5 de janeiro de 2025

A esperança furtiva de Rachel Kushner

Em uma entrevista abrangente, a romancista Rachel Kushner, autora de Creation Lake, discute as consequências dos revolucionários anos 60, o fascínio e a brutalidade do individualismo americano e por que os liberais anseiam por representações ingenuamente românticas da política radical.

Uma entrevista com
Rachel Kushner


O romance Creation Lake de Rachel Kushner de 2024 foi pré-selecionado para o Prêmio Booker. (Henry Nicholls / AFP via Getty Images)

Entrevista por
Eileen G'Sell

Os neandertais eram propensos à depressão, ele disse. Ele disse que eles eram propensos ao vício também, especialmente ao fumo.” Assim começa o quarto romance de Rachel Kushner, Creation Lake, que oscila entre dois improváveis ​​companheiros filosóficos: Sadie Smith, uma espiã particular americana com beleza “banal” e um nome inventado, e Bruno Lacombe, um eremita octogenário cujos e-mails ela hackeia para se infiltrar em Le Moulin, uma comuna de seus acólitos esquerdistas na França rural.

Como aprendemos logo no início, Sadie dificilmente está indo para Vantome para investigar solidariedade política. O que ela reúne das longas palestras de Bruno sobre o legado do esquerdismo francês pode, e será, usado contra seu grupo de radicais. “Parte do meu trabalho é ser uma espécie de especialista em tais eventos e nos movimentos sociais que os precipitam”, Sadie relata. Ela é rápida em afirmar que “nenhuma dessas erupções... resultou na derrubada do capitalismo... nem uma única”, mas depois supõe, mais melancolicamente, que “talvez seja apenas admitindo que alguma condição prejudicial é permanente, que você começa a localizar uma maneira de escapar dela”.

A princípio, Creation Lake parece o livro mais cerebral e ruminativo de Kushner até hoje. Mas a investigação intelectual de Sadie sobre as práticas dos Moulinards também pode ser lida como o conto de um cínico que gradualmente, teimosamente, começa a acreditar novamente. Como de costume, Kushner desrespeita as prescrições de como construir um mundo melhor e, em vez disso, exalta a capacidade de suportar criativamente e conhecer o que já temos.

Em nossa conversa — no Zoom e por e-mail — Kushner e eu discutimos a romantização americana da política francesa, os desafios de inventar um narrador clássico e os espaços liminares onde a esperança pode florescer, se permitirmos.

Eileen G’Sell

Quando fui à sua leitura de The Mars Room há seis anos em Portland, durante a sessão de perguntas e respostas, alguém criticou sua escolha de capítulo para ler. Em resposta, você pareceu tão imperturbável. Você tomou um gole de sua Coca-Cola em garrafa de vidro e disse: "Este livro não é para todos. Você não precisa gostar dele." Mais tarde, li que você realmente se importa em ser amada.

Rachel Kushner

Não me lembro de ter dito isso, mas posso confirmar que sou filha da Coca-Cola, assim como produto de outras influências. Lembro que uma mulher no fundo da sala disse que a passagem que li não estava no espírito do livro. "Mas está no livro", respondi, apontando para o exemplar em minha mão, e as pessoas riram e me senti mal, porque não queria menosprezá-la por ter um senso de propriedade de que meu romance deveria ser representado de uma certa maneira.

Sobre eu me importar em ser gostada, acho que você está se referindo a algo que eu disse sobre o quão diferente sou da minha protagonista fictícia em Creation Lake, uma policial disfarçada e manipuladora superconfiante que não está nem um pouco preocupada com a simpatia além de sua necessidade de lançar um feitiço sobre as pessoas para que ela possa usá-las; em contraste, sim, eu quero que as pessoas gostem de mim. Eu me esforço nisso. É um projeto para a vida toda. Mas tenho outros projetos. Escrever romances é um deles. Se meu objetivo é agradar quando escrevo um romance, isso tem que ser alcançado com uma integridade de visão, cujo padrão é estabelecido por mim, ou algo em mim e de mim. Um romance que é fiel à visão de seu criador não vai agradar a todos e não deveria. Uma arte que é produzida a partir de um desejo de ser apreciado me lembra da grande piada dos artistas Komar e Melamid de sua série de pinturas “Most Wanted”, que foi feita conduzindo amplas pesquisas sobre quais elementos em uma pintura as pessoas tendiam a preferir — uma cabana ou chalé, um corpo de água como lagoa, lago ou oceano, uma figura histórica, algumas nuvens, etc.

Eileen G’Sell

Creation Lake é seu primeiro romance que apresenta o mesmo narrador o tempo todo, já que seus livros anteriores mudam de perspectiva narrativa. A voz de Sadie me lembra de outras vozes que aparecem em seus outros romances, mas também é muito distinta. O que fez você querer escolher Sadie como a voz predominante para o romance inteiro em vez de ir e voltar?

Rachel Kushner

Muitas vezes pensei que havia algo mais clássico na simplicidade de ter um único narrador de romance em vez de um conjunto. Mas com todos os meus três romances anteriores, eu estava lidando com mundos tanto quanto com personagens, e uma única consciência restringiria o empreendimento, o reduziria. Embora neste caso, mesmo que haja apenas um narrador, na verdade há dois contadores de histórias; é que um está encaixado dentro do outro, e nem mesmo está claro para mim que Sadie é a personagem principal, mesmo que ela tenha o monopólio e fale na primeira pessoa. As cartas de Bruno Lacombe que ela está transpondo para o leitor a colocam a serviço dele e ele é, para mim, o coração do livro e seu espírito presidencial. Desde a primeira frase, é ele falando — não ela.

