1 de junho de 2000

Meu encontro com Sartre

Edward Said

London Review of Books

Vol. 22 No. 11 · 1 June 2000

Após ter sido um dos mais célebres intelectuais do nosso tempo, Jean-Paul Sartre, nos últimos anos, foi praticamente esquecido, até recentemente. Pouco depois de sua morte, em 1980, denunciava-se sua cegueira em relação aos gulags soviéticos e questionava-se mesmo o otimismo, o voluntarismo, a energia pura erigida em nome de seu existencialismo humanista. Toda a carreira de Sartre foi chocante, tanto para os chamados “novos filósofos”, cujos talentos medíocres não dispunham senão do ardor de seu anticomunismo para atrair alguma atenção, como para os pós-estruturalistas que, com raras exceções, soçobravam em um narcisismo moroso visando esfolar o populismo de Sartre e suas corajosas tomadas de posição políticas. A imensa abrangência da obra de Sartre — romancista, ensaísta, dramaturgo, biógrafo, filósofo, intelectual político, homem engajado — parecia então mais afastar do que ganhar leitores. Caíram no esquecimento suas corajosas posições políticas sobre as guerras da Argélia e do Vietnã, seu trabalho em favor dos imigrantes, sua aparição como maoísta quando da revolta estudantil de Paris, em 1968, assim como a amplitude e a distinção extraordinárias de sua obra literária (que lhe fizeram ganhar e recusar o Nobel de Literatura). Ele era então uma ex-celebridade caluniada, salvo no mundo anglo-saxão, onde jamais havia sido levado a sério como filósofo e onde sempre havia merecido certa condescendência, como romancista e biógrafo ocasional, bastante insuficiente do ponto de vista do anticomunismo, bem menos chique e sedutor que um Albert Camus, cujo talento porém era menor.

Depois, como ocorre freqüentemente na França, a moda começou a ser invertida. Nos últimos anos, surgiram diversas obras consagradas a Sartre, que acabou se tornando, talvez de modo passageiro, um tema de conversação, e mesmo de estudo e reflexão. Devo dizer que minha geração sempre o considerou como um dos heróis intelectuais do século, alguém cuja profundidade e dons intelectuais pareciam estar a serviço de todas as causas progressistas de nosso tempo. Não achávamos que era infalível, nem o tomávamos por profeta. Mas admirávamos os esforços que fazia para compreender uma situação, e assegurar, se preciso, seu apoio a uma causa, sem condescendência nem subterfúgios. Ele podia se enganar, era freqüentemente suscetível de erros ou exageros, mas sempre foi um pensador importante. Um leitor do meu gênero considerava digno de interesse tudo o que ele escrevia, ou quase tudo, por sua audácia única, sua liberdade — incluindo aí a de ser tagarela — e sua generosidade de espírito.

Com exceção de um caso particular, que eu gostaria de evocar aqui. Eu estava animado pela publicação de dois artigos, tão fascinantes como deprimentes, sobre sua viagem ao Egito, nos primeiros meses de 1967, os quais pudemos ler recentemente no suplemento literário do jornal egípcio Al Ahram. [1] Minha própria experiência não passou de um episódio menor numa existência verdadeiramente plena de grandeza, mas o que ela comporta de elementos irônicos e pungentes justifica sua lembrança.


Era o início de janeiro de 1979 e eu estava em minha casa, em Nova York, preparando um seminário. A campainha de minha porta tocou, anunciando a chegada de um telegrama. Ao abri-lo, observei com prazer que vinha de Paris: “O senhor é convidado pela revista Les Temps Modernes a participar de um seminário sobre a paz no Oriente Médio, que será realizado em Paris nos dias 13 e 14 de março deste ano. Por favor, queira confirmar sua presença. Assinado: Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre”. Primeiro pensei que se tratava de uma brincadeira. Para alguém como eu, não era exatamente normal receber tal convite de figuras tão legendárias. Era como se recebesse um convite de Cosima e Richard Wagner para Bayreuth, ou de T.S. Eliot e Virgina Woolf para passar uma tarde nos escritórios da revista Criterion. [2] Foram precisos dois dias para verificar, junto a alguns amigos em Paris e Nova York, que o telegrama era autêntico, mas bem menos para manifestar meu acordo incondicional (considerando que as “modalidades”, para empregar o eufemismo francês que designa os custos de viagem, ficavam por conta de Les Temps Modernes, a célebre revista que Sartre havia fundado depois da Segunda Guerra). Algumas semanas mais tarde, eu partia para Paris.


