6 de novembro de 2006

A explosão da dívida e a especulação

Em uma série de artigos na Monthly Review e nos livros da Monthly Review Press durante as décadas de 1970 e 1980, Harry Magdoff e Paul Sweezy propuseram que a tendência econômica geral do capitalismo maduro é em direção à estagnação. A escassez de oportunidades de investimento rentáveis é a principal causa dessa tendência. Menos investimento na economia produtiva (a "economia real") significa menor crescimento futuro. Marx escreveu sobre a possibilidade desse mesmo fenômeno.

Fred Magdoff



Estagnação e finanças

Numa série de artigos na Monthly Review e em livros da Monthly Review Press durante as décadas de 1970 e 1980, Harry Magdoff e Paul Sweezy propuseram que a tendência econômica geral do capitalismo maduro é para a estagnação.¹ A causa primária desta tendência é a escassez de oportunidades de investimento lucrativo. Menos investimento na economia produtiva (a "economia real") significa crescimento futuro mais baixo. Marx escreveu acerca da possibilidade deste fenômeno extremo:

Se esta nova acumulação tropeça com dificuldades na sua aplicação, devido a uma falta de esferas de investimento, i.e., devido a um excedente nos ramos de produção e a um excesso de oferta de capital de empréstimo, esta pletora de capital dinheiro emprestável mostra simplesmente as limitações da produção capitalista ... um obstáculo que na verdade é imanente às suas leis de expansão, i.e., nos limites nos quais o capital pode realizar-se como capital. (Karl Marx, Capital, vol. 3, [International Publishers], 507)

A estagnação, naturalmente, não significa que não haja crescimento de todo. Significa antes que a economia funciona bem abaixo do seu potencial — com apreciável capacidade produtiva não utilizada e desemprego significativo e subemprego. Ao longo dos últimos trinta anos uma média de 81 por cento da capacidade industrial foi utilizada, e durante os últimos cinco anos esta média foi apenas de 77 por cento. Normalmente há significativa capacidade produtiva não utilizada mesmo na fase de recuperação do ciclo de negócios. Durante os prolongados anos de boom da década de 1960 o sector manufatureiro estava a produzir próximo aos 85 por cento da sua capacidade; mesmo no melhor ano, 1966 (durante a Guerra do Vietnã), a produção manufatureira atingiu apenas 91 por cento da sua capacidade.

Em relação à utilização do trabalho, a taxa oficial de desemprego em julho de 2006 manteve-se a um nível relativamente baixo de 4,8 por cento. Entretanto, a "medida alternativa da utilização do trabalho" do Bureau of Labor Statistics — a qual inclui, além dos "oficialmente" desempregados, uma avaliação daqueles que desesperaram de procurar trabalho, mais aqueles que trabalham a tempo parcial mas desejam emprego a tempo inteiro — mostra que uns 8 por cento da força de trabalho potencial está subempregada ou desempregada. Mesmo isto parece ser uma subestimação dada a diminuição da participação da força de trabalho sob a economia estagnada conduzida financeiramente. Apesar da categoria dos "trabalhadores marginalmente ligados" na medida alternativa do desemprego, as metodologias existentes não apreendem plenamente a porção daqueles que abandonaram ostensivamente a força de trabalho mas que estão realmente desejosos de empregos. No atual período tal desencorajamento profundo e crônico a forçar trabalhadores potenciais para fora do mercado de trabalho parece estar a continuar apesar da melhoria no ciclo de negócios. As taxas de participação do trabalho têm assim declinado desde 2000 — um fenômeno que é quase sem precedentes no período pós-Segunda Guerra Mundial e tem provocado muito controvérsia.²

Na verdade, o ganho médio no emprego real desde o fim da última recessão tem sido extremamente lerdo. Como destaca o redator de assuntos econômicos Floyd Norris, "Neste ponto, após as anteriores nove recessões, havia uma média de mais 11,9 por cento de emprego na economia do que tem acontecido no fim desta recessão. Mas até então [agosto de 2006]... há apenas 3,5 por cento mais empregos do que no fim da última recessão" (New York Times, 02 de setembro de 2006). Portanto, já há três anos dentro de uma recuperação de uma recessão relativamente suave, ainda temos significativos indicadores de estagnação.

As economias capitalistas baseiam-se no motivo do lucro e da acumulação infindável de capital. Por conseguinte, os problemas acontecem sempre que elas não se expandem a taxas de crescimento razoavelmente elevadas. Tais problemas vão desde o alto desemprego/subemprego, a recessões frequentes, a crashes nas bolsas de valores, à inflação e à deflação. Um certo número de mecanismos, os quais são avaliados sumariamente abaixo, tem servido tanto para contrabalançar como para representar tentativas de ultrapassar a tendência do capitalismo maduro rumo à estagnação. Contudo, como Magdoff e Sweezy destacaram: "A tendência à estagnação é inerente ao sistema, profundamente enraizada e em operação contínua. As contra-tendências, por outro lado, são variadas, intermitentes, e (o mais importante), auto-limitadoras" (Stagnation and the Financial Explosion, Monthly Review Press, 1987, 24).

Imperialismo, globalização e estagnação

Quando indústrias maduras e os seus produtos saturam mercados internos as corporações à procura de escapatórias lucrativas para as suas mercadorias e o seu capital tentam cada vez mais exportar produtos e investir no exterior. Isto, juntamente com outros objetivos importantes — tais como controlar fontes de matérias-primas necessárias para a produção e aproveitar-se de baixos salários e padrões ambientais e de segurança do trabalho laxistas — aumenta o impulso imperialista que constitui uma característica essencial do capitalismo. A globalização neoliberal é a mais recente manifestação do capitalismo: o capital (grandes corporações, tanto financeiras como não financeiras) utilizando governos, e especialmente a liderança do governo americano, para tornar mais fácil explorar os recursos e os povos do mundo. A situação ideal para os capitalistas é serem capazes de investir e vender onde e quando eles quiserem, moverem o dinheiro e os produtos para dentro e para fora de países e repatriarem lucros à vontade. 

Este impulso imperial resultante do funcionamento natural de uma economia capitalista proporciona escapatórias lucrativas que podem não estar disponíveis no seu país de origem, bem como lucratividade acrescida em casa, através do controle dos mercados para as matérias-primas necessárias às indústrias. Para dar uma ideia da importância dos lucros dos investimentos no exterior no total da economia dos EUA, isto representou cerca de 6 por cento dos lucros totais de negócios na década de 1960, 11 por cento na década de 1970, 15 a 16 por cento nas de 1980 e 1990, e atingiu uma média de 18 por cento nos período de cinco anos 2000-04 (calculado a partir do 2006 Economic Report of the President, table B–91).

É verdade que o investimento na periferia criou novas saídas para o capital à procura de investimento. Contudo, por uma variedade de razões, tais como a competição mundial por mercados, a estagnação global (evidente no crescimento do excesso de capacidade a nível mundial), e o excedente em ascensão obtido com a exploração de mercados do terceiro mundo, os quais somam-se ao capital à procura de saídas, tal expansão externa não aliviou seriamente a tendência rumo a uma super-acumulação de capital nem nos EUA nem à escala mundial.

