13 de abril de 2011

Como os socialistas construíram a América

A história de nossa nação tem muitos tons ricos e vibrantes - alguns deles vermelhos.

Jonh Nichols



Tradução / Se há uma constante no discurso da elite [dos EUA] nacional nestes dias é a afirmação de que a América foi fundada como um país capitalista e que o socialismo é uma importação perigosa que, a despeito de nossa não autorizada fé no livre mercado, deve ser barrada na fronteira.

Essa “sabedoria” mais convencional – cada vez mais aceita ao menos até as recentes mobilizações de massa no Wisconsin, em Ohio, no Michigan e no Maine – tem defendido que tudo o que é público é inferior a tudo o que é privado, que as corporações são sempre boas e que os sindicatos sempre são ruins, que a tributação progressiva é intrinsecamente má e que o melhor modelo econômico é aquele que permite que os ricos fiquem cada vez mais ricos, assim como a República, que então distribuirá migalhas da sua riqueza para a imensa maioria dos estadunidenses. Rush Limbaugh informa-nos regularmente que as propostas de taxação de pessoas ricas como ele, com o objetivo de financiar assistência em saúde para crianças e empregos para os desempregados são “antiéticas” frente aos propósitos originais da nação e que as reformas de Barack Obama estão “destruindo o modo como este país foi fundado”.

Quando Obama apresentou sua tímida proposta de organização de um sistema de assistência médica privado mais humano, Sean Hannity, da Fox, denunciou que “a Constituição foi rasgada, injuriada, o estado de direito foi afastado”. Newt Gingrich disse que a administração Obama estava “preparada para fundamentalmente violar a Constituição” e estava governando para “30% do país [que] de fato é a favor de um sistema socialista secular de esquerda”.

Em 2009, Sarah Palin mostrou preocupações constitucionais parecidas, quanto à proposta de Obama de desenvolver uma “legislação universal de energia para construções verdes” com o objetivo de promover a eficiência energética. “Nosso país poderia vir a se tornar algo que sequer reconheceríamos, certamente que isso está muito distante do que os pais fundadores de nosso país tinham em mente para nós”; gravemente preocupada, informou Palin a Hannity, que respondeu com uma pergunta de uma palavra: “Socialismo?”. “Bem”, disse ela, “é para onde estão nos conduzindo”.

Na verdade, não é. Palin está errada quanto aos perigos da eficiência energética, e está errada a respeito de Obama. O presidente disse que não é um socialista, e os maiores porta-vozes socialistas do país concordam veementemente. De fato, as únicas pessoas que parecem acreditar que Obama apresenta uma tendência minimamente socialdemocrata são aqueles que imaginam que qualquer menção à palavra “socialismo” poderia inspirar uma reação como a do vampiro confrontado com a hóstia.

Infelizmente, Obama pode ser mais assustado pela letra "S" do que por Palin. Quando um repórter do New York Times perguntou ao presidente em março de 2009 se suas politicas internas sugeriam que ele fosse um socialista, um Obama relaxado respondeu: “A resposta seria não”. Ele disse que estava sendo criticado simplesmente porque estava “tendo de fazer algumas escolhas difíceis” quanto ao orçamento. Mas depois que conversou com seus assessores hiper cautelosos, ele começou a se preocupar. Então chamou o repórter de volta e disse: “para mim é difícil acreditar que você estava realmente falando sério quando fez a questão sobre o socialismo”.

Então, como se estivesse lendo as marcações de um discurso, Obama declarou: “Não foi sob o meu governo que se começou a comprar um bando de ações de bancos. E não foi sob o meu comando que se concedeu subvenção massiva, a receita da drogadição, sem fontes de recursos para arcar com isso. Temos na verdade operado de uma maneira que tem sido inteiramente consistente com os princípios do livre mercado”, disse Obama, que concluiu atacando: “alguns dos que andam me chamando por aí de ‘socialista’ não podem dizer o mesmo”.

