23 de junho de 2025

A herança custosa de Xi Jinping

Como as dificuldades de seu pai definiram o líder da China – e o país que ele governa

Joseph Torigian


O líder chinês Xi Jinping e seu pai, Xi Zhongxun
Ilustração da Foreign Affairs. Fonte da foto: Reuters

Em 1980, Xi Zhongxun, um importante peso-pesado do Partido Comunista Chinês e pai do atual líder chinês Xi Jinping, visitou uma das principais atrações turísticas do centro-leste de Iowa: as Colônias Amana, um patrimônio histórico alemão fundado com base em princípios comunitários, agora conhecido por sua cerveja e artesanato. A experiência o abalou. Aos 67 anos, Xi liderava uma delegação de governadores provinciais aos Estados Unidos. Foi um momento histórico na abertura da China aos negócios e investimentos ocidentais. Xi, como líder da província de Guangdong, no sul do país, estava na vanguarda desse processo. Guangzhou, a capital da província, acabara de presenciar a inauguração do primeiro consulado americano fora de Pequim. Xi também estava lançando as Zonas Econômicas Especiais – áreas projetadas para atrair empresas estrangeiras – que simbolizariam o novo relacionamento da China com o mundo exterior.

Os americanos do Comitê Nacional de Relações EUA-China, que participaram da viagem, lembravam-se de Xi como um homem amigável e carismático, o tipo de pessoa que se certificava de que seus tradutores tivessem um copo d'água. No entanto, ele às vezes ficava quieto, como se estivesse preocupado, e podia parecer reservado e distante.

Isso mudou nas Colônias Amana. Segundo uma pessoa presente, Xi ficou encantado ao ouvir o guia turístico. Sua reação foi tão forte que pareceu que ele "se tornou uma pessoa diferente", segundo um funcionário do serviço exterior dos EUA.

Essa mudança provavelmente ocorreu porque Xi viu no patrimônio histórico uma possibilidade assustadora. Ali estava uma comunidade construída sobre princípios coletivos e utópicos que, 88 anos após sua fundação, havia decidido se dissolver. Em outras palavras, era uma história sobre como uma sociedade comunista havia se reduzido a um destino turístico.

Na época, alguns anos após a morte de Mao Zedong, Xi e seus camaradas temiam que o que haviam construído com todos os seus sacrifícios não perdurasse. Da posição de Xi como governador de Guangdong, a situação não era boa. Dezenas de milhares de pessoas estavam fugindo da pobreza do continente comunista para a Hong Kong capitalista. Novos laços econômicos com o exterior poderiam ajudar a conter a maré e gerar prosperidade, mas os temores de infiltração ideológica ocidental eram especialmente palpáveis ​​em Guangdong, devido à sua proximidade com a colônia britânica. Jovens em Guangzhou estavam indo às ruas para exigir que o partido avançasse mais rapidamente na nova direção de "reforma e abertura". E embora o mandato caótico de Mao tivesse alertado o partido sobre os perigos do governo autoritário e a explosividade da política de sucessão, um novo autocrata em Pequim, Deng Xiaoping, estava usando meios maquiavélicos para derrotar o sucessor inicial de Mao, Hua Guofeng, mais voltado para o consenso.

Logo após sua viagem aos Estados Unidos, Xi mudou-se para Pequim para assumir uma posição de destaque no Secretariado, o "cérebro" do partido. Isso o colocou no centro dos debates sobre como salvar a revolução.

Seu filho, Xi Jinping, herdou essa missão. Inspirado pelo pai, o filho sonha com nada menos do que quebrar os ciclos de colapso dinástico que marcaram a história chinesa por milênios. E ele quer alcançar isso por meio da "autorrevolução" contínua, uma campanha que visa manter vivo o espírito revolucionário, convocando o povo chinês a estudar continuamente a vida da geração fundadora.

Ao traçar o partido e o caminho futuro do país, ele sem dúvida se inspira nas lutas de seu pai durante as convulsões que abalaram a China no século XX. Um exame atento da vida de Xi Zhongxun revela os profundos desafios que marcaram a política partidária desde o início, em particular em termos dos dilemas impostos pelo papel da ideologia na vida política chinesa e pelos planos de sucessão do partido. São dilemas que podem ser administrados, não problemas a serem resolvidos. E fornecem um contexto essencial para entender o que Xi Jinping está tentando alcançar hoje e se terá sucesso no futuro.

THE STRUGGLE IS REAL

The elder Xi endured extraordinary suffering for the sake of the cause, at the hands of both Nationalist foes and the Communists themselves. His travails simultaneously reveal the dangers of taking ideology too seriously and not seriously enough. After his release from a Nationalist prison when he was 15 years old, Xi did not rekindle his enthusiasm for revolution by reading Karl Marx. As he later told his son, it was a novel, The Young Wanderer, by Jiang Guangci, that he found most inspiring. Its protagonist endures one disaster after another and concludes that “the more pain that evil society brought me, the more powerfully did my resistance develop.”

Xi, then, was sensitive to the importance of cultural products for the communist cause. In 1952, he became minister of propaganda. He was tasked with educating a country of hundreds of millions of people about communism and why they should sacrifice to build it.

But ideology not only motivated Xi and helped him explain why the party deserved devotion. It also nearly got him killed. When the party persecuted him, which it did on numerous occasions, it was because differences of opinion were understood as manifestations of ideological heresy. That is why even though it was a novel that inspired Xi to stay with the revolution in 1928, it was yet another novel, Liu Zhidan, that got him purged in 1962. Mao concluded that Xi’s decision to allow a woman cadre to write the book—a fictionalized narrative of a leading revolutionary from the Northwest—was a manifestation of “class struggle.” Xi was dispatched into the political wilderness for 16 years.

His fall foreshadowed one of the great tragedies of Chinese history: the Cultural Revolution. During those frenzied years in the 1960s and 1970s, authorities banished Xi from the capital and subjected him to solitary confinement and physical abuse. After Mao’s death in 1976, leaders recognized that the Cultural Revolution was such a failure that the party would have to change in its aftermath. When Xi returned to work in Beijing in 1981, he faced a new question: how to maintain a sense of idealism and conviction when no one could explain what communism really was anymore, a reality that even Xi acknowledged.

O velho Xi suportou sofrimentos extraordinários em prol da causa.

Xi knew that achieving greater economic development would give the party the legitimacy it desperately needed. Yet he was also afraid of what might happen if that new economic model caused people to lose faith in the party’s ideological commitments. He worried about how China would change with the arrival of Western investment, the introduction of market mechanisms, and the use of material inducements to encourage hard work. Xi wanted to give space to new voices that could justify the party’s new economic direction, or even provide new ideas about how to achieve limited political reforms, but he was afraid of chaos and wanted the loudest critics to stop creating problems for him. There was always the risk that he could be associated with more strident calls for change and earn the ire of his superiors. It was a recipe for confusion and dysfunction. Throughout the 1980s, the party regularly launched crackdowns that raised fears of another Cultural Revolution and then rapidly pulled back when the campaigns threatened economic growth.

Finally, there were consequences for the party elite itself. In 1987, after student protests, Deng purged General Secretary Hu Yaobang from the leadership. The party accused Hu of “bourgeois liberalization.” Xi, his close associate, was said to have “gone even further” than Hu, according to Yang Shangkun, a Politburo member. Xi hated the charges. He knew that Hu never opposed Deng. The real problem was that balancing reform and opening with conservative principles had proved to be a near-impossible task. And Hu and Xi were blamed when the contradiction became too obvious to ignore.

Xi Jinping faces the same problem of balancing growth with ideology that his father did, but he has his own approach to solving it. The son clearly cares about economic development. Yet he is also preoccupied with instilling a sense of idealism and conviction in both the party and the rest of the Chinese population. He believes that the party should avoid the extremism of the Mao era but also needs to reinvigorate its members with a call to struggle and vigilance. He has tried to avoid the dramatic zigzags that marked the Deng period even as he has attempted to be flexible with limited course corrections.

The problem for him is that the “struggle” he demands of his people is an inherently ambiguous notion. Too much and too little are both dangerous. As the economy slows down, the challenge of meeting the material needs of China’s population while pursuing strategic and ideological goals is likely to get worse. Xi Jinping’s “middle path” approach could achieve the best of both worlds by using growth to facilitate greater security and stability (and vice versa), or it could simply be a recipe for muddling through.

THE HARDER THEY FALL

Party leaders might have done a better job with thorny ideological debates if they had evaluated different approaches dispassionately. But the problem was that ideology mixed with another issue, the most explosive one in the history of the party: succession politics.

And no one witnessed the pathologies and dangers of succession politics more closely than Xi Zhongxun. Xi served premier Zhou Enlai in the 1950s and early 1960s and then General Secretary Hu Yaobang during the 1980s. In other words, he witnessed firsthand the relationships between the Chinese paramount leaders Mao Zedong and Deng Xiaoping and their most significant deputies.

Xi would have seen how party politics at the very top was about much more than executing the senior leader’s wishes. The implementers were told to pursue multiple goals at the same time without clear guidance about which mattered more or how to achieve them. Commands would often include two contradictory orders separated by a “but”: make sure the campaign is thorough, they were told, but avoid going too far too fast. If they went too far in one direction, either to the “left” (too radical) or to the “right” (too cautious), they could face charges of ideological heresy. Setbacks might mean losing authority to someone else.

As paramount leaders, Mao and then Deng were often distant, vague, mercurial, and suspicious. If a deputy reported too much to them, they could feel overwhelmed and bogged down by details. But not enough communication could lead them to suspect that underlings were trying to run the country themselves. Private, frank meetings between leaders and their lieutenants were extremely rare, and even then there was no guarantee that they would reach a durable understanding. When deputies got it wrong, their bosses stripped them of power—or worse.

