7 de maio de 2022

Mosaico lulista investe em nostalgia, polarização e aceno a jovens

Evento mostra amplitude da candidatura, mas agora é preciso transformar gama de apoios em campanha coerente

Fábio Zanini


O ex-presidente Lula (PT) durante ato de lançamento de sua pré-candidatura, em São Paulo - Marlene Bergamo/Folhapress

Amigo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) há 50 anos, o ex-sindicalista Djalma Bom empunhava uma bandeirinha com a imagem do pré-candidato a presidente, mas a empolgação do momento não disfarçava a estranheza com o que presenciava.

"Acho que não vale tudo para tirar o Bolsonaro. O que mais me preocupa é não termos um programa de governo que realmente signifique mudança na economia", disse. A referência, obviamente, era à presença do vice na chapa, o ex-governador tucano Geraldo Alckmin, atualmente no PSB.

O desconforto de Bom com a "geringonça" lulista certamente não era algo isolado no centro de convenções lotado que recebeu o lançamento oficial do petista para a Presidência, mas o recado do evento era claro.

O caráter de mosaico ficou bem retratado. Em alguns aspectos, o local assemelhava-se a um desfile de escola samba, com alas bem definidas: dos petroleiros vestidos de laranja aos integrantes do Levante Popular da Juventude de preto, passando por ambientalistas de verde e diversos tons de vermelho.

A campanha de Lula ainda está se estruturando, sem coordenação e com uma equipe de comunicação que está sendo reconstruída aos trancos e barrancos. Mas já foi possível identificar três eixos da candidatura do ex-presidente.

O primeiro é o tom passadista, ou, visto de outra forma, nostálgico. Isso incluiu as referências a campanhas antigas e aos governos de Lula. Também foram fartas as menções à prisão do ex-presidente, transmutada agora em uma espécie de mito fundador da atual candidatura.

Outro é a aposta total na polarização com Bolsonaro. Como disseram o próprio Lula e Alckmin, não há terceira via, apenas a disputa de dois projetos. Ambos fizeram pedidos explícitos para que outras forças políticas de oposição, especialmente as de centro, se somem à aliança contra o atual presidente.

Um filme exibido no telão deixou isso claro, com a tela dividida ao meio entre referências a Bolsonaro, como desemprego, descaso e morte, e pontos associados a Lula, como comida, educação e vida.

Por fim, houve o reconhecimento tácito de que Lula está atrasado na incorporação de novos públicos no debate político. Agregar jovens, sobretudo, é uma palavra de ordem, o que ficou evidente no fato de influenciadores digitais terem sido anunciados ao microfone ao lado de medalhões da política, cultura e academia.

Também houve um aceno especial às mulheres, eleitorado em que Bolsonaro tem dificuldade e que pode ser a chave para a vitória do petista. Falando por videoconferência em razão de ter contraído Covid-19, Alckmin mostrou que está bem adaptado ao novo ambiente ao saudar as mulheres por meio de uma menção à ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Como bônus, ajudou a quebrar uma parte da resistência dela à aliança, ainda resquício do seu processo de impeachment, que foi apoiado pelo então tucano. Seu discurso caloroso de defesa de Lula conseguiu evitar que houvesse vaias.

Agora com o petista oficialmente com a roupa de candidato, a campanha entra em sua fase mais delicada, a de construção de programa de governo, definição de prioridades e de tom do discurso.

Numa aliança tão heterogênea, que une dos antigos pelegos da Força Sindical a ex-tucanos e a esquerda raiz do PSOL, formatar algo minimamente coerente será uma façanha. Para o PT, especialmente, será desafiador perder o vício da hegemonia e deixar os aliados terem algum papel real.

Em seu discurso, Lula parecia responder a seu velho amigo Djalma Bom quando disse que era preciso "jogar todas as fichas na aliança" –ou seja, de que, sim, vale tudo contra Bolsonaro.

O fato de o pronunciamento ter sido lido tirou um pouco da temperatura do evento, e algo raro pôde ser visto: pessoas em conversas paralelas enquanto o ex-presidente falava a um microfone.

No geral, no entanto, o evento conseguiu transmitir a ambiciosa obra de arquitetura política que se apresenta para a eleição. A partir de agora, ela terá de provar que não é apenas um catado de antibolsonaristas.

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