Há mais do que um pingo de verdade nessa declaração. Obama de fato está evitando a adjetivação de socialista, ou mesmo de um social democrata médio, nas respostas aos problemas que o confrontam. Ele afastou a opção do pagador único no início do debate sobre a reforma da saúde, rejeitando o tratamento que em outros países promoveu assistência em saúde de qualidade aos cidadãos, a custos baixos. Sua resposta supostamente “socialista” ao colapso da indústria automobilística foi dar dezenas de bilhões de dólares no resgate dos fundos da GM e da Chrysler, que usaram o dinheiro para despedir milhares de trabalhadores e então realocar dúzias de plantas industriais no exterior – uma abordagem o mais distante possível que um país pode ter do modelo social democrata de aplicação dos investimentos e de políticas públicas na promoção de empregos e na dinamização econômica da sociedade.

Quando a plataforma em águas profundas da British Petroleum (BP) explodiu, ameaçando toda a costa do Golfo, em vez de dispor dos engenheiros das Forças Armadas e de outras agências do governo encarregadas de lidarem com crises, Obama deixou a gestão do problema a cargo da corporação que tinha mentido a respeito da extensão do vazamento de petróleo, que tomou decisões com base na sua disponibilidade de tempo, em detrimento das necessidades humanas e ambientais, e fracassou até nas tarefas mais básicas.

Então deveríamos levar o presidente ao pé da letra quando ele diz que age com base nos princípios do livre mercado. O problema, claro, é que a rigidez de Obama quanto a isso está conduzindo-o a rejeitar ideias mais seguras do que aquelas fixadas pelo setor privado. Emprestar ideias e abordagens de socialistas não tornaria Obama em nada mais socialista do que Abraham Lincoln, Teddy Roosevelt, Franklin Roosevelt ou Dwight Eisenhower. Todos esses presidentes anteriores misturaram ideias de traços marxistas ou emprestados das plataformas dos partidos socialistas com tanta frequência que o New York Times observou, num perfil publicado em 1954, a fé de um velho Norman Thomas de que “ele tinha dado uma grande contribuição no pioneirismo de ideias que hoje ganharam o apoio dos dois maiores partidos” – ideias como “seguridade social, financiamento público da moradia, investimento público, proteção legal para direitos trabalhistas e outros atributos do Estado de Bem Estar”. O fato é que muitos dos homens que ocuparam o Salão Oval antes de Obama souberam que a implementação de ideias de cunho socialista ou social democrata não os colocaria em conflito com a experiência estadunidense ou com a Constituição.

O ponto aqui não é defender o socialismo. O que deveríamos estar defendendo é a história – a história dos EUA, que tem tons ricos e vibrantes, e alguns do vermelho. O passado deveria ser consultado não somente para anedotas ou factóides, mas para fornecer uma perspectiva no presente. Essa perspectiva empodera os estadunidenses que buscam um debate robusto, que compreenda um amplo espetro ideológico – um empreendimento apropriado para um país em que Tom Paine imaginou cidadãos que “lançando seu olhar sobre um vasto campo, tomariam um caminho igualmente vasto, e então, aproximando-se cada vez mais do universo, sua atmosfera de pensamento se expanderia e sua liberalidade preencheria um espaço mais amplo”.

A América sempre sofreu com os idiotas que teriam feito definhar o debate ao nível de uma série de opiniões estreitas o suficiente para abarcar os editos de um potentado, uma prece ou um dono de plantation. Mas a história real da América nos diz que a única coisa a respeito da qual nossa situação presente corresponde é que temos padecido com os idiotas tão completamente que uma boa parte dos estadunidenses – não apenas os Tea Partisans ou os Limbaugh Dittoheads, mas cidadãos da grande classe média - na verdade levam Sarah Palin a sério quando ela vocifera que o socialismo, na forma do código de construção civil verde é antitético ao americanismo.

***

Palin não é a primeira deste tipo. Não há nada de novo na acusação de um presidente que está dirigindo um “grande governo” voltado a outros projetos que não a invasão de algum país distante é socialista. Na primavera de 2009, alguns meses após Obama e o novo congresso democrático tomarem posse, vinte e três membros da oposição reapresentaram um velho projeto, em que propõem que “nós, os membros do Comitê Nacional Republicano convocamos o Partido Democrata a ser verdadeiro e honesto com o povo americano, ao reconhecerem que eles evoluíram de um partido que apoiava a tributação e os gastos para um partido de tributação e nacionalização e que, portanto, deveriam concordar em se renomearem de Partido Socialista Democrático”.