Les Temps modernes desempenhou um papel extraordinário na vida intelectual francesa, e mais tarde europeia e até do Terceiro Mundo. Sartre reuniu ao seu redor um conjunto notável de mentes — nem todas concordando com ele — que incluía Beauvoir, é claro, seu grande oposto Raymond Aron, o eminente filósofo e colega de classe da École Normale Maurice Merleau-Ponty (que deixou o periódico alguns anos depois) e Michel Leiris, etnógrafo, africanista e teórico das touradas. Não houve uma questão importante que Sartre e seu círculo não tenham assumido, incluindo a guerra árabe-israelense de 1967, que resultou em uma edição monumentalmente grande de Les Temps modernes — por sua vez, o assunto de um ensaio brilhante de I.F. Stone. Isso por si só deu à minha viagem a Paris um precedente digno de nota.


À minha chegada, encontrei em meu modesto hotel do Quartier Latin um bilhete breve e misterioso: “Por razões de segurança”, dizia a mensagem, “as reuniões ocorrerão no apartamento de Michel Foucault.” De posse do endereço, na manhã do dia seguinte dirigi-me à residência de Foucault e, quando cheguei, já fervilhava de gente. Mas Sartre ainda não tinha chegado. Não houve ninguém para explicar as misteriosas razões de segurança que haviam provocado a mudança de endereço, mesmo que, em razão deste fato, tenha sido criado um clima de conspiração totalmente desnecessário que perdurou durante todas as nossas discussões. Simone de Beauvoir já estava lá, com seu famoso turbante, concedendo, a quem quisesse ouvir, uma pequena conferência sobre a viagem que ia fazer a Teerã com Kate Millet, onde pretendiam se manifestar contra o chador (vestimenta utilizada pelas mulheres muçulmanas). O contexto chocou-me por sua condescendente estupidez e, apesar de meu desejo de saber o que ela tinha a dizer, percebi que estava particularmente imbuída de si mesma e particularmente inacessível a qualquer conversa naquele momento. De resto, ela partiu cerca de uma hora depois (um pouco antes da chegada de Sartre) e eu não a vi nunca mais.


Michel Foucault estava presente, mas ele me fez compreender rapidamente que não tinha nada a dizer sobre o tema do seminário, e que ia se retirar logo — como fazia todos os dias — para seu trabalho de pesquisa na Biblioteca Nacional. Eu estava feliz por meu livro Beginnings [3] aparecer com destaque em sua biblioteca, onde se amontoavam uma multidão de livros, papéis e revistas. Conversamos amavelmente, mas só bem mais tarde (quase uma década após sua morte, em 1984, para ser sincero) fui me dar conta das razões pelas quais Michel Foucault mostrou-se tão reticente em falar comigo sobre a situação política do Oriente Médio. Em suas biografias, Didier Eribon e David Macey revelaram que, em 1967, ela dava aulas na Tunísia e que foi obrigado a deixar rapidamente este país, em circunstâncias pouco normais, após a guerra de junho. Segundo a versão de Foucault, sua partida voluntária deveu-se ao horror das perseguições anti-semitas da época, freqüentes nas grandes cidades árabes após a derrota na guerra contra os israelenses. Um de seus colegas tunisianos me explicou, na década de 80, que ele tinha sido expulso. Jamais fiquei sabendo qual a versão certa. Na época do seminário parisiense, Foucault me contou que estava acabando de regressar de uma viagem ao Irã, para onde tinha ido como enviado especial do jornal italiano Corriere Della Serra. “Muito excitante, muito estranho, louco”. Lembro-me bem de tê-lo ouvido falar deste modo de seus primeiros dias na República islâmica. Um pouco depois da aparição de seus artigos, ele tratou rapidamente de manter distância. Para terminar, ao final da década de 80, Gilles Deleuze confidenciou-me que ele e Foucault, antes muito próximos, tinham rompido relações devido a divergências sobre a questão palestina. Foucault defendeu Israel, Deleuze os palestinos.


