa no momento.

Existe uma contradição entre ser um grande centro de agitação social e ser uma potência em ascensão? Não necessariamente. Os Estados Unidos na década de 1930 estiveram na vanguarda das lutas operárias, ao mesmo tempo em que estavam emergindo como potência hegemônica. O sucesso nestas lutas, em meio à Grande Depressão, foi um fator importante na transformação dos EUA como socialmente hegemônicos também para as classes trabalhadoras. Este certamente foi o caso da Itália, onde a experiência norte-americana se tornou o modelo para alguns dos sindicatos católicos.

Declarações recentes da China sugerem uma grande preocupação com os níveis de desemprego resultantes de uma recessão global, com uma série de medidas para combatê-lo. Mas isso também implica a continuação do modelo de desenvolvimento sobre formas que podem, no fim, desafiar o resto do capitalismo global?

A questão é se as medidas que os governantes chineses tomam, em resposta às lutas dos grupos subordinados, podem funcionar em outros lugares onde as mesmas condições não existem. O fato de a China poder se tornar um modelo para outros Estados, particularmente de outros grandes Estados do Sul, como a Índia, é dependente de uma série de especificidades históricas e geográficas que não podem, talvez, serem reproduzidas em outros lugares. Os chineses sabem disso, e eles na realidade não se colocam como um modelo a ser imitado. Logo, o que acontece na China, será crucial em termos da relação entre a RPC e o resto do mundo, mas não em termos da criação de um modelo para os outros seguirem. No entanto, existe uma interpenetração de lutas ali, de operários e camponeses nas lutas contra exploração, mas também de lutas contra problemas ambientais e destruição ecológica; que você não encontra, na mesma medida, em outros lugares.

Essas lutas estão crescendo, no momento, e será importante ver como a liderança responde. Eu acho que a mudança de liderança de Hu Jintao e Wen Jiabao está relacionada ao nervosismo, pelo menos, sobre o abandono de uma tradição de bem-estar de longa data. Então, vamos ter que acompanhar a situação e prestar atenção para os possíveis resultados.

Para voltar à questão das crises capitalistas. Seu ensaio de 1972, “Rumo a uma Teoria da Crise Capitalista”, traz uma comparação entre a longa recessão de 1873-1896 e a previsão, que se revelou completamente precisa, de outra crise, que historicamente começou em 1973. Você retornou a esse paralelo diversas vezes desde então, apontando as semelhanças, mas também diferenças importantes entre os dois períodos. Mas você escreveu menos sobre a crise de 1929 e suas consequências. Você considera a Grande Depressão, como um processo, de menor relevância?

Bem, não menos relevante, porque na verdade ela é a crise mais grave que o capitalismo histórico experimentou; certamente foi um ponto decisivo. Mas isto também educou os poderosos em termos do que devem fazer para que não se repita essa experiência. Há uma variedade de instrumentos, reconhecidos e menos reconhecidos, para prevenir que esse tipo de crise aconteça novamente. Mesmo agora, embora o colapso na bolsa de valores esteja sendo comparado a 1930, eu acho, e posso estar errado, que tanto as autoridades monetárias como os governos dos Estados, que são quem realmente importa nisto, vão fazer todo o possível para evitar que o colapso nos mercados financeiros resulte em efeitos sociais similares aos da década de 1930. Eles simplesmente não podem pagar isso politicamente. E assim, para se recuperar, vão fazer tudo o que for preciso. Mesmo Bush, e Reagan antes dele, e toda sua ideologia de livre mercado, baseou-se num tipo extremo de gasto keynesiano deficitário. Sua ideologia é uma coisa, o que eles realmente fazem é outra, porque eles estão respondendo a situações políticas as quais não podem permitir que se deteriorem muito. Os aspectos financeiros podem ser semelhantes aos de 1930, mas há uma maior consciência e restrições mais rígidas para as autoridades políticas não deixarem que esses processos afetem a chamada economia real, na mesma medida que fizeram em 1930. Eu não estou dizendo que a Grande

Depressão é menos relevante, mas não estou convencido de que vai ser repetir no futuro próximo. A situação da economia mundial é radicalmente diferente. Na década de 1930 estava altamente segmentada, e isto pode ter sido um fator para produção das condições para aquele colapso. Agora tudo é muito mais integrado.

Em “Rumo a uma Teoria da Crise Capitalista”17 você descreve um profundo conflito estrutural no capitalismo, no qual você diferencia crises que são causadas por uma excessiva taxa de exploração, que levam, devido à de- manda efetiva insuficiente, a uma crise de realização, e aquelas causadas por uma taxa muito baixa de exploração, o que corta a procura de meios de produção. Hoje, você ainda mantém essa distinção geral, e se assim for, diria que estamos em uma crise de realização subjacente, mascarada pela expansão do endividamento pessoal e financeirização, devido à repressão salarial que tem caracterizado o capitalismo nos últimos trinta anos?

Sim. Penso que ao longo dos últimos 30 anos houve uma mudança na natureza da crise. Até o início de 1980, a crise era tipicamente ligada à queda na taxa de lucros, devido à intensificação da concorrência entre as organizações capitalistas, e devido às circunstâncias, nas quais o trabalho estava muito melhor equipado para se proteger do que nas depressões anteriores – tanto na do final do século XIX quanto na da década de 1930. Esta era situação durante a década de 1970. A contrarrevolução monetária Reagan-Thatcher foi realmente destinada a minar esse poder, essa capacidade das classes trabalhadoras de protegerem a si mesmas. Isto não era o único, mas foi um dos principais objetivos. Eu acho que se você citar alguns assessores de Thatcher, dizendo que o que eles fizeram foi para criar um exército industrial de reserva, exatamente o que Marx diz que eles deveriam fazer! Isso mudou a natureza da crise. Na década de 1980 e 1990 e agora, na década de 2000, estamos realmente diante de uma crise de superprodução, com todas as suas características típicas. Rendimentos foram redistribuídos em favor de grupos e classes que têm alta liquidez e disposições especulativas, de modo que a renda não volta para circulação sob a forma de demanda efetiva, mas eles a colocam para a especulação, criando bolhas que estouram regularmente. Então, sim, a crise foi transformada de uma de típica crise de queda da taxa de lucro, devido à intensificação da concorrência entre as capitais, para uma de superprodução devido a uma falta sistemática de demanda efetiva, criada pelas tendências do desenvolvimento capitalista.

Um recente relatório do Conselho Nacional de Inteligência previu o fim da dominação global dos EUA em 2025, e o surgimento de um mundo mais fragmentado, multipolar, e potencialmente conflituoso. Você acha que o capitalismo como sistema mundial exige, como condição de sua existência, uma única potência hegemônica? A ausência de uma, necessariamente equivale à instabilidade e caos sistêmico? Um equilíbrio de poder entre estados centrais aproximadamente comparáveis é impossível?

Não, eu diria que não é impossível. Depende muito se o provável poder hegemônico aceita uma acomodação ou não. O caos dos últimos seis, sete anos é devido à resposta da administração Bush ao 11/09, que em alguns aspectos, foi um caso de suicídio entre as grandes potências. O que a potência em declínio faz é muito importante, porque ela tem a capacidade de criar o caos. Todo o “Projeto para um Novo Século Americano” era uma recusa em aceitar o declínio. Isto tem sido uma catástrofe. Houve o desastre militar no Iraque e a tensão financeira relacionada à posição dos EUA na economia mundial, transformando os Estados Unidos de um país credor a nação mais devedora da história mundial. Como derrota, o Iraque é pior do que o Vietnã, porque, na Indochina, havia uma longa tradição de guerrilha: eles tinham um líder do calibre de Ho Chi Minh, eles já haviam derrotado os franceses. A tragédia para os americanos no Iraque é que, mesmo nas melhores circunstâncias possíveis, eles têm dificuldade em vencer a guerra, e agora eles estão apenas tentando sair com algum dispositivo para salvar a sua cara. Sua resistência à acomodação tem levado, em primeiro lugar, a uma aceleração do seu declínio, e em segundo lugar, a muito sofrimento e caos. O Iraque é um desastre. O tamanho da população desalojada lá é muito maior do que em Darfur.

Não está claro o que Obama realmente quer fazer. Se ele acha que pode reverter a queda, ele vai ter algumas surpresas muito desagradáveis. O que ele pode fazer é controlar a queda de forma inteligente, em outras palavras, mudar a política de: «Nós não estamos acomodados. Nós queremos mais um século», para uma gestão declínio de facto, elaborando políticas que se adaptem à mudança nas relações de poder. Eu não sei se ele vai fazer isso porque ele é muito ambíguo; ou porque na política não se pode dizer certas coisas; ou porque ele não sabe o que fazer; ou porque ele simples- mente é ambíguo, não sei. Mas a mudança de Bush para Obama abre uma possibilidade de gestão e acomodação do declínio dos Estados Unidos de uma maneira não catastrófica. Bush teve o efeito oposto: a credibilidade do exército americano foi ainda mais prejudicada e a situação financeira tornou-se ainda mais desastrosa. Então, a tarefa que Obama agora enfrenta, eu acho, é administrar o declínio inteligentemente. Isso é o que ele pode fazer. No mínimo, sua ideia de uma escalada da intervenção dos EUA no Afeganistão é preocupante, para dizer o mínimo.