Ninguém testemunhou os perigos da política de sucessão mais de perto do que Xi Zhongxun.

This was an almost impossible situation for deputies to navigate. Xi watched as Mao regularly humiliated Zhou Enlai. On one occasion in 1958, Zhou, after an excruciating self-criticism that lasted several hours, plaintively admitted to Xi that Mao had criticized him once again. Xi promised to share the blame with Zhou. He was shaken by how the experienced Zhou, who understood Mao better than most, could nevertheless face devastating setbacks.

Xi thought Mao’s personality cult during the Cultural Revolution was disastrous. He was thus disappointed as Deng became another despot over the course of the 1980s. Xi suggested to Hu that he should speak to Deng more to make sure they understood each other. But Hu thought he had Deng’s complete trust. He was wrong. When Deng said that he was planning to retire in 1986, Hu made a fatal mistake. He agreed that Deng should go, which in turn led Deng to conclude that Hu was eager to push him out. And so Hu was booted out. In the aftermath, it became clear to Xi that the party was less inclined to resolve the problems inherent in its leadership system than it was to repeat them.

Like Mao and Deng before him, Xi Jinping has arrogated to himself great power. His model of rule makes some sense given his father’s experiences. If the jealousies and insecurities that come with succession politics are dangerous, then it is no surprise that Xi has not picked a successor. A named successor might create more than one center of authority in the party, and Xi does not want to risk the instability that might result if he has to purge such a figure. If too much daylight between a leader and his deputies is a problem, then we can understand Xi’s decision to concentrate control in his own hands, as he did when he undermined Li Keqiang, the premier at the time, by restricting Li’s latitude to make decisions about the economy.

Yet those are only temporary solutions. Sooner or later, Xi will be tempted to pick and test a successor. As he ages, he may lose energy and want to focus on bigger issues, which will mean delegating more authority to others. The same problems that tormented his father could reappear.

FATHER AND SON

At the twilight of his career, in 1990, just a few months after the People’s Liberation Army massacred many of the young protesters who had called for change in Tiananmen Square, Xi Zhongxun assumed one of his last titles: co-chairman of the Care for the Next Generation Committee. It was a fitting coda to a life that had been marked by constant worry about an existential question: Would younger and future generations accept the continuing legitimacy of the Chinese Communist Party?

For Xi, of course, it was not just a professional concern but a personal one, too. He wanted his children to be just as dedicated to the cause as he was. He regaled them with stories of the revolution to inspire them and imposed brutal discipline to familiarize them with collective values.

Yet his children saw something else, as well. They saw how the party that Xi served executed policies that brought tragedy to the Chinese people. They saw the humiliation, persecution, exile, and incarceration to which the party subjected Xi. And they saw the guilt and shame he experienced as both a victim and a victimizer. They witnessed the same tragedy but lived very different lives. One of Xi’s children, Heping, committed suicide during the Cultural Revolution. Another came to associate with veteran pro-reform officials and intellectuals. Others made a lot of money in business ventures.

Os filhos de Xi viram como o partido ao qual ele serviu trouxe tragédia ao povo chinês.

Even Xi Jinping has admitted that the torment he experienced as a young person led to doubts about the state and the party. Indeed, he was convinced that his ordeal was worse than what many others endured during the Cultural Revolution, since he was the son of a leader who had been purged earlier than most senior revolutionaries. Nevertheless, he has spoken with great pride of the toughness these horrific experiences inculcated in him. And he has asserted that his ideals and convictions are unshakable precisely because he went through a period of confusion before recognizing that only the party’s path was the right one.

Instead of turning him away from the party, these experiences seem to have led Xi to subscribe to a cause for which his father suffered so much and to seek to regain pride and legacy for a family that had been humiliated so many times. With that in mind, he followed his father into politics. But will future generations feel the same way as their parents? Xi believes that China’s Western adversaries want to instigate young people today to demand radical political change. To combat this danger, Xi hopes to inspire China’s youth with a mission of national rejuvenation, of sacrifice, of “eating bitterness” for the greater good.
Some will inevitably be proud to accept that task. But others may hear Xi Jinping’s call not as a rallying cry but as a weary echo of the past. Many young Chinese people might be more interested in living less ardent lives than what Xi demands of them. The Xi family story raises questions about just how these young people can be won over. A message of suffering and struggle can indeed be meaningful for some—but for others, it may only lead to alienation.

22 de junho de 2025

A Guerra dos Estados Unidos com o Irã

O que vem depois dos ataques dos EUA

Ilan Goldenberg

Foreign Affairs

O presidente dos EUA, Donald Trump, anunciando ataques ao Irã, Washington, D.C., junho de 2025
Carlos Barria / Reuters

Os Estados Unidos atacaram o Irã. Poucos dias após sugerir que poderia adiar qualquer ação militar americana por semanas, o presidente americano Donald Trump anunciou em 21 de junho que aeronaves americanas atingiram três instalações nucleares iranianas, incluindo a instalação profundamente enterrada em Fordow. Autoridades iranianas confirmaram a ocorrência dos ataques. Embora Trump tenha insistido que as instalações foram "obliteradas", ainda não está claro quais danos os ataques causaram.

Está claro, no entanto, que com esta intervenção americana, a guerra que Israel lançou contra o Irã há mais de uma semana entrou em uma nova fase. Os eventos podem tomar várias direções. O ataque americano pode, de fato, levar à capitulação iraniana em termos amigáveis ​​a Israel e aos Estados Unidos. Mas é igualmente ou até mais provável que arraste os Estados Unidos ainda mais fundo na guerra, com consequências profundamente negativas. O Irã quase certamente buscará alguma forma de retaliação, talvez atacando bases americanas próximas e potencialmente matando soldados americanos. Isso pode levar a uma escalada cada vez maior, com efeitos devastadores para a região e o envolvimento americano em uma guerra que poucos americanos desejam.

THE IRANIAN RESPONSE

More than a week into the war, Israel had refrained from striking one of Iran’s most critical nuclear facilities at Fordow—a facility that before the war began had enough enriched uranium and centrifuges to quickly produce material for multiple nuclear weapons. That wasn’t because Israel didn’t want to level Fordow but because it couldn’t. The facility is burrowed so deep underground that only bunker-busting Massive Ordnance Penetrator bombs, which the United States has but Israel does not, could destroy the facility. Any hope of making it impossible for Iran to quickly rush to a nuclear weapon required either the destruction of Fordow or an agreement by Iran to disassemble much of the facility. Ultimately, Trump grew impatient with the diplomatic option and chose to foreclose the possibility of a hurried Iranian nuclear breakout by joining the war and bombing facilities at Fordow, Natanz, and Isfahan.

Washington has suggested that it communicated to Tehran that the strikes would mark the extent of American involvement as long as Iran refrained from retaliating. Trump probably hopes that the United States can absorb limited Iranian retaliation and try to stay out of deeper involvement in the war. Such a ploy could work, but it is incredibly risky.

In the aftermath of this strike, Iran’s most likely response will be to attack U.S. bases in the Arabian Peninsula or in Iraq just as Iran did in response to the American strike that killed the Iranian military leader Qasem Soleimani in 2020. Under siege from two powerful adversaries, Iran’s leadership may choose to launch a limited number of missiles at U.S. bases, just as it did in 2020. This response would certainly run the risk of killing American forces. U.S. forces could emerge from such an assault mostly unscathed, since the U.S. military has likely already moved many of its troops away from its bases near Iran, while adding extra missile defense assets to defeat an Iranian attack. If American casualties are limited, Trump can repeat the playbook of 2020 and the United States can choose to stand down.

Another possibility, however, is that Iran could launch a much more comprehensive attack against U.S. forces in the Middle East that could result in significant casualties and draw the United States into a protracted war. Iran’s leadership may have learnt the lesson from Trump’s actions earlier this year in Yemen, where he escalated the military campaign against the Houthis only to back off a month later when American attacks failed to show results. Persistence and aggression, Tehran could reason, are the best way to get Trump to back down. Although Israel has significantly degraded Iran’s longer range missile capabilities, it’s unclear what damage has been done to Iran’s stock of shorter range missiles that could reach U.S. bases in Bahrain, Iraq, Kuwait, Qatar, Saudi Arabia, the United Arab Emirates, and elsewhere.

O Irã buscará alguma forma de retaliação.

Accidents and miscalculations could make things much worse. Iran could attempt to pursue a more limited missile response but end up stumbling into “catastrophic success” when one missile breaches American defenses and causes much more damage than the Iranians were expecting, in the process drawing the United States deeper into the conflict.

Iran’s other significant retaliatory capability is its fleet of small boats, which when dispersed are difficult to defeat and could start dropping mines in the Strait of Hormuz or attempting suicide bombing attacks against U.S. ships. This course of action could block roughly one third of the world’s oil trade, causing a spike in prices that could set off a global recession. If Iran were to go down this path, only the U.S. navy could reopen the Strait of Hormuz and a significant naval war would ensue, with U.S. ships and planes battling Iranian ships and coastal defenses.

To be sure, Iran would think twice before closing the Strait of Hormuz. The countries that would suffer the most pain from such an action are China—the largest purchaser of Gulf oil—and the Gulf states themselves. Iran’s entire strategy over the past few years has been to build better relations with both China and Gulf countries in order to end its diplomatic isolation. Going after oil shipping would leave Iran very much alone, which is why even now world oil markets view this as a relatively low probability, pricing in only a 10 percent increase in the global oil price since fighting started on June 13.

