31 de março de 2010

O Haiti e o futuro

Com a contribuição adequada da comunidade internacional, o povo haitiano será capaz de refundar seu país

Celso Amorim

Folha de S.Paulo

A nona visita que fiz a Porto Príncipe desde que assumi as funções de chanceler no governo do presidente Lula foi, sem dúvida, a mais desalentadora. O terremoto de 12 de janeiro, além de provocar a monumental tragédia humana que todos acompanhamos, fez retroceder um processo virtuoso de superação de dificuldades seculares.

A descrição que Voltaire fez de Lisboa após o sismo de 1755 coincide tristemente com a destruição que testemunhei ao percorrer a capital haitiana. E, a exemplo da ampla discussão moral desencadeada pelo poema do filósofo francês, a catástrofe haitiana lança hoje um desafio à capacidade da comunidade internacional de reagir diante de um desastre que afeta não apenas o povo do Haiti, mas a humanidade toda.

Ao realizar hoje, dia 31 de março, na sede das Nações Unidas em Nova York, a Conferência de Doadores por um Novo Futuro para o Haiti, a comunidade internacional confronta-se com a oportunidade de reafirmar, com ações concretas, sua solidariedade e disposição para ajudar o Haiti a recuperar-se da tragédia.

O Brasil, escolhido como um dos copresidentes da conferência, defenderá que o objetivo central do encontro seja construir, sob a condução das lideranças haitianas, as condições para o desenvolvimento social e econômico de longo prazo no Haiti.

Desde 2004, quando assumiu o comando militar da Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (Minustah), o Brasil sustenta que segurança e desenvolvimento são dimensões inseparáveis para encaminhar uma solução duradoura para a situação haitiana.

A ajuda que o governo brasileiro estendeu ao Haiti já superou US$ 200 milhões. Trata-se da maior soma que o Brasil destinou a um país vitimado por catástrofe natural. Em Nova York, anunciarei compromissos adicionais que elevarão a cerca de US$ 340 milhões essa contribuição. É um montante considerável para um país em desenvolvimento como o Brasil.

Tenho a certeza de que essa resposta ao chamado da solidariedade orgulharia os brasileiros que perdemos entre as vítimas do terremoto, como a dra. Zilda Arns, o vice-representante especial da ONU, Luiz Carlos da Costa, e nossos militares.

Não basta, contudo, canalizar bilhões de dólares para uma miríade de projetos de cooperação com o Haiti se não houver uma visão estratégica para o futuro do país. Sem ela, corremos o risco de apaziguar momentaneamente nossas consciências, deixando intactas as raízes históricas e sociais que explicam o atraso haitiano.

A Conferência de Doadores dá passos positivos para superar essa lógica, ao prever a criação de um fundo fiduciário único, que dirigirá recursos para prioridades estabelecidas pelo governo do Haiti no seu Plano de Ação.

Tenho proposto que países em condições de fazê-lo -sobretudo os mais desenvolvidos- ofereçam ao Haiti a abertura de seus mercados, sem tarifas nem quotas, de modo a incentivar investimentos produtivos em território haitiano. O Brasil espera pôr em prática em breve seu próprio mecanismo facilitado para importação de mercadorias haitianas, em especial têxteis, em linha com a aspiração do setor privado brasileiro de instalar unidades fabris naquele país.
Com o objetivo de gerar empregos e renda no Haiti e melhorar as condições ambientais, sugeri no Fórum Econômico Mundial que o Banco Mundial liderasse o financiamento de amplo programa de reflorestamento, cuja contrapartida deveria ser a abertura de mercados importadores para produtos do manejo sustentável das áreas reflorestadas no Haiti.

No campo da infraestrutura, o Exército brasileiro já vem elaborando projeto técnico para a construção de barragem no rio Artibonite, que permitirá a produção de energia limpa e renovável, bem como irrigação para agricultura.

São muitos e de grande monta os desafios da reconstrução. Aproxima-se a estação das chuvas, que demandará a reacomodação em condições dignas das populações deslocadas pelo terremoto. O fornecimento de bens emergenciais deverá continuar pelos próximos meses, em paralelo ao esforço de plantio da próxima safra.

Escolas terão de ser erguidas e, ao mesmo tempo, as famílias precisarão recobrar a confiança de que seus filhos podem voltar aos bancos escolares sem medo de desabamentos.

Hospitais improvisados terão de ser substituídos por estruturas permanentes.

Tenho a convicção de que, com a contribuição adequada da comunidade internacional, o povo haitiano, com sua coragem e resistência invejáveis, será capaz de superar essas adversidades e refundar seu país. Nosso compromisso em Nova York deve ser o de coadjuvar o Haiti em uma nova independência.

Sobre o autor

Celso Amorim, 67, diplomata, doutor em ciências políticas pela London School of Economics (Inglaterra), é o ministro das Relações Exteriores.

25 de março de 2010

Infeliz Iêmen: No Iêmen

Parti para o Iêmen porque Obama insistia que "grandes partes" do país "não estavam totalmente sob controle do governo", depois que o senador Joseph Lieberman alegremente...

Tariq Ali

London Review of Books

Vol. 32 No. 6 · 25 March 2010

Tradução / Parti para o Iêmen, já que Obama andava insistindo que “grandes fatias” do país ainda não estariam “sob completo controle do governo”, depois de o senador Joseph Lieberman ter alegremente anunciado que o Iêmen seria alvo adequado para mais guerra e mais ocupação. O infeliz portador de uma cueca-bomba, que tentou explodir o avião de Amsterdam no dia de Natal, deflagrou nova onda de interesse pelo país e pela “al-Qaeda in the Arabian Peninsula (AQAP)” – porque se disse que, embora o homem tenha sido convertido ao Islã linha-dura na Inglaterra, seu abraço felizmente fracassado com o terrorismo teria sido viabilizado pela AQAP em algum ponto do Iêmen.

O Iêmen é país sóbrio, diferente dos postos imperiais de gasolina espalhados por outras partes da península arábica, onde as elites dominantes vivem em arranha-céus construídos em prazos sempre recordes, projetados por arquitetos-celebridades, cercados por shopping-centers em que se vendem produtos com todas as griffes ocidentais, atendidos por escravos que chegam em ondas do Sul da Ásia e das Filipinas. Sana’a, capital do Iêmen, foi fundada em tempos em que o Velho Testamento ainda estava em produção, sendo escrito, editado e costurado. É verdade que o novo hotel Mövenpick, no coração do enclave diplomático que há na cidade, faz lembrar o pior de Dubai (estive lá quando todos eram obrigados a engolir um menu “Valentine’s Day Dinner Menu”), mas a elite iemenita é cuidadosa e não ostenta riqueza.

A velha cidade murada foi resgatada da extinção-por-modernização, pela Unesco (depois, também pelo Aga Khan Trust) nos anos 1980, e a antiga muralha foi reconstruída. A Grande Mesquita do século 9 está atualmente sendo restaurada por equipe de especialistas italianos associados a arqueólogos locais e têm encontrado objetos e imagens do passado pré-islâmico daquela região. Se vão ou não localizar uma pequena estrutura que se diz que teria sido construída ainda em vida do profeta Maomé, não se sabe. A estrutura de Sana’a é deslumbrante, diferente de tudo o que se vê no mundo. As construções – arranha-céus de oito ou nove andares – foram erguidas no século 9 e restauradas 600 anos depois, conservando-se o estilo original: tijolos de argila decorados com padrões geométricos em gesso e pedra esculpida (não havia madeira em quantidade suficiente para construir). Faltam só os jardins suspensos em cada piso, que cativaram a imaginação dos viajantes medievais.*

Resultado líquido das preocupações ocidentais com a Al-Qaeda AQAP é que, esse ano, os EUA darão 63 milhões de dólares em ajuda ao Iêmen. Um quinto disso já está reservado para comprar armas e o restante, praticamente todo, irá para o presidente e sua trupe, sem esquecer o que irá para os bolsos dos altos comandantes militares. O que sobrar será disputado pelos chefetes das várias regiões do país. (Neste total, não está incluído o que o Pentágono enviará para combater o terrorismo, e que ano passado chegou a 67 milhões.) Um empresário iemenita contou-me que ficara boquiaberto, há alguns anos, quando o primeiro-ministro, aparentemente homem moderado e respeitável, exigiu comissão de 30% em negócio que estavam planejando. Percebendo que o empresário ficara chocado, o primeiro-ministro tratou de tranquilizá-lo: 20% iriam diretamente para o presidente.

Não sei se a AQAP é ameaça séria, ou o quanto é séria, de fato. Quantos membros da organização estariam no país, quantos seriam meros visitantes vindos do outro lado da fronteira com a Arábia Saudita? Abdul Karim al-Eryani, 75 anos, ex-primeiro-ministro e ainda conselheiro do presidente recebeu-me na grande biblioteca no subsolo de sua casa. É homem de fala interessante e falou longamente sobre a história do Iêmen, destacando as continuidades desde o período pré-islâmico até as culturas islâmicas na região. Lastimou que o dialeto árabe falado pelos beduínos de Nejd (que hoje é parte da Arábia Saudita) tenha sido a principal fonte para o moderno dicionário árabe, esquecendo-se assim a real fonte da língua, o dialeto dos sabeus, que viveram onde hoje é o Iêmen, de cujo idioma os autores do dicionário excluíram 5.000 palavras. Mais adiante, contou-me que, graças ao nigeriano da cueca-bomba, tinha sido visitado por Thomas Friedman, colunista do New York Times. Friedman fez as perguntas que quis, voltou aos EUA e contou aos leitores que “a cidade não é Cabul… ainda”; que a AQAP é um ‘vírus’ que merece urgente atenção antes que a doença se espalhe e torne-se incontrolável. Não cogitou, sequer, da causa da infecção. Mas quando pedi que Eryani estimasse o tamanho da AQAP, ele riu. “Trezentos? Quatrocentos” – insisti. “No máximo”, disse ele. “No máximo, mesmo. Os americanos exageram enormemente. Temos nossos problemas reais e muito mais importantes.”

O mesmo ponto de vista foi reiterado por Saleh Ali Ba-Surah, ministro da Educação Superior, formado na Alemanha Oriental, como muitos nascidos na república que, até 1990, foi a República Popular Democrática do Iêmen, a porção sul do atual Estado. As duas partes do que hoje constitui a República do Iêmen – controlada há 20 anos por Ali Abdullah Saleh, o qual, como Mubarak e Gaddafi, está criando o filho para sucedê-lo – representaram duas muito diferentes sociologias ao longo de grande parte do século passado. O norte, das terras altas – onde está a capital Sana’a –, foi dominado por tribos armadas; e no interior da região de Aden, dominavam os operários, intelectuais, sindicalistas, nacionalistas e, depois, os comunistas.