Ao longo dos anos, sempre baseando seu trabalho na concepção de Marx sobre a acumulação de capital, você nunca hesitou em expressar uma série de críticas a Marx, e sua subestimação da luta pelo poder entre os Estados, sua indiferença para com o espaço, as contradições em suas atribuições a classe trabalhadora, entre outros. Por muito tempo você também foi fascinado por Adam Smith, que desempenha um papel central no seu mais recente trabalho, “Adam Smith em Pequim”. Quais seriam as suas ressalvas comparáveis sobre ele?

As ressalvas comparáveis sobre Smith são as mesmas que as reservas de Marx sobre ele. Marx tirou muita coisa de Smith, a tendência da queda da taxa de lucro sob o impacto da competição intercapitalista, por exemplo, é uma ideia smithiana. “O Capital” é uma crítica da economia política: Marx estava criticando Smith por não notar o que estava acontecendo nas residências ocultas da produção, como ele disse: a concorrência intercapitalista pode reduzir a taxa de lucro, mas isso foi compensado pela tendência e capacidade dos capitalistas em mudar as relações de poder com a classe trabalhadora em seu favor. Deste ponto de vista, a crítica de Marx à economia política de Smith tocou em um ponto fundamental. No entanto, a pessoa também tem de olhar para a evidência histórica, porque a obra de Marx foi uma construção teórica, com pressupostos que podem não corresponder à realidade histórica de determinados períodos ou lugares. Não podemos in- ferir realidades empíricas a partir de uma construção teórica. A validade de sua crítica a Smith deve ser avaliada com base no registro histórico, isto se aplica a Smith, tanto quanto ela se aplica a Marx, ou qualquer outra pessoa.

Uma das conclusões de Marx em “O Capital”, particularmente no primeiro volume, é que a adoção de um sistema de livre mercado smithiano levaria a aumentos de desigualdade entre as classes. Até que ponto a introdução de um regime smithiano em Pequim carrega o risco de produzir desigualdades de classe ainda maiores na China?

Meu argumento no capítulo teórico sobre Smith, em “Adam Smith em Pequim”, é que não há nenhuma noção, em sua obra, de mercados autorregulados, como no credo neoliberal. A mão invisível é a do Estado, que deveria governar de forma descentralizada, com mínima interferência burocrática. Substantivamente, a ação do governo em Smith é pró-trabalho, e não pró-capital. Ele é bem explícito que não é a favor de que os trabalha- dores compitam para redução dos salários, mas sim de fazer os capitalistas competirem, para reduzir os lucros a um mínimo aceitável como recompensa por seus riscos. As concepções correntes colocaram-no completamente de cabeça para baixo. Mas não é claro para onde a China se dirige hoje. Na era de Jiang Zemin, nos 1990, foi certamente direcionada a fazer os trabalhadores concorrerem em benefício do capital e do lucro, não há dúvida sobre isso. Agora, há uma inversão, uma que, como eu disse, tem que ser levada em conta não só a tradição da Revolução e do período de Mao, mas também dos aspectos de bem-estar da China imperial tardia sob a dinastia Qing, no final do Século XVIII e início dos XIX. Eu não estou colocando as apostas sobre qualquer resultado em particular na China, mas temos que ter uma mente aberta para enxergarmos para onde tudo isso irá.

Em Adam Smith em Pequim, você também utilizou o trabalho Sugihara Kaoru ao contrastar uma “revolução industriosa”, baseada no trabalho intensivo e gestão da natureza, no início da era moderna da Ásia, e uma “revolução industrial”, baseada na mecanização e utilização predatória de recursos naturais, e fala da esperança de que poderia ocorrer uma convergência entre os dois caminhos para a humanidade no futuro. Como avalia o equilíbrio entre eles na Ásia Oriental de hoje?

Muito precária. Eu não sou tão otimista como Sugihara em pensar que a tradição do leste asiático de “revolução industriosa” é tão bem estabelecida que pode, se não tornar-se dominante, novamente, pelo menos, desempenhar um papel importante em qualquer formação híbrida que poderá surgir. Estes conceitos são mais importantes para monitorar o que está acontecendo do que dizer que o Leste Asiático está indo nesta direção, ou os Estados Unidos estão indo na direção contrária. Precisamos ver o que eles realmente fazem. Há evidências de que as autoridades chinesas estão preocupadas com o meio ambiente, bem como com os distúrbios sociais. Contudo, em seguida, eles fazem coisas que são pura estupidez. Talvez haja um plano em andamento, mas não vejo muita consciência sobre desastres ecológicos nas civilizações do automóvel. A ideia de copiar os Estados Unidos, a partir deste ponto de vista, já foi uma loucura na Europa, e é uma loucura ainda maior na China. E eu tenho dito sempre aos chineses que, na década de 1990 e 2000, eles foram olhar para a cidade errada. Se eles desejam ver como ser rico sem ser ecologicamente destrutivos, eles devem ir a Amsterdã, em vez de Los Angeles. Em Amsterdã, todo mundo anda de bicicleta, existem milhares delas estacionadas na estação durante a noite, porque as pessoas vêm de trem, pegam suas bicicletas na parte da manhã e as deixam lá novamente à noite. Observando que na China, quando estive lá pela primeira vez, em 1970, havia apenas alguns ônibus em um mar de bicicletas, agora, cada vez mais, as bicicletas são preteridas. Desse ponto de vista é uma visão muito misturada, muito preocupante e contraditória. A ideologia da modernização está desacreditada em outros lugares, mas até agora está vivendo, um tanto ingenuamente, na China.

Mas a implicação de “Adam Smith em Pequim” é que parece ser necessária uma espécie de revolução industriosa no Ocidente, e que, portanto, esta é uma categoria que não é específica para a China, mas pode na realidade ser muito mais ampla?

Sim. Mas o ponto básico de Sugihara é que o desenvolvimento típico da revolução industrial, a substituição de trabalho por máquinas e energia, não somente tem limites ecológicos, como sabemos, mas possui também limites econômicos. Na realidade, os marxistas costumam esquecer que a ideia de Marx sobre o aumento da composição orgânica do capital, provocando uma queda da taxa de lucro, tem a ver substancialmente com o fato de que a utilização de mais máquinas e energia intensifica a concorrência entre os capitalistas de tal forma que torna os negócios menos rentáveis, além de ser algo ecologicamente destrutivo. O ponto de Sugihara é que a separação entre a gestão e o trabalho, o crescente domínio da gestão sobre o trabalho, e o fato de que o trabalho é desprovido de habilidades, inclusive às de autogestão, que é típico da revolução industrial, tem limites. Na “revolução industriosa” há uma mobilização de todos os recursos domésticos que desenvolvem, ou pelo menos preservam, as competências de gestão entre os trabalhadores. Finalmente, as vantagens destas habilidades de autogestão tornam-se mais importantes que as vantagens decorrentes da separação de concepção e execução, que era típica da revolução industrial. Eu acho que Sugihara tem um argumento que considero muito importante para a compreensão da ascensão chinesa atual: que, tendo preservado estas habilidades de autogestão através de sérias limitações nos processos de proletarização em sentido substantivo, a China agora pode ter uma organização do processo de trabalho que é mais dependente das habilidades de autogestão do trabalho do que em outros lugares. Esta é provavelmente uma das principais fontes da vantagem competitiva da China, sob as novas circunstâncias.

O que nos levaria de volta para a política do Grupo de Gramsci, em termos do processo de trabalho e a Autonomia?

Sim e não. São duas formas diferentes de autonomia. O que estamos falando agora é a autonomia de gestão, enquanto a outra foi a autonomia em luta, no sentido de antagonismo dos trabalhadores e o capital. Lá, a ideia de autonomia foi: como podemos formular nosso programa de forma que os trabalhadores se unam na luta contra o capital, ao invés de dividir o trabalho e criar as condições para a capital para restabelecer sua autoridade sobre os trabalhadores no local de trabalho? A atual situação é ambígua. Muitos olham para habilidade chinesa de autogestão e a veem como uma forma de subordinação do trabalho ao capital; em outras palavras, o capital reduz seus custos de gestão. Temos que colocar essas habilidades de autogestão no contexto: onde, quando e com que finalidade. Não é assim tão fácil classificá-lo de uma forma ou de outra.

Você acabou “Desigualdades de Renda no Mundo”18 em 1991, argumentando que, após o colapso da URSS, o aprofundamento e a ampliação dos conflitos por recursos escassos dentro do Sul, a Guerra Irã-Iraque, ou a Guerra do Golfo, podem ser tomadas como emblemáticas; foram forçando o Ocidente a criar estruturas embrionárias de governança mundial para regular isto: o G7 como um comitê executivo da burguesia mundial; o FMI e o Banco Mundial como o Ministério das Finanças; o Conselho de Segurança, do Ministério da Defesa. Estas estruturas, você sugeriu, talvez em quinze anos, poderiam ser assumidas por forças não conserva- doras. Já em “Adam Smith em Pequim”, você fala de uma sociedade de mercado mundial como um futuro potencialmente promissor, onde não existe mais um poder como hegemon. Qual é a relação entre as duas, e suas concepções sobre eles?