It is entirely plausible that in the aftermath of these U.S. strikes, the situation does not escalate. Iran could launch a limited number of missiles at U.S. targets that cause few or no casualties. Trump chooses to take the Iranian strikes and ends the cycle of escalation, and Israel, satisfied with the outcomes of the war, also holds back. Given the number of variables, however, much will depend on the wisdom and restraint of Trump, Israeli Prime Minister Benjamin Netanyahu, Iranian Supreme Leader Ali Khameini, and the people around them. And that does not bode well in the short or long term.

THE TROUBLES TO COME

In the long term, the outcomes from the decision to strike Iran are hugely uncertain. It is highly implausible that, as some in Israel and the United States hope, these attacks will precipitate the collapse of the Iranian regime. The regime still has the guns and there is no ground force coming to invade Iran and topple the Islamic Republic. This isn’t Bashar al-Assad’s Syria, a country that was ravaged and hollowed out by a decade of civil war before the regime collapsed in December 2024. And even if the conflict and the death of so many senior Iranian officials does by some chance cause the regime to crumble, the instability and violence that would come with it would be unlikely to produce a democracy and could instead lead to a more radical leadership or a dangerous vacuum.

The best-case scenario is that more moderate voices inside the regime such as Iranian President Masoud Pezeshkian, former President Hassan Rouhani, and others of their reformist ilk win an internal power struggle and conclude that Iran needs to change course. They could insist that the nuclear program and the country’s support for proxies across the Middle East were expensive and misguided boondoggles that have brought only misery to Iran. They would accept a deal similar to the one Hezbollah accepted last fall—a ceasefire on Israeli and American terms.

But Iran is not Hezbollah. It is a country of 90 million people. Its government is likely to be much more resilient. The more likely scenario is akin to what happened to Saddam Hussein’s Iraq after the first Gulf War. What will be left in Iran is a weakened regime, but one that is more radicalized, hostile to the United States, and willing to take risks.

In this scenario, Iran will certainly attempt to obtain a nuclear weapon. Given the blows already delivered to Iran’s program and its resources, it is unclear how long this would take. Saddam failed to develop a bomb in the 1990s, although Iraq’s program did not have nearly the same level of know-how and capacity as Iran’s does today. And with the International Atomic Energy Association unlikely to regain access to Iran and monitor what happens to Iran’s nuclear program in the aftermath of the war, it is possible an Iranian regime could pick up the pieces and get to a bomb in a couple of years. To be sure, American and Israeli intelligence will certainly keep a close eye on developments in any iteration of a postwar Iran.

Esses ataques provavelmente não levarão ao colapso do regime.

Iran may also pursue other means of retribution, including terrorist attacks on American facilities all over the world. These could include targeted assassinations, such as those the Iranians have already attempted since the killing of Soleimani or as Saddam attempted against President George H. W. Bush after the first Gulf War.

Another danger is that with a more desperate and radicalized Iranian regime, its conflict with Israel could go on in perpetuity. As evident in Gaza, Ukraine, and during the first Iran-Iraq war, it’s much easier to start a war than to end one. For months or even years, Iran could regularly send small missile salvos into Israel and Israel could continue with air strikes on Iran. The United States would largely stay out of such a conflict, apart from providing Israel with defensive support. But this war would be horrible for civilians caught in the middle.

For a superpower like the United States, threats from a weak Iran will be manageable but come at a real cost. They will demand a lot of time and attention from senior American leaders as well as military resources and investments in the Middle East that would otherwise be focused on other theaters. They could also carry notable second order effects. In the aftermath of the Gulf War, the large U.S. military footprint in the Middle East became a rallying cry for al-Qaeda and played a role in the events that ultimately led to the 9/11 attacks.

Finally, if the conflict escalates and the United States finds itself drawn further into the war and again bogged down in the Middle East, the American relationship with Israel could greatly change. In the aftermath of the American invasion of Iraq, blaming Israel for encouraging the U.S. intervention was the realm of fringe conspiracy theorists. However, if the United States gets drawn into a war that most Americans do not believe the country should enter, and it goes badly, the American public will justifiably blame Israel. Already, on the American left, Israel’s conduct in Gaza has dramatically reduced support for the U.S.-Israeli alliance, and an intense debate is now happening on the right about U.S. foreign policy, most notably evidenced by the contentious exchange between the political commentator Tucker Carlson and U.S. Senator Ted Cruz about support for Israel and the decision to go to war in Iran.

PROBABILIDADES ACUMULADAS

Esses ataques podem dar certo. Nos próximos dias ou semanas, o Irã pode ser forçado a aceitar termos favoráveis ​​a Israel e aos Estados Unidos, e a guerra pode terminar rapidamente. Mas o histórico de intervenções militares americanas no Oriente Médio e a natureza da guerra ao longo da história humana mostram que o envolvimento americano acarreta um risco tremendo. A melhor e mais duradoura opção para os Estados Unidos, desde o início, era buscar um acordo diplomático que restringisse comprovadamente o programa nuclear iraniano. Infelizmente, após os eventos de hoje, essa opção é muito menos provável.

21 de junho de 2025

Livro mostra por que esquerda e direita ignoraram a desigualdade por décadas

Branko Milanovic repassa a história da modernidade sob o ponto de vista da concentração de renda

Celso Rocha de Barros
Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra), autor de "PT, uma História" e colunista da Folha


Ilustração de Adams Carvalho - Adams Carvalho

[RESUMO] Um dos mais brilhantes economistas da atualidade, o sérvio-americano Branko Milanović examina em seu novo livro as obras de seis autores clássicos de diferentes vertentes (como Adam Smith e Karl Marx) sobre a desigualdade de renda. Nessa viagem de mais de dois séculos, da Revolução Francesa ao fim da Guerra Fria, ele analisa as visões de cada época a respeito da concentração de riquezas, retrata o nascimento, o posterior ostracismo e o atual ressurgimento desse debate e lança perguntas oportunas sobre as turbulências de hoje.

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Em "Visões da Desigualdade: da Revolução Francesa ao Fim da Guerra Fria", o economista Branko Milanović promete uma história intelectual a respeito do tema através das obras de seis autores clássicos: François Quesnay, Adam Smith, David Ricardo, Karl Marx, Vilfredo Pareto e Simon Kuznets.

Na verdade, o livro entrega muito mais do que isso. Primeiro, porque uma boa história intelectual é também uma boa história dos problemas sociais concretos que os autores analisados tinham diante de si. Segundo, porque Milanović nos mostra que esses problemas são extremamente atuais.

O livro acaba sendo uma história da modernidade sob o ponto de vista da desigualdade. Nos estudos pioneiros de Quesnay ainda vemos as classes do Antigo Regime, mas também já temos uma perspectiva tecnocrática característica do Estado Moderno, importantíssima para a história da economia.

Branko Milanović, economista sérvio-americano, conhecido por seu trabalho sobre distribuição e desigualdade de renda - Divulgação

Adam Smith nos apresenta o capitalismo já plenamente formado, com suas virtudes e seus problemas. Karl Marx traz para a mesa de discussão a perspectiva das classes subalternas do capitalismo, que até então mal começavam a desfrutar os benefícios do crescimento acelerado.

Kuznets descreve um quadro em que a desigualdade, após crescer muito no início do período capitalista, tende a cair, o que reflete bem a experiência social-democrata do século 20 —mas não o momento da globalização recente.

A leitura de Milanović da obra de Adam Smith busca distanciá-lo da versão simplista em que o autor de "A Riqueza das Nações" seria um defensor acrítico do capitalismo. Smith abraçava, como Quesnay, a ideia de que o progresso econômico se mede pelo nível de vida dos mais pobres.

Embora fosse um defensor da livre concorrência, apontava um canal pelo qual a desigualdade de classe promovida pelo mercado poderia gerar resultados indesejáveis: os ricos sempre terão uma chance razoável de colocar o Estado a serviço de seus interesses.

A propósito, se os defensores da globalização neoliberal tivessem levado isso em conta nos anos 1990 e 2000, poderiam ter notado a captura dos governos, inclusive os de esquerda, pelos apologistas da desregulamentação financeira, um lobby poderoso com grande capacidade de financiar campanhas e think tanks.

A incapacidade de perceber isso nos levou à crise de 2008, o maior golpe contra as ideias liberais das últimas décadas, o início da crise de hegemonia global em que vivemos até hoje.

Ilustração de Adams Carvalho - Adams Carvalho

Isso não quer dizer, é claro, que Adam Smith possa ser aproximado da perspectiva "anticapitalista", seja lá o que signifique. Só mostra que, exatamente por ter entendido corretamente os mecanismos que tornavam a economia de mercado mais eficiente do que as outras, Smith também percebeu momentos em que ela podia dar errado.

O que nos traz ao capítulo sobre Marx, que facilmente poderia ser expandido e publicado como uma obra independente.

Nascido na ex-Iugoslávia, Milanović conhece bem o pensamento marxista e a realidade dos sistemas socialistas. Isso, por si só, já lhe confere certa singularidade nos dias de hoje: poucos defensores ocidentais contemporâneos do marxismo dedicaram muito tempo a ler, por exemplo, os estudos críticos elaborados nos próprios países da antiga Cortina de Ferro.

A Iugoslávia, que desenvolveu seu próprio modelo de socialismo de mercado, era um ponto de observação privilegiado.

É provável que essa biografia, que combina o domínio do instrumental técnico da economia moderna, o conhecimento da tradição marxista e a vivência em um país socialista altamente singular, explique muito da originalidade de Milanović.