O país foi unificado séculos antes, sob a liderança dos imãs xiitas Zaidi, cujos poderes temporais dependiam da lealdade tribal e da aquiescência dos camponeses. O sul do Iêmen separou-se em 1728; o império britânico em expansão ocupou Aden e a área litorânea em 1839 (no mesmo ano em que começou a ocupar Hong Kong). O já enfraquecido império otomano ainda abocanhou, pouco depois, uma fatia do norte do Iêmen, mas teve de cedê-la depois da I Guerra Mundial. Sob o “império-do-bem” dos britânicos, os imãs da família Hamid-ed-Din reassumiram o controle do norte. Em 1948, o governante, Yahya Muhammad, foi assassinado por um de seus guarda-costas, e o filho de Yahya, Ahmad, isolacionista obcecado, assumiu o poder. Para Ahmad, a escolha foi fácil: seu país poderia ser dependente e rico, ou pobre e livre. Aos poucos, o descontentamento popular cresceu, à medida que Ahmad ia-se tornando cada vez mais excêntrico, mergulhado em morfina a maior parte do dia, ele e os amigos, num quarto iluminado com lâmpadas de neon, brincando com os brinquedos que colecionava desde criança. Não havia no país sequer uma escola moderna, uma estrada de ferro ou fábrica moderna, praticamente nenhum professor e nenhum médico.

Todos apostavam na volta de um irmão exilado do imã, que viria para expulsar Ahmad; ou, antes disso, em que os apoiadores de Nasser no exército do Iêmen perdessem a paciência. Ahmad combatera o nacionalismo árabe de Nasser em 1960, instigado pelos sauditas; fez divulgar pela rádio estatal uma denúncia contra Nassar, e havia quem esperasse por resposta do Cairo. A Rádio Cairo, sim, declarou guerra ao Iêmen. Mas antes que chegassem às vias de fato, Ahmad morreu. Em menos de uma semana, o chefe da guarda pessoal de Ahmad, al-Sallal, reuniu oficiais nacionalistas e tomou o poder. O imanato chegara ao fim. Em Aden, milhares de pessoas manifestaram-se nas ruas a favor do novo regime. Nas mesmas manifestações deixaram bem claro também que resistiriam contra a ocupação colonial do sul do país pelos britânicos. Com medo tanto dos radicais nacionalistas quanto de seus muito prováveis apoiadores comunistas, Washington e Londres decidiram que o melhor a fazer seria devolver o poder aos imãs. Os britânicos, doidos para dar uma lição a Nasser e vingar a humilhação de Suez, foram com muito mais sede que os EUA ao pote das armas. A principal preocupação dos norte-americanos era que a infecção iemenita se espalhasse pela península e que, se a intervenção saudita fracassasse, as correntes nacionalistas engolfassem também a Arábia Saudita – o que poria em risco a monarquia. Os sauditas passaram a alimentar os apoiadores dos imãs e as tribos mais conservadoras do norte – com uma mistura barata de islamismo primitivo e muito dinheiro.

Os líderes políticos e militares do novo Estado do norte eram fracos e atrapalhados. Os intelectuais nasseristas no governo aproveitaram-se da indecisão deles e, finalmente, conseguiram convencer o exército a recorrer diretamente a Nasser. Os egípcios, então, com apoio de soviéticos e chineses, mandaram para o Iêmen uma força expedicionária de 20 mil soldados. Gerou-se assim uma prolongada guerra civil, disputada por simulacros dos personagens oficiais da Guerra Fria – sauditas versus egípcios, para ser bem claro –, que custou a vida de 200 mil iemenitas e deixou em ruínas todo o norte do país. Os egípcios eram homens do vale do Nilo e o terreno montanhoso lhes era completamente desconhecido. Mas, certos de que seriam invencíveis, não ouviram advertências nem conselhos e trataram os aliados locais, simultaneamente, como inferiores e irrelevantes. A guerra civil enfrentava impasse completo, e crescia a oposição aos métodos dos egípcios, que incluíam o uso de armas químicas. Foi quando aconteceu o brutal massacre dos operários e sindicalistas que faziam oposição aos egípcios em Sana’a e Taiz. Em 1970, a guerra acabou sem vencedores e um acordo insatisfatório para todos. Os egípcios trabalharam na direção de subornar as tribos para comprar o poder; como resultado, compraram o poder – que foi entregue associado a entidades divinas e muitos pregadores e clérigos. A guerra custara ao Egito um milhão de dólares por dia e a vida de 15 mil soldados, além de quase 50 mil feridos. A subsequente desmoralização do exército pode ter contribuído para a derrota que sofreu na Guerra dos Seis Dias. Seja como for, a ‘guerra relâmpago’ de Israel, em junho de 1967, foi o túmulo do nacionalismo árabe.


A guerra civil forçou muitos comunistas e nacionalistas de esquerda do Iêmen do Norte a fugir para Aden. Ali, soldados britânicos, veteranos franceses da Argélia e mercenários belgas foram recrutados para a empresa do coronel David Stirling, Watchguard International Ltd., para operar por trás das linhas inimigas. Também no sul os nacionalistas estavam divididos: o Egito apoiava a Frente para a Libertação do Iêmen do Sul [ing. Front for the Liberation of South Yemen (FLOSY)] e grupos mais radicais reunidos sob a bandeira da Frente Nacional de Libertação [ing. National Liberation Front (NF)]. Os dois lados lutavam para expulsar os britânicos, e os britânicos, determinados a continuar onde estavam, agarrados a uma base estrategicamente importante e recorrendo cada vez mais a prisões sem julgamento e à tortura. Em 1964 Harold Wilson declarou que os britânicos permaneceriam na região, mas que passariam o poder, em 1968, à chamada Federação Sul-arábica [ing. Federation of South Arabia], sob a qual Wilson esperava que a população de Aden fosse mantida sob o controle de sultões do interior.

O plano deu gravemente errado, depois de todas as vilas terem sido bombardeadas, até serem varridas do mapa, pela Força Aérea Britânica [ing. Royal Air Force (RAF)]. Em palavras de Bernard Reilly, oficial britânico que viveu praticamente toda a vida em Aden: “Só se pode pacificar país não habituado a governo ordeiro mediante atos de punição coletiva, assalto e pilhagem.” Os líderes daquelas tribos não desejavam ser pacificados. Começou luta feroz nas ruas do Crater, uma das áreas mais antigas de Aden. Em 1967, a Frente Nacional de Libertação usava bazucas e morteiros em Aden e atacava diretamente as bases militares britânicas. O governo trabalhista decidiu pôr fim às perdas e ordenou a retirada. “Lamentavelmente” – lê-se em carta do Colonial Office aos seus colaboradores nativos – “não podemos continuar a protegê-los”. A vitória dos israelenses em junho de 1967 não ajudou os britânicos, porque a Frente Nacional de Libertação não era peão que os Egípcios jogassem como bem entendessem e bem diferente, nisso, da Frente para a Libertação do Iêmen do Sul [ing. FLOSY] a qual, então, estava gravemente enfraquecida. Uma greve geral comandada pela Frente Nacional de Libertação paralisou Aden e ataques de guerrilheiros forçaram a administração colonial a cancelar as celebrações do aniversário da rainha. Seis meses mais tarde, dia 29/11/1967, quando o fechamento do canal de Suez acabou com qualquer importância que Aden tivesse para os britânicos, os britânicos afinal partiram, depois de 128 anos. Ao mesmo tempo em que Humphrey Trevelyan, último comissário, acenava uma rápida despedida dos degraus do avião que o devolveria a Londres, a Banda da Real Marinha Britânica do HMS Eagle tocava "Fings Ain’t Wot They Used To Be" [as coisas não serão mais como foram].

A Frente Nacional de Libertação venceu, mas ainda faltava planejar a reconstrução do país. A Frente reunia membros de várias correntes da esquerda: pró-Moscou, maoístas, guerrilheiros à Che Guevara, alguns poucos trotskyistas e nacionalistas ortodoxos. Todos concordaram imediatamente com restabelecer relações diplomáticas com a URSS, o que foi feito dia 3/12/1967. Mas as disputas começaram imediatamente. O Congresso da Frente Nacional de Libertação aprovou deliberação apresentada pelos radicais, em que se exigiam reformas no campo, o fim do analfabetismo, a formação de uma milícia popular, expurgo nos aparelhos civil e militar, apoio à resistência palestina e cooperação intensa e próxima com a China. A esquerda dominava no corpo dirigente então eleito. Uma tentativa de putsch liderada pelo exército por pouco não levou à guerra civil; mas comandos guerrilheiros armados cercaram as bases militares e desarmaram os oficiais. Em maio de 1968, já se via que a ala direita da Frente Nacional de Libertação não tinha qualquer intenção de implementar as resoluções do Congresso. Foi criado um Movimento 14 de Maio, para mobilizar os que apoiavam as reformas. Houve confrontos com os militares, seguidos por um estranho período de calmaria que fazia recordar os dias de Julho de 1917, em Petrogrado. A direita supôs que havia vencido e declarou que “os organizadores do Movimento 14 de Maio, de tanto ler os escritos de Régis Debray, supuseram que estivessem fazendo ‘uma revolução dentro da revolução’”. Um ano depois, todos entenderam que a esquerda vencera.

A constituição de 1970 declarou o país uma república socialista – a República Popular Democrática do Iêmen – contra os conselhos de China e da URSS. (Em outubro de 1968, o ministro das Relações Exteriores da China, Chen Yi, o qual, ele mesmo, estava então sitiado pelos Guardas Vermelhos, declarou a uma delegação do Iêmen do Sul que visitava a China que “a ideia de vocês, de construir o socialismo, alimentada com slogans irrealizáveis e promessas que não poderão cumprir, pela própria natureza da ideia, afia as espadas de seus adversários.”) O que aconteceu foi tragicamente previsível. Um Estado economicamente muito atrasado partiu para criar estruturas que institucionalizaram a austeridade e universalizaram a miséria. Promover a industrialização por meio de empresas estatais poderia ter ajudado, não fosse pela proibição total de qualquer tipo de produção doméstica, sequer para o consumo das próprias famílias. A isso somou-se o monopólio estatal de todas as modalidades de comunicação, controle estrito sobre tudo que se podia dizer ou publicar, e extinção de todos os partidos do país, exceto o Partido Socialista Iemenita [ing. Yemeni Socialist Party]. Zombaram, ao mesmo tempo, do socialismo e das promessas feitas durante a luta anticolonial. O que é inegável é que o novo sistema de educação e atendimento médico universal, e a aparição da mulher na cena pública marcaram extraordinário passo adiante para toda a região. O que não agradou à Arábia Saudita.

Como desenvolvimento esperável, as potências vizinhas – o Iêmen do Norte, os Estados do Golfo, a Arábia Saudita – puseram-se a trabalhar, estimulados pelo governo Reagan, numa contrarrevolução de dentro para fora, do tipo que estava então sendo tentada na Nicarágua com os contras. Em Ali Nasser, apparatchik cru, semianalfabeto, obcecado pelo poder absoluto, que se tornou presidente da República Popular Democrática do Iêmen em 1980, aquele grupo encontrou o instrumento de que precisava. Por mais de um ano o presidente trabalhou contra o carismático Abdul Fateh Ismail, que o precedera na presidência e liderara a luta contra os britânicos, até conseguir que renunciasse por “motivos de saúde” e partisse para longa estada na Europa Oriental. Havia vários apoiadores de Ismail na liderança local, quando ele retornou de Moscou em 1985; foi rapidamente reeleito para o Politburo da República Popular Democrática do Iêmen, como líder da maioria.