O apartamento de Foucault, se bem que vasto e extremamente confortável, era radicalmente branco e austero, o reflexo exato do filósofo solitário e do pensador rigoroso, que parecia viver só. Entre os palestinos e judeus israelenses presentes, só reconheci Ibrahim Dakkak, que tornou-se mais tarde um bom amigo de Jerusalém, Nafez Nazzal, professor em Bir Zeit, que eu tinha conhecido superficialmente nos Estados Unidos, e Yehoshofat Harkabi, o principal especialista israelense em “mentalidade árabe”, que em outros tempos tinha sido um agente do serviço secreto militar de Israel, e que Golda Meir demitiu por ter colocado, por engano, o exército em estado de alerta. Três anos mais tarde, passei um ano com ele em Stanford realizando estudos aprofundados em ciências do comportamento. Ambos estávamos sobrecarregados de cursos e acabamos não desenvolvendo a menor relação. Éramos sempre polidos, jamais cordiais. Em Paris, ele parecia estar em processo de mudança de pensamento, o que acabaria por transformá-lo no mais influente mensageiro de paz de Israel, defendendo abertamente a necessidade de um Estado palestino, considerado como uma vantagem estratégica para Israel. Os demais participantes eram essencialmente judeus israelenses ou franceses. Representavam toda a gama de tendências, da mais religiosa à mais laica, sendo todos porém, de um modo ou de outro, pró-sionistas. Um deles, Elie Ben Gal, aparentemente era um velho conhecido de Sartre: tinha sido, segundo nos disseram, seu guia por ocasião de uma recente viagem a Israel.

Quando o grande homem fez enfim sua aparição, bem depois da hora prevista, tive a oportunidade de ver a que ponto ele parecia velho e frágil. Lembro-me com toda clareza de minha impressão imediata: Sartre estava sempre acompanhado, sustentado e apoiado por uma pequena corte, sobre a qual ele se apoiava totalmente, e para a qual ele constituía a principal atividade. Faziam parte dela sua filha adotiva, de origem argelina, creio, que também desempenhava a função de sua agente literária. Havia também Pierre Victor, um ex-maoísta, co-editor com Sartre de La Cause du peuple, e que era contudo um judeu profundamente religioso, provavelmente ortodoxo. Fiquei estupefato quando soube mais tarde, de um dos membros da redação, que era um judeu egípcio chamado Benny Levy, e irmão de Adel Rafat, que formava com Baghat El-Nadi a dupla conhecida pelo nome Mahmud Hussein. É sob este nome que os dois trabalhavam na Unesco e que escreveram La lutte des classes en Egypte, um ensaio célebre publicado por Maspero. Victor não tinha aparentemente nada de egípcio; fazia o tipo intelectual rive gauche. Em terceiro lugar vinha Helena von Bulow, que, trilingüe, trabalhava na revista e fazia traduções para Sartre. Fiquei um pouco surpreso e decepcionado quando percebi que, apesar de suas estadas na Alemanha, de seus escritos sobre Heidegger, sobre Faulkner e Dos Passos, Sartre não conhecia nem o alemão nem o inglês. Amável e elegante, Helena von Bullow permaneceu ao lado de Sartre durante os dois dias do seminário, sussurrando-lhe na orelha uma tradução simultânea. Com exceção de um palestino de Viena que só falava árabe e alemão, nosso debate ocorreu em inglês. Não saberei jamais o quanto Sartre compreendeu do que estava sendo dito, mas foi profundamente desconcertante (para mim e outros presentes) vê-lo permanecer absolutamente silencioso durante todo o primeiro dia. Michel Contat, seu biógrafo, também estava presente, mas não participou da discussão.