Voltemos a Marx: uma das melhores passagens do livro oferece um corretivo à ideia de que o capitalismo sempre geraria desigualdade crescente. Na verdade, utilizando somente os parâmetros da teoria econômica marxista, é possível projetar vários cenários para o futuro da desigualdade de renda no livre mercado: em alguns, ela cresce; em outros ela, cai.

Isso é consistente com a experiência histórica. Embora Marx tenha municiado seus críticos ao criar formulações excessivamente simples, ele era menos determinista do que se pensa.

A desigualdade de renda, tal como a entendemos, não era o problema central do pensamento marxista. O filósofo alemão obviamente se preocupava com as condições de vida dos pobres sob o capitalismo, esse foi o problema que inspirou seus estudos, e defendia todas as propostas reformistas que pudessem melhorá-las. Entretanto, não acreditava em uma solução de longo prazo que não passasse pela abolição das classes sociais e pelo advento de um novo sistema econômico.

Aqui o contraste da perspectiva marxista com a perspectiva social-democrata, na qual a desigualdade de renda é absolutamente central, fica claro. A luta concreta dos trabalhadores no século 20 mostrou que, em certas circunstâncias, é possível reduzir muito a desigualdade e elevar muito a qualidade de vida sob o capitalismo.

Nada parecido com isso havia acontecido quando Marx era vivo. É legítimo nos perguntarmos se o filósofo alemão tinha como prever esses desdobramentos, em que, aliás, a influência de seu próprio pensamento foi muito importante. A utopia socialista provavelmente ajudou a aumentar a propensão de trabalhadores do mundo todo à ação coletiva.

De qualquer forma, se Karl Marx for ressuscitado como inteligência artificial, vai ter que reconhecer que os sociais-democratas provaram que as fronteiras do possível eram mais amplas do que ele supunha.

Mesmo assim, Milanović, que sabe disso tudo, faz bem em lembrar que a perspectiva marxista, com seu foco na estrutura de classes do capitalismo, tem duras lições a ensinar à social-democracia, que sofreu, e continua sofrendo, pesados golpes desde que a globalização foi retomada no final do século 20.

O populismo nativista de extrema direta cresceu, em boa parte, conforme as soluções sociais-democratas do século passado foram sendo abandonadas. Na verdade, a própria ideia de "crise da democracia" é, em grande parte, a crise de uma democracia de perfil social-democrata.

Esse tipo de modelo tem que se mover entre esses dois polos, permanentemente: a democracia oferece inúmeras possibilidades aos trabalhadores sob o capitalismo, possibilidades ausentes nos regimes leninistas, mas a estrutura econômica da sociedade moderna favorece o crescimento, não necessariamente a justiça.

A social-democracia sempre vai ser uma ofensiva da política contra as tendências "automáticas" do mercado.

O grande momento do livro, contudo, não é a discussão de nenhum dos seis autores citados, mas sim o capítulo 7, em que Milanović fala do declínio dos estudos sobre desigualdade durante a Guerra Fria. Arrisco dizer que o coral dos clássicos está no livro para enfatizar o quão estranho foi o silêncio sobre o assunto quando o mundo era dividido entre os blocos capitalista e socialista.

Na discussão sobre a desigualdade nas sociedades socialistas, Milanović joga em casa: é difícil imaginar outro pesquisador célebre no Ocidente que possa citar com desenvoltura o economista iugoslavo Branko Horvat, ou o sociólogo húngaro Iván Szélenyi, dois grandes pensadores que estudaram o socialismo real.

Um dos estudos citados, de autoria de Miroslav Janicijevic, mostrou em 1977 que, sob o socialismo, quanto mais alto a pessoa estivesse na hierarquia do partido, maior sua propensão a dizer que não existiam classes na sociedade. A comparação com os ricos no capitalismo é evidente —e divertida.

Os sistemas socialistas reduziram muito a desigualdade de renda quando extinguiram a propriedade do capital, mas daí em diante seu foco não foi mais na igualdade salarial.

Milanović cita um discurso de Stálin sobre a conveniência de maior desigualdade de salários que facilmente poderia ser feito por Javier Milei, o ultraliberal presidente argentino. E as desigualdades de poder características da gestão de Lênin reduziram o efeito do igualitarismo socialista.

Mesmo assim, e com todas as dificuldades de mensuração impostas pelo autoritarismo leninista, a desigualdade socialista parece ter sido, em geral, menor que a capitalista.

Se no Oriente os estudos sobre desigualdade sofreram com a doutrina oficial de que as classes haviam sido abolidas, fato contestado por alguns dissidentes, no Ocidente a ideologia oficial foi reforçada com os resultados empíricos de Kuznets, que mostravam uma queda da diferença de renda a partir de um certo ponto do desenvolvimento capitalista.

O fato de que os trabalhadores podiam lutar por melhorias salariais sem recorrer a uma revolução violenta era parte da propaganda do sistema —e era, naquele período, verdade.

A economia ocidental, inclusive boa parte do keynesianismo, passou a tratar o tema da desigualdade de renda como uma questão menor. Milanović passa muitas páginas batendo, com razão, no establishment de sua própria disciplina por esse erro.

Afinal, esse equívoco ficou claríssimo nos últimos anos da Guerra Fria, quando várias —mas, diga-se, muito menos do que todas— conquistas sociais-democratas foram desmontadas, seja por governos de orientação neoliberal, pela abertura comercial ou pela mudança tecnológica que diminuiu o peso político da classe operária.

No epílogo, quando Milanović aborda a volta do tema da desigualdade ao debate econômico em anos recentes, as curvas de Kuznet já se transformaram em ciclos de Kuznets, nos quais as disparidades de renda podem voltar a subir no capitalismo desenvolvido.

A propósito, Milanović teria feito um favor ao leitor se tivesse passado mais tempo discutindo a abordagem teórica de Thomas Piketty, um autor-símbolo desse novo momento do debate.

Um ponto que merece destaque para o leitor brasileiro é a referência do livro aos economistas estruturalistas latino-americanos (como Celso Furtado) e a outros autores do terceiro mundo, como o egípcio Samir Amin. Eles foram exceções à regra de ignorar a concentração de renda durante a Guerra Fria, talvez por não viverem nos países mais diretamente envolvidos na disputa ideológica.

Milanović admite que teses importantes dessas escolas não se confirmaram (alguns países pobres se tornaram desenvolvidos) e que houve um déficit de análises empíricas em algumas delas.

Mesmo assim, elogia a proposta de integrar análise política e histórica aos estudos sobre desenvolvimento e desigualdade. Infelizmente para o leitor brasileiro, o autor não dedica muitas páginas a esse debate, por não se considerar especialista na obra desses pensadores.

A versão brasileira do livro consegue reproduzir a fluidez do original, o que não é fácil. Entretanto, teria se beneficiado do apoio de um profissional de economia, mais familiarizado com a tradução padrão de termos clássicos.

Em alguns momentos, "rent" é traduzido como "aluguel", ao invés de "renda". Nada que prejudique a leitura do leigo, que talvez só ache esquisito o quanto os economistas clássicos se importavam com os aluguéis. Mas irritará, com razão, os especialistas.

Branko Milanović é um dos pensadores mais originais do debate contemporâneo —e neste livro está mais próximo de sua especialidade do que em sua última obra, o muito influente "Capitalismo sem Rivais" (também pela editora Todavia).

Alguns leitores deste livro anterior podem achar que o tema de "Visões da Desigualdade" é mais restrito, interessante apenas para especialistas. Enganam-se: as duas obras tratam dos mesmos grandes assuntos da modernidade, que talvez agora sejam até discutidos com mais profundidade.

Visões da desigualdade: Da Revolução Francesa ao fim da Guerra Fria
Preço R$ 119,90 (352 págs.) Autoria Branko Milanović Editora Todavia Tradução Pedro Maia Soares

Ajustando as contas com crescimento e justiça social

Os resultados a partir da implementação do Novo Arcabouço Fiscal têm surpreendido a maioria dos analistas, que inicialmente não acreditavam na capacidade do governo em cumpri-lo

Guilherme Mello
Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

Bruno Moretti
Secretário Especial de Análise Governamental da Casa Civil da Presidência da República

Folha de S.Paulo

A matéria publicada pela Folha de S.Paulo, sob o título "Gasto sob Lula 3 cresce em ritmo de quase o dobro da receita", confunde o leitor ao ignorar a trajetória de consolidação fiscal no atual governo, além de repetir imprecisões e erros já esclarecidos anteriormente.

A expansão das despesas tem origem principalmente nos gastos relacionados à PEC da transição, que deu fim ao Teto de Gastos e incorporou R$ 168 bilhões de despesas ao orçamento federal. A PEC foi necessária para reverter a paralisação ou redução expressiva de programas como o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, o Farmácia Popular e o PAC.

A PEC cumpriu papel de recolocar o Brasil na trilha do crescimento inclusivo e sustentado, com redução do desemprego, da pobreza e da desigualdade.

O presidente Lula, observado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), discursa em complexo industrial em Resende (RJ) - Mauro Pimentel - 15.abr.25/AFP

Logo nos seus primeiros meses, o governo Lula se comprometeu a pagar os passivos herdados do governo anterior, como é o caso dos precatórios atrasados e o calote no ICMS de combustíveis dos estados, o que nem sequer é citado na reportagem.

O Novo Arcabouço Fiscal (NAF), aprovado em 2023, delineou a estratégia de política fiscal para os anos seguintes, com foco no ajuste gradual das contas públicas, sem colocar em risco o crescimento com inclusão social. Não apenas implicou limite às despesas, como induziu a recuperação da arrecadação com base em medidas de tributação progressiva, a exemplo dos fundos exclusivos e offshore.