No dia 13 de janeiro de 1986, o carro de Ali Nasser foi visto na calçada do prédio do Comitê Central (réplica de outras horrendas estruturas que se viam na Europa Oriental), onde deveria acontecer uma reunião do Politburo. Mas Ali Nasser não compareceu à reunião. Em vez dele, apareceu seu guarda-costas, drogado e armado com uma metralhadora Scorpion; entrou na sala e assassinou à bala o vice-presidente Ali Ahmed Antar, para começar; em seguida matou todos quantos estavam na sala. Foram mortos quatro membros-chave do Politburo, inclusive Ismail, além de outro membros do Comitê Central. Em outros pontos da cidade, homens de Ali Nasser destruíram, a tiros de morteiros, a casa de Ismail; e houve pesado tiroteio em vários pontos. Às 12h30, rádios e televisões de Aden noticiaram que o presidente derrotara uma tentativa de golpe dos direitistas e que Ismail e seus colaboradores haviam sido executados. Três horas depois, o serviço árabe da BBC anunciava que o “moderado e pragmático” presidente do Iêmen conseguira abortar uma tentativa de golpe pelos comunistas extremistas. E a mesma linha foi acompanhada por quase toda a mídia ocidental, que repetiu a versão da derrota de uma tentativa de golpe apoiada por Moscou para radicalizar ainda mais o Iêmen... e, isso, apesar de Gorbachev já estar no poder na URSS. À medida que se espalhavam em Aden as notícias dos assassinatos, multidões começaram a se reunir nas ruas, e soldados conseguiram desalojar os novos donos do prédio do ministério da Defesa e da sala de operações, de onde os homens de Ali Nasser foram expulsos. Os confrontos atravessaram a noite. Morreram muitos membros desarmados do Partido, sindicalistas, líderes camponeses, assassinados pelos soldados de Nasser – que tinham listas de nomes antecipadamente preparadas. Seja como for, depois de cinco dias de luta sangrenta, os “moderados e pragmáticos” foram derrotados. Ali Nasser fugiu para o Iêmen do Norte e de lá, depois, para Dubai. Atualmente, é diretor de um “centro cultural” em Damasco, onde dirige também suas várias empresas.

A matança na reunião do Comitê Central foi o começo do fim da República Popular Democrática do Iêmen. Os prepostos do Ocidente na região, que haviam organizado toda a ação, puseram-se a falar contra “os gângsteres socialistas que ocuparam o governo do país”. Enquanto a URSS começava a desmoronar, começaram negociações entre o Iêmen do Sul e do Norte, e o país foi rapidamente unificado em maio de 1990, comandado por um conselho presidencial de cinco membros que representava as duas ‘metades’. Em 1991, uma nova Constituição levantou todas as limitações à liberdade de expressão e da imprensa e à liberdade de reunião e associação.

Mas a unificação também não deu certo. Os iemenitas do sul sentiam que seus interesses haviam sido traídos, e os repetidos confrontos e discussões não auguravam bom futuro para o governo de coalizão criado depois das eleições. Os socialistas do sul acusavam as gangues apoiadas por Ali Saleh, ex-presidente do Iêmen do Norte, e então presidente do país unificado, de atacar sulistas em Sana’a e em outras cidades. As relações deterioram-se rapidamente e houve escaramuças no Sul entre remanescentes do exército da República Popular e soldados que haviam lutado pelo Norte. Chegou a irromper guerra generalizada em 1994, da qual participaram grupos jihadistas e Osama bin Laden – que apoiavam Ali Saleh. Os sulistas foram esmagados, não apenas militarmente, mas também cultural e economicamente. Houve expropriação, roubo de terra, de propriedades urbanas, as mulheres vo ltaram a ter de cobrir-se dos pés à cabeça (“Se não nos cobríssemos, chamavam-nos de prostitutas. Houve muitos estupros. A brutalidade foi imensa. Nos obrigaram a fazer o que queriam” – contou-me uma mulher sem véu, em Aden).

Quando cheguei a Aden, percebi que a Al-Qaeda da Península Árabe (AQAP, em inglês) é o menor dos problemas do país. A maioria dos sul-iemenitas anseiam desesperadamente por separar-se do Iêmen do Norte. “Aqui não se trata de unificação. Trata-se de ocupação” – ouvi inúmeras vezes. A população está sem liderança política e há fortes rumores em Sana’a de que o assassino Ali Nasser estaria sendo preparado pelo atual presidente Ali Saleh para fazer uma reestreia política; Ali Saleh o vê como “o homem da unificação”. Enquanto isso, há manifestações nas vilas e cidades menores, nas quais se queimam a bandeira do Iêmen e fotos do presidente Ali Saleh, e vê-se subir o velho estandarte da República Popular Democrática. A repressão é sempre violenta e a amargura só faz crescer, essa sim, de todos. No dia 1 de março de 2010, as forças de segurança cercaram e destruíram a casa de Ali Yafie o qual, na véspera, queimara em público uma fotografia do presidente Ali Saleh. Yafie e oito membros de sua família, inclusive a neta de sete anos, foram mortos. A propaganda governamental acusou-o de ser membro da Al-Qaeda da Península Árabe.

Na noite de 4 de janeiro, as forças de segurança em Aden cercaram a casa de Hasham Bashraheel, editor-chefe do jornal Al-Ayyam – fundado em 1958 e jornal que sempre noticiou, com abundância de fotos, as atrocidades do Estado. Por exemplo, publicou fotos dos mortos depois que as forças de segurança abriram fogo contra ex-soldados que reclamavam pagamentos atrasados; o jornal foi fechado em maio de 2009, embora a sala da redação tenha continuado a servir como local de reunião de jornalistas, intelectuais e ativistas de direitos civis. Quando as forças de segurança cercaram o prédio, logo surgiram também defensores do jornal que se reuniram na área. Os policiais dispararam para o ar, para dispersá-los. Depois, atiraram granadas na direção do prédio, onde o jornalista e sua família, inclusive duas netas pequenas, ainda estavam. Todos sobreviveram, miraculosamente, porque conseguiram esconder-se no porão do prédio. Na manhã seguinte, Bashraheel e seus dois filhos renderam-se publicamente, para, pelo menos, tentar dificultar algum tipo de atentado contra eles e a família. Um ativista local disse-me que “amigos que tenho na polícia” disseram-lhe que havia dois cadáveres não identificados no porta-malas de um automóvel sem placa, em frente ao jornal. Se Bashraheel e sua família tivessem sido assassinados, os dois cadáveres teriam sido plantados no prédio e identificados como membros da Al-Qaeda da Península Arábica, que estariam recebendo abrigo no prédio do jornal e teriam sido mortos por resistir à prisão. Um guarda pago pela família para cuidar da segurança foi morto, ao tentar render-se. O seu pai foi preso no enterro, dia seguinte. O jornalista foi pessoalmente acusado de “formação de quadrilha armada”. Há boatos de que o embaixador britânico, Tim Torlot, teria escrito ao governo, sugerindo que a mídia independente seria o principal problema no Iêmen. Meu informante em Sana’a garante que viu a carta. Torlot é famoso no Iêmen por ter trocado a esposa por uma ofuscante norte-americana que trabalha para o jornal Yemen Observer, jornal cujo proprietário é o secretário de imprensa do presidente Ali Saleh.

Viajei pelo sul, de Aden a Mukallah. Mas quando vi Shibam, esqueci completamente a política, pelo menos por uns instantes. Essa cidade murada, feita de edificações com paredes de argila, muito altos, alguns com 30 metros de altura, é um museu vivo. Não surpreende que tenha sido escolhida por Pasolini para cenário de boa parte de suas Mil e Uma Noites. Pasolini fez mais. De volta a Roma, tanto falou sobre a cidade que conseguiu que a Unesco a declarasse patrimônio universal da humanidade. Em 2009, ao fotografarem a cidade de cima de uma colina, quatro turistas sul-coreanos foram mortos por um suicida-bomba do Norte. Perguntei por todos os lados sobre a Al-Qaeda da Península Árabe. Um habitante de Shiban aproximou-se e perguntou-me num sussurro: “Quer mesmo saber onde Al-Qaeda se esconde?” Fiz que sim, com a cabeça e ele respondeu: “Na sala ao lado do gabinete do presidente”. O mesmo aconteceu, em versão quase idêntica, também em Sana’a e Aden. Na véspera do Natal, o governo bombardeou (com jatos e aviões-robôs coordenados pelos EUA) duas vilas do sul onde, diziam eles, estaria escondido Anwar al-Awlaki, o clérigo iemenita-norte-americano acusado de ser o mentor do nigeriano da cueca-bomba. Não o encontraram, mas mataram mais de uma dúzia de civis.

O governo de Ali Saleh também enfrentou rebelião na província de Sa’ada, no norte, que faz fronteira com a Arábia Saudita. A população das terras altas anda irritada com os grupamentos de wahhabitas e, sem ajuda do governo de Sana’a, decidiu se autodefender. Milícias tribais capturaram alguns soldados sauditas. Resultado disso foi que, dia 5/11/2009, o mundo viu pela primeira vez em ação a Força Aérea Saudita (dita a mais poderosa força aérea na Região, depois de EUA e Israel; mas os aviões enferrujam até desmanchar, em hangares no deserto). Ali Saleh, o presidente, descreve a revolta como uma rebelião de xiitas apoiados por Teerã, e que tem de ser contida à força. Já praticamente ninguém acredita nisso. O exército iemenita promoveu em agosto passado a Operação “Terra Arrasada” [ing. Scorched Land], que destruiu vilas e desalojou de suas casas 150 mil pessoas. Dada a total ausência de notícias e de organizações humanitárias, não se conhece exatamente a extensão das atrocidades cometidas pelo governo de Ali Saleh. Muhammad al-Maqaleh, líder do Partido Socialista Iemenita e editor do jornal do partido, o Socialist, obteve depoimentos de algumas testemunhas oculares e publicou-os na Internet em setembro passado. Descreveu um ataque aéreo que matou 87 refugiados em Sa’ada, e incluiu fotografias. Foi preso por quatro meses, torturado e ameaçado de execução, por quatro meses. Finalmente foi apresentado a uma corte de justiça, à qual revelou o que sofrera. Sana’a ainda não é Cabul, sim. Mas se o regime de Ali Saleh continuar a usar a força contra a população na escala em que está acontecendo hoje, novas guerras civis são hoje muito prováveis.

* Veja A Arquitetura do Iêmen: De Yafi a Hadramut, de Salma Samar Damluji (2007).

8 de março de 2010

O peso dos pobres: uma estratégia para acabar com a pobreza

Uma estratégia de massa para recrutar os pobres para as listas de assistência social criaria uma crise política que poderia resultar em uma legislação que ponha fim à pobreza.

Frances Fox Piven, Richard Cloward


(AP Photo/Mike Groll)

Em homenagem ao 150º aniversário da Nation, Frances Fox Piven contribuiu com uma nova introdução ao artigo inovador de 1966 que escreveu com Richard Cloward, "O Peso dos Pobres: Uma Estratégia para Acabar com a Pobreza".

Em meados da década de 1960, era evidente que o Movimento pela Liberdade Negra se tinha espalhado pelas grandes cidades americanas, levado pela grande migração de negros provenientes do sul rural. Com essa mudança, o movimento também mudou: começou a se concentrar menos na negação aberta dos direitos civis que caracterizava o Sul Jim Crow, e mais nas persistentes privações econômicas que mantinham tantos dos novos migrantes desesperadamente pobres.