As cabeças frias prevaleceram. Por sorte. Num encontro de emergência do comitê – cuja história remonta à primeira convenção republicana, em 1856, em que seguidores do socialista francês Charles Fourier, o editor de Karl Marx e seus camaradas abolicionistas iniciaram a mais radical reestruturação dos partidos políticos na história dos EUA – foi sugerido que a proposta de impor um novo nome para os democratas poderia fazer com que o “Partido Republicano parecesse vulgar e sectário”. O plano foi derrubado, mas uma resolução denunciando a “marcha para o socialismo” passou. Assim, os membros da RNC [Convenção Nacional Republicana, em sua sigla em inglês] agora oficialmente “reconhecem que o Partido Democrata é dedicado a reestruturar a sociedade americana junto aos ideais socialistas” e que os democratas têm como sua “clara e óbvia intenção... propor, aprovar e implementar programas socialistas por meio da legislação federal”.

O Partido Republicano está atualmente mais firme em sua acusação de que os democratas estão conduzindo a nação “para o socialismo” do que estava durante a Ameaça Vermelha de Joe McCarthy nos anos 50, quando o senador do Wisconsin acusou Harry Truman de abrigar células do Partido Comunista no governo. Truman reagiu ao ultraje conservador, argumentando que o governo tinha a autoridade para impor leis antilinchamento nos estados e propondo um plano nacional de saúde. Mas o que incomodava mesmo os republicanos era que Truman, que se esperava fosse perder a disputa em 1948, tinha não só acabado de vencer a eleição como restaurado o controle do Congresso. Para contraatacar essa tendência eleitoral afrontosa, os republicanos conservadores, liderados pelo senador do Ohio Robert Taft, anunciaram em 1950 que seu slogan daquelas eleições para o congresso seria “Liberdade contra o Socialismo”. Eles então produziram um adendo a sua plataforma nacional, cuja maior parte era devotada à histeria de McCarthy acusando o plano de reformas Fair Deal, de Truman, de ser “ditado por um pequeno, mas poderoso grupo de pessoas que acreditam no socialismo, que não tem um conceito da verdadeira fundação do progresso americano, e cujas propostas estão completamente em desacordo com os verdadeiros interesses e verdadeiros desejos dos trabalhadores, agricultores e homens de negócio”.

Truman reagiu, lembrando aos republicanos que suas políticas foram apresentadas na plataforma eleitoral de 1948, que tinha obtido vasta maioria dentre o eleitorado. “Se nosso programa foi ditado, como dizem os republicanos, foi ditado pela votação em novembro de 1948. Foi ditado por um “pequeno mas poderoso grupo de 24 milhões de eleitores”, disse o presidente, que acrescentou: “Eu penso que eles sabiam melhor que o Comitê Nacional Republicano quais os desejos verdadeiros dos trabalhadores, agricultores e homens de negócios”.

Truman não deu cabimento à menção da palavra “socialismo’, que naqueles dias era distinguida na mente da maioria dos estadunidenses como o stalinismo soviético, com o qual o presidente – um péssimo guerreiro da guerra fria - estava disputando. Nem vociferou Truman, que contava dentre seus aliados essenciais com sindicalistas como David Dubinsky, Jacob Potofsky e Walter Reuther, todos eles ligados a causas socialistas e em muitos casos ao partido socialista de Eugene V. Debs e Norman Thomas, contra os males da social democracia. Antes, debochou: “Fora o grande progresso deste país, fora os grandes avanços na conquista de uma vida melhor para todos, fora a ascensão para uma liderança mundial, os líderes republicanos não aprenderam nada. Confrontados pelo grande recorde deste país, e pela tremenda promessa de futuro que ele porta, tudo o que eles fazem é coaxar ‘socialismo’”.