Passado o impacto inicial da PEC da Transição, o ano de 2024 registrou redução real de 0,7% na despesa primária em relação ao ano anterior, situando-a no patamar de 18,8% do PIB em 2024, inferior à média das despesas entre 2015-2019 (19,5%). Como resultado do esforço de recuperação das receitas e controle das despesas, entre 2023 e 2024, o governo Lula realizou um dos maiores processos de consolidação fiscal do mundo, segundo o FMI, de 2% do PIB. Tudo isso com o PIB crescendo acima de 3%.

As considerações presentes na reportagem sobre supostas despesas "parafiscais" também não resistem a uma análise minimamente embasada. O aporte de recursos públicos em fundos garantidores de crédito, como o FGO e o FGI, tem fonte no Orçamento Geral da União e acarreta despesa primária. Não é correto afirmar que são "despesas fora do orçamento" ou do arcabouço fiscal.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, durante coletiva de imprensa - Pedro Ladeira - 22.mai.25/Folhapress

Por sua vez, as despesas financeiras de fundos públicos custeiam operações de crédito sem risco para a União, com previsão orçamentária, autorização do Congresso e classificação contábil em conformidade com o FMI. O comentário de um colunista da Folha acerca da utilização do Fundo Social choca pelo grave equívoco que comete. Metade dos recursos do fundo social já é utilizada como fonte de recursos para gastos em educação. A outra parte carecia de regulamentação e constituía saldo positivo na Conta Única do Tesouro. Salvo por uma autorização constitucional extraordinária não mais vigente, não é verdade que "antes do governo Lula assumir, grande parte dos recursos captados pelo fundo social eram direcionados ao abatimento da dívida pública", uma vez que tais recursos são vinculados a finalidades específicas.

Em atendimento a determinação do TCU, o governo Lula regulamentou a utilização dos recursos do Fundo Social para áreas como habitação social. A proposta manteve o objetivo do fundo, mas de modo compatível com as metas de resultado primário e com o uso de receitas do óleo como funding para investimentos com elevado retorno econômico e social.

Os resultados a partir da implementação do NAF têm surpreendido a maioria dos analistas, que inicialmente não acreditavam na capacidade do governo cumprir os limites do arcabouço, mas hoje incorporam o cenário de cumprimento até 2026.

O governo segue focado no controle da dinâmica de crescimento das despesas de acordo com os limites do NAF, no atingimento da meta de resultado primário, na recuperação da arrecadação com base no crescimento econômico e em propostas, pelo lado da despesa e da receita, que promovam a correção de distorções e justiça social.

Os Estados Unidos estão à beira de uma catástrofe no Oriente Médio

A intervenção dos EUA no Irã seria uma aposta terrível

Andrew P. Miller


As consequências de um ataque israelense ao prédio da emissora estatal de TV iraniana, Teerã, junho de 2025
Majid Asgaripour / Agência de Notícias da Ásia Ocidental / Reuters

O presidente Donald Trump anunciou em 19 de junho que decidirá nas próximas duas semanas se os Estados Unidos se juntarão à campanha militar de Israel no Irã. Se decidir pela afirmativa, os Estados Unidos entrarão em uma guerra no Oriente Médio com objetivos ambíguos (incluindo, mas não necessariamente se limitando a, combater a proliferação nuclear), uma estratégia incompleta e um alto risco de aprisionamento.

Essa perspectiva, compreensivelmente e com razão, evocou memórias dolorosas da guerra do Iraque para muitos americanos. Como um presidente que alegou se opor à guerra do Iraque, Trump, juntamente com seus aliados, tentou enquadrar uma possível intervenção militar americana no Irã em termos limitados, com foco no único alvo da instalação subterrânea de enriquecimento nuclear de Fordow, que Israel pode não ser capaz de destruir sozinho. Isso pode ser um reflexo preciso das intenções de Trump, mas mesmo essa decisão acarretaria grandes riscos, incluindo retaliação iraniana contra instalações militares americanas no Golfo ou ataques terroristas contra americanos no exterior, o que poderia prolongar e aprofundar o envolvimento americano no Irã. Mesmo que uma operação limitada dos EUA ocorra conforme o planejado, sem retaliação, a decisão de intervir no conflito, em vez de encerrar o programa nuclear iraniano, tornaria mais difícil alcançar uma solução sustentável.

PATOLOGIAS POLÍTICAS

As declarações dos EUA e de Israel sobre a guerra no Irã demonstram duas das patologias mais proeminentes da política externa americana no último século. A primeira é a crença de que o poder aéreo pode ser empregado para atingir objetivos estratégicos, não apenas táticos. Conforme apresentado por Israel, as Forças de Defesa de Israel e o Mossad estão em processo de destruição da capacidade de enriquecimento nuclear do Irã e de outros setores críticos de seu programa nuclear. Fordow, que somente os militares americanos podem destruir do ar com destruidores de bunkers de 13.600 kg, é retratado como o reduto final do programa de enriquecimento iraniano: elimine Fordow e suas centrífugas avançadas, e o programa nuclear iraniano será efetivamente neutralizado, eliminando uma ameaça perigosa à segurança internacional.

Embora autoridades americanas expressem confiança de que a bomba GBU-57 possa romper os 80 a 110 metros de concreto que protegem Fordow, essa é uma proposta ainda não testada. Segundo as Forças Armadas dos EUA, a instalação está tão profundamente enterrada que provavelmente será necessário lançar várias bombas GBU-57 com precisão rigorosa para penetrar no complexo subterrâneo. Seria um erro apostar contra a Força Aérea dos EUA, mas seria imprudente descartar a possibilidade de a missão falhar — uma contingência para a qual o governo Trump teria que estar preparado.

Uma tentativa malsucedida em Fordow não apenas colocaria o Irã em condições de reconstituir seu programa nuclear rapidamente. Também aumentaria o incentivo para que o Irã desenvolvesse uma arma nuclear para dissuadir futuras tentativas contra seu programa. Enquanto isso, a alternativa aos ataques aéreos seria um ataque que envolveria o envio de forças terrestres americanas para atacar Fordow, colocando os militares americanos em maior risco físico e aumentando a probabilidade de o Irã retaliar diretamente contra instalações americanas no Oriente Médio.

Uma decisão americana de intervir tornaria uma solução sustentável mais difícil de ser alcançada.

A segunda patologia é uma confiança equivocada na facilidade com que um regime adversário pode ser derrubado e uma fé quase cega de que um governo sucessor se mostrará melhor do que seu antecessor. Israel tem se tornado cada vez mais claro ao afirmar que seu objetivo no Irã é provocar a queda da República Islâmica. O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, que há muito defende a mudança de regime, disse que Israel está criando "os meios para libertar o povo persa" e afirmou que matar o Líder Supremo Ali Khamenei "encerraria a guerra". O próprio Trump ocasionalmente insinuou uma ambição mais ampla, afirmando que os Estados Unidos não buscam matar Khamenei, mas acrescentando a ameaçadora ressalva: "pelo menos não por enquanto".

Embora a liderança da República Islâmica seja profundamente impopular entre grandes parcelas da população iraniana, uma mudança de regime estaria longe de ser uma tarefa fácil. Ao contrário do que afirma Netanyahu, é improvável que o assassinato do líder supremo precipite o colapso da República Islâmica por si só. Após 46 anos, as instituições do Estado estão bem consolidadas, e a ausência de um sucessor óbvio para Khamenei não significa que não seja possível encontrá-lo. Os defensores de um ataque a Khamenei às vezes apontam para a decapitação da liderança do Hezbollah por Israel no ano passado. No entanto, mesmo o Hezbollah continua a atuar no Líbano, e o Irã é muito mais poderoso.

Consequentemente, derrubar o regime iraniano militarmente provavelmente exigiria uma grande força terrestre. As Forças de Defesa de Israel não têm a capacidade expedicionária nem a escala para desempenhar esse papel, o que significaria que as forças americanas teriam que assumi-lo. O público americano, com razão, não tem apetite para outra desventura no Oriente Médio; pesquisas recentes indicam que a maioria dos americanos se opõe a qualquer intervenção militar no Irã.

SUCESSO ILUSÓRIO

Mesmo que os Estados Unidos e Israel "obtivessem sucesso" em seus objetivos de destruir Fordow ou mesmo expulsar a República Islâmica, essas provavelmente seriam conquistas efêmeras ou vitórias de Pirro. Equipamentos destruídos podem ser reconstruídos. Um governo tirânico pode ser substituído por um ainda mais voraz. E mesmo as ações mais bem-intencionadas podem produzir o resultado oposto ao pretendido. Das muitas lições que os formuladores de políticas dos EUA deveriam ter aprendido nos últimos 25 anos, uma das mais importantes é que o sucesso militar se traduz imperfeitamente, ou mesmo de forma alguma, em sucesso político.

A destruição da instalação de Fordow infligiria um duro golpe às ambições nucleares do Irã, ao atrasar seu programa de enriquecimento. Mas mesmo uma operação bem-sucedida não representaria um golpe de misericórdia para as atividades nucleares do Irã, certamente não a médio e longo prazo. Algumas reportagens sugeriram que os iranianos podem ter expandido Fordow, permitindo o armazenamento de tecnologia nuclear em locais não identificados no complexo, que poderiam sobreviver intactos a uma missão militar americana ou israelense. Se for esse o caso, um ataque a Fordow ganharia menos tempo do que o previsto.