De acordo com o estilo francês, o almoço — que em outro contexto não teria levado mais de uma hora — revelou-se uma operação complexa. Ocorreu num restaurante pouco afastado da casa de Foucault. Com a chegada dos participantes em táxis separados, por causa da chuva, mais a sucessão de quatro pratos e depois o retorno do grupo, esse importante evento acabou durando cerca de três horas e meia. Deste modo, no primeiro dia, nossas discussões sobre a paz duraram relativamente pouco. Os temas da discussão foram expostos por Victor, que apresentou-os sem ter consultado ninguém, até onde sei. Desde o início, senti que ele fazia a lei, aproveitando sua relação privilegiada com Sartre (com quem, às vezes, trocava algumas palavras em voz baixa) e exibindo uma auto-confiança arrogante. Segundo ele, devíamos discutir: 1) O valor do tratado de paz entre Egito e Israel (era a época de Camp David); 2) A paz entre Israel e o mundo árabe em geral, e 3) as condições de uma possível coexistência entre Israel e o mundo árabe. Nenhum dos árabes me parecia satisfeito. Eu, por meu lado, lamentava que se escamoteasse a questão palestina. Dakkak não recebeu qualquer satisfação e, ao final do primeiro dia, foi embora. Alguém tinha lhe assegurado que haveria intelectuais egípcios presentes. Quando ele não viu ninguém chegar, percebeu que tinha pouca coisa a fazer ali.

Ao longo desse primeiro dia, fui descobrindo pouco a pouco que o seminário tinha sido precedido de uma grande negociação, e que a participação do mundo árabe — pelo pouco número de representantes lá — estava comprometida por todas estas negociações precedentes. Lamentei não ter participado dessas negociações. Era muita ingenuidade de minha parte ter pretendido vir a Paris para discutir a preparação do seminário com Sartre, eu me dizia. Ele fez questão da participação de Emmanuel Levinas, mas este não foi mais visto que os egípcios. Todas as discussões eram registradas e posteriormente foram publicadas numa edição especial de Les Temps Modernes (setembro de 1979). Achei que foi bem insatisfatório. Estávamos cobrindo um terreno mais ou menos familiar, sem nenhum encontro real de mentes.


Simone de Beauvoir tinha se revelado uma grande decepção. Após uma hora de dissertação dogmática sobre o Islã e o uso do véu, ela partiu. Considerando as circunstâncias, não lamentei sua ausência. Mais tarde, tive a convicção que ela teria insuflado vida ao debate. Quanto à presença de Sartre, ou melhor, o que restou dela, foi estranhamente passiva, muito pouco impressionante, desprovida de paixão. Durante horas, ele não disse absolutamente nada. No almoço, ficou sentado do outro lado da mesa, com ar aborrecido, totalmente fechado. Tentei, em vão, iniciar uma conversa. Talvez estivesse um pouco surdo, mas não estou certo disso. Seja como for, ele me pareceu um fantasma do que tinha sido, e sua proverbial feiúra, seu cachimbo, suas roupas neutras e sem forma pareceram-me mais acessórios em uma cena deserta. Durante o almoço e na sessão da tarde, me dei conta de que Pierre Victor desempenhava o papel de chefe da gare e, entre os trens, figurava o próprio Sartre. Independentemente de suas misteriosas conversações na mesa, ele e Victor levantavam-se de vez em quando. Victor conduzia o velho homem, de passo vacilante, para um canto da sala, falava-lhe rapidamente, obtendo aqui e ali um balanço de cabeça, e ambos retornavam à mesa. Na época, eu era muito atuante na política palestina. Em 1977, tornei-me membro do Conselho Nacional Palestino, e por ocasião de minhas numerosas viagens a Beirute (durante a guerra civil no Líbano), para visitar minha mãe, eu via regularmente Arafat e a maioria dos líderes de então. Pensava que seria um grande êxito conseguir uma declaração de Sartre favorável aos palestinos, num momento tão crucial de nossa rivalidade mortal com Israel.