Invenções chave e tecnologias como estímulos econômicos

Invenções chave e tecnologia por vezes estimularam significativamente a economia, algumas vezes durante décadas. A invenção do automóvel, por exemplo, no princípio do século XX levou finalmente a enormes desenvolvimentos que transformaram a economia americana, mesmo para além da massa de proprietários de automóveis: a construção de um extenso sistema de estradas, pontes e túneis; a necessidade de uma rede de estações de gasolina, restaurantes, peças sobressalentes e oficinas de reparação; o movimento eficiente e barato de bens de qualquer localização para qualquer outra localização. Outro dos efeitos profundos da generalização do uso pessoal do automóvel foi o aumento da suburbanização da habitação. Do lado negativo, o automóvel virtualmente eliminou grande parte do transporte público de superfície, urbano e interurbano, criou uma vasta nova fonte de poluição (e de dióxido de carbono), e na segunda metade do século XX obrigou a política externa dos EUA a assegurar que o petróleo e o gás continuassem a fluir para alimentar tais desenvolvimentos.

Portanto, a tecnologia do automóvel estimulou a economia durante décadas do século XX e de numerosas maneiras. As novas tecnologias da informação (computadores, software, a Internet), ainda que certamente mudando o modo como as companhias e os indivíduos trabalham, não parecem estar a proporcionar uma criação de época semelhante, estímulos econômicos a longo prazo, embora a "revolução do silício" tenha tido importantes consequências econômicas.

Crescimento dos gastos governamentais como reação à estagnação

Os gastos governamentais em infraestrutura física e humana, como assinalou Keynes, também podem alimentar a economia: o sistema de rodovias inter-estadual, por exemplo, reforçou diretamente a economia ao criar empregos e indiretamente ao tornar a produção e as vendas mais eficientes. Contudo, dispêndios militares tem um efeito estimulante especial. Como formulou Harry Magdoff,

Uma economia de mercado em expansão sustentável precisa de investimento ativo bem como muita procura do consumidor. Agora a parte bela do militarismo para os grupos de interesse é que ele estimula e apoia o investimento em bens de capital bem como na investigação e desenvolvimento de produtos para criar novas indústrias. As encomendas militares fazem diferenças significativas e por vezes decisivas na construção naval, nas indústrias de máquinas, ferramentas e outras maquinarias, na de equipamento de comunicação, e muito mais... A explosão de encomendas de material de guerra ajudou e confortou as indústrias de bens de investimento. (Ainda em 1985, os militares compraram 66 por cento das manufaturas da indústria aeronáutica, 93 por cento da construção naval, e 50 por cento do equipamento de comunicação.) Os gastos com a Guerra da Coreia foram uma importante alavanca para a Alemanha e o Japão ascenderem dos seus escombros. Novos estímulos às suas economias vieram dos gastos externos dos EUA com a Guerra Vietnamita. ("A Letter to a Contributor: The Same Old State", Monthly Review, Janeiro/1998)

O ascenso das indústrias com base no silício e na Internet são dois exemplos relativamente recentes de como projetos militares "criam novas indústrias". Além disso, guerras reais tais como as guerras americanas contra o Iraque e o Afeganistão (e o abastecimento de Israel para executar a sua mais recente guerra no Líbano) estimula a economia ao exigir a substituição do equipamento que se desgasta rapidamente sob condições de batalha, bem como os gastos com mísseis, projéteis, bombas, etc.

Para se ter uma ideia de quão importantes são as despesas militares para a economia dos Estados Unidos, vamos examinar como eles se comparam com as despesas para finalidades de investimento. A categoria investimento privado bruto inclui todo investimento em estruturas de negócios (fábricas, lojas, centrais eléctricas, etc), equipamento de negócios e software, e construção de casas/apartamentos. Este investimento provoca crescimento actual e futuro na economia pois as estruturas e a maquinaria podem ser utilizadas por muitos anos. Também estimulam a economia: pessoas a comprarem ou alugarem novas residências muitas vezes compram novos electrodomésticos e mobiliário.

Durante os cinco anos anteriores às guerras no Afeganistão e no Iraque (até 2000), as despesas militares relativas ao investimento estavam no ponto mais baixo do último quarto de século, mas ainda equivaliam a aproximadamente um quarto do investimento privado bruto e um terço do investimento de negócios (calculado a partir das National Income and Product Accounts, table 1.1.5). Durante os últimos cinco anos, com as guerra em pleno andamento, houve um crescimento significativo nas despesas militares. O boom de construção civil durante o mesmo período significou que as despesas militares oficiais para 2001-05 foram em média 28 por cento do investimento privado bruto — não muito diferente do período anterior. Contudo, quando a construção habitacional é omitida, as despesas militares durante os últimos cinco anos foram equivalente a 42 por cento do investimento privado bruto não habitacional.³

A taxa de aumentos anuais nas despesas do consumidor caem um pouco com recessões e aumentam quando a economia recupera — mas ainda assim aumentos de um ano para o outro. Contudo, as mudanças bruscas no investimento privado são o que determina o ciclo de negócios — períodos de crescimento relativamente alto a alternarem-se com períodos de crescimento muito lento ou negativo. Na ausência do enorme orçamento militar, um enorme seria necessário um enorme aumento no investimento privado para impedir a economia de cair dentro de uma recessão profunda. Mesmo com os recentes aumentos agudos nas despesas militares e no crescimento da construção privada de habitação, a falta de crescimento rápido no investimento em negócios conduziu a uma economia entorpecida.

O papel da dívida no estímulo ao crescimento econômico

A criação de dívida tanto nos setores governamentais como privado também estimula a economia. O dispêndio deficitário pelo governo é uma das respostas keynesianas para recessões, pondo novos dólares em circulação para criar "procura". (A experiência dos Estados Unidos durante a Grande Depressão bem como o exemplo recente do Japão indicam que o dispêndio deficitário keynesiano por si próprio não resolve problemas dos ciclos econômicos mais severos. Não foi o keynesianismo e sim a Segunda Guerra Mundial que catapultou a economia americana para fora da Grande Depressão.) Da mesma forma, quando um banco empresta dinheiro a uma companhia para expandir as suas operações ou a um indivíduos para comprar uma casa ou um carro, verifica-se mais atividade na economia do que ocorreria de outra forma.

Contudo, há diferenças entre empréstimo ao consumidor e à empresa. Quando as pessoas tomam emprestado para comprar bens de consumo, a própria compra proporciona um estímulo imediato. Aqueles que fabricam e transportam e vendem os bens obtêm dinheiro que pode utilizar, e habitualmente fazem-no imediatamente. Aqui pode haver mesmo um pequeno efeito propagador na economia. Entretanto, quando corporações emprestam para construir mais fábricas, comprar maquinaria durável, ou começar um negócio nos serviços, o efeito do dispêndio do dinheiro emprestado continua durante anos pois a atividade econômica é expandida e são criados empregos.