Os republicanos mais espertos abandonaram a campanha. O retorno ao realismo foi liderado pela senadora do Maine, Margaret Chase Smith, que temia que o seu partido fosse prejudicado não só nos prospectos eleitorais, mas no país. No verão ela lançou a sua “Declaração de Consciência” – o primeiro desafio sério ao McCartismo a partir do GOP [Antigo Grande Partido, em sua sigla em inglês, como muitos republicanos chamam] – no qual ela rejeita a histeria anticomunista do momento:

“Aqueles de nós que gritam mais alto a respeito do americanismo, encenando características ferozes, também são os que mais frequentemente, em suas próprias palavras e atos, ignoram alguns dos princípios americanos básicos: o direito de criticar, o direito de defender crenças impopulares, o direito de protestar e o direito ao pensamento independente".

Os republicanos devem estar determinados a terminar com o controle democrata do congresso”, sugere Smith em sua declaração:

“Mas fazer isso com um regime republicano que abraça uma filosofia carente de integridade política ou de honestidade intelectual seria igualmente desastroso para esta nação. A nação precisa seriamente de uma vitória republicana. Mas eu não quero ver o Partido Republicano obter vitória política cavalgando sobre os Quatro Cavaleiros da Calúnia – Medo, Ignorância, Intolerância e Difamação. Eu tenho dúvidas se o partido republicano pode fazer isso – simplesmente porque eu não acredito que o povo americano apoie um partido político que ponha a exploração política acima do interesse nacional”.

A maioria dos republicanos não teve coragem para confrontar McCarthy tão diretamente. Mas a sabedoria de Smith prevaleceu entre os líderes do Comitê Nacional Republicano e dos velhos membros do GOP nas comissões do congresso, que largaram o slogan “liberdade contra o socialismo” e reduziram o número de palavras do manifesto de 1950 para um resumo com 99, que os repórteres do Washington [Post] explicaram que tinham sido remendados para “pegar leve” na coisa toda do “liberdade contra o socialismo”. O congressista James Fulton, que como muitos outros moderados do GOP da época na verdade sabiam e trabalhavam com membros do Partido Socialista e com radicais de várias colorações, foi o mais direto. O slogan barato, argumentou, tinha afastado o partido da questão fundamental do GOP na era do pós-guerra: “se voltamos a ser Matusalém ou oferecemos um programa alternativo para o progresso social no quadro de um orçamento equilibrado”.

Imagine se hoje um proeminente republicano iria dizer algo parecido. A ira de Limbaugh, Hannity, Palin e do movimento Tea Party iria cair sobre ele. O Clube para o Crescimento iria se organizar para derrotar “os republicanos só no nome”, e a limpeza ideológica do partido de Lincoln, Teddy Roosevelt, Eisenhower e Margaret Chase Smith aceleraria. Alguns dos meus amigos democratas estão bastante contentes com o prospecto; como hoje os republicanos estão beirando ao extremismo que evitaram, mesmo nos dias de McCarthy, sugerem esses democratas, as possibilidades de vitória ficarão claras para candidatos do tipo. Mas isso menospreza o dano causado à democracia quando o discurso degenera, quando a única luta real se dá entre a franja de um partido e outro que assume o caminho da vitória para se mover para a centro direita e então espera que os medos de uma direita totalitária manterão todo mundo à esquerda, votando na linha democrata.

***

Se legislações universais de construções verdes e proteções à saúde das crianças podem ser usados com sucesso por nossa mídia degenerada como um ataque aos valores americanos e ao estado de direito, então a direita já venceu, não importa qual o resultado no dia da eleição. E uma nação fundada na revolta contra o império, uma nação que alimentou a resposta republicana radical ao pecado da escravidão, uma nação que confrontou o colapso econômico e a injustiça com um New Deal e uma Guerra contra a Pobreza, uma nação que gerou um movimento pelos direitos civis e que ainda recita uma Prece da Aliança (escrita em 1892 pelo socialista cristão Francis Bellamy) ao ideal de uma América “com liberdade e justiça para todos” está desprovido do que sempre em nossa história tem sido o elemento essencial de nosso progresso.