"Uma Estratégia para Acabar com a Pobreza", que escrevi com Richard Cloward, foi influenciado pela mudança de foco do Movimento. Tentamos pensar no contexto institucional em que as minorias pobres se encontravam, desde as distorções dos programas de assistência social do New Deal que lhes negavam assistência, até às restrições fiscais urbanas e aos conflitos intergrupais que paralisavam os governos locais, até às possibilidades que os movimentos de base local poderia provocar reformas ao criar problemas que reverberassem para cima no sistema federal de subvenções. O nosso objetivo não era, como posteriormente acusaram críticos do tipo de Glenn Beck, propor uma estratégia para derrubar o capitalismo americano. Não éramos tão ambiciosos. Mas pensamos que a minoria pobre e os seus aliados poderiam criar perturbações suficientes para forçar reformas nos programas americanos de apoio à renda. E não estávamos totalmente errados.

Em 1972, a administração Nixon agiu no sentido de aliviar as pressões fiscais e políticas sobre os governos locais e estaduais que foram o resultado do aumento das listas de assistência social. (Na verdade, por um momento selvagem, Nixon até abraçou a ideia de uma renda básica garantida.) Mas o governo evitou o contaminado programa de Ajuda às Famílias com Crianças Dependentes, que era o locus da política dos pobres, e em vez disso federalizou os programas que forneciam assistência aos idosos, cegos e deficientes. Ainda assim, continuamos a valorizar “Uma Estratégia para Acabar com a Pobreza” não porque tivesse se provado que estava correta, mas porque pelo menos tínhamos tentado resolver os difíceis problemas estratégicos que um movimento de pessoas pobres de base urbana enfrentava em um contexto econômico e político centralizado.

Este é, naturalmente, o problema estratégico dos movimentos por salários mais elevados e por um policiamento contido que estão hoje se espalhando nos os Estados Unidos. Os movimentos de protesto são necessariamente locais, seja em Ferguson ou em Atenas, porque é onde as pessoas se concentram, onde estabelecem relações e vivenciam as suas queixas. Mas para obter vitórias, estes protestos locais têm de criar distúrbios que ameaçam centros de poder econômico e político, por vezes distantes. É assim que por vezes conseguimos reformas profundas.

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Wow can the poor be organized to press for relief from poverty? How can a broad-based movement be developed and the current disarray of activist forces be halted? These questions confront, and confound, activists today. It is our purpose to advance a strategy which affords the basis for a convergence of civil rights organizations, militant anti-poverty groups and the poor. If this strategy were implemented, a political crisis would result that could lead to legislation for a guaranteed annual income and thus an end to poverty.

The strategy is based on the fact that a vast discrepancy exists between the benefits to which people are entitled under public welfare programs and the sums which they actually receive. This gulf is not recognized in a society that is wholly and self-righteously oriented toward getting people off the welfare rolls. It is widely known, for example, that nearly 8 million persons (half of them white) now subsist on welfare, but it is not generally known that for every person on the rolls at least one more probably meets existing criteria of eligibility but is not obtaining assistance.

The discrepancy is not an accident stemming from bureaucratic inefficiency; rather, it is an integral feature of the welfare system, which, if challenged, would precipitate a profound financial and political crisis. The force for that challenge, and the strategy we propose, is a massive drive to recruit the poor onto the welfare rolls.

The distribution of public assistance has been a local and state responsibility, and that accounts in large part for the abysmal character of welfare practices. Despite the growing involvement of federal agencies in supervisory and reimbursement arrangements, state and local community forces are still decisive. The poor are most visible and proximate in the local community; antagonism toward them (and toward the agencies which are implicated with them) has always, therefore, been more intense locally than at the federal level. In recent years, local communities have increasingly felt class and ethnic friction generated by competition for neighborhoods, schools, jobs and political power. Public welfare systems are under the constant stress of conflict and opposition, made only sharper by the rising costs to localities of public aid. And, to accommodate this pressure, welfare practice everywhere has become more restrictive than welfare statute; much of the time it verges on lawlessness. Thus, public welfare systems try to keep their budgets down and their rolls low by failing to inform people of the rights available to them; by intimidating and shaming them to the degree that they are reluctant either to apply or to press claims, and by arbitrarily denying benefits to those who are eligible. A series of welfare drives in large cities would, we believe, impel action on a new federal program to distribute income, eliminating the present public welfare system and alleviating the abject poverty which it perpetrates. Widespread campaigns to register the eligible poor for welfare aid, and to help existing recipients obtain their full benefits, would produce bureaucratic disruption in welfare agencies and fiscal disruption in local and state governments. These disruptions would generate severe political strains, and deepen existing divisions among elements in the big-city Democratic coalition: the remaining white middle class, the white working-class ethnic groups and the growing minority poor. To avoid a further weakening of that historic coalition, a national Democratic administration would be constrained to advance a federal solution to poverty that would override local welfare failures, local class and racial conflicts and local revenue dilemmas. By the internal disruption of local bureaucratic practices, by the furor over public welfare poverty, and by the collapse of current financing arrangements, powerful forces can be generated for major economic reforms at the national level.

The ultimate objective of this strategy–to wipe out poverty by establishing a guaranteed annual income–will be questioned by some. Because the ideal of individual social and economic mobility has deep roots, even activists seem reluctant to call for national programs to eliminate poverty by the outright redistribution of income. Instead, programs are demanded to enable people to become economically competitive. But such programs are of no use to millions of today’s poor. For example, one-third of the 35 million poor Americans are in families headed by females; these heads of family cannot be aided appreciably by job retraining, higher minimum wages, accelerated rates of economic growth, or employment in public works projects. Nor can the 5 million aged who are poor, nor those whose poverty results from the ill health of the wage earner. Programs to enhance individual mobility will chiefly benefit the very young, if not the as yet unborn. Individual mobility is no answer to the question of how to abolish the massive problem of poverty now.

It has never been the full answer. If many people in the past have found their way up from poverty by the path of individual mobility, many others have taken a different route. Organized labor stands out as a major example. Although many American workers never yielded their dreams of individual achievement, they accepted and practiced the principle that each can benefit only as the status of workers as a whole is elevated. They bargained for collective mobility, not for individual mobility; to promote their fortunes in the aggregate, not to promote the prospects of one worker over another. And if each finally found himself in the same relative economic nevertheless clear relationship to his fellows, as when he began, it was nevertheless clear that all were infinitely better off. That fact has sustained the labor movement in the face of a counter pull from the ideal of individual achievement.

But many of the contemporary poor will not rise from poverty by organizing to bargain collectively. They either are not in the labor force or are in such marginal and dispersed occupations (e.g., domestic servants) that it is extremely difficult to organize them. Compared with other groups, then, many of today’s poor cannot secure a redistribution of income by organizing within the institution of private enterprise. A federal program of income redistribution has become necessary to elevate the poor en masse from poverty.

Several ways have been proposed for redistributing income through the federal government. It is not our purpose hereto assess the relative merits of these plans, which are still undergoing debate and clarification. Whatever mechanism is eventually adopted, however, it must include certain features if it is not merely to perpetuate in a new guise the present evils of the public welfare system.

First, adequate levels of income must be assured. (Public welfare levels are astonishingly low; indeed, states typically define a “minimum” standard of living and then grant only a percentage of it, so that families are held well below what the government itself officially defines as the poverty level.) Furthermore, income should be distributed without requiring that recipients first divest themselves of their assets, as public welfare now does, thereby pauperizing families as a condition of sustenance.

Second, the right to income must be guaranteed, or the oppression of the welfare poor will not be eliminated. Because benefits are conditional under the present public welfare system, submission to arbitrary governmental power is regularly made the price of sustenance. People have been coerced into attending literacy classes or participating in medical or vocational rehabilitation regimes, on pain of having their benefits terminated. Men are forced into labor on virtually any terms lest they forfeit their welfare aid. One can prize literacy, health and work, while still vigorously opposing the right of government to compel compliance with these values.

Conditional benefits thus result in violations of civil liberties throughout the nation, and in a pervasive oppression of the poor. And these violations are not less real because the impulse leading to them is altruistic and the agency is professional. If new systems of income distribution continue to permit the professional bureaucracies to choose when to give and when to withhold financial relief, the poor will once again be surrendered to an arrangement in which their rights are diminished in the name of overcoming their vices. Those who lead an attack on the welfare system must therefore be alert to the pitfalls of inadequate but placating reforms, which give the appearance of victory to what is in truth defeat.

How much economic force can be mobilized by this strategy? This question is not easy to answer because few studies have been conducted of people who are not receiving public assistance even though they may be eligible. For the purposes of this presentation, a few facts about New York City may be suggestive. Since practices elsewhere are generally acknowledged to be even more restrictive, the estimates of unused benefits, which follow probably yield a conservative estimate of the potential force of the strategy set forth in this article.

Basic assistance for food and rent: The most striking characteristic of public welfare practice is that a great many people who appear to be eligible for assistance are not on the welfare rolls. The average monthly total of New York City residents receiving assistance in 1959 was 325,771, but according to the 1960 census., 716,000 persons (unrelated or in families) appeared to be subsisting on incomes at or below the prevailing welfare eligibility levels (e.g. $2,070 for a family of four). In that same year, 539,000 people subsisted on incomes less than 80 per cent of the welfare minimums, and 200,000 lived alone or in families on incomes reported to be less than half of eligibility levels. Thus it appears that for every person on welfare in 1959, at least one more was eligible. The results of two surveys of selected areas in Manhattan support the contention that many people subsist on incomes below welfare eligibility levels. One of these, conducted by Greenleigh Associates in 1964 in an urban-renewal area on New York’s upper West Side, found 9 per cent of those not on the rolls were in such acute need that they appeared to qualify for emergency assistance. The study showed, further, that a substantial number of families that were not in a “critical” condition would probably have qualified for supplemental assistance.

The other survey, conducted in 1961 by Mobilization for Youth, had similar findings. The area from which its sample was drawn, 67 square blocks on the lower East Side, is a poor one, but by no means the poorest in New York City. Yet 13 per cent of the total sample who were not on the welfare rolls reported incomes falling below the prevailing welfare schedules for food and rent.

There is no reason to suppose that the discrepancy between those eligible for and those receiving assistance has narrowed much in the past few years. The welfare rolls have gone up, to be sure, but so have eligibility levels. Since the economic circumstances of impoverished groups in New York have not improved appreciably in the past few years, each such rise increases the number of people who are potentially eligible for some degree of assistance.

Even if one allows for the possibility that family-income figures are grossly underestimated by the census, the financial implications of the proposed strategy are still very great. In 1965, the monthly average of persons receiving cash assistance in New York was 490,000, at a total cost of $440 million; the rolls have now risen above 500,000, so that costs will exceed $500 million in 1966. An increase in the rolls of a mere 20 per cent would cost an already overburdened municipality some $100 million.

Special grants: Public assistance recipients in New York are also entitled to receive “non-recurring” grants for clothing, household equipment and furniture–including washing machines, refrigerators, beds and bedding, tables and chairs. It hardly needs to be noted that most impoverished families have grossly inadequate clothing and household furnishings. The Greenleigh study, for example, found that 52 per cent of the families on public assistance lacked anything approaching adequate furniture. This condition results because almost nothing is spent on special grants in New York. In October, 1965, a typical month, the Department of Welfare spent only $2.50 per recipient for heavy clothing and $1.30 for household furnishings. Taken together, grants of this kind amounted in 1965 to a mere $40 per person, or a total of $20 million for the entire year. Considering the real needs of families, the successful demand for full entitlements could multiply these expenditures tenfold or more–and that would involve the disbursement of many millions of dollars indeed.