Mesmo no melhor cenário, em que todas as centrífugas e outros equipamentos e infraestrutura relacionados à energia nuclear fossem destruídos, os cientistas iranianos manteriam o conhecimento necessário para reconstruí-los. Dado que se espera que a maior parte do estoque de urânio altamente enriquecido do Irã sobreviva a uma guerra (já que se acredita que esteja amplamente disperso pelo país e seja muito mais difícil de destruir do que centrífugas delicadas), o Irã não estaria iniciando seu programa do zero. E os líderes iranianos teriam um forte incentivo para tomar todas as precauções para evitar a detecção desta vez, uma ameaça que seria exacerbada se o Irã se retirasse do Tratado de Não Proliferação Nuclear, que autoriza a supervisão de instalações nucleares pela Agência Internacional de Energia Atômica. Nesse caso, se Israel ou os Estados Unidos descobrissem atividades iranianas em andamento, a única alternativa para uma solução negociada seriam mais ataques. Embora Trump tenha se mostrado disposto a suspender operações militares que corressem o risco de desvio de missão, como os recentes ataques contra os Houthis no Iêmen, futuros presidentes podem encontrar mais dificuldades. Longe de Fordow ser um caso isolado, pode ser um prenúncio de uma guerra contínua, uma forma mais custosa da estratégia de Israel de "cortar a grama" no Líbano e em Gaza.

O público americano, com razão, não tem interesse em outra desventura no Oriente Médio.

Uma mudança de regime também não seria uma solução confiável para as ambições nucleares do Irã. Se a República Islâmica entrasse em colapso, é tão provável que o regime fosse substituído por um governo hostil aos interesses dos EUA e de Israel quanto por um mais alinhado a eles. Durante vácuos de liderança, os elementos mais organizados de uma sociedade frequentemente triunfam. Após décadas de repressão contra a oposição e a sociedade civil, os militares ou os serviços de segurança iranianos provavelmente emergirão como os atores dominantes.

Mesmo um governo mais pró-Ocidente ou democrático não adotaria necessariamente uma postura fundamentalmente diferente em relação ao direito declarado do Irã ao enriquecimento nuclear; tal governo poderia sentir o mesmo imperativo que o regime atual de desenvolver uma arma nuclear. Outra possibilidade é que o Irã possa mergulhar no caos, com facções concorrentes localizadas em diferentes partes do país. A presença de material radioativo em tal ambiente seria alarmante, e a instabilidade crônica em um país do tamanho do Irã, que se situa em importantes rotas comerciais, representaria uma série de desafios de segurança.

Ocupações anteriores dos EUA e de Israel não inspiram confiança de que qualquer um dos países possa facilitar uma transição para um novo regime que seja amigável e duradouro. A ocupação do Iraque pelos EUA é literalmente um estudo de caso em catástrofes de política externa, enquanto as intervenções americanas no Afeganistão, Líbia e Somália também foram um fracasso. Da parte de Israel, mais de 50 anos de ocupação na Cisjordânia e em Gaza produziram uma tragédia extraordinária para palestinos e israelenses. A instalação de um presidente libanês pró-Israel por Israel na década de 1980 levou ao seu assassinato em meio a uma guerra civil brutal que devastou a sociedade libanesa. Vinte anos de ocupação do sul do Líbano resultaram em muitas baixas israelenses e libanesas e criaram as condições que favoreceram a ascensão do Hezbollah ao poder. Não há razão para pensar que a mudança de regime no Irã seria diferente das experiências anteriores dos EUA e de Israel.

TEMPO DEMAIS

Os defensores da intervenção militar dos EUA e de Israel argumentam que, mesmo que não ponha fim ao programa nuclear iraniano, ela ganha tempo, estendendo o prazo para o Irã alcançar a independência e construir uma arma. (Fontes militares israelenses afirmam que os ataques, até o momento, atrasaram o Irã em alguns meses.) O tempo é, obviamente, valioso, mas, quando ele passar, os Estados Unidos e Israel se confrontarão novamente com a decisão de negociar ou empreender novas ações militares. O objetivo relevante não é o atraso, mas impedir que o Irã se torne nuclear — e é sob essa perspectiva que a potencial ação militar israelense e americana deve ser avaliada.

Se Israel e os Estados Unidos se abstiverem de buscar uma mudança de regime no Irã, é concebível que os líderes da República Islâmica concluam que os riscos para o regime de intensificar seu programa nuclear ou de se apressar em uma independência são grandes demais para serem assumidos. Mas também é possível que o regime chegue à conclusão exatamente oposta: a única maneira de protegê-lo de inimigos externos é desenvolver um sistema de dissuasão nuclear. Presumivelmente, os líderes iranianos não ignoram que governos que desistem de seu programa nuclear (Líbia, Iraque) são derrubados, enquanto aqueles que não o fazem (Coreia do Norte) sobrevivem.

E mesmo que tal aposta dê resultado, atrasando o programa nuclear iraniano sem estimular uma corrida para uma arma nuclear, é uma aposta particularmente ruim quando comparada à alternativa: um acordo que imponha uma verificação robusta das atividades nucleares do Irã e dê tempo suficiente para detectar e prevenir um surto. Nessas condições, esgotar todas as possibilidades para alcançar tal acordo é o único caminho responsável. Um atraso de duas semanas deve dar a Trump e aos membros seniores de seu governo tempo para registrar essa realidade e fazer o que for necessário para fechar um acordo que ponha fim ao conflito. Se não o fizerem, Trump deixará a segurança dos EUA e da região dependente do resultado de uma aposta imprudente que pode levar os Estados Unidos ainda mais para o Oriente Médio e criar outro desastre de política externa que assombra os americanos há décadas.

ANDREW P. MILLER é pesquisador sênior do Center for American Progress e atuou como Subsecretário de Estado Adjunto dos EUA para Assuntos Israelenses-Palestinos de dezembro de 2022 a junho de 2024.

Militares causaram todos os golpes, mas país os desconhece, diz historiador em livro

Referência em estudos da ditadura, Carlos Fico detalha em nova obra papel das Forças Armadas em rupturas

Fabio Victor

Folha de S.Paulo

"Sempre se fala com mais clareza e calor, com mais razão e proveito, quando se dispõe de baionetas para assegurar o direito que se reclama."

De autoria do general Pedro Aurélio de Góis Monteiro, um dos militares mais poderosos do país na primeira metade do século 20 —líder do Exército na chamada Revolução de 30 e na Era Vargas, depôs Getúlio em 1945—, a sentença é citada duas vezes em "Utopia Autoritária Brasileira", do historiador Carlos Fico, recém-lançado pelo selo Crítica, da editora Planeta.

Combina à perfeição com o espírito do livro, cujo subtítulo é tão explícito quanto o sincericídio de Góis Monteiro: "Como os militares ameaçam a democracia brasileira desde o nascimento da República até hoje".

Professor titular de história da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o autor detalha de forma didática todos os 13 golpes ou tentativas de golpe no país desde aquele que instaurou a República em 1889.

O historiador Carlos Fico, autor de "Utopia Autoritária Brasileira", durante debate na Feira do Livro do Pacaembu - Allison Sales - 14.jun.25/Folhapress

A 14ª, a tentativa de golpe pela qual Jair Bolsonaro é acusado, é citada de forma breve na conclusão da obra, que tem revisão técnica de outro acadêmico referencial na área, o cientista político João Roberto Martins Filho, da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).

A ameaça bolsonarista é muito recente, justifica o autor, que ainda assim arrisca, em entrevista, uma distinção para ela: se no passado a motivação dos militares era mais ideológica/doutrinária, agora o motor principal foi a preservação de vantagens materiais, para manter benefícios (como a previdência especial) e amealhar cargos.

Como explica Fico na apresentação, o propósito do livro "é simples: mostrar que todas as crises políticas brasileiras caracterizadas por ruptura da legalidade constitucional (...) foram causadas por militares".

"O Exército brasileiro sempre desrespeitou a democracia. As Forças Armadas violaram todas as Constituições da República. Rebeliões contra decisões legítimas; sublevações motivadas por corporativismo; golpes de Estado e tentativas de golpe. Indisciplina e subversão marcam a trajetória dos militares no Brasil", escreve o historiador.

Apesar do relevante e indevido papel dos fardados como agentes políticos, a sociedade praticamente os desconhece, aponta Fico.

A "utopia autoritária" do título, sintetiza o autor, é "o entendimento militar de que os problemas brasileiros seriam superados e o Brasil se tornaria uma ‘grande potência’" se fossem eliminados obstáculos que impedem essa ascensão. "Os principais obstáculos [no entender dos militares] seriam ‘a subversão comunista’ e a ‘corrupção dos políticos’."

Em "Utopia Autoritária" o sr. menciona de raspão o governo Bolsonaro. Seria porque, do ponto de vista historiográfico, é muito recente para analisar o que houve nos últimos anos?

É muito recente. A experiência em história mostra que documentos e revelações mais decisivos só vêm com o tempo. Estamos no meio do julgamento do processo golpista do Bolsonaro. E temos basicamente testemunhos, uma ou outra documentação. Eles produziram provas exuberantes contra si próprios, e várias vieram à tona, mas normalmente as revelações mais decisivas demoram.

Os militares são muito ciosos em fazer atas, frequentemente documentam coisas que são até surpreendentes depois. Então não vai ser surpresa se nos próximos anos esse tipo de revelação vier à tona —e aí talvez eu faça um posfácio.

Arriscaria dizer quanto tempo é necessário para termos um quadro mais claro do que houve nos últimos anos?

Acho que em cinco anos a gente já vai ter. Mas provavelmente antes disso a gente já tenha pelo menos uma sinalização mais concreta do que houve, digo, que não seja apenas por meio de testemunhos, mas de documentação escrita mesmo.

Até militares tidos historicamente como democratas, como o marechal Henrique Lott, saem mal no livro. Não há na história brasileira líderes militares legalistas?

