Salem H. Nasser
Folha de S.Paulo
Desde o início das revoltas árabes, todos os atores interessados tentaram controlar o curso dos eventos e determinar suas resultantes.
Seria a queda da Irmandade Muçulmana e de seu presidente no Egito, Mohammed Mursi, obra de outros que não a própria Irmandade? E a quem, exatamente, interessaria a sua queda?
Sempre se poderá dizer que a Irmandade chegou ao poder por causa de sua extensa e profunda penetração no tecido social egípcio e também devido à sua organização, que contrastava bastante com o cenário das oposições ao regime anterior, de Hosni Mubarak estas, inexistentes ou desarticuladas.
Também se pode dizer que a Irmandade caiu por causa de sua incapacidade de governar de outro modo que não fosse autoritário, centralizador e ineficiente.
No entanto, a partir de sua chegada ao poder no Egito e na Tunísia, e até estes últimos dias, a Irmandade parecia ter sido a escolhida, por várias potências relevantes, da região e de fora dela, como a melhor sucessora para os regimes que caíam, corroídos por seus próprios males.
O movimento surgia, então, como um sucessor que garantiria a estabilidade dos jogos de poder regional e preservaria alguns interesses vitais dos Estados Unidos e de seus aliados.
Diante do fracasso da experiência no Egito, o mais relevante entre os países árabes, perguntamse alguns: o projeto que colocou ou permitiu a chegada da Irmandade ao poder fazia realmente essa aposta?
Ou se tratou apenas de permitir que a experiência, fadada desde o início à falência, queimasse para sempre a ideia de um governo do islã político nesses moldes?
Ainda que a incógnita continue sem resposta, um olhar mais detido sobre alguns fatos ocorridos nos últimos dias talvez possa nos oferecer alguma luz.
É incontestável que os militares afirmaram novamente seu poder no cenário egípcio um poder, aliás, que sempre esteve lá. Fizeramno, desta vez, de um modo muito mais hábil, carregados pela vontade popular dos milhões de manifestantes que enchiam as ruas e praças das cidades.
O que ocorre agora é algo muito diferente da imagem da junta militar que toscamente, e diretamente, assumiu o poder enquanto dava adeus a Mubarak.
Não devem restar dúvidas de que os militares mantêm íntimas relações com o establishment político e militar norteamericano.
Por isso, não há como conceber que o golpe não tenha sido discutido entre eles.
A Arábia Saudita recebeu muito bem a mudança no Egito. Já o Qatar, sob novo comando, foi mais comedido. Essas reações dizem muito sobre cada um.
Os sauditas são mais próximos de outros grupos islamistas. Por sua vez, o Qatar, sob o emir Hamad bin Khalifa al Thani e seu chanceler, Hamad bin Jassim alThani, que há pouco saíram de suas posições de poder, vinha investindo fortemente na aproximação e no sustento da Irmandade no Egito, além de dar apoio à oposição síria.
E, nestes dias, justamente a oposição síria, enfraquecida, lutava para encontrar alguma unidade em meio a dúvidas sobre que lugar deve caber à Irmandade em seu seio.
Qualquer que seja o resultado vindouro das revoltas árabes, ao que parece, a Irmandade já não é a solução.
SALEM H. NASSER é professor de direito internacional da Direito GV
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