Salem H. Nasser
Folha de S.Paulo
Ao final, o vencedor levou. Mas isso não significa, necessariamente, que as instituições funcionaram.
Desde o começo das revoltas no mundo árabe, tem-se perguntado se a democracia é possível naquelas paragens.
E ainda que não seja fácil definir exatamente uma democracia ou se pode haver mais de um tipo, talvez seja seguro dizer que tem a ver com o desenho de instituições sadias e que essas funcionem de modo a reduzir o exercício arbitrário do poder.
Nos últimos dias, no Egito, as instituições do Estado tomaram decisões que evidentemente serviam a dar uma roupagem elegante ao arbítrio e aos desvios de poder.
Será uma exceção a decisão que declarou vitorioso o vencedor de fato?
A dúvida é legítima. A demora do anúncio não podia se justificar senão porque algo estava sendo cozinhado em outra cozinha e, por um bom momento, pensou-se que o candidato do regime seria declarado vencedor.
Há algumas hipóteses. Os militares talvez estivessem testando a disposição popular e a dos partidários da Irmandade para saber se passaria uma vitória de Ahmed Shafiq. Ou estavam negociando com a Irmandade e com os interessados externos, entre eles os EUA, um novo status quo de compromisso.
O fato de que um tal acordo foi costurado e era do conhecimento de muitos se fez sentir nas rápidas boas-vindas que muitos, inclusive Israel, deram ao resultado.
Aceitou-se o inevitável, mas conta-se com a capacidade dos militares de assegurar que a Presidência seja despida de poderes e, por isso mesmo, que a Irmandade fracasse na função.
Aos olhos do Ocidente, ou de parte dele, estaria assim desenhado um paradoxo, ou absurdo, do tipo que vigorou na Turquia por tanto tempo: os militares garantindo uma democracia para a qual os islamitas seriam um perigo.
Ainda assim, a chegada da Irmandade à Presidência é um evento de monumental importância.
A Irmandade, que há muito vem fazendo prova de uma crença tranquila em sua própria força, faz também os seus cálculos e acredita poder disputar o Egito com os militares e com forças externas. Tenha ou não havido um acordo que inclua a Irmandade Muçulmana, esse jogo acaba apenas de começar.
SALEM H. NASSER é coordenador do Centro de Direito Global da Faculdade de Direito da FGV (Fundação Getulio Vargas)
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