Esse elemento – uma crítica social frequentemente combinada com um partido político socialista e mais recentemente ligado ao ativismo socialista independente no mundo do trabalho e na militância por direitos iguais entre homens e mulheres, pelas minorias étnicas, imigrantes, gays e lésbicas, e pessoas portadoras de necessidades especiais – tem desde os primeiros dias de nação sido parte de nossa vida política. Este país não seria o que é hoje – de fato, poderia inclusive não ser – não tivesse tido a influência positiva de revolucionários, radicais, socialistas, socialdemocratas e seus companheiros de viagem. O grande cientista político Terence Ball nos lembra que “no auge da guerra fria uma forma limitada de assistência em saúde – o Medicare – passou no Congresso ganhando das objeções da Associação Médica Americana e da indústria de seguros, e foi parar na mesa do presidente Johnson.”

Isso não aconteceu por acaso. Um jovem escritor reconheceu que era possível rejeitar o totalitarismo soviético, enquanto ainda se aprende com Marx e abraça a esquerda democrática socialista do movimento católico Dorothy’s Day para se juntar à Liga da Juventude Socialista. Michael Harrington queria mudar o rumo do debate sobre a pobreza na América, e talvez notável ou profeticamente, ele presumiu que se ligar ao outrora forte mas naquela altura aliado partido socialista era a maneira de fazer isso. Num artigo de 1959, para a então liberal Commentary Magazine, Harrington buscou, nas palavras do seu biógrafo, Maurice Isserman, “superar a sabedoria convencional de que o Estados Unidos tinha se tornado uma sociedade majoritariamente de classe média. Usando o critério da linha da pobreza da renda de 3 mil dólares anuais para uma família de 4 pessoas, ele demonstrou que quase um terço da população vivia ‘abaixo desse padrão que fomos ensinados a observar como o mínimo decente para comer, morar, vestir e ter saúde’”.

Harrington foi além dos seus sonhos mais radicais. O artigo levou a um livro, “A outra América: Pobreza nos Estados Unidos”, que se tornou leitura obrigatória para os políticos, vendendo 70 mil cópias no seu primeiro ano. “Dentre os leitores célebres do livro estavam John F. Kennedy, que no outono de 1963 começou a pensar em propor uma legislação antipobreza”, rememora Isserman. “Depois do assassinato de Kennedy, Lyndon Johnson tomou para si a tarefa, convocando em seu discurso à nação em 1964 uma “incondicional guerra contra a pobreza”. Sargent Shriver liderou a força tarefa responsável pelo projeto de legislação e convidou Harrington a Washington como consultor”. As propostas de Harrington de renovar os projetos de trabalhadores públicos do New Deal nunca foram plenamente abarcadas. Mas a defesa dele e de outros de que o governo deveria intervir por aqueles que não podiam cuidar de si mesmos ou de suas famílias contava com o que o autor descreveu como uma “Seguridade Social completa”, ao prover assistência em saúde para os idosos. Isso demandou da administração Johnson o projeto “Great Society”, incluindo o projeto de lei do Social Security Act de 1965 – ou Medicare. Johnson fez o seu combate, mas os estadunidenses concordaram com seu presidente quando ele argumentou que “o plano de assistência em saúde, pelo qual o presidente Kennedy tanto lutou para implementar, é o modo americano; é prático, é sensível, é igualitário e é justo”.

Poderia um plano descrito como “medicina socializada” pela Associação Médica Americana, porque era, de fato, verdadeiramente medicina socializada ser “o modo americano”? É claro. Durante o debate sobre o Medicare no começo dos anos 60, o senador do Texas e candidato George H.W.Bush condenou a proposta como “estranhamente socialista”. Ronald Reagan, então fazendo a transição de garoto propaganda na televisão para garoto propaganda televisivo do senador conservador Barry Goldwater, alertou os cidadãos de que se esse projeto fosse aprovado os estadunidenses poderiam ver a si mesmos “dizendo às nossas crianças e aos filhos de nossos filhos como foi um dia a América, quando os homens eram livres”. Mas Bush e Reagan administraram o programa quando de suas gestões na presidência, e os ativistas do Tea Party hoje, nos seus encontros nas salas de estar das cidades, ameaçam qualquer legislador que ouse mexer no seu amado Medicare.