Acho que o Rui Barbosa e o general Lott não saem muito bem do livro e que muita gente vai reclamar disso, porque o Lott, por exemplo, é muito estimado em setores da esquerda, que o consideram legalista. O que acontece na maioria dos casos é que alguns poucos generais tomam a frente de iniciativas golpistas. Outros ficam ali em dúvida, observando. Alguns também se posicionam contra, e a maioria fica muda, esperando para ver o que vai acontecer, até porque uma iniciativa golpista é uma coisa muito arriscada.

Isso não significa que não tenha havido e não haja militares profissionais contrários ao golpismo e que defendem a legalidade. Isso sempre houve. O caso do golpe de 64 é bem esclarecedor. Um primeiro ato do chamado Comando Supremo da Revolução cassou mandatos, outro suspendeu direitos políticos de quem não era parlamentar e teve um ato que puniu militares. E essa primeira leva de militares punidos é mais numerosa do que os parlamentares cassados ou civis que tiveram direitos políticos suspensos. Eles foram passados à reserva compulsoriamente. Não dá para dizer que eram militares de esquerda, mas que eram nacionalistas ou que eram legalistas e que se contrapuseram ao golpe de 64. Então sempre há também militares com esse perfil legalista.

O sr. diz que o artigo 142 da Constituição (segundo o qual as Forças Armadas "destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem") é um dos facilitadores desse intervencionismo militar e defende que ele seja alterado. Mas o governo Lula não tem base no Congresso para aprovar uma PEC nesse sentido –que até foi proposta por um deputado do PT. Se tivesse uma base parlamentar mais sólida, acha que o governo Lula alteraria esse artigo?

Espero que sim. É muito difícil saber o que aconteceria, mas acho que sim. O Congresso é muito conservador, tem sido cada vez mais. E conservadores em geral tendem a não estar de acordo com esse tipo de restrição aos militares. Então sou até muito pessimista em relação à possibilidade de mudança de redação do artigo 142, não vejo possibilidade de o atual governo fazer essa alteração, mas acho que seria essencial.

No caso do Lula, mesmo que tivesse base no Congresso, tenho dúvida se ele faria, o histórico dele com os militares permite pensar que não. Por parte dos civis/políticos de modo geral, sempre houve uma resignação, diria até um medo, de confrontar o intervencionismo militar. Por quê?

Inclusive em todos os episódios de golpe ou tentativa de golpe, quando esse assunto chega ao Congresso, se vê exatamente isso que você falou, essa reverência dos parlamentares. Do século passado até episódios mais recentes. Os parlamentares sempre, mesmo os que condenam, acabam fazendo uma deferência, dizendo que, no entanto, foi uma crise muito grave, até se compreende que tenha havido intervenção militar. Então essa reverência sempre houve.

Desde o fim da ditadura, nenhum presidente enfrentou esse problema devidamente, mesmo quando houve condição política para isso. Me parece que há uma questão geracional. Quem tem de 70 anos para cima, aquelas pessoas que enfrentaram mais decisivamente a ditadura, de algum modo desenvolveram essa... para não falar medo, eu usaria a expressão cautela excessiva, muito provavelmente por conta do enfrentamento no passado. É uma especulação.

UTOPIA AUTORITÁRIA BRASILEIRA

Preço R$ 104,90, 448 págs. (R$ 74,90 o e-book) Autoria Carlos Fico Editora Crítica/Planeta

Talvez porque a baioneta e o canhão inspiram medo… Tem até a frase do Góis Monteiro que o sr. cita duas vezes no livro, de que quando se tem a baioneta, fica mais fácil argumentar…

Exatamente. Isso é uma coisa muito forte. Seria preciso que o presidente da República, seja quem fosse, enquadrasse os militares como funcionários públicos fardados, para os quais a sociedade confere o direito de uso das armas —e, portanto, usar essas armas contra a sociedade é um crime muito grave. Então uma postura mais afirmativa seria de todo desejado, mas, infelizmente, nunca aconteceu desde o fim da ditadura.

Há outro aspecto: é uma contradição o fato de os militares serem agentes políticos tão importantes —indevidamente, não deveriam ser, mas foram e são— e, por outro lado, a sociedade conhecê-los muito pouco. Existe até a caricatura de que os militares não servem para nada, só para pintar meio-fio.

O Congresso Nacional, por exemplo, não tem parlamentares especializados nos militares. Ninguém discute o Plano Nacional de Defesa. De modo geral, há um desconhecimento. Ignora-se inclusive o tipo de valor que motivou um episódio curioso, do general que queria ter uma liderança legalista, fica irritado porque não foi convocado para isso e acaba se mudando para a ala golpista [o general é João de Deus Mena Barreto, um dos líderes militares na deposição de Washington Luís em 1930].

Quer dizer, a motivação desse general foi de natureza muito específica e tem a ver com o sentimento de honra, o sentimento de não poder ser desprestigiado, já que ele estava na posição devida para atuar naquele caso e foi deixado de lado.

Como o teu livro mostra, militares golpistas jamais foram punidos no Brasil. Acredita que desta vez eles serão punidos? E, se forem, o que isso pode mudar nas relações civis-militares?

Acho que isso já deve estar servindo de alerta para as forças militares. Nem tanto assim a relação da sociedade com os militares. Mas, na medida em que é algo inédito, muito provavelmente essas forças estarão entendendo que alguma coisa mudou. Porque, afinal, aqueles generais estavam no banco dos réus respondendo a um interrogatório no Supremo Tribunal Federal, coisa que nunca aconteceu. Então algo mudou.

O sr. escreve no epílogo que esse será o seu último livro. Sendo ainda novo, 66 anos, por que o último livro?

Dou aula há 40 anos... pesquiso esses assuntos há 30 e tantos anos... acho que chega um momento em que a gente tem que sair de cena elegantemente, até para abrir espaço para outras leituras. E também para não se tornar repetitivo.

Espero que não, mas talvez eu faça algum posfácio, se houver uma nova experiência de intervencionismo. Então estou torcendo para que não haja a necessidade de fazer um posfácio.

Raio-X - Carlos Fico, 66

Nascido no Rio, é professor titular de história do Brasil da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), pesquisador do CNPq e um dos principais estudiosos do país sobre a ditadura 1964-1985. É autor de "O Grande Irmão: da Operação Brother Sam aos Anos de Chumbo", ganhador do Prêmio Sérgio Buarque de Holanda da Biblioteca Nacional em 2008, e "Como Eles Agiam - Os Subterrâneos da Ditadura Militar: Espionagem e Polícia Política", entre outros livros.

20 de junho de 2025

Os eleitores do Rust Belt estão fartos dos dois partidos

Pesquisas mostram que os americanos estão dispostos a apoiar populistas independentes que se candidatam com plataformas econômicas. Mas o que eles não querem é nada associado à marca do Partido Democrata.

Jared Abbott, Les Leopold


Uma maioria substancial dos entrevistados no Rust Belt disse que apoiaria ou apoiaria fortemente uma nova associação política de trabalhadores. (Melissa Sue Gerrits / Getty Images)

O apoio aos dois principais partidos políticos dos EUA vem diminuindo — e a situação só piora. Hoje, os independentes políticos superam em muito as fileiras de democratas ou republicanos. Até dois terços dos americanos relataram em pesquisas que consideram que ambos os partidos fazem um trabalho tão ruim que um terceiro partido importante é necessário. É claro que só porque os eleitores não gostam de nenhum dos partidos principais não significa que estariam dispostos a apoiar um terceiro partido, especialmente porque esse apoio dependeria, entre outras coisas, do tipo de partido oferecido.

Mas a combinação de insatisfação generalizada com polarização partidária extrema tem colocado cada vez mais disputas eleitorais fora do campo de possibilidades para qualquer democrata. Mesmo democratas populistas em termos econômicos, como o ex-senador de Ohio Sherrod Brown, que evitam a maioria das armadilhas que assolam a reputação dos democratas entre os eleitores da classe trabalhadora, são incapazes de superar essa dinâmica. A marca democrata está agora simplesmente muito manchada e a polarização muito forte entre os eleitores da classe trabalhadora em muitos estados republicanos e, especialmente, republicanos.

Hoje, a maioria dos democratas simplesmente não consegue vencer — e há cada vez menos o que se pode fazer a respeito. Como Bernie Sanders argumentou recentemente, é "altamente improvável" que o alto comando democrata "aprenda as lições de sua derrota e crie um partido que apoie a classe trabalhadora e esteja preparado para enfrentar os interesses especiais extremamente poderosos que dominam nossa economia, nossa mídia e nossa vida política".

Mas será que candidatos independentes, populistas e com visão de futuro, conseguiriam conquistar os eleitores que os democratas perderam? Quanto apoio eleitoral poderia haver para candidatos independentes que concorrem com uma agenda estritamente pró-trabalhadores, independente de ambos os principais partidos?

Americanos dizem estar prontos para um partido independente pró-trabalhadores

Para ter uma ideia do nível de apoio que tais candidatos poderiam receber nos estados republicanos e republicanos, incluímos uma pergunta em uma pesquisa recente realizada com a YouGov. Perguntamos aos entrevistados em quatro estados da região da Rustbelt se eles apoiariam uma associação política independente que apresentasse candidatos com uma plataforma populista estritamente econômica e pró-trabalhadores — e, em seguida, pedimos que avaliassem o nível de apoio que lhes dariam. A pesquisa com 3.000 residentes adultos em Michigan, Ohio, Pensilvânia e Wisconsin revela forte apoio a uma nova organização política que apresentaria e apoiaria candidatos populistas econômicos, independentemente dos democratas e republicanos.