Marx exprimiu a acumulação de capital através do investimento como D–M–D'. O D(inheiro) capital é utilizada para comprar matérias-primas, máquinas e trabalho para produzir M(ercadorias), as quais são então vendidas, com o capitalista a receber em retorno D' — o dinheiro original mais Äd, o valor excedente produzido pelo trabalho. No circuito financeiro do capital, em contraste, o dinheiro faz mais dinheiro diretamente, representado por Marc como D–D'. Embora sob certos aspectos seja uma simplificação, numa época em que era perfeitamente razoável pensar os bancos basicamente a emprestarem fundos que haviam sido depositados pelo público. Eles arrecadam o juro e o principal daqueles que assumiram dívidas e pagam uma parte aos depositantes. Contudo, os bancos de hoje tornaram-se eles próprios tomadores maciços de empréstimos. Instituições financeiras de todos os tipos agora acumulam enormes quantidades de dívidas pois eles tentam fazer dinheiro com dinheiro emprestado. Esta dívida tomada pelas instituições financeiras para a finalidade da especulação tem pouco ou nenhum efeito estimulantes sobre a produção. Poucas pessoas são empregadas no processo da especulação (digamos, por cada bilhão de dólares emprestado e com eles especulado) em comparação com outras utilizações mais produtivas para aquele capital. Os lucros resultantes destas transações financiadas pela dívida raramente são convertidos em investimentos em fábricas ou firmas do setor de serviços que criam empregos. Ao invés disso, tais lucros especulativos são normalmente utilizados para gerar ainda mais lucros através de vários outros esquemas de especulação, ou para a alta vida pelos ricos. Em consequência, a estagnação no emprego nos últimos anos tem avançado de mãos dadas com uma nova opulência entre os principais beneficiários da expansão financeira.

A explosão da dívida

A rápida expansão da dívida na economia estadunidense — muito maior do que a expansão da actividade económica (tal como medida pelo acréscimo do Produto Interno Bruto, ou PIB) — foi descrita dramaticamente por Magdoff e Sweezy na sua introdução à Stagnation and the Financial Explosion.Entretanto, verifica-se que o que eles observaram entre o princípio e os meados da década de 1980 era apenas um primeiro presságio do que viria a ser uma irrupção sem precedentes da dívida na economia (ver gráfico 1). [4] A divergência entre o crescimento da dívida activa (outstanding debt) na economia e o crescimento económico que lhe subjaz é verdadeiramente espantosa. Na década de 1970 a dívida activa era cerca de 1,5 vezes a dimensão da actividades económica anual do país (PIB). Em 1985, era o dobro do PIB. Em 2005, a dívida total dos EUA era quase 3,5 vezes o PIB do país (ver gráfico 2), e não longe dos US$ 44 milhões de milhões de PIB do mundo todo.

A dívida total nos Estados Unidos é composta pela dívida possuída pelas famílias, pelo governo (local, estadual e federal), pelos negócios não financeiros e pelas instituições financeiras. Enquanto tem havido um crescimento quase contínuo da dívida desde o fim da década de 1970, houve explosões de crescimento da dívida em relação ao PIB — no período 1981-88 (quando Magdoff e Sweezy publicaram muitos artigos sobre o assunto), e mais uma vez em 1997-2005. Na década de 1980, os sectores com os maiores aumentos de dívida em relação ao PIB foram instituições financeiras, cuja dívida cresceu de 22 para 42 por cento do PIB em 1981-88, e o governo, cuja dívida cresceu de 44 para 69 por cento do PIB no mesmo período. Durante a segunda explosão de endividamento, 1997-2005, o negócio financeiro da dívida cresceu ainda mais em porcentagem do PIB, explodindo dos 66 por cento para mais de 100 por cento do PIB. Durante este segundo período o endividamento familiar também disparou, de 67 para 92 por cento do PIB, em grande medida devido ao refinanciamento de casas durante o boom habitacional, e endividamento acrescido por cartões de crédito. A dívida de companhias não financeira continua a crescer rapidamente. Segundo o Wall Street Journal, "Corporações estão a tomar dinheiro emprestado ao ritmo mais rápido em vários anos e em meio a uma onda de compras alavancadas de participações accionárias (leveraged buy-outs) e aquisições, despesas de capital ascendentes e pressão de accionistas por maiores dividendos e retrocompras partilhadas (share buybacks) ... Companhias não financeiras viram a sua dívida ascender 6,3% nos 12 meses que terminaram no primeiro trimestre, para US$ 5,5 milhões de milhões. Isto é o mais rápido crescimento anual de dívida em cinco anos. Em 2005, a dívida aumentou a uma média de 12 meses aos ritmo de 5,1%, ao passo que em 2004 o crescimento da dívida fora de 2,7%..." (17/Agosto/2006).

Entretanto, não são apenas as corporações não financeiras entre as corporações de hoje que têm experimentado esta explosão financeira. Elas têm sido ultrapassadas nos últimos anos pelas suas equivalentes financeiras. Não só a dívida explodiu em números absolutos, e crescido de forma tão dramática em relação ao crescimento da economia do país, como a sua composição mudou consideravelmente. O endividamento do sector financeiro, o qual representava cerca de 10 por cento do total da dívida americana no princípio da década de 1970, ascendeu e agora está próxima a um terço do total (gráfico 3). A "fatia" de dívida dos negócios não financeiros e do governo diminuiu bastante dramaticamente ao longo do mesmo período, aos passo que a dívida do consumidor permaneceu aproximadamente na mesma proporção da dívida total existente no período da crise económica dos meados da década de 1970.

À medida que a dívida total cresce cada vez mais, ela parece estar a ter menos efeitos estimulantes sobre a economia. Há poucas passagens em que as teses de Magdoff e Sweezy — de que nas economias capitalistas maduras há uma tendência implacável para a estagnação — estejam mais confirmadas do que nas estatísticas que se seguiram. Embora não haja relacionamento exacto entre criação de dívida e crescimento económico, na década de 1970 o aumento no PIB era cerca de 60 centavos por cada dólar acrescido de endividamento. No princípio de 2000 esta proporção havia diminuído e aproximava-se dos 20 centavos de crescimento de PIB por cada dólar adicional de endividamento.

A dívida, como vimos, pode ser utilizada para toda a espécie de coisas — algumas estimulam muito a economia e têm um efeito que perdura de forma duradoura (investimento em novos negócios ou expansão de negócios já existentes), outras tem um efeito moderado e relativamente a curto prazo sobre a economia (famílias a tomarem empréstimos sobre os seus lares ou recorrerem ao endividamento por cartão de crédito para comprar produtos de consumo), e algumas outras têm pouco ou essencialmente nenhum efeito sobre a economia (especulação financeira). A mudança na composição da dívida, com a dívida financeira agora maior do que qualquer outro componente único e a crescer mais rápido do que todo o resto (uma mudança do D-M-D' para D-D') pode explicar grande parte do reduzido estímulo da economia com a expansão da dívida. Claramente, de qualquer forma, a tendência rumo à estagnação — e a necessidade do capital de procurar "investimentos" na especulação ao invés das actividades produtivas devido àquela estagnação — marca a era presente.

