27 de novembro de 2016

Fidel Castro (1926-2016)

Fidel Castro foi um campeão dos oprimidos, mas não devemos ignorar os limites do socialismo que ele ajudou a construir.

Mike Gonzalez

Jacobin


Tradução / Fidel Castro foi indubitavelmente um grande personagem. Nos últimos e debilitados anos de vida, a presença dele ainda ressoava pela América Latina, até mesmo por gerações que não tinham vivenciado a empolgação da Revolução Cubana de 1959.

Antes da revolução, Cuba simbolizava a mais perniciosa forma de colonialismo. A guerra de independência com a Espanha foi apropriada pelos Estados Unidos, cujo governo assumiu para si a vitória e reescreveu a constituição do país recém-independente para garantir sua dominação.

O açúcar cubano foi controlado pelos interesses imperialistas que mantiveram a condição de subserviência do país. A sua cultura – a voz dos escravos que se recusaram a serem silenciados – foi esvaziada e oferecida para o consumo de turistas.

Tudo terminou em primeiro de janeiro de 1959. Um Estados Unidos confiante de sua supremacia global foi desafiado por uma pequena ilha caribenha; e todos os países colonizados, todos os movimentos de liberação nacional que lutavam contra a opressão imperialista, ergueram-se e celebraram. O gigante aparentemente tinha pés de barro, no final das contas.

Repetidamente, Fidel Castro se recusou a se render a ameaças e chantagens. Era essa recusa que explicava a fúria e raiva cegas dos seus inimigos. Governos republicanas e democratas mantiveram o embargo à Cuba por seis décadas, realizando discursos enraivecidos pela incapacidade de acreditarem no próprio fracasso em derrubar o socialismo numa pequena ilha.

Foi, é claro, a resistência coletiva que frustrou a invasão apoiada pelos EUA à Baía dos Porcos em 1961. A Crise dos Mísseis de 1962, todavia, mostrou à liderança em Havana que o apoio soviético era condicional e que Cuba era uma pequena peça no jogo de poder global. Ao se distanciar brevemente de Moscou, o país ingressou na sua fase mais radical, unindo-se às lutas por libertação do Terceiro Mundo em uma frente ampla que se estendia da América Latina ao Vietnã. Esse foi o instante em que Cuba inspirou e simbolizou a ascensão dos oprimidos, simbolizada pela imagem de Che Guevara.

A morte de Guevara em outubro de 1967 na Bolívia, todavia, deixou a revolução em uma encruzilhada. Além disso, no Perú, na Guatemala e na Venezuela, as tentativas de repetir a experiência cubana falharam com consequências desastrosas. Sempre preocupado primeiro e acima de tudo com a sobrevivência de uma Cuba sob um isolamento cruel e enredada nas próprias limitações econômicas, Fidel abriu mão da guerrilha como estratégia.

Um ano depois, o fracasso da colheita de açúcar de 1969 em produzir 10 milhões de toneladas (como era inevitável) marcou o fim de um ciclo. Dentro de um ano, Cuba caiu completa e definitivamente nos braços da União Soviética e passou a fazer, publicamente, parte da estratégia soviética de alianças e concessões para o Terceiro Mundo. Quando Fidel visitou o Chile, os futuros apoiadores de Pinochet foram às ruas bater panelas em protesto, embora ele estivesse lá para parabenizar Allende pela sua vitória eleitoral e pelo avanço da sua caminhada parlamentar rumo ao socialismo.

Depois da invasão à Baía dos Porcos, Castro declarou que a revolução era socialista. Apesar de o próprio Fidel ter um passado militante no nacionalismo radical, seu anúncio foi o reconhecimento tanto da dependência econômica de Cuba em relação à União Soviética como do papel que o recém refundado Partido Comunista desempenharia no seu futuro.

Nesse contexto, o socialismo era entendido como um Estado forte e centralizado na mesma linha do modelo soviético. Isso coincidia com a visão tanto de Castro como de Guevara de como as revoluções eram vencidas: pelas ações de pequenos e dedicados grupos de líderes revolucionários que agiriam em nome dos movimentos de massa.

Quando os soviéticos invadiram a Checoslováquia em 1968, Castro apoiou a iniciativa, confirmando mais uma vez a dependência de Cuba da União Soviética e a natureza do novo Estado logo em seguida à morte de Che. Mas, no sul da África, o país firmou a sua própria e ousada política internacional.

Durante os anos 70, o papel desempenhado pelas forças cubanas foi fundamental para derrotar as insurgências de direita e manter a reputação anti-imperialista de Castro. Poucos questionam a contribuição delas para o fim do apartheid. Entretanto, no Corno da África, as tropas cubanas defenderam governos aliados aos interesses soviéticos na região que reprimiram brutalmente movimentos internos de libertação.