One must be cautious in making generalizations about the prospects for this strategy in any jurisdiction unless the structure of welfare practices has been examined in some detail. We can, however, cite other studies conducted in other places to show that New York practices are not atypical. In Detroit, for example, Greenleigh Associates studied a large sample of households in a low-income district in 1965. Twenty per cent were already receiving assistance, but 35 percent more were judged to need it. Although the authors made no strict determination of the eligibility of these families under the laws of Michigan, they believed that “larger numbers of persons were eligible than receiving.” A good many of these families did not know that public assistance was available; others thought they would be deemed ineligible; not a few were ashamed or afraid to ask.

Similar deprivations have been shown in nation-wide studies. In 1963, the federal government carried out a survey based on a national sample of 5,500 families whose benefits under Aid to Dependent Children had been terminated. Thirty-four percent of these cases were officially in need of income at the point of closing: this was true of 30 percent of the white and 44 percent of the Negro cases. The chief basis for termination given in local department records was “other reasons” (i.e., other than improvement in financial condition, which would make dependence on welfare unnecessary). Upon closer examination, these “other reasons” turned out to be “unsuitable home” (i.e., the presence of illegitimate children), “failure to comply with departmental regulations” or “refusal to take legal action against a putative father.” (Negroes were especially singled out for punitive action on the ground that children were not being maintained in “suitable homes.”) The amounts of money that people are deprived of by these injustices are very great.

In order to generate a crisis, the poor must obtain benefits, which they have forfeited. Until now, they have been inhibited from asserting claims by self-protective devices within the welfare system: its capacity to limit information, to intimidate applicants, to demoralize recipients, and arbitrarily to deny lawful claims.

Ignorance of welfare rights can be attacked through a massive educational campaign Brochures describing benefits in simple, clear language, and urging people to seek their full entitlements, should be distributed door to door in tenements and public housing projects, and deposited in stores, schools, churches and civic centers. Advertisements should be placed in newspapers; sport announcements should be made on radio. Leaders of social, religious, fraternal and political groups in the slums should also be enlisted to recruit the eligible to the rolls. The fact that the campaign is intended to inform people of their legal rights under a government program, that it is a civic education drive, will lend it legitimacy.

But information alone will not suffice. Organizers will have to become advocates in order to deal effectively with improper rejections and terminations. The advocate’s task is to appraise the circumstances of each case, to argue its merits before welfare, to threaten legal action if satisfaction is not given. In some cases, it will be necessary to contest decisions by requesting a “fair before the appropriate hearing” before the appropriate state supervisory agency; it may occasionally be necessary to use for redress in the courts. Hearings and court actions will require lawyers, many of whom, in cities like New York, can be recruited on a voluntary basis, especially under the banner of a movement to end poverty by a strategy of asserting legal rights. However, most cases will not require an expert knowledge of law, but only of welfare regulations; the rules can be learned by laymen, including welfare recipients themselves (who can help to man “information and advocacy” centers). To aid workers in these centers, handbooks should be prepared describing welfare rights and the tactics to employ in claiming them.

Advocacy must be supplemented by organized demonstrations to create a climate of militancy that will overcome the invidious and immobilizing attitudes which many potential recipients hold toward being “on welfare.” In such a (climate, many more poor people are likely to become their own advocates and will not need to rely on aid from organizers.

As the crisis develops, it will be important to use the mass media to inform the broader liberal community about the inefficiencies and injustices of welfare. For example, the system will not be able to process many new applicants because of cumbersome and often unconstitutional investigatory procedures (which cost 20c for every dollar disbursed). As delays mount, so should the public demand that a simplified affidavit supplant these procedures, so that the poor may certify to their condition. If the system reacts by making the proof of eligibility more difficult, the demand should be made that the Department of Health, Education and Welfare dispatch “eligibility registrars” to enforce federal statutes governing local programs. And throughout the crisis, the mass media should be used to advance arguments for a new federal income distribution program. *

*In public statements, it would be important to distinguish between the income distribution function of public welfare, which should be replaced by new federal measures, and many other welfare functions, such as foster care and adoption services for children, which are not at issue in this strategy.

Although new resources in organizers and funds would have to be developed to mount this campaign, a variety of conventional agencies in the large cities could also be drawn upon for help. The idea of “welfare rights” has begun to attract attention in many liberal circles. A number of organizations, partly under the aegis of the “war against poverty,” are developing information and advocacy services for low-income people [see “Poverty, Injustice and the Welfare State” by Richard A. Cloward and Richard M. Elman, The Nation, issues of February 28 and March 7]. It is not likely that these organizations will directly participate in the present strategy, for obvious political reasons. But whether they participate or not, they constitute a growing network of resources to which people can be referred for help in establishing and maintaining entitlements. In the final analysis, it does not matter who helps people to get on the rolls or to get additional entitlements, so long as the job is done.

Since this plan deals with problems of great immediacy in the lives of the poor, it should motivate some of them to involve themselves in regular organizational activities. Welfare recipients, chiefly ADC mothers, are already forming federations, committees and councils in cities across the nation; in Boston, New York, Newark, Cleveland, Chicago, Detroit and Los Angeles, to mention a few. Such groups typically focus on obtaining full entitlements for existing recipients rather than on recruiting new recipients, and they do not yet comprise a national movement. But their very existence attests to a growing readiness among ghetto residents to act against public welfare.

To generate an expressly political movement, cadres of aggressive organizers would have to come from the civil rights movement and the churches, from militant low-income organizations like those formed by the Industrial Areas Foundation (that is, by Saul Slinky), and from other groups on the Left. These activists should be quick to see the difference between programs to redress individual grievances and a large-scale social-action campaign for national policy reform.

Movements that depend on involving masses of poor people have generally failed in America. Why would the proposed strategy to engage the poor succeed?

First, this plan promises immediate economic benefits. This is a point of some importance because, whereas America’s poor have not been moved in any number by radical political ideologist, they have sometimes been moved by their economic interests. Since radical movements in America have rarely been able to provide visible economic incentives, they have usually failed to secure mass participation of any kind. The conservative “business unionism” of organized labor is explained by this fact, for membership enlarged only as unionism paid off in material benefits. Union leaders have understood that their strength derives almost entirely from their capacity to provide economic rewards to members. Although leaders have increasingly acted in political spheres, their influence has been directed chiefly to matters of governmental policy affecting the well being of organized workers. The same point is made by the experience of rent strikes in Northern cities. Their organizers were often motivated by radical ideologies, but tenants have been attracted by the promise that housing improvements would quickly be made if they withheld their rent.

Second, for this strategy to succeed, one need not ask more of most of the poor than that they claim lawful benefits. Thus the plan has the extraordinary capability of yielding mass influence without mass participation, at least as the term “participation” is ordinarily understood. Mass influence in this case stems from the consumption of benefits and does not require that large groups of people be involved in regular organizational roles.

Moreover, this kind of mass influence is cumulative because benefits are continuous. Once eligibility for basic food and rent grants is established, the drain on local resources persists indefinitely. Other movements have failed precisely because they could not produce continuous and cumulative influence in the Northern rent strikes, for example, participation depended largely on immediate grievances; as soon as landlords made the most minimal repairs, participation fell away and with it the impact of the movement. Efforts to revive tenant participation organizing demonstrations around broader housing issues (e.g., the expansion of public housing) did not succeed because the incentives were not immediate.

Third, the prospects for mass influence are enhanced because this plan provides a practical basis for coalition between poor whites and poor Negroes. Advocates of low-income movements have not been able to suggest how poor whites and poor Negroes can be united in an expressly lower-class movement. Despite pleas of some Negro leaders for joint action on programs requiring integration, poor whites have steadfastly resisted making common cause with poor Negroes. By contrast, the benefits of the present plan are as great for whites as for Negroes. In the big cities, at least, it does not seem likely that poor whites, whatever their prejudice against either Negroes or public welfare, will refuse to participate when Negroes aggressively claim benefits that are unlawfully denied to them as well. One salutary consequence of public information campaigns to acquaint Negroes with their rights is that many whites will be made aware of theirs. Even if whites prefer to work through their own organizations and leaders, the consequences will be equivalent to joining with Negroes. For if the object is to focus attention on the need for new economic measures by producing a crisis over the dole, anyone who insists upon extracting maximum benefits from public welfare is in effect part of a coalition and is contributing to the cause.

The ultimate aim of this strategy is a new program for direct income distribution. What reason is there to expect that the federal government will enact such legislation in response to a crisis in the welfare system?

We ordinarily think of major legislation as taking form only through established electoral processes. We tend to overlook the force of crisis in precipitating legislative reform, partly because we lack a theoretical framework by which to understand the impact of major disruptions.

By crisis, we mean a publicly visible disruption in some institutional sphere. Crisis can occur spontaneously (e.g., riots) or as the intended result of tactics of demonstration and protest, which either generate institutional disruption or bring unrecognizable eruption to public attention. Public trouble is a political liability, it calls for action by political leaders to stabilize the situation. Because crisis usually creates or exposes conflict, it threatens to produce cleavages in a political consensus, which politicians would ordinarily act to avert.

Although crisis impels political action, it does not itself determine the selection of specific solutions. Political leaders will try to respond with proposals, which work to their advantage in the electoral process. Unless group cleavages form around issues and demands, the politician has great latitude and tends to proffer only the minimum action required to quell disturbances without risking existing electoral support. Spontaneous disruptions, such as riots, rarely produce leaders who articulate demands; thus so terms are imposed, and political leaders are permitted to respond in ways that merely restore a semblance of stability without offending other groups in a coalition.

When, however, a crisis is defined by its participants–or by other activated groups–as a matter of clear issues and preferred solutions, terms are imposed on the politicians’ bid for their support. Whether political leaders then design solutions to reflect these terms depends on a two- fold calculation: first, the impact of the crisis and the issues it raises on existing alignments and, second, the gains or losses in support to be expected as a result of a proposed resolution.

As to the impact on existing alignments, issues exposed by a crisis may activate new groups, thus altering the balance of support and opposition on the issues; or it may polarize group sentiments altering the terms, which must be offered to insure the support of given constituent groups. In framing resolutions, politicians are more responsive to group shifts and are more likely to accommodate to the terms imposed when electoral coalitions threatened by crisis are already uncertain or weakening. In other words, the politician responds to group demands, not only by calculating the magnitude of electoral gains and losses, but by assessing the impact of the resolution on the stability of existing or potential coalitions. Political leaders are especially responsive to group shifts when the terms of settlement can be framed so as to shore up an existing coalition, or as a basis for the development of new and more stable alignments, without jeopardizing existing support. Then, indeed, the calculation of net gain is most secure.

The legislative reforms of the depression years, for example, were impelled not so much by organized interests exercised through regular electoral processes as by widespread economic crisis. That crisis precipitated the disruption of the regionally based coalitions underlying the old national parties. During the realignments of 1932, a new Democratic coalition was formed, based heavily on urban working-class groups. Once in power, the national Democratic leadership proposed and implemented the economic reforms of the New Deal. Although these measures were a response to the imperative of economic crisis, the types of measures enacted were designed to secure and new Democratic coalition.