Primeiro, eu na realidade não disse que as estruturas de um governo mundial surgiram devido aos conflitos no Sul. A maioria delas eram organizações de Bretton Woods, estabelecidas pelos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial como mecanismos que foram necessários para evitar as armadilhas da autorregulação dos mercados na economia global, e como instrumentos de governança. Assim, desde o início da era do pós-guerra, havia estruturas embrionárias de governança mundial se estabelecendo. O que aconteceu na década de 1980 foi uma crescente turbulência e instabilidade, na qual estes conflitos no Sul eram um aspecto e, portanto, estas instituições foram trazidas para gerir a economia mundial de uma forma diferente de antes. Elas poderiam ser assumidas por forças não conservadoras? Minha atitude para com essas instituições sempre foi ambivalente, porque, em muitos aspectos, elas refletem um equilíbrio de poder entre os estados do Norte e do Sul – dentro do Norte, entre o Norte e o Sul, e assim por diante. Não havia nada, em princípio, que descartasse a possibilidade de que essas instituições poderiam ser realmente colocadas a serviço para governar a economia global de maneira a promover uma distribuição mais equitativa da renda a nível mundial. No entanto, o que aconteceu é exata- mente o oposto. Na década de 1980, o FMI e o Banco Mundial tornaram-se os instrumentos da contrarrevolução neoliberal e, portanto, promoveram uma distribuição mais desigual dos rendimentos. Mas mesmo assim, como eu disse, o que aconteceu no final não foi tanto uma distribuição mais de- sigual entre o Norte e o Sul, mas uma grande bifurcação dentro do próprio Sul, com a Ásia Oriental se saindo muito bem, o Sul da África muito mal, e outras regiões em algum lugar no meio.

Como isso se relaciona com o conceito da sociedade de mercado mundial que eu discuto em Adam Smith em Pequim? É agora claro que um Estado mundial, mesmo dos mais embrionários, tipo confederado, seria muito difícil de realizar. Não é uma séria possibilidade num futuro próximo. Haverá uma sociedade de mercado mundial, no sentido de que os países irão se relacionar uns com os outros por meio de mecanismos de mercado que não são de maneira alguma de autorregulação, mas sim regulados. Isso também aconteceu com o sistema desenvolvido pelos Estados Unidos, que foi um processo altamente regulado pelo qual a eliminação de tarifas, quotas e restrições à mobilidade do trabalho sempre foi negociada pelos Estados – sobretudo pelos Estados Unidos e Europa, e em seguida, entre esses e os outros. A questão agora é qual regulamento será introduzido para evitar um colapso do mercado no estilo dos anos 1930. Assim, a relação entre os dois conceitos é que a organização da economia mundial será fundamentalmente baseada no mercado, mas com uma importante participação dos estados na regulação da economia.

Em “O Longo Século XX”, você esboçou três possíveis resultados do caos sistêmico em que a longa onda de financeirização, que começou no início de 1970, estava levando: um império mundial, controlado pelos Estados Unidos, uma sociedade de mercado mundial no qual nenhum estado dominava os outros, ou uma nova guerra mundial que iria destruir a humanidade. Em todas as três eventualidades, o capitalismo, como historicamente se desenvolveu, teria desaparecido. Em Adam Smith em Pequim, você conclui que, com os fracassos da administração Bush, o primeiro já pode ser descartado, restando apenas os dois últimos. Mas não há, logicamente, pelo menos, uma possibilidade dentro do seu próprio quadro de análise, de que a China possa emergir, ao longo do tempo, como uma nova potência hegemônica, substituindo os Estados Unidos, sem alterar as estruturas do capitalismo e territorialismo como você os descreve? Você exclui esta possibilidade?

Eu não excluo essa possibilidade, mas vamos começar por colocar o registro sobre o que eu realmente digo. O primeiro dos três cenários que eu previa no final de “O Longo Século XX” foi um império mundial controlado não apenas pelos Estados Unidos, mas pelos Estados Unidos, em cooperação com seus aliados europeus. Eu nunca pensei que os EUA seriam tão irresponsáveis a ponto de tentarem, sozinhos, ir para um Novo Século Americano. Aquilo era simplesmente algo muito louco para ser contemplado, e, é claro, o tiro imediatamente saiu pela culatra. Na verdade, há uma forte corrente dentro do sistema de política externa do EUA que deseja consertar a relação com a Europa, que foi fatigada pelo unilateralismo da administração Bush. Isso ainda é uma possibilidade, embora agora seja menos provável do que costumava ser. O segundo ponto é que a sociedade de mercado mundial e o maior peso da China na economia global não são mutuamente exclusivos. Se você olhar para a maneira pela qual a China tem se comportado em relação aos seus vizinhos, historicamente, sempre houve um relacionamento baseado mais sobre o comércio e os intercâmbios econômicos do que no poder militar; este ainda é o caso. Muitas vezes as pessoas confundem isso: eles pensam que eu estou descrevendo os chineses como sendo mais suaves ou melhores do que o Ocidente, não tem nada a ver com isso. Tem a ver com os problemas da governança de um país como a China, o que já discutimos. A China tem uma tradição de rebeliões que nenhum outro território de tamanho similar e densidade de população tenha enfrentado. Seus governantes são também altamente conscientes da possibilidade de novos invasores vindos do mar, em outras palavras, os Estados Unidos. Como eu indico no capítulo dez de “Adam Smith em Pequim”, existem vários planos americanos de como lidar com a China, nenhum dos quais é exatamente reconfortante para Pequim. Salvo o plano de Kissinger, que é um plano de cooptação, os outros consideram a realização de uma nova Guerra Fria contra a China ou envolvê-la em guerras com seus vizinhos, enquanto para os EUA sobraria o papel de “tertius gaudens”19. Se a China emergir, e eu penso que irá, como um novo centro da economia global, seu papel será radicalmente diferente dos hegemons anteriores. Não apenas por causa de contrastes culturais, enraizados como estão nas diferenças histórico-geográficas; mas justamente porque a diferença na história e na geografia da região da Ásia Oriental terá um impacto sobre as novas estruturas da economia global. Se a China vai tornar-se hegemônica, será hegemônica de maneira muito distinta dos outros. Por um lado, o poder militar será muito menos importante do que o poder cultural e econômico, particularmente o econômico. Eles têm que jogar a carta econômica muito mais do que jamais fizeram os EUA, ou os ingleses ou holandeses.

Você prevê uma maior unidade dentro do Leste da Ásia? Fala-se, por exemplo, de uma espécie de instituição como FMI asiático, de unificação da moeda. Você vê a China como o centro de uma hegemonia do Leste Asiático, em vez de um solista? E em caso afirmativo, como isso se encaixa com o crescente nacionalismo na Coréia do Sul, Japão e China?

O que é mais interessante sobre o Leste Asiático é como, no final, a economia é determinante das disposições dos Estados-Membros e as polí- ticas de um para outro, apesar de seus nacionalismos. Os nacionalismos são muito enraizados, mas eles estão relacionados a um fato histórico, muitas vezes esquecido no Ocidente: a Coréia, China, Japão, Tailândia, Camboja, todos esses Estados eram Estados Nacionais muito antes de existir um único Estado-Nação na Europa. Todos têm histórias de reações nacionalistas de um contra o outro, em uma lógica que era predominantemente econômica. Ocasionalmente, houve guerras, e a atitude dos vietnamitas em relação à China, ou dos coreanos para com Japão, está profundamente enraizada na memória destas guerras. Ao mesmo tempo, a economia parece dominar. Foi notório que o ressurgimento nacionalista no Japão, sob o governo Koizumi, cessou de repente, quando se tornou claro que as empresas japonesas estavam interessadas em fazer negócios com a China. Na China, também, houve uma grande onda de manifestações antijaponesas, mas depois elas pararam. O quadro geral no Leste da Ásia é que há disposições nacionalistas profundas, mas ao mesmo tempo, elas tendem a ser suprimidas por interesses econômicos.

A atual crise do sistema financeiro mundial parece à defesa mais espetacular que qualquer um poderia imaginar de suas longas previsões teóricas. Existem aspectos da crise que surpreenderam você?

Minha previsão era muito simples. A tendência repetitiva de financeirização era, como Braudel colocou, um sinal do outono de uma determinada expansão material, centrada em um particular Estado. Em “O Longo Século XX”, apontei o início da financeirização como sinal da crise de um regime de acumulação, e salientei que, ao longo do tempo, normalmente cerca de meio século, a crise terminal viria. Para os hegemons anteriores, foi possível identificar tanto a crise sinalizadora como a crise terminal. Para os Estados Unidos, eu coloquei a hipótese de que a década de 1970 foi a crise sinalizadora. A crise terminal ainda não havia chegado, mas certamente viria. Como isso aconteceria? A hipótese básica é que todas essas expansões financeiras eram fundamentalmente insustentáveis, porque elas estavam colocando em especulação mais capital do que realmente podia ser gerido, em outras palavras, houve uma tendência nessas expansões financeiras para o desenvolvimento de bolhas de vários tipos. Eu previ que esta expansão financeira acabaria por levar a uma crise terminal, porque as bolhas são tão insustentáveis hoje como foram no passado. Mas eu não previa os detalhes das bolhas: o boom das dot.com, ou da bolha imobiliária.