Cada participante tinha algo a dizer, se bem que fosse impossível desenvolver uma argumentação, mesmo que eu tivesse visto claramente que o verdadeiro tema do encontro era a consolidação de Israel (o que hoje se conhece por “normalização”), e não a situação dos palestinos ou dos árabes. Eu me encontrava exatamente na mesma posição da maioria dos árabes diante de mim. Com as melhores intenções, tínhamos acreditado que poderíamos tentar convencer um intelectual de primeira linha (como Sartre ou outros de sua importância), na esperança de que ele pudesse se tornar um novo Arnold Toynbee ou um Sean McBride — o que ocorre raramente. Se depositei esta esperança em Sartre é porque eu não podia simplesmente esquecer sua posição a respeito da Argélia, o que, considerando que se tratava de um território francês, devia ter sido bem mais difícil de defender que uma posição crítica em relação à Israel. Evidentemente eu estava enganado.

No desenrolar de algumas discussões fechadas e vãs, interrompi sem vergonha os debates e insisti que se ouvisse Sartre imediatamente, o que provocou consternação entre seus apoiadores satélites. Numa dessas ocasiões, a sessão foi suspensa, enquanto eles deliberavam em clima de catástrofe. A maioria dos participantes, devo dizer, partilhava comigo a sensação de farsa ou tragédia, pois o próprio Sartre parecia não tomar nenhum partido nestas deliberações que diziam respeito justamente à sua participação. Afinal, fomos chamados à mesa por um Pierre Victor visivelmente irritado, que, com toda afetação pomposa de um senador romano, anunciou em tom solene: “Amanhã, Sartre falará”. E então nos retiramos todos, para nos reencontrarmos na manhã seguinte a fim de escutar o grande homem.

No dia seguinte, Sartre tinha algo a nos oferecer: um texto datilografado de duas páginas que, no essencial — o que escrevo se baseia unicamente numa velha lembrança de vinte anos — recorria às piores banalidades para louvar a coragem de Sadat. Eu não consigo me lembrar bem das palavras para evocar os palestinos, os territórios ocupados ou seu passado trágico. Não houve, tenho certeza, nenhuma referência ao colonialismo israelense, comparável sob muitos aspectos às práticas francesas na Argélia. Era tão instrutivo quanto um despacho da agência Reuters, escrito obviamente por Victor, para apresentar um Sartre que ele parecia ter inteiramente sob seu domínio. Fiquei completamente abalado ao ver que este herói intelectual tinha sucumbido em seus últimos anos a um mentor tão reacionário e que, a propósito da Palestina, uma questão que assumia aos meus olhos uma urgência moral e política — no mesmo plano que Argélia e Vietnã —, o velho partidário dos oprimidos não encontrasse algo além das palavras mais convencionais para elogiar um líder egípcio já grandemente célebre. Durante o resto do dia, Sartre voltou ao seu silêncio, e o resto dos participantes continuou como antes. Pelo resto do dia, Sartre retomou seu silêncio, e os procedimentos continuaram como antes. Lembrei-me de uma história apócrifa na qual vinte anos antes Sartre havia viajado para Roma para encontrar Fanon (então morrendo de leucemia) e o repreendeu sobre os dramas da Argélia por (foi alegado) 16 horas ininterruptas, até que Simone o fez desistir. Aquele Sartre se foi para sempre.