The civil rights movement, to take a recent case, reveals the relationship of crisis and electoral conditions in producing legislative reform. The crisis in the South took place in the context of a weakening North-South Democratic coalition. The strains in that coalition were first evident in the Dixiecrat desertion of 1948, and continued through the Eisenhower years as the Republicans gained ground in the Southern states. Democratic party leaders at FMT tried to hold the dissident South by warding off the demands of enlarging Negro constituencies in Northern cities. Thus for two decades the national Democratic Party campaigned on strongly worded civil rights planks but enacted only token measures. The civil rights movement forced the Democrats’ hand, a crumbling Southern partnership was forfeited, and major civil rights legislation was put forward, designed to insure the support of Northern Negroes and liberal elements in the Democratic coalition. That coalition emerged strong from the 1964 election, easily able to overcome the loss of Southern states to Goldwater. At the same time, the enacted legislation, particularly the Voting Rights Act, laid the ground for a new Southern Democratic coalition of moderate whites and the hitherto untapped reservoir of Southern Negro voters.

The electoral context which made crisis effective in the South is also to be found in the big cities of the nation today. Deep tensions have developed among groups comprising the political coalitions of the large cities–the historic stronghold of the Democratic Party. As a consequence, urban politicians no longer turn in the vote to national Democratic candidates it hun faillng regularity. The marked defections revealed in the elections of the 1950s and which continued until the Johnson landslide of 1964 area matter of great concern to the national party. Precisely because of this concern, a strategy to exacerbate still further the strains in the urban coalition can be expected to evoke a response from national leaders.

The weakening of the urban coalition is a result of many basic changes in the relationship of local party leadership to its constituents. First, the political machine, the distinctive and traditional mechanism for forging alliances among competing groups in the city, is now virtually defunct in most cities. Successive waves of municipal reform have deprived political leaders of control over the public resources–jobs, contracts, services and favors–which machine politicians formerly dispensed to voters in return for electoral support. Conflicts among elements in the urban Democratic coalition once held together politically because each secured a share of these benefits, cannot now be so readily contained. And as the means of placating competing groups have diminished, tensions along ethnic and class lines have multiplied. These tensions are being intensified by the encroachments of an enlarging ghetto population on jobs, schools and residential areas. Big-city mayors are thus caught between antagonistic working-class ethnic groups, the remaining middle class, and the rapidly enlarging minority poor.

Second, there are discontinuities in the relationship between the urban party apparatus and its ghetto constituents which have so far remained unexposed but which a welfare crisis would force into view. The ghetto vote has been growing rapidly and has so far returned overwhelming Democratic majorities. Nevertheless, this voting bloc is not fully integrated in the party apparatus, either through the representation of its leaders or the accommodation of its interests.

While the urban political apparatus includes members of new minority groups, these groups are by no means represented according to their increasing proportions in the population. More important, elected representation alone is not an adequate mechanism for the expression of group interests. Influence in urban politics is won not only at the polls but through the sustained activity of organized interests–such as labor unions, homeowner associations and business groups. These groups keep watch over the complex operations of municipal agencies, recognizing issues and regularly asserting their point of view through meetings with public officials, appearances at public hearings and the like, and by exploiting a whole array of channels of influence on government. Minority constituencies–at least the large proportion of them that are poor–are not regular participants in the various institutional spheres where organized interest groups typically develop. Thus the interests of the mass of minority poor are not protected by associations, which make their own or other political leaders responsive by continuously calling them to account. Urban party organizations have become, in consequence, more an avenue for the personal advancement of minority political leaders than a channel for the expression of minority-group interests. And the big city mayors, struggling to preserve an uneasy urban consensus, have thus been granted the slack to evade the conflict-generating interests of the ghetto. A crisis in public welfare would expose the tensions latent in this attenuated relationship between the ghetto vote and the urban party leadership, for it would thrust forward ghetto demands and back them with the threat of defections by voters who have so far remained both loyal and quiescent.

In the face of such a crisis, urban political leaders may well be paralyzed by a party apparatus which ties them to older constituent groups, even while the ranks of these groups are diminishing. The national Democratic leadership, however, is alert to the importance of the urban Negro vote, especially in national contests where the loyalty of other urban groups is weakening. Indeed, many of the legislative reforms of the Great Society can be understood as efforts, however feeble, to reinforce the allegiance of growing ghetto constituencies to the national Democratic Administration. In the thirties, Democrats began to put forward measures to circumvent the states in order to reach the big-city elements in the New Deal coalition; now it is becoming expedient to put forward measures to circumvent the weakened big-city mayors in order to reach the new minority poor.

Recent federal reforms have been impelled in part by widespread unrest in the ghetto, and instances of more aggressive Negro demands. But despite these signs that the ghetto vote may become less reliable in the future, there has been as yet no serious threat of massive defection. The national party has therefore not put much pressure on its urban branches to accommodate the minority poor. The resulting reforms have consequently been quite modest (e.g., the war against poverty, with its emphasis on the “involvement of the poor,” is an effort to make the urban party apparatus somewhat more accommodating).

A welfare crisis would, of course, produce dramatic local political crisis, disrupting and exposing rifts among urban groups. Conservative Republicans are always ready to declaim the evils of public welfare, and they would probably be the first to raise a hue and cry. But deeper and politically more telling conflicts would take place within the Democratic coalition. Whites–both working-class ethnic groups and many in the middle class–would be aroused against the ghetto poor, while liberal groups, which until recently have been comforted by the notion that the poor are few and, in any event, receiving the beneficent assistance of public welfare would probably support the movement. Group conflict, spelling political crisis for the local party apparatus, would thus become acute as welfare rolls mounted and the strains on local budgets became more severe. In New York City, where the Mayor is now facing desperate revenue shortages, welfare expenditures are already second only to those for public education.

It should also be noted that welfare costs are generally shared by local, state and federal governments, so that the crisis in the cities would intensify the struggle over revenues that is chronic in relations between cities and states. If the past is any predictor of the future, cities will fail to procure relief from this crisis by persuading states to increase their proportionate share of urban welfare costs, for state legislatures have been notoriously unsympathetic to the revenue needs of the city (especially where public welfare and minority groups are concerned).

If this strategy for crisis would intensify group cleavages, a federal income solution would not further exacerbate them. The demands put forward during recent civil rights drives in the Northern cities aroused the opposition of huge majorities. Indeed, such fierce resistance was evoked (e.g. school boycotts, followed by counter-boycotts), that accessions by political leaders would have provoked greater political turmoil than the protests themselves, for profound class and ethnic interests are at stake in the employment, educational and residential institutions of our society. By contrast, legislative measures to provide direct income to the poor would permit national Democratic leaders to cultivate ghetto constituencies without unduly antagonizing other urban groups, as is the case when the battle lines are drawn over schools, housing or jobs. Furthermore, a federal income program would not only redeem local governments from the immediate crisis but would permanently relieve them of the financially and politically onerous burdens of public welfare*–a function which generates support from none and hostility from many, not least of all welfare recipients.

We suggest, in short, that if pervasive institutional rescuer particular reforms are not yet possible, requiring as they do expanded Negro political power and the development of new political alliances, crisis tactics can nevertheless be employed to secure particular reforms in the short run by exploiting weaknesses in current political alignments. Because the urban coalition stands weakened by group conflict today, disruption and threats of disaffection will count powerfully, provided that national leaders can respond with solutions, which retain the support of ghetto constituencies while avoiding new group antagonisms and bolstering the urban party apparatus. These are the conditions, then, for an effective crisis strategy in the cities to secure an end to poverty.

No strategy, however confident its advocates may be, is foolproof. But if unforeseen contingencies thwart this plan to bring about new federal legislation in the field of poverty, it should also be noted that there would be gains even in defeat. For one thing, the plight of many poor people would be somewhat eased in the course of an assault upon public welfare. Existing recipients would come to know their rights and how to defend them, thus acquiring dignity where none now exists; and millions of dollars in withheld welfare benefits would become available to potential recipients now–not several generations from now. Such an attack should also be welcome to those currently concerned with programs designed to equip the young to rise out of poverty (e.g., Head Start), for surely children learn more readily when the oppressive burden of financial insecurity is lifted from the shoulders of their parents. And those seeking new ways to engage the Negro politically should remember that public resources have always been the fuel for low-income urban political organization. If organizers can deliver millions of dollars in cash benefits to the ghetto masses, it seems reasonable to expect that the masses will deliver their loyalties to their benefactors. At least, they have always done so in the past.

Frances Fox Piven faz parte do corpo docente do Centro de Pós-Graduação da City University of New York. Ela é autora, mais recentemente, de Challenging Authority: How Ordinary People Change America.

Richard Cloward

1 de março de 2010

Crises estruturais

A world-systems perspective on the post-2008 crash, seeing in present imbalances a conjunction of cyclical downturn and secular trends, and highlighting the nature of coming struggles for another, better order.

Immanuel Wallerstein

New Left Review


O termo ‘crise’ teve um papel central em diversos debates políticos nacionais durante os anos 1970, a despeito da ampla variedade de suas definições. Nos momentos finais daquele século, ele foi substituído por outro termo, mais otimista: ‘globalização’. Desde 2008, no entanto, seu tom sombrio retornou, e a noção de ‘crise’ voltou subitamente à tona; seu uso, porém, é tão mais disperso. As questões relativas a como definir uma crise, e como explicar suas origens, estão outra vez em primeiro plano.

No final dos anos 1960 e no início dos anos 70, ambos os ciclos hegemônico e, de forma geral, econômico do sistema-mundo moderno entraram em uma fase de declínio. O período entre 1945 e, aproximadamente, 1970 – apropriadamente denominado, em francês, les trente glorieuses – marcou o ápice da hegemonia norteamericana e coincidiu com a mais expansiva fase ascendente do ciclo de Kondratieff que a economia-mundo capitalista jamais vira. As fases descendentes eram absolutamente normais, não apenas no sentido de que todos os sistemas têm ritmos cíclicos – é como eles vivem, a forma com a qual lidam com as flutuações inevitáveis de sua operação – mas também porque é assim que o capitalismo, como um sistema global, funciona. Existem, aqui, duas questões chave: como os produtores lucram e como os Estados garantem o ordenamento do mundo dentro do qual os produtores lucram. Tratemos delas uma de cada vez.

O capitalismo é um sistema cuja raison d’être é a acumulação infinita de capital. Para acumular capital, os produtores devem obter lucros em suas operações, o que apenas é possível, em uma escala significativa, se o produto puder ser vendido por um valor consideravelmente maior do que seu custo de produção. Em uma situação de competição perfeita, é impossível lucrar em tal escala: um monopólio, ou semimonopólio, do poder sobre a economia-mundo é necessário. O vendedor pode assim cobrar qualquer preço, desde que não ultrapasse os limites estabelecidos pela elasticidade da demanda. Sempre que a economia-mundo está em expansão significativa, alguns de seus produtos ‘principais’ são relativamente monopolizados, e é do lucro extraído deles que grandes montantes de capital podem ser acumulados. Os efeitos de encadeamento econômico, tanto para frente quanto para trás, de tais produtos formam a base para uma expansão generalizada da economia-mundo. Chamamos isso de fase A do ciclo de Kondratieff. O problema, para os capitalistas, é que todos os monopólios acabam por se autoliquidar, posto que novos produtores podem adentrar no mercado global, independentemente de quão fortes sejam as defesas de um dado monopólio. É claro, essa entrada demora certo tempo; mas, cedo ou tarde, o grau de competição aumenta, os preços caem e, portanto, os lucros também. Quando os lucros dos produtos principais caem suficientemente, a economia global para de se expandir, e entra em um período de estagnação – a fase B do ciclo de Kondratieff.