Além disso, eu era ambíguo sobre onde estávamos no início de 1990, quando escrevi “O Longo Século XX”. Pensei que em alguns aspectos a Belle Èpoque dos Estados Unidos já havia terminado quando, na verdade, era apenas o começo. Reagan a preparou ao provocar uma grande recessão, que criou as condições para a expansão financeira subsequente, mas foi Clinton quem na verdade supervisionou a Belle Époque, que, em seguida, terminou com o colapso financeiro dos anos 2000, especialmente do Nasdaq. Com o estouro da bolha imobiliária, o que estamos observando agora é, claramente, a crise terminal dos EUA, da centralidade financeira e da hegemonia.

O que diferencia o seu trabalho de quase todos os outros em seu campo é a sua apreciação da adaptabilidade, flexibilidade e fluidez do desenvolvimento capitalista, dentro do quadro de análise do sistema interestatal. No entanto, na longue durée, com quadro de 500, 150 e 50 anos, que você adotou para a análise coletiva da situação do Leste Asiático no sistema interestatal, os modelos que surgem são surpreendentemente claros, quase rígidos em sua determinação e simplicidade. Como você caracterizaria a relação entre contingência e necessidade em seu pensamento?

Há aqui duas questões diferentes: uma diz respeito a uma valorização da flexibilidade do desenvolvimento capitalista e a outra é a repetição de padrões, e em que medida estes são determinados por contingência ou necessidade. No primeiro, a adaptabilidade do capitalismo: isso é parcialmente relacionado com a minha experiência pessoal no mundo dos negócios, quando jovem. Inicialmente eu tentei gerir negócios de meu pai, que era relativamente pequeno, então eu fiz uma dissertação sobre o negócio do meu avô, que era maior, uma empresa de médio porte. Então, eu briguei com meu avô e fui para a Unilever, que em termos de funcionários era a segunda maior multinacional na época. Então eu tive sorte, do ponto de vista da análise dos negócios capitalistas, de entrar em em- presas sucessivamente maiores, o que me ajudou a entender que não se pode falar de empresas capitalistas em geral; porque as diferenças entre as empresas do meu pai, o negócio do meu avô e a Unilever eram incríveis. Por exemplo, meu pai gastava todo seu tempo indo visitar clientes nos distritos têxteis, e estudando os problemas técnicos que tinham com suas máquinas. Então, ele retornava para a fábrica e discutia os problemas com seu engenheiro. Eles personalizavam a máquina para o cliente. Quando eu tentei tocar esse negócio, eu estava totalmente perdido, a coisa toda era baseada em habilidades e conhecimentos que faziam parte da prática e da experiência do meu pai. Eu poderia sair e visitar os clientes, mas eu não podia resolver os seus problemas, eu não poderia nem mesmo entendê-los. Então, não tinha jeito. Na verdade, na minha juventude, quando dizia ao meu pai: “Se os comunistas chegarem, você vai estar em apuros”, e ele dizia, “Não, eu não vou estar em apuros, eu vou continuar a fazer o que eu estou fazendo. Eles precisam de pessoas que fazem isso”.

Quando eu fechei o negócio do meu pai, eu fui para o do meu avô, que já era uma organização mais fordista. Eles não estavam estudando problemas dos clientes, eles estavam produzindo máquinas padronizadas: ou os clientes queriam ou não. Seus engenheiros estavam projetando máquinas com base em um mercado futuro de acordo com seus pensamentos, e informando os clientes: - é isso que nós temos. Era a produção em massa embrionária, com linhas de montagem embrionárias. Quando fui para a Unilever, eu mal via o lado da produção. Havia muitas fábricas diferentes, uma fazendo a margarina, outra sabonete, outra perfumes. Havia dezenas de produtos diferentes, mas o principal local de atividade não era nem o marketing da organização, nem o local de produção, mas as finanças e a publicidade. Então, isto me ensinou que é muito difícil identificar uma forma específica como “tipicamente” capitalista. Mais tarde, estudando Braudel, eu vi que essa ideia da natureza eminentemente adaptável do capitalismo era algo que você pode observar historicamente.

Um dos grandes problemas da esquerda, mas também da direita, é pensar que há apenas um tipo de capitalismo que se reproduz historicamente, e que o capitalismo transformou-se substancialmente, particularmente sob uma base global, de uma forma inesperada. Por diversos séculos o capitalismo se baseou na escravidão, e a escravidão parecia tão entranha- da de todos os pontos de vista que parecia que o capitalismo não poderia sobreviver sem ela. A escravidão acabou por ser abolida, e o capitalismo não apenas sobreviveu, mas prosperou mais do que nunca, agora se desenvolvendo sob a base do colonialismo e do imperialismo. Neste momento, parecia que o colonialismo e o imperialismo eram essenciais para a ope- ração do capitalismo, mas novamente, após a Segunda Guerra Mundial, o capitalismo conseguiu desfazer-se deles, sobreviver e prosperar. Mundial e historicamente, o capitalismo tem continuamente se transformado, e esta é uma de suas principais características; seria muita miopia tentar definir o que é capitalismo, sem olhar para essas transformações cruciais. O que permanece constante através de todas essas adaptações, e define a essência do capitalismo, é melhor percebido pela fórmula do capital de Marx, D – M – D', a qual me refiro repetidamente, para identificar a alternância de expansões materiais e financeiras. Olhando para a China de hoje, pode-se dizer que talvez seja capitalismo, talvez não seja, mas acho que é ainda uma questão aberta. Mas, supondo que isto é o capitalismo, e que não é o mesmo de períodos anteriores, ele está completamente transformado. A questão é identificar as suas especificidades, como ele difere dos capitalismos ante- riores, se o chamamos de capitalismo ou qualquer outra coisa.

E a segunda parte da pergunta – o surgimento de padrões tão distintos de “longue durée” em seu trabalho, e as transformações de escala?

Um ponto é que há uma dimensão geográfica muito clara para os recor- rentes ciclos de expansões material e financeira, mas você apenas pode ver esse aspecto se você não focar em um determinado país, porque então você vê um processo totalmente diferente. Isto é o que a maioria dos historiadores tem feito, eles se concentram em um determinado país, e traçam a evolução lá. Considerando que em Braudel, a ideia é justamente que a acumulação de capital dá saltos; se você não salta com ela, se você não a segue de lugar para lugar, você não a vê. Se você ficar focado na Inglaterra ou na França, você perde o que mais importa no desenvolvimento do capitalismo históri- co mundial. Você tem que se mover com ele para entender que o processo de desenvolvimento capitalista é essencialmente este processo de saltar de uma condição, onde o que você tem chamado de “ajuste espacial” tornou-se demasiado restritiva, e a competição está se intensificando; a outra, onde uma nova condição espacial de maior escala e de maior escopo permite o sistema experimentar um novo período de expansão material. E então, naturalmente, o ciclo se repete até 
certo ponto.

Quando eu estava formulando isto pela primeira vez, inferindo os padrões de Braudel e Marx, eu ainda não tinha apreciado completamente o seu conceito de “ajuste espacial”, no duplo sentido da palavra – fixidez do capital investido, e uma correção para as contradições anteriores de acumulação capitalista. Há uma necessidade vinculada nestes padrões que deriva do processo de acumulação, que mobiliza o dinheiro e outros recursos em uma escala crescente, o que cria problemas de intensificação da concorrência e da acumulação excessiva de diversos tipos. O processo capitalista de acumulação de capital, em oposição à acumulação não capitalista do capital, tem um efeito de bola de neve, o que intensifica a concorrência e reduz a taxa de lucro. Aqueles que estão melhor posicionados para encontrar uma nova posição espacial o fazem, cada nova vez em um “recipiente” maior. A partir de cidades-estados, que acumularam uma enorme quantidade de capital em “recipientes” pequenos;a Holanda do século XVII, que foi mais que uma cidade-estado, mas menos que um Estado nacional; em seguida, para Grã-Bretanha do século XVIII e século XIX, com o seu império de abrangência mundial; e depois para o século XX, dos Estados Unidos de tamanho continental.

Agora, o processo não pode continuar da mesma maneira, porque não há nenhum “recipiente” novo, maior, que pode afastar os Estados Unidos. Há grandes Estados nacionais, como a China e a Índia, que não são maiores do que os Estados Unidos em termos de espaço, mas tem quatro ou cinco vezes sua população. Então, agora estamos mudando para um novo padrão: - em vez de ir de um “recipiente” para outro, espacialmente maior, vamos partir de um recipiente com uma baixa densidade populacional para “recipientes” com altas densidades populacionais. Além disso, anteriormente era uma mudança de ricos para ricos, em termos de países. Agora nós estamos indo de países muito ricos para países que ainda são basicamente pobres. A renda per capita da China ainda é um vigésimo da renda per capita dos Estados Unidos. Em certo sentido, pode-se dizer, “Ok, agora a hegemonia, se é isso que está acontecendo, está se deslocando dos ricos para os pobres.” Mas, ao mesmo tempo, esses países têm enormes diferenças e desigualdades internas. É tudo muito misturado. Estas são tendências contraditórias, e precisamos desenvolver mais ferramentas conceituais para compreendê-las.