Fidel nunca foi um subordinado dócil. Ele usou seu carisma extraordinário e influência política para enviar advertências ocasionais a Moscou, de um lado, e reforçar seu controle pessoal do Estado, de outro lado. Os sobreviventes da guerrilha que chegaram no “Granma” em 1956 e derrubaram a ditadura de Batista permaneceram, em geral, no centro do poder pelas cinco décadas seguintes.

O socialismo adotado por Castro tinha pouco semelhança à “autoemancipação da classe trabalhadora” de Marx. Foi um socialismo com uma estrutura de comando bem parecida com a da guerrilha na qual Fidel era o líder supremo. O que o preservou foi a incontestável autoridade de Fidel e a implacável hostilidade dos Estados Unidos, que não somente tentaram assassiná-lo centenas de vezes, mas estavam dispostos a fazer o povo cubano passar fome para colocá-lo em um estado de submissão.

Nessas difíceis condições, o sistema que os revolucionários construíram teve ganhos reais. Os mais celebrados foram os eficientes e universais sistemas de saúde e educação. Fora isso, a vida diária já era dura mesmo antes de a ilha ser deixada à beira de um desastre pelo fim da ajuda soviética e do “período especial” que a seguiu.

Somente a solidariedade e o sacrifício coletivos evitaram o colapso nessa época. Entretanto, já existia descontentamento significativo expressado, por exemplo, pela ociosidade, pela resistência no ambiente de trabalho e pela desilusão de veteranos da África, à medida que várias expectativas da revolução se provavam ilusórias. Embora existisse assistência social básica, havia pouco em termos de bens de consumo, e todo tipo de dissidência era tratado com severidade.

A extrema concentração do poder – os principais órgãos do Estado eram administrados por duas dúzias de líderes “históricos” sob o controle de Fidel – no topo da pirâmide sufocava qualquer possibilidade de um socialismo democrático. As instituições políticas eram controladas em todos os níveis; órgãos locais, como os Comitês para a Defesa da Revolução, vigiavam os dissidentes. Nas ocasiões em que o descontentamento se tornou barulhento demais, centenas de cubanos foram despachados para Miami em meio a marchas clamorosas que denunciaram os que partiam como “escória”.

Era relativamente simples classificar as reivindicações por democracia de críticos internos como propaganda imperialista, ao invés de demandas legítimas de trabalhadores, que, em um socialismo que merecesse esse nome, deveriam ser os sujeitos das suas próprias histórias. A única fonte de informação do público era o impenetrável jornal estatal Granma; e as instituições estatais de todos os níveis eram pouco mais que canais para divulgação das decisões do líder.

Uma burocracia opaca, responsável somente perante si mesma, com acesso privilegiado a bens e serviços, tornou-se cada vez mais corrupta no contexto de uma economia reduzida aos mantimentos mais básicos. Os clamores ocasionais de Castro por “correção” removeram alguns indivíduos problemáticos, mas deixaram o sistema intacto.

Entretanto, Cuba sobreviveu em boa parte devido aos instintos políticos aguçados de Fidel e a sua disposição em achar aliados em qualquer canto que pudesse logo após a queda da Europa oriental. Mas, embora os líderes da “onda rosa” celebrassem o legado de Fidel, à proporção que o século XXI nascia, os novos movimentos anticapitalistas, com a importância que deram a democracia e participação, tinham pouco a aprender com Cuba.

A realidade foi, no final das contas, que a ilha constituiu palco de uma interpretação autoritária do socialismo, que, em determinado momento, permitiu a repressão da população gay, a rejeição a qualquer crítica e a emergência do regime que agora prepondera em Cuba, onde um pequeno grupo de burocratas e comandantes militares administram e controlam a economia. Eles serão os beneficiários da reentrada de Cuba no mercado mundial, não a maioria dos cubanos.

Fidel se manifestou relativamente pouco a partir do momento que adoeceu, em 2006. Sua morte será lamentada por todo o Terceiro Mundo, porque Cuba representou, durante muito tempo, a possibilidade de emancipação perante a opressão imperial. Sua própria sobrevivência gerou esperança. No entanto, o Estado que Castro ajudou a construir é uma lembrança de que qualquer socialismo que honre o próprio nome precisa de uma democracia profunda e radical.

Colaborador

Mike Gonzalez foi professor de estudos latino-americanos na Universidade de Glasgow. Ele é autor do recente livro Hugo Chávez: socialismo para o século XXI, publicado pela editora Pluto Press.

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