Parece evidente que há limites tanto a curto prazo como a longo prazo para a ascensão do rácio dívida/PIB. Não só são inevitáveis os periódicos "sufocamentos de crédito" ("credit crunches") da espécie que tem sacudido o sistema financeiro de tempos em tempos nas últimas décadas, como também um grande colapso (meltdown) financeiro de uma espécie que o sistema pode absorver muito menos facilmente é cada vez mais provável a longo prazo, à medida que as explosões financeiras continuam. Como disse o antigo presidente da Reserva Federal, Alan Greenspan, ao Congresso em Junho de 2005: "Penso que aprendemos desde muito cedo na história económica que dívida em quantidades modestas expande a taxa de crescimento de uma economia e cria padrões de vida mais elevados, mas em excesso cria problemas muito sérios". O economista chefe do MBG Information Services, Charles W. McMillion, foi mais directo — "A crescente dependência da economia sobre nível de endividamento sem precedentes é claramente insustentável e extremamente perturbante ... As únicas questões sérias são quando e como os actuais desequilíbrios serão corrigidos e quais serão as consequências" ( Washington Post,23/Janeiro/2006).

Não há, naturalmente, qualquer forma de prever o nível em que demasiada dívida possa provocar uma crise profunda e prolongada. Bolhas nos mercados romperam-se em 1987 e 2000 sem desacelerar este processo de explosão da dívida, excepto temporariamente. Por quanto tempo isto possa perdurar sem uma calamidade muito maior que atinja o núcleo do sistema é algo que ninguém sabe — mas assumir que continuará para sempre é certamente levar a auto-ilusão a um extremo. O grande e firme aumento da dívida do consumo em relação ao rendimento já está a criar dificuldades para aqueles que devem pagar as suas dívidas enquanto mantêm suas despesas vitais. (Ver John Bellamy Foster, " The Household Debt Bubble ", Monthly Review, Maio/2006, e "Homeowners Start to Feel the Pain of Rising Rates," Wall Street Journal, 10/Agosto/2006.) No ano passado as famílias estadunidenses gastaram um record de 13,75 por cento do seu rendimento após impostos, ou disponível, com o serviço das suas dívidas. Com pouco ou nenhum crescimento do rendimento entre os assalariados, verificou-se que no ano passado (Julho/2005 - Junho/2006) a pessoas gastaram US$ 1,1 milhão de milhões a mais do que ganharam (Bureau of Economic Analysis, comunicado 0634, 1/Agosto/2006). Esta taxa de poupanças pessoais negativas é sem precedentes nos anos pós Grande Depressão. A dívida das famílias americanas atingiu um récorde de US$ 11,4 milhões de milhões no terceiro trimestre do ano passado, o qual terminou em 30/Setembro/2005, após disparar à mais rápida taxa desde 1985, conforme dados da Reserva Federal. A dívida familiar total mantinha-se nos US$ 11,8 milhões de milhões no fim de Março de 2006 (Federal Reserve Flow of Funds).

Esta aceleração do endividamento familiar tem sido em grande parte ajudada pela Reserva Federal em resposta à implosão do mercado de acções em 2000. Quando o Fed reduziu as taxas de juros para níveis historicamente baixos a fim de impedir a economia de cair numa recessão profunda, as famílias aumentaram os empréstimos sobre casas, carros e cartões de crédito. A dívida hipotecária familiar aumentou 75 por cento de 2000 para 2005 quando os proprietários das casas refinanciaram e obtiveram hipotecas maiores — pondo dinheiro fora dos seus lares ao utilizá-los para variadas finalidades — e quando novas pessoas participaram no boom da habitação com casas vendidas a preços cada vez mais inflacionados àqueles com baixas classificações de crédito. Isto teve o efeito de comutar a bolha dos preços das acções para uma bolha nos preços das casas. Isto estimulou a economia, com investimentos na habitação privada a crescerem para 36 por cento do investimento privado total em 2005 — um nível nunca visto desde 1958 durante o grande boom da habitação suburbana resultante da segunda onda de automobilização.

Os americanos tem estado a comprar novas casas e a incidir em mais endividamente ao obterem novas hipotecas sobre casas existentes nas quais eles tomam uma maior hipoteca com base no preço valorizado da suas casas. Além disso, novos tipos de hipotecas têm sido desenvolvidos para aqueles que realmente não podem poupar para comprar casa (hipotecas "sub-prime", a taxas de juros mais altas, mas com "atractivos" para fazê-las parecer acessíveis). Isto inclui hipotecas em que taxas de juro muito baixas são cobradas por uns poucos anos antes de as taxas se tornarem ajustáveis e/ou aquelas na qual 100 por cento do valor da casa é financiado. Se as taxas de juros aumentarem substancialmente — uma possibilidade real — o custo do empréstimo passado provocará grande aflição a muitas famílias, com aumento de retomas de propriedades hipotecadas e bancarrotas e ascenço posterior dos pagamentos e crescimento das taxas sobre as dívidas dos cartões de crédito. Já estamos a testemunhar o princípio deste fenómeno quando aqueles que confiaram em hipotecas com taxas ajustáveis e pessoas que tomaram emprestado 100 por cento do valor dos seus lares estão agora a enfrentar o duplo problema de pagamentos mais altos das hipotecas ao mesmo tempo que os valores das casas em alguns locais estão a declinar ( Wall Street Journal,"Homeowners Start to Feel The Pain of Rising Rates", 10/Agosto/2006). As retomadas pelos credores aumentaram dramaticamente em 2006 — mesmo entre aqueles com boas classificações de crédito. No entanto, há montes de dinheiro a ser feito com estes tipos de hipotecas pelos correctores das mesmas, pelos bancos que originalmente emprestam o dinheiro, pelos distribuidores de empréstimos, pelos hedge funs e pelos investidores institucionais que compram estes empréstimos empacotados. Como disse a Business Week: "Neste jogo quase todos os jogadores vencem — excepto o proprietário da casa carente de dinheiro" ("Nightmare Mortgages", 11/Setembro/2006).

Não há espaço suficiente aqui para avançar em todas as implicações da enorme dívida federal nos Estados Unidos, a qual tem sido amplamente relatada. Nos últimos anos da administração Clinton a convergência da restrição fiscal e da bolha especulativa, sobretudo em acções de tecnologia da informação, levou a orçamentos federais superavitários. A partir da posse do presidente Bush, os défices federais anuais — e a dívida federal — tem crescido maciçamente. Este governo toma emprestado, em grande medida, para "pagar" por cortes fiscais para os ricos (redistribuindo rendimento para cima) e custear guerras no Afeganistão e no Iraque, o que é uma "perna" dos chamados défices gémeos. A outra "perna" é o défice da balança de transacções correntes.