Você acaba “Adam Smith em Pequim” com a esperança de uma comunidade de civilizações que vivem em condições de igualdade umas com as outras, em um respeito mútuo para com a Terra e seus recursos naturais. Você usaria o “socialismo” como termo para descrever esta visão, ou você o considera como ultrapassado?

Bem, eu não teria objeções de que ela fosse chamada de socialismo, só que, infelizmente, o socialismo tem sido muito identificado com o controle estatal da economia. Eu nunca pensei que era uma boa ideia. Eu venho de um país onde o Estado é desprezado e, em muitos aspectos, desacreditado. A identificação do socialismo com o Estado cria grandes problemas. Portanto, se esse sistema-mundo fosse chamado de socialista, teria de ser redefinido em termos de respeito mútuo entre os seres humanos e respeito coletivo pela natureza. Mas isso tem que ser organizado através de trocas de mercado reguladas pelo Estado, de modo a capacitar trabalhadores e enfraquecer o capital à moda smithiana, em vez da propriedade e controle estatal dos meios de produção. O problema com o termo socialismo é que ele foi usado de forma exagerada de muitas maneiras diferentes, e, portanto, também está desacreditado. Se você me perguntar o que seria um termo melhor, eu não tenho ideia, acho que deveríamos encontrar um. Você é muito bom em encontrar novas expressões, assim você deveria vir com algumas sugestões.

Ok, eu vou ter que trabalhar nisso.

Sim, você tem que trabalhar em um substituto para o termo “socialista” que o separe da identificação histórica com o Estado, e, se aproxime mais da ideia de uma maior igualdade e respeito mútuo. Então, vou deixar essa tarefa para você!

O triunfo da Liberdade?

Retomando sua definição clássica, "governo dos sem propriedade", Luciano Canfora reconstrói a história da democracia na Europa como uma história de derrotas sucessivas, com lições de Luís Napoleão sobre o uso do sufrágio como legitimação do governo oligárquico. Dylan Riley avalia uma notável polêmica histórica do filólogo italiano.

Dylan Riley


NLR 56 • Mar/Apr 2009

A derrota da democracia em Luciano Canfora

O estudo da democracia é geralmente deixado para cientistas políticos, sociólogos ou historiadores contemporâneos, para quem suas origens antigas constituem pouco mais do que um cenário pitoresco para a história de seu triunfo no século XX. Em seus relatos, seus polos centrais tendem a ser o Atlântico Norte: Estados Unidos, Grã-Bretanha e França. Quanto ao próprio termo, "democracia" é definida como um conjunto de procedimentos eleitorais e instituições representativas que legitimam o governo político. Dentro desse campo, há espaço para uma variedade de visões: a ala liberal da ortodoxia anseia por maior participação eleitoral, enquanto a direita teimosa se regozija com a apatia; mas ambas consideram um ciclo eleitoral regular uma condição mínima. Há também uma narrativa histórica comum: de origens modestas e proprietárias, a democracia foi expandida com sucesso para incorporar primeiro os trabalhadores, depois as mulheres. Associada à "liberdade", derrotou o fascismo na Europa e, após 1945, confrontou seu inimigo, o totalitarismo, no Leste Comunista. A partir de meados da década de 1970, uma terceira onda de democratização varreu as ditaduras da periferia sul da Europa — Grécia, Espanha, Portugal — antes de varrer a maior parte do mundo após 1989.

A obra "Democracia na Europa: Uma História de uma Ideologia", de Luciano Canfora, rompe com essa tradição em quase todos os aspectos — conceitual, geográfico e histórico. Nota de rodapé 1 O próprio Canfora não é um cientista político, mas um filólogo clássico, formado na Scuola Normale Superiore de Pisa na década de 1960; um intelectual ferozmente independente, originalmente do PCI e, mais recentemente, do PDCI, um dos pequenos grupos a emergir de seu colapso, pelo qual concorreu como candidato nas eleições parlamentares europeias em 1999. Em uma obra prolífica, seus escritos incluem estudos de Demóstenes e Tucídides, uma análise fundamental dos princípios narrativos da historiografia clássica, uma biografia impressionante de Júlio César e três livros sobre Togliatti, de quem ele continua sendo um grande admirador; sem falar de muitas reflexões sobre a política contemporânea. Entre suas habilidades, destaca-se o trabalho de detetive histórico e textual, que rendeu um conjunto de demonstrações notáveis ​​— entre elas, a de que Giovanni Gentile foi, ao contrário da lenda oficial, morto por ordem da liderança do PCI em 1944; que o célebre papiro atribuído ao geógrafo Artemidoro de Éfeso (séculos II a I a.C.) é quase certamente uma falsificação, provavelmente de um aventureiro grego do século XIX; que uma carta enviada em 1928 — supostamente por Ruggiero Grieco, membro da liderança do PCI no exílio — a Gramsci, que aguardava seu julgamento na prisão, foi uma provocação à polícia fascista. Longe de separar o rigor clássico do compromisso político, ele teorizou diretamente sua conexão. Sua obra mais recente, Filologia e libertà, dedica-se ao argumento de que, historicamente, a paixão pela verdade textual precisa sempre exigiu a rejeição da autoridade canonizada e uma independência de espírito que somente a liberdade de pensamento pode assegurar.

Democracia na Europa combina esses contextos em uma obra intrigante e altamente original. Conceitualmente, Cânfora rejeita categoricamente a visão padrão da democracia como um conjunto de instituições e procedimentos eleitorais. Endossando a visão de Norberto Bobbio de que "a essência da democracia é o igualitarismo", ele argumenta — um anátema para a perspectiva dominante — que ela "pode ​​se reafirmar dentro das mais diversas formas político-constitucionais". 2 Seguindo Aristóteles, Canfora passa a definir democracia como "a ascendência do demos", isto é, o governo das classes mais pobres, não proprietárias. 3 Com base nisso, ele propõe uma narrativa histórica dos destinos da democracia na Europa radicalmente em desacordo com as narrativas convencionais. Em vez de uma ampliação e aprofundamento progressivos, Canfora vê apenas breves momentos de avanço democrático localizado e imediatamente contestado, entre eles o início da década de 1790 na França, a década seguinte a 1917 na Alemanha e na Rússia — um ponto alto — e o final da década de 1940 na França e na Itália. Em grande parte, porém, a história de Canfora é sobre o fracasso da democracia, no seu sentido, e sobre como as elites governantes administraram a ameaça igualitária da ampliação do sufrágio para garantir sua própria liberdade de ação. O período pós-1950 é representado como um cenário político sombrio, com a erosão das aspirações democrático-igualitárias tanto na Europa Oriental quanto Ocidental, e o triunfo final do que Canfora chama de "sistema misto" — "um pouco de democracia e muita oligarquia", combinando "o princípio eleitoral" com a realidade da ascendência da classe burguesa — como a fórmula para o governo político contemporâneo.[4]

Geographically, too, Canfora reverses the standard argument. The people’s democratic republics of central and eastern Europe are given serious critical consideration as ‘experiments in democracy’.footnote5 Indeed, the western welfare-state system is seen as a pale imitation of the eastern model, and the collapse of the Soviet bloc as coterminous with the defeat of political egalitarianism. The United States is mentioned only for its role in stabilizing property systems on the European continent. Instead it is France that emerges as the political nation par excellence: birthplace of the idea of genuinely universal suffrage, and proving ground for the methods by which it would be neutered from 1850 on. French political history occupies the lion’s share of Canfora’s book.footnote6

Zeus’s all-seeing eye

Democracy in Europe is therefore a frontal attack on intellectual orthodoxy as well as continental self-esteem. Unsurprisingly, it has provoked strong reactions. The book was originally commissioned as part of a multi-national ‘Making of Europe’ series under the direction of the French historian, Jacques Le Goff, alongside Peter Burke’s European Renaissance, Jack Goody’s European Family, Charles Tilly’s European Revolutions and a string of other illustrious titles, all of which were to be produced across five languages by top-flight European publishers: Blackwell in Britain, Seuil in France, Crítica in Spain, Laterza in Italy and Beck in Germany. The editors at Beck, however, flatly refused to publish Canfora’s contribution, apparently on the basis of a scandalized reader’s report by the historian Hans-Ulrich Wehler, epitome of right-thinking, who declared it ‘nothing more than a Communist pamphlet, superseding in dogmatic stupidity even the products of the ddr’—an absurdity, given the book’s unremittingly heterodox approach.footnote7

Rather than a substantial engagement with his argument, however, Canfora’s German critics contented themselves with a series of misleading cavils designed to impugn the Italian’s intellectual integrity by tarring him with Stalinism. The most concrete charge is that Democracy in Europe provides an orthodox Soviet interpretation of the Molotov–Ribbentrop Pact. But as Canfora convincingly demonstrates in his pamphlet, L’occhio di Zeus, replying to critics, this is based on a wilful misreading. In fact, after analysing the Pact in the context of France and England’s refusal to join a tripartite alliance with the ussr against Hitler, Canfora goes on to link it to the nationalist involution of the Soviet experiment and discusses at some length the ‘trauma’ that it caused. It may be that his comparison of the Hitler–Stalin agreement to Roosevelt’s recognition of Vichy France, and to the cynical East–West partitioning of Europe agreed at Yalta, also served to irritate his German critics. But what is most striking about the latter’s overheated reaction is their complete failure to interrogate the work’s conception of democracy, its comparative architecture or its overall structural coherence. Democracy in Europe has thus had a peculiarly unbalanced reception: though generating a mass of commentary, its central theses remain virtually unanalysed. This is unfortunate, for Canfora’s historically well-grounded interpretation of democracy is a useful corrective to the standard view. The problems with his argument, meanwhile, touch on issues of central intellectual and political importance, not least for the left.