A pesquisa, elaborada pelo Centro de Política da Classe Trabalhadora e pelo Instituto Trabalhista, incluiu uma pergunta que pedia aos entrevistados que dessem sua opinião sobre uma nova organização política da classe trabalhadora que defendia um conjunto ousado de questões econômicas progressistas, incluindo uma mistura de políticas populares já presentes na plataforma dos democratas — mas subutilizadas em suas mensagens —, bem como políticas focadas em empregos que vão além, em direção a décadas de declínio da classe trabalhadora. Especificamente, a pergunta perguntava:

Você apoiaria uma nova organização, a Associação Política de Trabalhadores Independentes, que apoiasse as questões da classe trabalhadora independentemente dos partidos Democrata e Republicano? Ela apresentaria e apoiaria candidatos políticos independentes comprometidos com uma plataforma que incluísse:

  • Impedir que grandes empresas que recebem impostos demitam trabalhadores que pagam impostos.
  • Garantir que todos que desejam trabalhar tenham um emprego com remuneração decente e, se o setor privado não puder fornecê-lo, o governo o fará.
  • Aumentar o salário mínimo para que todas as famílias possam ter uma vida digna.
  • Acabar com a especulação de preços das empresas farmacêuticas e impor controles de preços aos cartéis de alimentos.

Apesar de uma garantia federal de empregos e restrições a demissões corporativas irem muito além do que a maioria dos políticos e especialistas com inclinação democrata acredita que a maioria aceitaria, encontramos forte apoio geral ao programa nesses estados cruciais, com forte presença da classe trabalhadora. Uma maioria substancial dos entrevistados (57%) no Rust Belt afirmou que apoiaria ou apoiaria fortemente uma nova associação política dos trabalhadores, enquanto apenas 19% se opuseram. Isso representa um apoio líquido de 39% à associação.


Tão importante quanto isso, a ideia de lançar candidatos independentes com uma plataforma pró-trabalhadores foi particularmente atraente precisamente para o tipo de eleitor que os democratas mais lutaram para persuadir ou angariar votos nas últimas eleições. Por exemplo, o apoio a uma associação política da classe trabalhadora é consistentemente maior entre os eleitores da classe trabalhadora. Entrevistados sem diploma universitário de quatro anos demonstram 60% de apoio, contra apenas 52% entre os formados. O mesmo padrão se mantém entre as faixas de renda: enquanto apenas 39% dos que ganham mais de US$ 250.000 apoiam a organização dos trabalhadores, o apoio aumenta constantemente com a queda da renda: 53% entre os que ganham de US$ 100.000 a US$ 149.000; 57% entre os que ganham de US$ 60.000 a US$ 99.000; 60% entre os que ganham menos de US$ 30.000. Por sua vez, os inquilinos (68%) demonstram um apoio muito maior do que os proprietários de imóveis (54%), e 59% dos entrevistados que ocupam cargos da classe trabalhadora são a favor da organização, em comparação com apenas 55% entre os que não pertencem à classe trabalhadora.

Os entrevistados que relataram maiores níveis de insegurança no emprego — um grupo demográfico crucial para a vitória de Donald Trump em 2024 — também demonstraram apoio acima da média ao populismo econômico independente. Aqueles que se dizem "muito inseguros" em seus empregos apoiam a organização com 74% de apoio, em comparação com 56% entre aqueles que se sentem "muito seguros".

Da mesma forma, aqueles que "não estão confiantes" de que conseguiriam encontrar um novo emprego se fossem demitidos demonstram 62% de apoio, em comparação com apenas 54% entre os entrevistados mais confiantes. O apoio também aumenta com a percepção de mobilidade descendente: 66% dos que se dizem "muito pior" do que seus pais apoiam a organização, em comparação com apenas 54% dos que se dizem "muito melhor".

A organização de trabalhadores independentes também obteve apoio mais forte entre os grupos de minorias raciais e étnicas que se voltaram para Trump em 2024: enquanto o apoio é de 57% entre os entrevistados brancos, ele aumentou para 66% entre os entrevistados negros e 68% entre os entrevistados hispânicos. Por fim, embora o apoio entre os que votaram recentemente seja de 57%, ele sobe para 62% entre os que não votaram, e o voto jovem, crucialmente importante, também demonstrou um apoio particularmente forte à política independente da classe trabalhadora — 71% dos entrevistados com menos de 30 anos apoiaram a organização, em comparação com 51% dos que têm mais de 60 anos.

No geral, a associação de trabalhadores independentes atraiu mais os mesmos eleitores que os democratas têm lutado para mobilizar ou reter nos ciclos recentes: americanos da classe trabalhadora, pessoas de cor e aqueles que sentem que o Sonho Americano está se esvaindo. O forte apelo da organização para esses grupos destaca não apenas seu potencial, mas também a dimensão do vácuo político deixado por um Partido Democrata que muitas vezes não conseguiu expressar de forma convincente sua insegurança econômica e seu sentimento de exclusão do sistema político.


Mas é possível construir um movimento político dos trabalhadores?

É certamente encorajador que um movimento político da classe trabalhadora independente tanto dos republicanos quanto dos democratas tenha bons resultados nas pesquisas eleitorais, mas, dadas as inúmeras barreiras à política independente nos Estados Unidos, será realmente possível construir tal movimento? Não há dúvida de que os obstáculos são muito reais e têm dificultado todas as tentativas de construir partidos independentes fortes de qualquer tipo por mais de um século. Entre eles, estão o nosso sistema eleitoral em que o vencedor leva tudo, as leis de acesso ao voto altamente restritivas e o crescente domínio do dinheiro na política.

Com base na consciência dessas restrições, muitos comentaristas argumentam que candidatos independentes podem ser pouco mais do que sabotadores para ajudar a eleger mais republicanos. Seria muito mais eficaz, de acordo com esses críticos, simplesmente empurrar mais democratas para posições econômicas populistas (o que, para ser justo, um pequeno número de democratas já faz com mais ou menos eficácia).

Embora haja, obviamente, uma lógica sólida em apoiar os democratas em lugares onde a competição partidária é alta, os resultados da nossa pesquisa sugerem que os progressistas realmente precisam começar a pensar mais fora da caixa em lugares onde os republicanos são fortes. Sabemos, a partir de uma série de iniciativas econômicas progressistas bem-sucedidas em estados republicanos e republicanos, que, quando o partidarismo é retirado da equação, a economia populista pode alcançar uma coalizão de americanos muito mais ampla do que os democratas poderiam esperar alcançar em um futuro próximo.

Os resultados da nossa pesquisa sugerem que essa lógica também pode ser estendida a candidatos políticos: mesmo uma plataforma econômica progressista robusta, que inclua medidas econômicas muito à esquerda do que até mesmo os democratas mais populistas em termos de economia normalmente propõem, pode obter amplo apoio — se não estiver vinculada à marca do Partido Democrata.

O que nossa pesquisa sugere é que existe um enorme vácuo político nos Estados Unidos em torno do ressentimento econômico, e inevitavelmente algo o preencherá. A marca do Partido Democrata está manchada, talvez irreparável. Se os progressistas não construírem algo novo, as chances são altas de que republicanos como Steve Bannon, Josh Hawley e J. D. Vance encontrem maneiras de oferecer o suficiente para que os republicanos continuem a vencer eleições por meio de uma plataforma que favorece a desregulamentação, revertendo as proteções de saúde, segurança e meio ambiente, ao mesmo tempo em que recompensam os trabalhadores marginalizados.

Os progressistas podem usar a política independente para explorar a energia populista econômica que os democratas têm consistentemente desperdiçado. E devem entender que o que os eleitores dizem querer não é apenas uma miragem, nem pesquisas manipulativas. São propostas econômicas concretas.

A questão não é se essa energia existe, mas como construir uma força política capaz de canalizá-la. Os trabalhadores e seus aliados precisam de um lar político — um que lute por estabilidade no emprego, salários decentes e assistência médica universal, ao mesmo tempo em que se manifeste com credibilidade sobre as frustrações econômicas que o Partido Democrata muitas vezes não conseguiu resolver.

Construir esse tipo de movimento requer uma base: uma âncora, como um grande sindicato ou coalizão de sindicatos, que possa apoiar iniciativas econômicas progressistas e candidatos independentes — especialmente em distritos de partido único, onde o argumento de "sabotagem" não se aplica. A expansão pode e deve ser modesta no início, com espaço para experimentar e se adaptar. Com sucesso, pode crescer.

Dan Osborn, líder sindical em Nebraska, mostrou o que é possível. Concorrendo como independente em uma disputa em que os democratas não apresentaram candidato, ele fez campanha com uma mensagem econômica populista e chegou a 6,7% de desbancar um senador republicano — obtendo 66.500 votos a mais do que Kamala Harris no mesmo estado. Esse tipo de campanha demonstra o potencial de explorar a insatisfação com os dois principais partidos.

Em vez de repetir os motivos pelos quais não podemos construir algo fora do Partido Democrata, é hora de ajudar os eleitores da classe trabalhadora a conseguirem o que realmente desejam: candidatos que representem seus interesses e estejam livres da influência corporativa e bilionária. Sim, isso será difícil. E não, não acontecerá da noite para o dia. Mas isso não é um argumento para esperar. É um motivo para começar agora.

Nem democratas nem republicanos lutam verdadeiramente pelos trabalhadores — os trabalhadores merecem uma formação política que coloque seus interesses em primeiro lugar.

Colaborador

Jared Abbott é pesquisador do Center for Working-Class Politics e colaborador da Jacobin e da Catalyst: A Journal of Theory and Strategy.

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