Desde 1980 tem havido uma balança comercial negativa quase contínua entre os Estados e outros países. Durante os últimos dois anos o défice de transações correntes dos EUA tem estado em torno dos US$ 700 mil milhões, aproximadamente 6 por cento do PIB. Isto significa que aproximadamente US$ 2 mil milhões por dia devem entrar nos Estados Unidos para comprar títulos do governo americano ou outros activos tais como acções e propriedade imobiliária a fim de compensar o dinheiro líquido que a população e as companhias americanas enviam para o exterior para produtos manufacturados, serviços e investimento. Há sérios receios entre peritos financeiros de que bancos centrais estrangeiros e indivíduos ricos possam dirigir seus investimentos para outros países e divisas. Num relatório recente, o Fundo Monetário Internacional reiterou a sua preocupação acerca do desequilíbrio das transacções correntes americanas: "O risco de um ajustamento desordenado do dólar poderia aumentar se não houvesse as políticas que estão a ser postas em prática para fomentar os ajustamentos necessários em desequilíbrios de poupanças e investimento..." ( Wall Street Journal, 13/Setembro/2006). Para dar uma ideia do que poderia estar reservado, um comentário aparentemente inócuo do banco central da Coreia do Sul em Fevereiro de 2005 — que estava a planear diversificar seus haveres de divisas estrangeiros afastando-se de activos com base no dólar — remeteu o dólar para um declínio temporário. Como um editorial do New York Times descreveu isto: "...a venda de dólares não precipitou um colapso. Mas certamente deu uma antevisão do mesmo. O dólar sofreu o seu pior declínio diário num período de dois meses contra o yen e o euro. Os mercados de acções de Nova York, Londres, Paris e Frankfurt caíram, e os preços do ouro e do petróleo, os quais tendem a subir quando o dólar cai, reforçaram-se" (18/Novembro/2005). Com a Coreia do Sul a deter apenas US$ 69 mil milhões em Títulos do Tesouro dos EUA naquele momento, imagine-se o que pode acontecer se bancos centrais na China ou no Japão, que possuem cerca de um milhão de milhões daqueles Títulos, decidirem afastar-se do dólar! (Talvez a única coisa que os mantenha afastados disso é que eles têm montantes tão enormes investidos em dólares que as suas "poupanças" baseadas nos EUA seria devoradas em qualquer colapso que possa ocorrer).

O casino gigante

Juntamente com a explosão de dívida tem-se verificado o crescimento excepcional das finanças e da especulação financeira na economia americana — estimulada significativamente pelos níveis de endividamento cada vez mais elevados. Como veremos abaixo, a dívida ajuda a alimentar a especulação financeira e ao mesmo tempo a especulação financeira conduz a mais dívida!

Com lucros de novos investimentos mais difíceis de obter na economia "real" (onde algo é realmente fabricado ou um serviço entregue) da produção capitalista madura, uma outra das respostas do capital à estagnação tem sido a expansão do sistema financeiro, juntamente com muitos novos truques(gimmicks) destinados a apropriar valor excedente do resto da economia.

Porque elas não sabiam onde investir os fundos, em meados de 2006 corporações americana mantinham o equivalente a 20 por cento do seu valor de mercado como cash e em Títulos do Tesouro. Além disso, o capital excedente não é uma questão apenas nos Estados Unidos. Mesmo com supostas oportunidades de investimento em economia em crescimento como a China e a Índia, o artigo do Wall Street Journal descrevia uma enorme quantidade de "dinheiro a borrifar por todo o mundo" — em resultado do dinheiro efectivamente sem juros disponível no Japão e nos Estados Unidos, das baixas taxas de juro na Europa, e de montantes maciços de "petrodólares" gerados pelos altos preços do petróleo (07/Março/2006). Esta é uma situação, como já sabemos do trecho citado anteriormente, que Marx previu. O sector financeiro agora tem o ónus de proporcionar escapatórias novas e ampliadas para a maciça acumulação de capital. Os economistas da linha dominante geralmente ignoram a estagnação e portanto deixam de reconhecer as raízes estruturais da explosão financeira ou os seus perigos. Em contraste agudo, Magdoff e Sweezy identificaram precocemente a importância crítica do papel crescente do sector financeiro na estagnação da economia do fim do século XX. Como explicaram, com o desenvolvimento de corporações gigantes a partir do fim do século XIX "a composição da economia capitalista experimentou uma transformação qualitativa. A emissão de muitos tipos e quantidade de títulos corporativos trouxe na sua esteira o desenvolvimento de acções organizadas, títulos organizados, casas de corretagem, novas formas de banca, e uma comunidade daquilo que Veblen chamou capitães das finanças que logo ascenderam ao topo da hierarquia capitalista da riqueza e do poder" ( Monthly Review, Maio/1983). Eles avançaram para descrever o incrível ritmo de desenvolvimento no sector financeiro através do século XX até o período da década de 1980, quando escreviam, denominando este crescimento como "explosão financeira". Os últimos vinte anos apenas confirmaram esta avaliação.

Do D–M–D' ao D–D'

As finanças (bancos, firmas de investimento, companhias de seguros e consórcios imobiliários) desenvolvem um número sempre crescente de novas maneiras de tentar fazer dinheiro com dinheiro — D–D' na formulação de Marx. Portanto, as finanças não são apenas a "cola" que conecta as várias partes do sistema capitalista e o "óleo" que lubrifica o seu funcionamento, as finanças tornam-se uma actividade económica dominante nas economias capitalistas maduras.

Como analisado acima, cerca de um terço de toda a dívida nos Estados Unidos é detida por instituições financeiras — o maior devedor do sector. Naturalmente, o propósito de as finanças tomarem toda aquela dívidas é o de tentar fazer dinheiro — e assim tem sido. Enquanto na década de 1960 os lucros financeiros representavam cerca de 15 por cento de todos os lucro internos nos Estados Unidos, eles agora representam cerca de 40 por cento de todos os lucros (ver gráfico 4). Ao mesmo tempo, a manufactura, que outrora representava 50 por cento dos lucros internos, agora representam menos de 15 por cento dos lucros. Surpreendentemente, esta mudança foi, no mínimo, ainda mais dramática após o colapso do mercado de acções do ano 2000. (É importante ter em mente que enquanto o emprego no sector manufactureiro diminuiu e a manufactura tornou-se menos importante na produção de lucros do que os sectores de serviços e financeiro, aumentos na produtividade permitiram que a produção real de bens manufacturados nos Estados Unidos continuasse a aumentar!)

A importância das finanças mesmo para corporações não financeiras pode ser vista ao examinar o resultado final de muitos dos grandes fabricantes e retalhistas. Como explicado naBusiness Week, "Na Deere & Co., uma companhia de equipamentos agrícolas, as finanças produzem aproximadamente um quarto dos rendimentos. A Retailer Target Corp (TGT) habitualmente obtem cerca de 15% dos seus rendimentos com os cartões de crédito. E enquanto a General Motors Corporation (GM) está a ter perturbações na venda de carros, seu negócio de hipotecas ditech.com vai de vento em popa. As operações de financiamento da GM renderam US$ 2,9 mil milhões no ano passado, enquanto a GM perdia dinheiro nos carros" (28/Maio/2005). Mesmo o retalhista gigante dos bens de consumo, a Wal-Mart, envolveu-se nessa actuação e começou a oferecer uma variedade de serviços financeiros tais como pagamento de contas, desconto de cheques, ordens de pagamento e transferências de dinheiro para outros países.