Admittedly, one obstacle to a full understanding of Canfora’s book is the organization of the text itself. Democracy in Europe pans from fifth-century Athens to Berlusconi’s Italy over some 250 dense, lively and polemical pages, combining historical account with interpretation, in a way that defies conventional comparative schemes. Some places and periods are treated in minute detail, others barely touched upon. After a fascinating philological analysis of the meaning of democracy in ancient Greece, the account moves to France, charting the course of universal suffrage from 1789 to the second Napoleon. Backtracking to 1815, Canfora next discusses the emergence of liberalism across Europe as a whole. He then returns to France, to follow the political developments of the Third Republic from the Commune to 1914, and the consolidation of liberal parliamentary regimes across Europe prior to World War One.

The period of 1914–45 is treated as a unitary whole—a thirty-year convulsion of the continent—within which Canfora analyses the crises of Belle Epoque parliamentarianism, the socialist and fascist responses to it, the Great War and the advent of the Soviet Union. After reconstructing the installation of the fascist regimes in Italy and Germany, Canfora addresses the ‘progressive’ and ‘people’s’ democracies—Italy and Czechoslovakia, pre-1948, as comparative cases—which, he argues, arose from a strategy of ‘antifascism’ in both parts of Europe. The historic defeat of this post-fascist ‘antifascism’ is signalled by De Gaulle’s declaration of the Fifth Republic, type case of the ‘mixed constitution’, in which ‘the “people” express their views but those who matter are the property-owning classes’.footnote8 In Canfora’s view, contemporary European governments are essentially oligarchic regimes decked out with electoral machinery, designed to legitimate elite rule while disqualifying anti-systemic minorities through executive privilege, majoritarian mechanisms—first-past-the-post systems, single-member constituencies, et cetera—control of the mass media and outright coercion. By the end of this vigorous, stimulating text, many readers may be suffering a sense of literary-historical whiplash.

People’s rule

An initial assessment must begin with the key term of Canfora’s analysis: democracy. What does he mean by it? Disconcertingly, his Prologue opens with a rousing evocation of the popular-dictatorial role of Garibaldi as revolutionary democrat, going on to note that, in the Greek political language of the Roman period, demokratia and its derivative, demokrator, could imply ‘rule over the people’. Thus, ‘Appian writes, of the conflict between Caesar and Pompey, that the two fought “vying for demokratia”’, while Sulla, Caesar’s predecessor as ruler of the Roman Republic, is described elsewhere as a demokrator—effectively, a dictator. The ‘uncomfortable closeness’ between the two terms, Canfora suggests, requires us to look beyond accepted doctrine and recall the elements of class that underlie political systems; kratos, he reminds us, denotes ‘the violent exercise of power’. In Athens, democracy was the term used by opponents of government by the demos ‘precisely with the aim of highlighting its violent character’ and the ‘excessive power exercised by the non-property-owning classes when democracy reigns’.footnote9 In his first chapter Canfora provides a striking reading of Pericles’s famous praise for the Athenian system in the Funeral Oration. Far from the complacency with which this is usually misquoted—not least in the Preamble to the 2003 draft European Constitution—Canfora sees a subtle distancing act in Thucydides’s account: Pericles explaining that, although the word ‘democracy’ was used to describe the administration of the city, as relating to the many, not the few, Athenian private life was, in fact, characterized by ‘freedom’. ‘We can reinterpret these words as much as we like’, Canfora concludes, ‘but the essential point is that Pericles is presenting “democracy” and “liberty” as antithetical.’footnote10

The fullest explicit discussion of the term comes in the book’s penultimate chapter, ‘Towards the “Mixed System”’. Canfora writes:


Democracy . . . is indeed an unstable phenomenon: the temporary ascendancy of the poorer classes in the course of an endless struggle for equality—a concept which itself widens with time to include ever newer, and ever more strongly challenged, ‘rights’.footnote11

For the Italian philologist, then, democracy is not a constitutional or political system, but a—historically, short-lived—shift in the distribution of social power: a ‘form of relations between classes’ that is ‘biased towards the “ascendancy of the demos”’.footnote12 Its basic aim is material equality. In a 2007 interview with the Tageszeitung, Canfora explained that his concept referred to the Aristotelian view: ‘Democracy is the rule [Herrschaft] of the propertyless, oligarchy the rule of the rich’.footnote13 The history of democracy therefore involves the study not of constitutional or political systems, but of moments of popular ascendancy, quickly absorbed by anti-democratic forces.

Paradoxically, the origins of this seemingly radical usage lie in the harshest critiques of the political form. Canfora’s account of democracy is deeply indebted to anti-egalitarian and anti-democratic thinkers. This is obvious enough from his initial discussion of the origins of the term among anti-democratic upper classes in classical Greece. But it is also strongly influenced by a specifically Italian tradition of elitist political theory, and particularly the work of Gaetano Mosca, ‘a great analyst of the forces at work in society’.footnote14 Like Mosca, Canfora sees contemporary democracy as largely a set of empty ideological claims. In his sense, liberal-capitalist societies are clearly anti-democratic because they are profoundly unequal, and their ‘democracy’ is essentially a political formula used to justify elite rule. I will argue that this definition of democracy as class equality, ‘the temporary ascendancy of the poorer classes’,footnote15 is based on a conflation of social and political power. But to see why, it is first necessary to look at the turning points of Democracy in Europe’s narrative in greater detail.

1789 and after

For Canfora, ‘the 1789 Revolution was the matrix that shaped the entire subsequent history of Europe’; but its consequences were far from straightforward.footnote16 The use of elections and parliaments as mechanisms of government would soon be separated from the substance of democracy as equality, and European regimes would harness universal suffrage, the classic technique of democracy, to legitimate elite rule. The concept of universal suffrage was first embodied in Robespierre’s Constitution of 1793, which did away with indirect voting and censitary conditions. (Canfora dismisses earlier English and American experiments with suffrage as limited by race or religion, in contrast to the abolition of slavery by the Jacobin Convention.) Thermidor immediately snuffed out this attempt. From then on, successive constitutions ‘contained severe restrictions on the right to vote’, until the Revolution of 1848.footnote17

The democratic breakthrough of 1848 had paradoxical results, however. The French election in April of that year, the first by universal suffrage in Europe, produced a ‘moderate’ Assembly that would attack workers’ living standards and drown their June uprising in blood. Louis Napoleon then swept to electoral victory in December 1848. Canfora provides an incisive definition of Bonapartism: ‘demagogic, seductive, almost irresistible class inclusiveness directed at the less politicized masses, yet at the same time firmly anchored in a relationship of mutual assistance with the property-owning classes’. He sees little difference between uncle and nephew: both are embodiments of reaction in ‘modern, pseudo-revolutionary forms’.footnote18

Louis Napoleon’s victory became a model for the rest of Europe. ‘The second emperor of the French’, writes Canfora, ‘taught bourgeois Europe not to fear universal suffrage but to tame it’.footnote19 To summarize: it was not the French Revolution that brought parliamentary rule to Europe, but the Revolution emasculated by Bonapartism. The key innovation of Louis Napoleon, according to Canfora, was to show how universal suffrage could be manipulated by boundary changes, majoritarian single-member constituencies, political pressure from prefects or governors, the help of the press and so forth, to ensure the election of local notables. Appropriately controlled, universal suffrage could become a useful support for propertied rule.

Canfora adduces a wide array of historical evidence to back this claim. First, where universal suffrage has existed, other mechanisms have always been in place to ensure that powerful working classes could not threaten the established order by changing political personnel through the ballot box. Coercion was one means: in France, the ruthless elimination of the Paris Commune. In pre-1914 Germany, militarist hegemony—the effects of the drill—and the restricted power of parliament made outright repression less necessary. In Italy or the United Kingdom, where relatively powerful parliaments co-existed with organized working-class movements, electoral corruption and restricted suffrage, or an undemocratic majoritarian system, lasted well into the twentieth century.