Na transcrição do seminário publicado alguns meses mais tarde, a intervenção de Sartre — e este é um ponto interessante — foi reescrita e reduzida. Por que razão, não posso imaginar e na verdade nem quero saber. Sei somente que, mesmo se ainda tivesse o número de Les Temps Modernes onde aparecemos todos, não seria capaz de reler mais do que algumas linhas, sob pena de não ver ali nada além de discursos vazios. Fui escutar Sartre em Paris no mesmo espírito do convite que lhe tinha sido feito para ir ao Egito, onde intelectuais árabes queriam vê-lo e conversar com ele — com um resultado idêntico, mesmo que meu encontro tenha sido marcado, para não dizer maculado, pela presença de um intermediário, o pouco sedutor Pierre Victor, que, depois, desapareceu, parece-me, numa obscuridade perfeitamente justificada. Fiquei reduzido, como Fabrice em Waterloo, ao fracasso e à decepção.

Um último detalhe. Há alguns meses, participei do programa de televisão de Bernard Pivot, Bouillon de culture, retransmitido nos Estados Unidos pouco depois de sua difusão na França. O programa era dedicado a Sartre, sua lenta reabilitação póstuma, seu recente retorno ao primeiro plano, apesar da crítica persistente aos seus pecados políticos. Bernard Henry-Lévy — difícil encontrar alguém, tanto do ponto de vista das qualidades intelectuais como da coragem política, tão diferente de Sartre — estava lá para assegurar a promoção do ensaio aparentemente favorável que ele tinha escrito sobre o velho filósofo. (Confesso que não li o ensaio e que não tenho a menor intenção de fazê-lo.) Sartre não era tão mau afinal de contas, concedeu BHL, pois pode-se encontrar nele posições constantemente admiráveis e politicamente corretas. BHL pretendia, assim, fazer um contraponto ao que considerava ser uma crítica fundada, aquele de Sartre sempre se ter enganado a respeito do comunismo. “Por exemplo”, assinalou BHL, “suas posições sobre Israel eram perfeitas: ele jamais transigiu sobre suas posições quanto a Israel, manifestando sempre seu total apoio ao Estado judeu.”

Sartre efetivamente permaneceu sempre constante em seu filo-sionismo fundamental. Medo de passar por anti-semita, sentimento de culpa diante do Holocausto, recusa em se permitir uma percepção profunda dos palestinos como vítimas em luta contra a injustiça de Israel, ou qualquer outra razão? Jamais saberei a resposta. Tudo o que sei é que, em sua velhice, não era quase nada diferente do que tinha sido antes: a mesma fonte amarga de decepção para qualquer árabe (exceção feita aos argelinos) que admirasse justificadamente suas outras posições e sua obra. Bertrand Russell certamente fez melhor: em seus últimos anos, quando foi orientado e, segundo alguns, totalmente manipulado por meu camarada de classe de Princeton e velho amigo Ralph Schoenman, ele assumiu efetivamente posições razoavelmente críticas da política de Israel em relação aos árabes. Por quê os grandes homens, em sua velhice, sucumbem tanto aos artifícios de um jovem aprendiz, a um tipo de rigidez que os encerra em uma convicção política inatingível? É um pensamento desmoralizante, mas há um pouco disso no caso de Sartre. À exceção da Argélia, a justeza da causa árabe não lhe provocou jamais uma grande impressão, talvez por causa de Israel, ou então pelo fato de uma ausência elementar de simpatia, ligada a razões culturais ou eventualmente religiosas, não sei. Neste domínio, ele era radicalmente diferente de seu ídolo, Jean Genet, seu velho amigo, que celebrou sua estranha paixão pelos palestinos permanecendo longo tempo entre eles e também escrevendo o extraordinário Quatre heures à Sabra et Chatila e Le Captif amoureux.

Um ano após nosso breve e decepcionante encontro em Paris, Sartre morreu. Lembro-me vividamente de quanto lamentei sua morte.

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