As companhias financeiras desenvolveram meios para desviar muito dos seus riscos com o fornecimento de empréstimos. Elas agora "empacotam" um grupo de empréstimos em conjunto e vendem-no a hedge funds e outros investidores institucionais. Elas ganham comissões por arranjarem as transacções e, embora colectem menos em pagamentos de juros, o seu risco é quase zero. Quão importante é esta nova estratégia? "Companhias financeiras agora obtêm cerca de 42% dos seus rendimentos de comissões (fees) e apenas 58% de juros, em comparação com 20% e 80%, respectivamente, em 1980..." (Business Week, 28/Março/2005). Não mais responsáveis por incumprimentos (defaults), os bancos estão a promover mais empréstimos, e portanto mais dívida. Os bancos costumavam ser muito conservadores ao emprestar dinheiro porque queriam assegurar o repagamento. Contudo, a situação mudou de modo a permitir mais empréstimos questionáveis:

"Os bancos costumavam preferir que você fosse mais conservador", diz Daniel O'Connell, executivo chefe da Vestal Capital Partners, uma grande firma de investimentos privados. "Agora, eles encorajam-nos a assumir mais empréstimos. Os bancos são mais agressivos porque eles raramente mantêm os empréstimos que fazem. Ao invés disso, vendem-nos a outros, que então reempacotam, ou agregam contratos (securitize), os empréstimos e vendem-nos a investidores em exóticos veículos tais como CLOs, ou obrigações de empréstimos colaterizadas. Toda semana há anúncios de milhares de milhões de dólares em novas CLOs, criadas pela administração do dinheiro tradicinal e por hedge funs, os quais então vendem-nos a outros investidores. Em muitos casos, eles podem manter algumas porções destas complicadas securities. ( Wall Street Journal,03/Março/2006)

A magnitude da especulação

A magnitude da especulação em todos os tipos de "instrumentos" financeiros tais como acções, futuros, derivativos e divisas é verdadeiramente espantosa. Magdoff e Sweezy estavam manifestamente impressionados por esta tendência quando pela primeira vez tocaram o alarme. Hoje os analistas financeiros muitas vezes pretendem que as finanças podem levitar para sempre a níveis cada vez mais altos independentemente da economia produtiva subjacente. Os mercados de acções e o comércio de divisas (apostando em que a divisa de um país mudará em relação à de outro) tornaram-se pouco mais do que casinos gigantes onde o número e o valor das transacções aumentou para longe da proporção em relação à economia subjacente. Por exemplo: em 1975, 19 milhões de acções foram comerciadas diariamente na Bolsa de Valores de Nova York. Em 1985 o volume havia alcançado 109 milhões e em 2006, foram 1600 milhões de acções com um valor de mais de US$ 60 mil milhões ( http://www.nyse.com ). Ainda maior é a comercialização diárias nos mercados mundiais de divisas, a qual passou de US$ 18 mil milhões por dia em 1977 para a actual média de US$ 1,8 milhão de milhões por dia! Isto significa que a cada vinte e quatro horas do dia o volume em dólares das divisas comerciadas equivale a todo o PIB mundial anual! A especulação com divisas é especialmente atraente — você pode comerciar vinte e quatro horas por dia e é fácil entrar e sair rapidamente. Contudo, "veteranos do câmbio de divisas externas advertem que os riscos são enormes. Os traders podem alavancar suas posições de modo a colocar apostas avaliadas em mais de 200 vezes o dinheiro que dispõem. Se uma aposta for errada, eles podem perder uma quantia correspondente" ( Wall Street Journal, 26/Julho/2005). Embora quase todo o comércio de divisas seja nas grandes divisas como o dólar, o yen, o euro e a libra esterlina, uma artimanha relativamente recente envolveu a tomada de empréstimos do yen japonês, porque o governo tem estado a tentar estimular a sua economia mantendo efectivamente taxas de juros zero. Estes fundos foram então transferidos para países com taxas de juros relativamente altas como a Austrália, Nova Zelância, Turquia e Islândia. Assim, grande parte do dinheiro transferiu-se para a Islândia a fim de aproveitar a taxa de juros de 11,5 por cento sobre o krona, o qual, quando começou a ser retirado depois de o Japão indicar que iria elevar as taxas de juro, levou o krona e o mercado de acções da Islândia a cair dramaticamente.

Há toda a espécie de meios para jogar o jogo do mercado. Exemplo: alguém pode apostar que o preço de uma acção particular vai baixar (short selling)vendendo acções emprestadas e concordando em recomprar as acções e devolvê-las ao seu possuidor num determinado momento no futuro. Alguém pode comprar o direito de adquirir uma acção no futuro a um determinado preço (uma call option ), ou vender uma acção no futuro (uma put option ) a um determinado preço.

Além disso há os futuros — alguém pode apostar sobre o valor futuro ou o índice de quase qualquer coisa. Tem havido mercados de futuros para commodities agrícolas como cereais, leite, manteiga, café, açúcar, sumo de laranja, gado, barrigas de porco, assim como combustíveis e metais. Faz um bocado de sentido na economia produtiva que uma companhia, para estabilizar ou manter inalterados os custos de um ingrediente importante do seu produto, tal como o trigo para uma padaria. Contudo, numa base mundial, dos aproximadamente dez mil mihões de contratos (futuros, opções sobre futuros, e opções sobre securities) comerciados em 2055, menos de 8 por cento foram sobre commodities agrícolas, metais e energia. Hoje em dia, cerca de 92 por cento das apostas sobre futuros são colocadas no sector financeiro: os preços das diferentes divisas, títulos municipais e do tesouro, acções, taxas de juro, e vários índices financeiros ou de acções (tais como o NIKKEI 225 japonês, o U.S. Standard & Poors 500, e o Dow Jones Industrial Average, etc.)

Um dos mais bizarros mercados de futuros foi criado em 2003 pelo Departamento da Defesa do Governo dos Estados Unidos em conjunto com uma companhia privada — apostar sobre a probabilidade de assassinatos e ataques terroristas. Como disse então o líder da minoria no Senado, Tom Daschle, Democrata do Dakota do Sul, em sessão plenária: "Eu não podia acreditar que nós realmente nos comprometeríamos com US$ 8 milhões para criar um sítio web que estimularia os investidores a apostar sobre futuros envolvendo ataques terroristas e assassinatos públicos ... Não acreditava que alguém proporia seriamente que comerciássemos com a morte ... Quanto demoraria para que víssemos traders a investirem de um modo que provocaria o resultado desejado?" O alvoroço provocou o cancelamento da participação do governo neste programa.

Os derivativos e os hedge funds também desempenharam um papel crítico na explosão da especulação financeira.