The establishment of electoral representation, then, far from indicating a shift of power towards the poorer classes, is perhaps the surest sign that such a shift has not occurred. This is underlined by a consideration of the rulers who granted suffrage: Bismarck in Germany, Giolitti in Italy—where the extension of the vote served to shore up a weak and isolated political class—and, though not discussed here, Disraeli in Britain. All these figures seem to fit the Bonapartist pattern of a ‘strong leader’ supported by electoral consensus. They granted universal suffrage for—in Canfora’s sense—clearly undemocratic ends.

The next stage of the analysis focuses on the 1914–45 period of the ‘European Civil War’, interpreted as a three-way struggle between socialism, fascism and a ‘third element’, liberal democracy. Canfora places responsibility for the outbreak of the First World War firmly on the latter: ‘Since the governments that clashed in that memorable August were all parliamentary, it can be confidently asserted that the “third element” has the dubious but considerable distinction of having sparked off the hell of the twentieth century.’footnote20 The Great War would bring what Canfora terms the ‘second failure of universal suffrage’; but its immediate aftermath saw Italy hold its first effective universal-suffrage elections in December 1918, while Germany elected a new constituent assembly in January 1919.

Rather than producing real democracy, however—bringing the propertyless to power—universal suffrage in both cases ended in fascism: ‘the classes that supported the parties in government’ gradually ‘lost faith in “parliamentary democracy”, and chose fascism instead.’footnote21 This re-emergence of the Bonapartist formula, more murderous now than ever, had far-reaching consequences. Not only did it crush the movements for substantive democracy in Germany, Italy and Spain; Canfora argues that the pressures it brought on the Soviet Union—where constituent-assembly elections had been held in November 1917, and which had initially pioneered a form of multi-party soviet democracy—twisted that country’s development as well, with the moral and material complicity of the remaining Western liberal democracies.

An important role in the eventual outcome of the ‘European Civil War’ is played by what Canfora calls ‘antifascism’. He sees this as a political movement that sought to go beyond the old parliamentary regimes and to redress the failings of liberalism, which had ‘given birth to fascism in the first place’.footnote22 Antifascism was therefore also a struggle for substantive democracy in Europe, which would produce both the welfare states and the people’s democracies of the post-war period. Canfora argues that the Soviet example played an important part in this: the ‘antifascist’ constitutions of Italy (1948) and Germany (1949) are said to have incorporated elements from the 1936 Soviet constitution—formally a model juridical construct, however travestied by the purges and show trials coeval with it. Thus Article Three of the Italian Constitution instructs the Republic to remove all ‘economic and social obstacles that, limiting the actual liberty and equality of citizens, impede the full development of the human individual and the effective participation of all workers in the economic, political and social organization of the country.’ In addition, antifascism’s role in liberating the countries of central and eastern Europe ensured, Canfora argues, that their post-war governments had a degree of real mass support.

The moment of ‘antifascist democracy’ also proved short-lived; it would soon be beaten back by the consolidation of the ‘mixed system’. The model for this form of rule was De Gaulle’s Fifth Republic, whose important innovation was the reintroduction of a majoritarian system, designed to eliminate the pcf as a viable political alternative. By the end of the twentieth century, the mixed system had undermined progressive democracies across the continent. It strengthened the executive, undermined proportional representation and selected politicians according to criteria of wealth, to ensure the rule of oligarchies unaccountable to legislative control. Democracy in its European homelands has thus been reduced to the electoral legitimation of elites. As Canfora writes:


The postscript has been the victory—and it promises to be a lasting one—of what the Greeks called the ‘mixed constitution’, in which the ‘people’ express their views but those who matter are the property-owning classes. In more modern terms, it is the victory of a dynamic oligarchy that is centred on great wealth but capable of building consensus and securing legitimacy through elections, because it keeps the electoral mechanisms under its control.footnote23

The result has been the defeat of democracy in the substantive sense by its antithesis, in Pericles’s terms: freedom. Not freedom for all, of course, ‘but for those who are “strongest” in competition, be they nations, regions or individuals’—for ‘every obligation that favours the less “strong” is precisely a limitation on the freedom of others’.footnote24 In citing the Funeral Oration, the drafters of the European Constitution’s Preamble had inadvertently uttered ‘not a piece of edifying rhetoric but rather what truly needed to be said: that freedom has won—in the rich world—with all the terrible consequences this has, and will continue to have, for the rest’.footnote25 Postponed to some future era, democracy will be invented all over again—though perhaps not, Canfora adds, by Europeans.

Class and party

Such is the main argument of Democracy in Europe. How should it be evaluated? One of the strengths of its perspective is the way that it can account for the ebbing of substantive democracy conjointly with the spread of electoral representation—a conundrum to which standard political-science studies have provided no definitive answer. Canfora’s scathing description of the electoral oligarchy of the ‘mixed system’ is a bracing corrective to self-celebratory European accounts. His analysis of the post-war role of ‘antifascism’ is a useful reminder of the egalitarian aspirations at stake in the construction of the welfare state, and his discussion of the tortured history of universal suffrage, above all in France, is never less than compelling. Yet there are some important conceptual problems with his account. As I indicated above, Canfora’s definition of democracy as the rule of the propertyless is based on a conflation of social and political power, and thus tends to de-emphasize the specificity of both. Aristotle, to whose authority Canfora often appeals, seems to have been much clearer about this. For Aristotle, democracy is a political regime in which the status of citizenship is shared across classes; it does not depend on the elimination of class differences, but rather on the construction of a political status that is independent of them.

Canfora’s notion of democracy implicitly conceives of the demos as a monolithic body; hence a single leader—Garibaldi—can be the expression of its political will. Yet the propertyless, not excluding small property holders, come from numerous different sectoral, geographical, cultural and ethnic backgrounds and experiences, and have historically built a range of political parties to articulate their needs. Even the most benighted people’s democratic republic recognized the need for a tame peasants’ party, alongside the ruling Communists. Yet the role of parties is a notable absence in Democracy in Europe. Strangely, too, Canfora shows little interest in the novel forms thrown up by moments of proto-socialist democracy: the improvisations of the Paris Commune, where judges and police chiefs were directly elected and recallable; the multi-party soviets in the early days of Bolshevik power.

While Canfora’s insistence on the many parallels in developments on both sides of the Iron Curtain may be salutary, there were important differences in the political experience of the two parts of the continent that are not given adequate recognition here. Taking Czechoslovakia and Italy as his paradigms, Canfora sees both imperial powers, Washington and Moscow, using a mix of material aid and the threat of force to establish friendly political regimes in their zones of influence, in the immediate post-war period. Here, he argues,


there was an implied principle that was a logical corollary of the division into spheres of influence. This ran as follows: elections will be held as soon as possible, to give representative governments to the countries involved; in any case, if the division into areas has any sense, the elections will be won by the parties that are sympathetic to the power with hegemony in that area.footnote26

The processes by which Klement Gottwald in Czechoslovakia and Alcide De Gasperi in Italy came to power were fundamentally similar. Both won relatively free elections in 1946, Gottwald’s ksc receiving a plurality of 38 per cent, while De Gasperi’s Christian Democrats won 35 per cent (compared to a combined 39 per cent for the pci and Socialists). Both won again in 1948, in contests that were far more compromised. In Czechoslovakia, Canfora singles out the food aid received from the Soviet Union (in competition with the Marshall Plan), which raised the prestige of the Communists after the political battles of February 1948 and resignation of the non-Communist parties, and the manipulated elections four months later, ‘openly geared to produce a unanimous result’. Canfora considers that the Communists’ victory was validated by their undoubted support among the working class, a real mass base if not a majority of the electorate; nevertheless, the decision by the ksc—and, initially, its allies—to ‘force the electoral mechanism in such a way as to “preventively construct” an election victory’ was not, at that point, ‘something they were obliged to do’.footnote27 In Italy the Marshall Plan was, of course, used as a political tool to increase the prestige of the Christian Democrats. Recent documents have shown that the Americans were quite prepared to intervene in the event of a Communist victory at the polls in 1948: a cia report detailed contingency plans in which Italy would be partitioned and a guerrilla war unleashed.

The similarities are suggestive. Both countries were under the influence of an imperial power, which presented itself as a liberator. Yet there are fundamental differences between the two that Canfora does not acknowledge openly enough. Unlike the opposition to Gottwald, the pci maintained a massive organizational presence throughout the post-war period, however harried and vilified it was. No organized opposition on this scale was ever permitted in Czechoslovakia, or any other part of state-socialist Eastern Europe—one reason why de-Stalinization took shape not as political pluralism but as reform within existing Communist parties. The second point, obviously, is that the central and eastern European regimes lacked any electoral legitimation. In Italy, regular elections did occur, and Italians could at least express dissatisfaction with their rulers, even if the largest party, the pci, was effectively banned from taking power. To acknowledge this fact is crucial for any understanding of the contrasting political outcomes in Europe’s two Cold War wings. Canfora recognizes this point obliquely, writing that a ‘long-term weakness’ of the people’s democracies was the conviction that popular endorsement, once achieved, ‘was valid for an indefinite period, and that there was no need for the periodic checks and renewals of legitimacy so skilfully carried out in the West’—‘it was believed that social programmes would consolidate regimes. This clearly did not happen’.footnote28 And again, in his analysis of Titoism and the break-up of Yugoslavia:


The bitter, almost suicidal nature of the clash was, among other things, one of the consequences of the vision that sustained the birth of ‘people’s democracies’: that consensus is obtained once and for all, that the consensus that matters is that of the ‘politically active mass’—and that, in any case, it is valid for an entire historical phase.footnote29

He does not comment on the relative scarcity of nationalist mobilizations in Western Europe over the same period, those that did occur being largely confined to the Atlantic and Mediterranean fringe. Yet it is at least plausible to suggest that the transcendence of such conflicts was closely connected to the triumph of electoral democracy in that zone. Thus, while Canfora’s comparison effectively evokes a certain kind of parallel between East and West, his conception of democracy as representing an egalitarian shift in the distribution of class power may prevent him from grasping the political specificity of each experience. The strength of the political orders of the advanced-capitalist West, and the peaceful character of their inter-state relations, is inextricably linked to the fact that, in contrast to the East, elections—however ‘managed’ or ‘manipulated’—legitimate their political elites. No rethinking of democracy, however radical and heterodox, should obscure this basic fact and the fateful consequences that flow from it.