A segunda condição para o lucro capitalista é que exista uma certa ordem global relativa. Ainda que guerras mundiais possam oferecer a alguns empreendedores a oportunidade de se dar muito bem, elas também causam enormes destruições de capital fixo, além de interferir consideravelmente no comércio mundial. O balanço geral das guerras mundiais não é positivo, um ponto sobre o qual Schumpeter insistiu repetidamente. Garantir uma situação de relativa estabilidade, necessária para a a geração de lucro, é a tarefa de um poder hegemônico com força suficiente para impô-la sobre todo o sistema-mundo. Ciclos hegemônicos costumam ser muito mais longos do que os ciclos de Kondratieff: em um mundo com tantos ditos estados soberanos, não é com facilidade que um deles consegue se estabelecer como poder hegemônico. Ele foi conquistado, primeiramente, pelas Províncias Unidas, em meados do século XVII, depois pelo Reino Unido, em meados do século XIX, e, finalmente, pelos Estados Unidos, na metade do século XX. A ascensão de cada poder hegemônico tem sido o resultado de uma longa disputa com outros potenciais candidatos. Até agora, o vencedor tem sido aquele estado que se mostrou capaz de reunir o maquinário produtivo mais eficiente, e, em seguida, de vencer uma ‘guerra de trinta anos’ contra seu rival principal. O vencedor pode, enfim, estabelecer as regras sob as quais o sistema interestatal opera, para garantir seu funcionamento estável e maximizar o fluxo de capital acumulado para seus cidadãos e suas empresas produtoras. Pode-se chamar isso de um semimonopólio do poder geopolítico.

O problema enfrentado pelo poder hegemônico é o mesmo dos líderes industriais: seu monopólio é autoliquidante. Em primeiro lugar, ele precisa, ocasionalmente, exercer seu poder militar para manter a ordem. Mas guerras custam dinheiro e vidas, e têm um impacto negativo em seus cidadãos, cujo orgulho inicial da vitória pode evaporar conforme pagam pelos custos crescentes da ação militar. Operações militares de larga escala são, frequentemente, menos efetivas do que o esperado, e isso fortalece aqueles que almejam resistir no futuro. Em segundo lugar, mesmo se a eficiência econômica daquele que conquistou a hegemonia não tropeçar imediatamente, a dos outros países começa a crescer, tornando-lhes cada vez menos dispostos a aceitar seus ditados. O vencedor entra em um processo gradual de declínio em relação aos poderes ascendentes. O declínio pode ser lento, mas é, de todo modo, irreversível.

O que tornou o momento entre 1965 e 1970 tão marcante foi a conjunção destes dois tipos de declínios – o fim da fase A do ciclo de Kondratieff mais expansiva da história, e o começo do declínio da potência hegemônica mais poderosa da história. Não é acidental que a revolução mundial de 1968 (na verdade, de 1966-70), tenha tido lugar neste ponto de virada, como sua expressão.

Expulsando a esquerda tradicional

A revolução mundial de 1968 marcou um terceiro declínio – um que ocorrera apenas uma vez, no entanto, na história do sistema-mundo moderno: o declínio dos movimentos antissistema tradicionais, a chamada esquerda tradicional. Composta essencialmente por comunistas, socialdemocratas e movimentos de libertação nacional, a esquerda tradicional surgiu lenta e laboriosamente por todo o sistema-mundo, principalmente no decorrer do último terço do século XIX até a primeira metade do século XX; ascendendo da posição de marginalidade e fraqueza política de, digamos, 1870, para uma de centralidade política e força considerável, em torno de 1950. Esses movimentos alcançaram o ápice de seu poder de mobilização no período entre 1945 a 1968 – exatamente no momento da extraordinária fase A do ciclo de Kondratieff e do ponto máximo da hegemonia dos EUA. Não acredito que se trate de um fenômeno fortuito, embora isso possa parecer contraintuitivo. O boom da economia global levou os empreendedores a crer que concessões às demandas materiais de seus trabalhadores custaria-lhes menos do que as interrupções no processo produtivo. Com o tempo, isso significa um aumento dos custos de produção, um dos fatores por detrás do fim dos semimonopólios dos líderes industriais. A maioria dos empreendedores, porém, toma decisões que maximizam lucros a curto termo – no decorrer dos três anos subsequentes, digamos – e entrega o futuro para os deuses.

Considerações paralelas influenciaram as políticas do poder hegemônico. Manter uma relativa estabilidade no sistema global era um objetivo essencial, mas os Estados Unidos tiveram que contrabalancear os custos da atividade repressiva com o custo das concessões às demandas dos movimentos de libertação nacional. De forma relutante, no começo, mas em seguida mais deliberadamente, Washington começou a preferir uma ‘descolonização’ controlada, o que teve como efeito levar tais movimentos ao poder. Consequentemente, na metade dos anos 1960, podia-se dizer que os movimentos da esquerda tradicional tinham alcançado seu objetivo histórico de assumir o poder estatal por quase toda parte – ao menos no papel. Partidos comunistas governavam um terço do mundo, partidos socialdemocratas estavam no poder, ou alternando o poder, em boa parte de outro terço. Movimentos de libertação nacional tinham chegado ao poder na maior parte do antigo mundo colonial, assim como os movimentos populistas na América Latina. Muitos analistas e militantes hoje criticariam a performance destes movimentos, mas isso seria esquecer o medo que permeava a camada mais rica e conservadora do mundo face ao que parecia-lhes um rolo compressor de igualitarismo destrutivo, equipado com o poder estatal.

A revolução mundial de 1968 mudou tudo isso. Três temas predominaram em seus múltiplos levantes: o primeiro afirmava que o poder hegemônico dos EUA estava sobrecarregado e era vulnerável – no Vietnã, a ofensiva Tet foi tida como o golpe fatal para as operações militares norteamericanas. Os revolucionários também atacavam o papel da União Soviética, que viam como uma participante em conluio com a hegemonia dos EUA – um sentimento que crescera por todo lado desde, ao menos, 1956. O segundo tema afirmava que os movimentos da esquerda tradicional tinham fracassado em entregar suas promessas históricas. Todas as suas três variações tinham como premissa a dita estratégia de duas etapas – primeiro assumir o poder estatal, depois mudar o mundo. Com efeito, os militantes diziam: “Vocês assumiram o poder estatal mas não mudaram o mundo. Se nós queremos mudar o mundo, precisamos de novos movimentos e novas estratégias”. A Revolução Cultural chinesa foi, para muitos, o modelo desta possibilidade. O terceiro tema afirmava que a esquerda tradicional havia ignorado as populações marginalizadas – aqueles oprimidos por causa de sua raça, gênero, etnicidade ou sexualidade. Os militantes insistiam que as demandas por tratamento igualitário não poderiam mais ser deferidas – elas constituíam parte urgente do presente. Em muitos aspectos, o movimento Black Power, nos Estados Unidos, foi o exemplo paradigmático.

A revolução mundial de 1968 foi tanto um enorme sucesso político quanto um enorme fracasso político. Ela se levantou como uma fênix, ardeu brilhantemente por todo o globo, mas, já na metade dos anos 1970, parecia ter-se extinguido em quase todos os cantos. O que fora conquistado por esse grande incêndio selvagem? O liberalismo de centro perdeu seu trono como a ideologia dominante do sistema-mundo, e foi reduzido a uma mera alternativa dentre outras; os movimentos da esquerda tradicional foram destruídos enquanto mobilizadores de qualquer tipo de mudança fundamental. Mas o triunfalismo de 1968 mostrou-se raso e insustentável. A direita mundial foi igualmente libertada de qualquer associação com o liberalismo centrista. Ela se aproveitou da estagnação da economia mundial e do colapso da esquerda tradicional para lançar uma contraofensiva, a globalização neoliberal. Seus objetivos principais eram reverter todos os ganhos das camadas inferiores durante a fase A do ciclo de Kondratieff: reduzir os custos de produção, destruir o estado de bem estar e desacelerar o declínio do poder dos EUA. Seu avanço pareceu atingir um ponto máximo em 1989, com o fim do controle soviético sobre seus satélites do Centro-Leste Europeu e o desmantelamento da própria URSS levou a um novo triunfalismo na direita.

A ofensiva da direita mundial foi tanto um grande sucesso como um grande fracasso. O que sustentou a acumulação de capital desde os anos 1970 foi uma virada na busca por lucros da eficiência produtiva em direção à sua procura através de manipulações financeiras, pela especulação, para dizê-lo mais corretamente. O mecanismo chave foi o incentivo do consumo via endividamento. Isso aconteceu em todas as fases B do ciclo de Kondratieff; a diferença, desta vez, foi de escala. Depois da maior expansão em fase A da história, veio a maior mania especulativa. Bolhas moveram-se por todo o sistema-mundo – das dívidas nacionais do Terceiro Mundo e do bloco socialista nos anos 1970 às obrigações de alto risco de grandes empresas nos anos 1980, do endividamento do consumidor dos anos 1990 ao endividamento do governo norte-americano na era Bush. O sistema foi de bolha a bolha e, atualmente, tenta inflar mais uma, com os socorros financeiros aos bancos e a impressão de dólar.

O declínio em que o mundo se encontra continuará por certo tempo, e será bastante profundo. Ele destruirá o último pilar da relativa estabilidade econômica, o papel do dólar como moeda de reserva para assegurar riquezas. Quando isso acontecer, a preocupação principal de cada governo será impedir levantes de trabalhadores desempregados e da classe média cujas poupanças e pensões estão desaparecendo. Os governos, neste momento, estão adotando o protecionismo e a impressão de dinheiro como sua primeira linha de defesa. Tais medidas podem momentaneamente aliviar a agonia das pessoas comuns, mas é provável que apenas piorem a situação. Estamos entrando em um impasse sistêmico, cuja saída será extremamente difícil. Isso se expressará em flutuações cada vez mais selvagens, que tornarão as previsões de curto termo – tanto econômicas quanto polícia – praticamente achismo. Isso, por sua vez, agravará os anseios populares e o sentimento de alienação.

Alguns afirmam que a posição econômica relativa consideravelmente aprimorada da Asia – Japão, Coréia do Sul, Taiwan, China e, de maneira menos significativa, Índia – abrirá o caminho para um ressurgimento da empreitada capitalista, por meio de uma simples relocalização geográfica. Outra ilusão! O avanço relativo da Asia é uma realidade, mas uma que compromete ainda mais o sistema capitalista ao estender ainda mais a distribuição de valor excedente, assim reduzindo a acumulação geral de capital individual, em vez de aumentá-la. A expansão da China acelera a redução nas margens de lucro da economia-mundo capitalista.