A rotação diária de contratos derivados de divisas estrangeiros e de taxas de juros (incluindo instrumentos tradicionais tais como outright forwards e swapsde divisas estrangeiras) entre Abril de 2001 e Abril de 2004 aumentou numa proporção estimada em 74 por cento, para US$ 2,4 milhões de milhões. Os montantes imaginários dos derivativos legais (a soma do valor nominal absoluto de todos os negócios concluídos e ainda abertos) no fim de Junho de 2006 foi de US$ 283 milhões de milhões — mais de seis vezes do que todos os bens e serviços produzidos no mundo durante o período de um ano. Para dar alguma ideia do ritmo contínuo da actividade com derivativos, durante o primeiro semestre de 2006 "o mercado global em créditos derivativos cresceu 52 por cento, para US$ 26 milhões de milhões" ( New York Times, 22/Setembro/2006). Este mercado tem crescido a um ritmo de mais de 100 por cento ao ano durante os últimos quatro anos.

Os hedge funs com bases nos EUA, actualmente com activos de aproximadamente US$ 1,2 milhão de milhões, move rapidamente grandes montantes de capital para dentro e para fora dos investimentos — é estimado que eles representam cerca da metade da comercialização diárias de acções nos Estados Unidos. E enquanto proclamam retornos elevados, há muito perigos a espreitar por trás dos grandes riscos que estes fundos estão a tomar. Exemplo: o hedge fund Amaranth Advisors perdeu US$ 6 mil milhões, mais da metade dos activos que administrava, durante uma semana em Setembro. Eles perderam tanto dinheiro tão rapidamente ao fazerem grandes apostas sobre o preço do gás natural, o qual é um bocado mais volátil do que o preço do petróleo. Eles apostaram que a diferença de preço entre o gás para entrega em Março de 2007 e o gás para entrega um mês depois (Abril de 2007) continuaria a ampliar-se. Ao invés disso, como os preços do gás geralmente diminuem em Setembro, o spread estreitou-se significativamente. Claramente, este tipo de especulação cria instabilidade potencial no sistema financeiro. Como disse um artigo no New York Times: "Enormes perdas num dos maiores hedge funds do país ressuscitaram ontem preocupações de que grandes apostas destas associações secretas e não regulamentadas de investimentos possa criar rupturas financeiras generalizadas" (19/Setembro/2006).

Fusões e aquisições (Mergers & Acquisitions, M&A)

Estamos em meio a um frenesim de aquisições de companhias por outras companhias e buyouts em que firmas privadas de investimentos adquirem corporações. A maior parte disto envolve um montante significativo de alavancagem (tomada de empréstimo), aumentando portanto a dívida global no sistema. Um artigo na Forbes.com no ano passado explicava: "O ritmo febril de actividade [de leveraged buyouts ] é um tributo à realidade de que os investidores estão a procurar qualquer espécie de negócio que lhes proporcione um melhor retorno para o seu dinheiro do que os Títulos do Tesouro podem proporcionar-lhes" (18/Novembro/2005). Este ano estamos num ritmo tendente a exceder os US$ 3 milhões de milhões do valor total de fusões e aquisições na altura do último frenesim em 2000 ( Wall Street Journal, 27/Junho/2006). A actividade tem sido especialmente grande por um certo número de razões, dentre as quais a primária é o montante de capitais a esparramarem-se por todo o sistema. Como afirmou o Wall Street Journal: "As pilhas de dinheiro e a acumulação de acções recompradas a ... companhias atingiu níveis recorde e continuam a crescer juntamente com os rendimentos das corporações, criando desafios para os executivos que devem decidir como dispor todo aquele capital" (21/Julho/2006).

As compras (buyouts) de corporações por grupos de investimento privado supostamente acrescentam valor pois os novos administradores melhoram a companhia em perturbação e a seguir vendem novas acções aos investidores públicos. Contudo, no actual ambiente não é incomum para o capital privado, nas palavras de uma manchete da Business Week, "Comprá-la, esvaziá-la, e a seguir expeli-la" ("Buy it, Strip it, Then Flip it", 07/Agosto/2006). O rendimento pode ser gerado muito rapidamente nestes negócios. Exemplo: as firmas de investimento privado que compraram a Burger King Corporation em 2002 realmente utilizaram o seu próprio dinheiro para apenas um terço dos US$ 1,4 milhão de milhões do preço de compra. De onde veio o resto do dinheiro? Veio como dívida assumida pela Burger King Corporation. Esta dívida extra permitiu à Burger King pagar aos novos proprietários US$ 448 milhões em "dividendos e comissões" incluindo US$ 55 milhões em juros sobre o seu empréstimo, o qual a companhia repagou antecipadamente com novos empréstimos" (Wall Street Journal, 25/Julho/2006). Assim, as firmas privadas de participações (private equity firms) essencialmente conseguiram o seu dinheiro de volta no processo de adquirir uma participação de 76 por cento na Burger King, que agora se estima valor US$ 1,8 mil milhões — mais do que três vezes o seu investimento inicial! Os compradores das acções da companhia, enquanto isso, estão a comprar uma grande carga de dívida que não existia anteriormente.

Num negócio mais recente, a cadeia de hospitais privados HCA está a ser comprada por "três firmas privadas de participações — a Bain, a Kohlberg Kravis e a unidade de buyout da Merrill Lynch — e pela família Frist que em conjunto estão a investir apenas US$ 5.5 mil milhões em cash. O resto dos US$ 31,6 mil milhões do preço está a ser financiado por dívida, a qual as firmas esperarão pagar à vista, como um pagamento hipotecário, utilizando o rendimento do HCA" ( New York Times, 25/Julho/2006). (Um dos membros centrais daquela família Frist é o líder da maioria no Senado dos EUA e considerado possível candidato à presidência em 2008).

De acordo com a Standard & Poor's, ao longo dos últimos três anos "as companhias tomaram emprestado US$ 69 mil milhões basicamente para pagar dividendos a proprietários de firmas de participações ... Isto compara-se com os US$ 10 mil milhões nos seis anos anteriores" (Wall Street Journal, 25/Julho/2006). E os buyouts durante Julho de 2006 estiveram próximos dos US$ 200 mil milhões, cerca do dobro da quantia para todo o ano de 2004. Em suma, o capital está a utilizar o vasto excedente à sua disposição para investir em nova capacidade produtiva, mas buyouts corporativos destinados a aumentar os seus créditos sobre o stock de riqueza.

Estes compras alavancadas estão a criar mais dívida, ao mesmo tempo que criam enormes lucros para os especuladores. Se as companhias que eles compram através de leverage buyouts são tornadas mais lucrativas antes de serem vendidas ao público através da emissão de novas acções é discutível. O que não é discutível é que as companhias tomadas pelos privados são carregadas com dívida.

De acordo com o Wall Street Journal (15/Maio/2005),

vinte por cento [das vendas de acções de corporações através de ofertas públicas iniciais, IPOs — initial public offerings] continham défices contabilísticos líquidos tangíveis mesmo após o levantamento de dinheiro através dos seus IPOs — o que significa que, se aquelas companhias fossem liquidadas no dia em que viessem a público, os accionistas nada receberiam. A maioria das companhias pejadas de dívidas foram a público em resultado do processo de investimento de participações privadas. Firmas de participações privadas, tais como Apollo Management LP e Cypress Group, estão por trás de 40% das IPOs ... este ano. Elas muitas vezes compram companhias investindo algum dinheiro alavancando o resto do preço pedido, com a dívida a aterrar sobre as folhas de balanço das suas novas aquisições.