Swindle laws

What of Canfora’s critique of electoral ‘manipulation’—principally focused on majoritarian voting systems—and ‘management’, largely laid at the door of the mass media? The latter charge is familiar enough. Canfora argues that consolidated media ownership distorts the political field and helps to form a de-politicized and easily led electorate, not necessarily through explicit propaganda but through an omnipresent consumerism and the worship of wealth. The ‘genius and irresistibility’ of this new method of ‘opinion forming’, he writes, ‘lie in the fact that it never manifests itself in a directly political way’.footnote30 One does not have to be familiar with television in Berlusconi’s Italy to sympathize with this argument. Turning to electoral ‘manipulation’, Democracy in Europe mounts a sustained attack against the first-past-the-post system, to which Canfora ascribes the ascendancy of the Tories in England, the destruction of the Socialists under the Fascist regime in Italy, and the elimination of the Communists under De Gaulle. Majoritarian electoral rules, he argues, are inherently biased toward the parties of the establishment and easily subject to corruption; first-past-the-post systems have long been linked to powerful landed classes and restricted suffrage; proportional representation was a central demand of European Social Democracy, and right-wing forces abolished it where they could. This is particularly clear in the history of Canfora’s country; many of Italy’s stormiest political conflicts have pitted Right against Left over precisely this issue. One need only recall the importance of the 1924 Acerbo law for consolidating Mussolini’s control, or De Gasperi’s failed attempt to institute a majoritarian system through the legge truffa—‘swindle law’—of the early 1950s. Although one could point to the occasional counter-example—the victory of the Left in Spain in 1936, for instance—there is no doubt that first-past-the-post regimes have historically favoured conservative forces.

For Canfora, majoritarianism not only produces skewed representation but introduces a further, political restriction of suffrage: instead of ‘one man, one vote’, it creates the categories of ‘useful’ versus ‘wasted’ votes, consigning the latter to oblivion. Ultimately, this leads to the atrophy of political forces outside a central, two-party consensus. Canfora scathingly outlines the ways in which the French Communist Party has become ‘an annex’ of the Socialists under the Fifth Republic’s two-round electoral system, condemning pcf voters to ‘servant status’; they would soon choose ‘either to vote directly for the party that would benefit from their votes anyway, or not to vote at all.’footnote31

Yet there is a contradiction between Canfora’s definition of democracy as the ascendancy of the demos, entailing a degree of egalitarian unity, and his argument for pr, which he defends on grounds of pluralism and the quality of political culture. Thus: ‘the “fragmentation” of political groupings is not a disease: it is a natural process, and can be enriching’.footnote32 Canfora’s attack on majoritarian mechanisms implies that political systems should represent, as closely as possible, the real structure of their underlying societies; in that sense, then, democracy would reflect inequalities, rather than—as his concept demands—necessarily transcending them. Indeed, Canfora’s emphasis on electoral processes and the power of the media suggests a further problem at the heart of his critique, at least if we are to take egalitarianism seriously. For the argument that systemic electoral manipulation is the central political ill of advanced capitalist democracies leads to the obvious corollary that effective, undistorted universal suffrage with proportional representation would in itself have revolutionary implications. Indeed this seems to be Canfora’s view when he writes, glossing Marx’s analysis in The Class Struggles in France, of a vision of ‘the intrinsically destructive effects of universal suffrage’, which ‘continually calls into question the state’s “present” power and presents itself as the sole source of authority and power.’footnote33

State forms

The implication is clear. Universal suffrage, if only allowed effectively and freely to operate, would eliminate the state. Pace Althusser, in this respect at least, the very youthful Marx is a better guide than the middle-aged one. For Marx, with great prescience and precision, had already identified the central problem of parliamentary democracy in On the Jewish Question as the separation of ‘bourgeois and citoyen’—‘the member of civil society and his political lion skin’: in other words, the structural separation of political life from social life in general.footnote34 Only from this perspective does it become clear that the act of voting itself, as an isolated individual expression of preference, far from ‘questioning’ state power, re-affirms the very separation between the political and economic spheres that is at its base. To recognize this leads beyond the question of electoral manipulation.

What explains Canfora’s tendency to elide the difference between East and West, and the related limitation of his critique of Western parliamentary institutions? Two main reasons suggest themselves: one intellectual and cultural, and the other political. Canfora’s conception of democracy as the ascendancy of the poorer classes is based on an elision of the difference between political and social power that is deeply rooted in Italian political culture. Indeed one might argue that a characteristic feature of the Italian tradition of social theory is its lack of a robust conception of social structure, or of political economy, as distinct from political rule. The historical reasons for this are obvious enough, since wealth and political power are probably more closely fused in Italy than in any other advanced capitalist society. In this context the problem of democracy appears inseparable from broader questions of inequality. But there are also more specifically political reasons for the shortcomings of Canfora’s analysis. For Democracy in Europe exemplifies an impasse that the left has never been able adequately to overcome. The problem could be put like this. Any society beyond capitalism would have to build upon the historic achievement of parliamentary democracy in Western Europe, and yet would require a fundamental institutional break with pre-existing state forms that could not take an exclusively electoral form.

Canfora’s approach obscures this painful dilemma in what would once have been called Eurocommunist fashion. For by defining the struggle for democracy as a struggle for social equality, he avoids directly confronting the question of their relationship. From this point of view, the main task of socialism is to fulfill and extend democracy: to create, in Togliatti’s phrase, a ‘progressive democracy’.footnote35 (Indeed Canfora has warm praise for Togliatti’s restraining influence on the Italian Resistance, at the behest of the Allied coalition; analogously he blames mir ‘extremism’ in Chile for Allende’s overthrow.footnote36) Of course, the creation of a new and better type of democracy in contemporary Italy, and the rest of the world, would be a laudable enterprise. But for this also to be an egalitarian system would require a new state form, not just a parliamentary regime pruned of corruption and provided with a fair electoral system. The struggle for basic legality is a necessary one, but it should not define the strategic horizon of political transformation. ‘Democracy’ itself is an empty signifier, and has progressive (or conservative) meaning only if linked to a coherent social and economic project. To define it solely in terms of the ‘endless struggle for equality’footnote37 is to obscure its intrinsic political polyvalence. ‘Democracy Now’ is a slogan that should be treated with great caution.
1 Luciano Canfora, Democracy in Europe: A History of an Ideology, Oxford 2006. Henceforth, de.
2 de, pp. 228, 250.
3 de, p. 250.
4 de, p. 216.
5 de, p. 188.
6 The absence of the United States may also be a consequence of the European focus of the series.
7 Quoted in Canfora, L’occhio di Zeus: Disavventure della ‘Democrazia’, Bari 2006, p. 15.
8 de, p. 227.
9 Respectively, de, pp. 5, 8, 22.
10 de, p. 8.
11 de, p. 228.
12 de, p. 250.
13 Thus for Canfora democracy is a form of rule, or dominion, ‘not a form of government [Regierungsform] or a type of constitution [Verfassungstyp]’. Interview with Ulrich Gutmair, Tageszeitung, 15 December 2007.
14 de, p. 228.
15 de, p. 228.
16 de, p. 20.
17 de, p. 67.
18 de, pp. 81–2.
19 de, p. 101.
20 de, p. 157.
21 de, p. 158.
22 de, p. 174.
23 de, p. 227.
24 de, p. 251.
25 de, pp. 251–2.
26 de, p. 187.
27 de, pp. 195–6.
28 de, p. 188.
29 de, p. 197.
30 de, pp. 225–6.
31 de, p. 216.
32 de, p. 219.
33 de, p. 92.
34 Karl Marx, Early Writings, London 1974, p. 221.
35 Togliatti never gave more than a vague definition of this concept. A typical formulation was the one offered in a 1944 speech in Rome: ‘Progressive democracy is that which looks not toward the past but towards the future.’ See the discussion of Aldo Agosti in Togliatti: Un uomo di frontiera, Rome 2003, pp. 287–9.
36 de, pp. 191, 165.37 de, p. 228.

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