Custos sistêmicos gerais

É neste momento que precisamos considerar as tendências seculares do sistema-mundo, em oposição aos seus ritmos cíclicos. Tais ritmos são comuns em vários tipos de sistemas, e fazem parte de seu modo de operação – é como eles respiram, podemos dizer. Mas as fases B nunca acabam no ponto em que as fases A anteriores começaram. Podemos entender cada fase ascendente como uma contribuição para curvas ascendentes de movimento lento, cada qual aproximando-se de sua própria assíntota. Na economia capitalista, não é difícil discernir as curvas mais relevantes. Posto que o capitalismo é um sistema no qual a acumulação infinita é fundamental, e dado que acumula-se capital gerando lucro no mercado, a questão chave é como produzir produtos por menos do que os preços pelos quais eles podem ser vendidos. Temos, então, que determinar tanto o que está incluído nos custos de produção quanto o que determina os preços. Logicamente, os custos de produção são aqueles com pessoal, aportes e taxações. Todos os três têm aumentado enquanto percentual dos preços atuais pelos quais os produtos são vendidos. Isso acontece apesar dos repetidos esforços dos capitalistas para forçá-los para baixo, e, apesar das ondas de avanços tecnológicos e organizacionais que aumentaram a dita eficiência de produção.

As despesas com pessoal podem, por sua vez, ser divididas em três categorias: força de trabalho relativamente desqualificada, gerentes intermediários e gestores superiores. Os salários dos desqualificados tendem a aumentar nas fases A como resultado de algum tipo de ação sindical. Quando esses aumentam de uma maneira tida como excessiva por certos empresários, em particular para as indústrias de ponta, a relocação para áreas onde os salários são historicamente menores é o principal remédio; se uma ação similar acontece na nova localização, um segundo movimento ocorre. Esses deslocamentos são custosos, mas bem sucedidos; no entanto, existe mundialmente um efeito em cadeia – as reduções nunca eliminam totalmente os aumentos. Por mais de 500 anos, a repetição deste processo exauriu os loci aos quais o capital pode se realocar. Isso é evidenciado pela desruralização do sistema-mundo.

O aumento nos custos da força de trabalho dos gerentes intermediários é o resultado, em primeiro lugar, da escala expandida das unidades produtivas, que requerem mais pessoal intermediário. Em segundo lugar, os riscos políticos da organização sindical do pessoal relativamente pouco qualificado são combatidos com a criação de uma camada intermediária maior, politicamente aliada ao estrato dominante e modelo de mobilidade ascendente para a maioria desqualificada. O aumento dos custos com gestores superiores, entretanto, é o resultado direto da complexidade crescente das estruturas empresariais – a famosa separação entre posse e controle. Isso possibilita que gestores superiores apropriem-se de porções cada vez maiores das receitas das empresas como rendimentos, assim reduzindo a parcela direcionada aos proprietários como lucro ou para reinvestimento. Esse último incremento foi espetacular durante as últimas décadas.

Os custos com aportes têm aumentado por razões análogas. Os capitalistas procuram externalizar os custos, isto é, não pagar toda a conta do manejo de resíduos tóxicos, da renovação de matéria-prima e da construção de infraestrutura. Do século XVI aos anos 1960, tal externalização de custos foi uma prática normal, pouco questionada pelas autoridades políticas. Resíduos tóxicos eram simplesmente despejados no domínio público. Mas o mundo esta ficando sem espaço público disponível – paralelamente à desrruralização da força de trabalho mundial. As consequências sanitárias e os custos ficaram tão altos e tão próximos de casa a ponto de produzir demandas por despoluição e controle ambiental. Os recursos também tornaram-se uma preocupação importante, uma consequência do aumento acentuado da população global. Existe, agora, uma discussão generalizada sobre a escassez de recursos energéticos, de água, florestas, peixes e carne. Os custos de transporte e comunicação também subiram conforme estes tornaram-se mais rápidos e eficientes. Empresários, historicamente, pagaram apenas uma pequena parte da conta da infraestrutura. A consequência de tudo isso tem sido a pressão política para que governos assumam ainda mais os custos de desintoxicação, de renovação de recursos e de expansão da infraestrutura. Para fazer isso, os governos precisam aumentar os impostos e insistir na internalização dos custos pelos empresários, o que certamente faz cortes nas margens de lucro.

Finalmente, as taxações têm aumentado. Existem diversas etapas de tributação, incluindo a taxação privada na forma de corrupção e das máfias organizadas. A tributação aumentou conforme o escopo da atividade econômica global e as burocracias estatais se estenderam, mas o ímpeto maior veio dos movimentos antissistema pelo mundo, que pressionaram por garantias estatais de educação, saúde e fluxos de renda vitalícios. Cada um destes elementos expandiu, tanto geograficamente como em termos dos níveis dos serviços demandados. Nenhum governo hoje está isento da pressão pela manutenção de um estado de bem-estar, por mais que os graus de provisão variem.

Todos os três custos de produção aumentaram de maneira estável como percentual dos preços reais de venda dos produtos, ainda que na forma de um A-B ratchet, por 500 anos. Os aumentos mais dramáticos aconteceram no período pós-1945. Não seria possível simplesmente aumentar o preço pelos quais os produtos são vendidos para que se mantenha as margens reais de lucro? Foi exatamente isso que se tentou fazer no período pós-1970, na forma de aumentos de preço sustentados pela expansão do consumo, por sua vez sustentado pelo endividamento. O colapso econômico no meio do qual nos encontramos não é senão a expressão dos limites da elasticidade da demanda. Quando todo mundo gasta muito além de sua verdadeira renda, chega um ponto em que alguém tem que parar, e rapidamente todos sentem que devem fazer o mesmo.

Lutas pela sucessão

A conjunção destes três elementos – a magnitude do colapso ‘normal’, o aumento dos custos de produção e a pressão adicional sobre o sistema feita pelo crescimento chinês (e asiático) – significam que entramos em uma crise estrutural. Este sistema está longe do equilíbrio, e as flutuações são enormes. A partir de agora, estaremos vivendo no meio de uma bifurcação do processo sistêmico. A questão não é mais ‘como o sistema capitalista irá se reconstituir e renovar seu impulso adiante?’, mas, ‘o que substituirá este sistema? Que ordem irá emergir deste caos?’

Podemos pensar neste período como uma crise sistêmica na arena da luta pelo sistema sucessor. O resultado pode ser inerentemente imprevisível, mas a natureza da disputa é clara. Somos confrontados com escolhas alternativas, que não podem ser apresentadas em detalhes institucionais, mas que podem ser sugeridas de maneira geral. Podemos escolher, coletivamente, um novo sistema que seja essencialmente semelhante ao atual: hierárquico, explorador e polarizador. Existem diversas formas nas quais isso pode acontecer, e algumas podem vir a ser mais duras do que o sistema-mundo capitalista em que vivemos. Por outro lado, podemos escolher um sistema radicalmente diferente, um que jamais existiu – um sistema relativamente democrático e relativamente igualitário. Eu tenho chamado as duas alternativas de “o espírito de Davos” e “o espírito de Porto Alegre’, mas os nomes não são importantes. O que importa é ver quais são as possíveis estratégias organizacionais em cada lado, numa luta que se desenrola de certa forma desde 1968 e pode não ter completamente terminado antes de 2050.

Devemos, primeiramente, notar duas características cruciais de uma crise estrutural. Como as flutuações são radicais, existe pouca pressão para um retorno ao equilíbrio. Durante a longa vida útil ‘normal’ do sistema, tal pressão era a razão pela qual extensivas mobilizações sociais – as ditas ‘revoluções’ – foram limitadas em seus efeitos. Mas quando o sistema está longe do equilíbrio, o oposto pode acontecer – pequenas mobilizações sociais podem ter enormes repercussões, o que a ciência da complexidade chama de ‘efeito borboleta’. Também podemos dizer que é o momento em que a agência política prevalece sobre o determinismo estrutural. A segunda característica crucial é que em nenhum dos dois campos há um grupo no topo dando as ordens: um ‘comitê executivo da classe dominante’, ou um politburo das massas oprimidas. Mesmo dentre aqueles comprometidos com a luta pelo sistema sucessor, existem diversos atores, defendendo ênfases distintas. Os dois grupos de militantes conscientes em ambos os lados também estão encontrando dificuldades em persuadir os grupos maiores que formam as suas bases potenciais sobre a utilidade e a possibilidade de organizar a transição. Em suma, o caos da crise estrutural está refletido na configuração relativamente desordenada destes dois campos.

O campo de Davos está profundamente dividido. Existem aqueles que querem instituir um sistema altamente repressivo que glorifique o papel dos líderes privilegiados sobre sujeitos submissos. Existe um segundo grupo que acredita que o caminho para o controle e o privilégio está em um sistema meritocrático que iria cooptar o grande número de gerentes necessários para mantê-lo com um mínimo de força e um máximo de persuasão. Esse grupo fala a língua da mudança fundamental, usando slogans que emergiram dos movimentos anti-sistema – um universo verde, uma utopia multicultural, oportunidades meritocráticas para todos – enquanto preservam um sistema polarizado e desigual. No campo de ‘Porto Alegre’, existe uma cisão paralela. Há aqueles que almejam um mundo altamente descentralizado, que privilegie alocações racionais de longo termo em relação ao crescimento econômico e que permita a inovação sem criar casulos de especialização que não respondam à sociedade como um todo. Existe um segundo grupo que é mais orientado a uma transformação por cima, pelos gerentes e especialistas; eles almejam um sistema tão mais coordenado e integrado, um igualitarismo formal sem inovação real. Então, em vez de uma simples batalha um a um pelo sistema sucessor, eu prevejo uma luta tripla – uma entre os dois campos principais e outra dentro de cada campo. Trata-se de uma situação confusa, moralmente e politicamente; e o resultado é fundamentalmente incerto.

Quais são os gestos práticos que qualquer um pode adotar para fazer esse processo avançar? Não existem fórmulas, apenas linhas de ênfase. Eu colocaria no topo da lista de ações que podemos tomar, no curto prazo, minimizar o sofrimento que surge do colapso do sistema existente e das confusões da transição. Isso pode incluir vencer uma eleição para obter maiores benefícios materiais para aqueles que possuem menos; conquistar maior proteção judicial e direitos políticos; adotar medidas para combater uma erosão ainda maior de nossa riqueza planetária e das condições de nossa sobrevivência coletiva. Entretanto, esses não são, em si, passos em direção à criação do novo sistema sucessor de que precisamos. É necessário realizar um sério debate intelectual sobre os parâmetros do tipo de sistema global que desejamos, e sobre a estratégia de transição. Isso requer a disposição para escutar aqueles que julgamos ter boa índole, ainda que não compartilhemos as mesmas opiniões. O debate aberto certamente irá construir uma maior camaradagem, e, talvez, evitará que caiamos no sectarismo que sempre derrotou movimentos anti-sistema. Finalmente, devemos construir, onde for possível, modos de produção alternativos, desmercantilizados. Fazendo isso, podemos descobrir os limites de muitos métodos particulares, e demonstrar que existem outros modos de garantir a produção sustentável, para além de um sistema de recompensas baseado no princípio do lucro. Além disso, a luta contra as desigualdades fundamentais do mundo – gênero, classe e raça/etnia/religião – deve ser a primeira linha em nossos pensamentos e ações. Essa é a tarefa mais difícil, posto que nenhum de nós está livre da culpa, e que a cultura mundial que herdamos milita contra nós. É preciso dizer que devemos evitar qualquer noção de que a história está do nosso lado? Temos, no melhor dos casos, 50% de chance de criar um sistema-mundo melhor do que este em que vivemos. Mas 50% é bastante. Devemos capturar Fortuna, mesmo que ela nos escape. O que cada um de nós teria de mais útil para fazer?

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