O novo perfil do capital financeiro

A especulação em divisas e em futuras, a comercialização de derivativos complexos, a emergência e crescimento dos hedge funds, e o espantoso aumento da dívida são todas respostas ao mesmo fenómeno. Quando a economia da produção de bens e serviços estagna, deixando de gerar a taxa de retorno do D–M–D' que o capital deseja, emerge um novo tipo de "investimento". Ele procura alavancar dívida e abarcar expansões tipo bolha destinadas a altos lucros especulativos através de instrumentos financeiros. A profundidade da estagnação, e a tenacidade do seu apresamento na economia capitalista madura, é amplamente testemunhado pela fuga do investimento para o que temos chamado "o casino gigante". A redução dos salários reais (ajustado às inflação) e a redistribuição da riqueza para cima (através de impostos reduzidos e reduções nos serviços sociais) — os resultados da guerra de classe travada unilateralmente pelos de cima — não foram suficientes para garantir uma sempre crescente espiral de retorno sobre o capital investido na economia produtiva. Assim, o recurso contínuo a novas formas de jogo, não de produção de bens ou serviços, é o que o capital está a gerar na busca do lucro.

A enorme expansão da dívida e da especulação proporciona meios para extrair mais excedente da população geral e são, portanto, parte da exploração dos trabalhadores e da classe média mais baixa pelo capital. Um certo número de técnicas do capital foi discutida acima: (a) extensão de mais e mais empréstimos ao público geral e às corporações; (b) concessão de empréstimos a pessoas de baixos rendimento em termos muito desfavoráveis e difíceis de entender; (c) aumentar dívidas de corporações através de leveraged buyouts (tornando as companhias financeiramente mais frágeis e a exigir cortes nos empregos, salários e benefícios a fim de compensar); (d) comércio desequilibrado com o resto do mundo, exigindo que enormes somas de dinheiro sejam investidas nos EUA a partir do exterior, e (e) efectuar enormes apostas sobre quase qualquer coisa imaginável. Um bando de pessoas está a fazer dinheiro com estas actividades — excepto para aqueles na base que são deixados para pagar as contas quando os problemas se levantarem. Uma ideia de quanto o público geral tem de pagar pelas peripécias financeiras do capital — quando o custo do fracasso é transferido do capital para o público — é indicado pela socorro (bailout) do governo americano à indústria das caixas económicas (savings and loan industry) na década de 1990, a qual custou algo em torno dos US$ 175 mil milhões, aumentando as actuais e futuras obrigações fiscais pessoais!

Há preocupações crescentes acerca das consequências potenciais do crescimento da dívida e da especulação e de mudanças no sistema financeiro (ver por exemplo "The Dark Side of Debt", The Economist, 23/Setembro/2006). O presidente do New York Federal Reserve Bank, Timothy Geithner, sente que as mudanças no sistema financeiro desde 1988 (e a venda de obrigações de dívida a numerosos compradores) diminuiu as probabilidades de que choques relativamente pequenos desorganizem todo o sistema. Mas, escreveu ele, "os mesmos factores que podem ter reduzido a probabilidade de futuros eventos sistémicos ... podem ampliar os danos por eles provocados e complicar a administração de muitos choques financeiros severos. As mudanças que reduziram a vulnerabilidade do sistema para choques mais pequenos podem ter aumentado a severidade dos grandes" (15/Setembro/2006, Federal Reserve Bank of New York).

Numerosas fontes de fragilidade são introduzidas noa economia americana pelas várias técnicas que os capital utiliza para tentar ultrapassar os obstáculos a oportunidades lucrativas provocados pela estagnação. Estas técnicas têm criado tendências que não podem continuar sem gerar maiores contradições no futuro: os enormes desequilíbrios anuais de comércio entre os Estados Unidos e o resto do mundo; a dívida sempre em expansão em todos os sectores da economia em relação à economia da base; a mudança do sector financeiro para a especulação em escala cada vez maior. Há limites (embora não facilmente discerníveis) para a dimensão da superestrutura financeira em relação à base produtiva. Embora concebidos como meios ad hoc para enfrentar a estagnação, tais "soluções" especulativas não podem continuar a expandir o sistema, inchado como um balão, para sempre. As únicas questões são como acabará isto tudo e para onde o capital se voltará quando estes mecanismos tiverem feito o seu percurso? Uma possibilidade é uma severa e duradoura recessão com deflação generalizada. Uma outra é que o governo continue a intervir com êxito para socorrer o sistema financeiro quando entrar em perturbação, tal como as falências no sistema bancário na década de 1980 e o quase colapso do Long Term Capital Management no fim da década de 1990. Contudo, com a magnitude da dívida entrelaçada e da enorme especulação, é claro que estes tipos de intervenção podem socorrer o sistema no máximo apenas temporariamente, enquanto estende a crise por toda a parte e a ameaça a longo prazo para a economia.

Notas

[1] The Dynamics of U.S. Capitalism (1972), The End of Prosperity (1977), The Deepening Crisis of U.S. Capitalism (1981), Stagnation and the Financial Explosion (1987), e The Irreversible Crisis (1988).

[2] Ver Stephanie Aaronson, et. al., "The Recent Decline in Labor Force Participation and its Implications for Potential Labor Supply" (preliminary draft), Division of Research and Statistics, Board of Governors of the Federal Reserve System, March 2006 (disponível em http://www.brookings.edu). Para uma discussão da questão mais ampla do desemprego, subemprego e do exército do trabalho de reserva ver Fred Magdoff & Harry Magdoff, " Disposable Workers: Today's Reserve Army of Labor ", Monthly Review 55, no. 11 (April 2004): 18–35; and The Editors, "What Recovery," Monthly Review 54, no. 11 (April 2003): 1–13, e Que recuperação?

[3] Os dados sobre despesas militares provêm de números oficiais, portanto excluem muito do que deveria ser incluído nos gastos militares, por exemplo, segurança interna, muito da NASA, partes do orçamento do Departamento de Estado, benefícios dos veteranos, etc. Para um tratamento clássico deste problema ver James Cypher, "The Basic Economics of 'Rearming America,'" Monthly Review 33, no. 6 (November 1981): 11–27.

[4] Quando o montante da dívida do governo é utilizada, como no total da dívida dos EUA, isto inclui dívida possuída por agências federal, tais como a Social Security Administration. O montante desta dívida é actualmente US$ 3 milhões de milhões — representando aproximadamente 42 por cento da dívida federal total. Embora tecnicamente seja uma dívida possuída pelo governo para si próprio, na realidade é uma dívida para com determinadas pessoas — por exemplo, aqueles que serão aposentados pela Segurança Social quando houver menos contribuições da Segurança Social a entrarem do que o necessário para pagar pensões.

Fred Magdoff é professor de ciência de plantas e solo na Universidade de Vermont em Burlington e diretor da Monthly Review Foundation. Ele é coautor com Harry Magdoff de "Approaching Socialism", na edição de julho-agosto de 2005 da Monthly Review.

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