Os estadunidenses não teriam tido o Medicare se Harrington e os socialistas que vieram antes dele – de candidatos presidenciais como Debs e Thomas a dirigentes como Mary Marcy e Margaret Sanger e como a militante do partido comunista Elizabeth Gurley Flynn – não tivessem por décadas pressionado os limites do debate sobre a assistência em saúde. Tampouco um ativista como o Senador Edward Kennedy teria declarado: “Eu vejo Michael Harrington como fazendo o Sermão da Montanha à América”. O mesmo foi verdade nos dias dos debates abolicionistas, quando os socialistas – inclusive amigos de Marx que imigraram para os Estados Unidos depois que as revoluções de 1848 foram esmagadas na Europa – energizaram o movimento contra a escravidão e ajudaram a dar-lhe expressão política na forma do Partido Republicano.

O mesmo foi verdade nos primórdios do século XX, quando editores do partido socialista, como Victor Berger combateu as tentativas de destruição das liberdades civis e definiu nosso moderno entendimento de liberdade de expressão, liberdade de imprensa e direito de reconversão processual. O mesmo foi verdade quando o longevo socialista A. Philip Randolph convocou em 1963 a Marcha em Washington por Empregos e Liberdade e convidou o jovem pregador Martin Luther King Jr., que tinha muitos conselheiros socialistas além do respeitável Randolph, para fazer o que viria a ser conhecido como o discurso “I Have a Dream” [Eu tenho um sonho].

***

Em cada momento crítico da nossa jornada nacional, os pensadores socialistas e os militantes, assim como candidatos e burocratas, empurraram o governo para uma direção progressista. Pode ser verdade, como sugere o historiador Patrick Allitt, que “milhões de estadunidenses, inclusive muitos desses críticos [da administração Obama], sejam defensores ardentes do socialismo, mesmo que eles não entendam isso ou sequer usem na verdade a palavra” para descrever os serviços públicos que são “organizados segundo linhas diretivas socialistas”, como escolas e autoestradas. De fato, socialistas contemporâneos e militantes do Tea Party podem na verdade encontrar um fundo comum (talvez desconfortável) na asserção de Allitt de que “o socialismo como um princípio organizacional está vivo e bem aqui, assim como o estava ao longo do mundo industrializado” – mesmo que eles não concordem que isso seja uma boa coisa. Programas “organizados segundo linhas diretivas socialistas” não tornam um país socialista. Mas a América sempre foi e deve continuar sendo informada pelos ideais socialistas e pela crítica socialista das políticas públicas.

Vivemos em tempos complexos, em que profundos desafios econômicos, sociais e ambientais exigem um conjunto de respostas. Os socialistas certamente não têm todas as respostas, mesmo que as pesquisas indiquem que mais americanos encontram apelo na palavra “socialismo”, do que em décadas. Mas sem ideias e sem militância socialista, não teremos uma contrabalança suficiente para o impulso anti-governo que tem menos a ver com libertarianismo do que manipulação do debate pelas todas poderosas corporações. Abraham Lincoln, Teddy Roosevelt, Franklin Roosevelt, Dwitht Eisenhower e John Kennedy não eram socialistas. Mas a nação se beneficiou de seus empréstimos às ideias socialistas e social democratas. Barack Obama certamente não é um socialista. Mas ele, e a nação que ele comanda, seriam bem servidos por um empréstimo similar ao povo que um dia imaginou o Social Security, o Medicare, o Medicaid e a Guerra contra a Pobreza.

Sobre o autor 

Jonh Nichols é correspondente em Washington do The Nation e editor associado do The Capital Times (http://host.madison.com/ct/), Wisconsin. Seu livro mais recente é “A Letra S: uma breve história na tradição americana (The “S” Word: A Short History of an American Tradition... Socialism). É co-fundador da organização pela reforma da liberdade de imprensa e co-autor, junto com Robert W. McChesney de A morte e a vida do jornalismo americano: a revolução midiática que dará origem ao mundo de novo (The Death and Life of American Journalism: The Media Revolution that Will Begin the World Again) e de Tragédia e Farsa: Como a mídia americana vende a guerra, corrompe eleições e destrói a democracia (Tragedy & Farce: How the American Media Sell Wars, Spin Elections, and Destroy Democracy). Os outros livros de Nichols incluem: Dick: o homem que é presidente (Dick: The Man Who is President).

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