Em termos de desenvolver Sadie, cujo nome é um pseudônimo temporário ao longo das seis semanas em que a conhecemos, eu havia planejado que Creation Lake seria contado por uma mulher americana, mas por muito tempo não tive uma noção de quem era essa mulher. Estou familiarizado com a parte da França onde situei o livro e com o ambiente dos militantes que desenvolveram uma espécie de comuna hermética, Le Moulin, em uma vila remota: os pontos de referência política, a cena, social e historicamente, um desejo de explorar um certo espírito de resistência em "La France Profonde". Eu tinha um lugar e uma situação, uma comuna rural em rota de colisão com o estado francês.

Com o personagem de Bruno Lacombe, eu tinha um mentor que se retirou do longo século XX para uma espécie de primitivismo, que está compondo e-mails semelhantes a sermões sobre a revolução da consciência e olhando para o passado profundo em busca de indicações de para onde ir. Mas com a narradora, demorou mais para descobrir quem ela era. Torná-la alguém que aparece em Le Moulin esperançosa de encontrar seu lugar, de se encaixar, não iria funcionar, mesmo sendo um tropo familiar de lugares como Tarnac, onde todos os tipos de pessoas estavam aparecendo e querendo participar das coisas. Meu narrador seria... um escritor? Não. Não. Autoficção quase nunca foi meu instinto. Posso me interessar quando outras pessoas se saem bem, mas pessoalmente não encontro areia ali para as pérolas que quero produzir, o mundo alucinado que quero conjurar.

Uma manhã, escrevi as duas primeiras linhas que se tornaram as duas primeiras linhas do romance. É Bruno falando, mas uma mulher está transmitindo o que ele está dizendo. Percebi que estava pegando emprestado o tom de Sans Soleil, de Chris Marker, cuja narradora está retransmitindo trechos de cartas que recebeu de um homem. Gostei das repetições no filme de "ele me disse isso, ele disse isso", e neste caso foi "Bruno disse, ele disse isso a eles". Um desafio formal pode ser a porta que se abre de repente e pela qual tudo flui. Uma regra clara pode transformar o que antes parecia uma tomada de decisão arbitrária em um mandato, em arte.

Enquanto eu escrevia sobre essa mulher transmitindo as ideias de Bruno, o velho, comecei a perceber que ela não era uma presença elegante e comovente como a narradora de Chris Marker. Uma força hostil havia entrado no romance — não uma camarada, não uma escritora. Ela era, na verdade... uma policial disfarçada! Ela interceptou os e-mails de Bruno e os está lendo ilicitamente e sem, pelo menos a princípio, qualquer apreciação pelo que ele está dizendo. E nas seções onde vemos quem ela é e o que ela está fazendo, de repente entendi que ela estava a caminho da comuna para tentar destruí-la.

Em 2004, uma agente do FBI começou a espionar um grupo de ecoativistas, incluindo esse jovem, Eric McDavid, que acabou, graças à sedução dela e à pressão dela para planejar uma sabotagem, condenado a 21 anos de prisão federal. Ele cumpriu nove anos antes que seu advogado conseguisse provar que esse agente o havia encurralado, e sua condenação foi anulada e ele foi libertado. Eu conhecia pessoas que o conheciam e estavam dando apoio à prisão, e eu olhava para a foto dele e ele parecia tão sério e jovem e como se tivesse sido completamente enganado. Eu me perguntava, sobre esse agente do FBI, "Que tipo de pessoa faz isso?" Se você está introduzindo a sabotagem para prender alguém, você nem está operando em alguma ideia patética de lei e ordem. É mais como niilismo.

Mais tarde, havia um agente do Reino Unido, um espião cujo disfarce foi descoberto, que havia se infiltrado em algumas pessoas de Tarnac, e esse policial trouxe escândalo e desgraça para a polícia do Reino Unido ao ter casos com várias das mulheres que ele estava espionando. Algumas dessas mulheres processaram a polícia do Reino Unido. Esse policial disfarçado processou a própria polícia por "não protegê-lo de se apaixonar". Ele alega ter tido síndrome de Estocolmo. Ele parece uma pessoa perdida com profundo desrespeito pelas mulheres. Sadie, minha própria agente provocadora, aponta para esse espião como uma lição objetiva sobre o que não fazer.

A história de Sadie, por sua vez, é um pouco emprestada daquele agente do FBI. Ela foi demitida pelo FBI e está muito mais experiente neste ponto, quando o livro se passa. Ela tem muita experiência em dissimulação e um desrespeito direto por outras pessoas, um excesso de confiança que se torna uma espécie de névoa que preenche as páginas — para que o leitor tenha a percepção de Sadie sobre si mesma, mas também pistas que cortam essa névoa aqui e ali. Sadie bebe muito, por exemplo, e se gaba de nunca limpar uma bagunça porque não há necessidade, já que ela nunca retornará ao mesmo lugar duas vezes.

Eileen G’Sell

Apesar de não ser confiável em muitos aspectos, Sadie desafia uma tendência entre muitos americanos como eu de romantizar a França. Em uma seção muito memorável de Creation Lake, Sadie insiste que "a verdadeira Europa" são "sulcos de caminhão e calcinhas em um arbusto", não o "café chique na Rue de Rivoli".

Ao ler o livro, pensei na minha própria francofilia, na minha própria romantização do esquerdismo francês e da história esquerdista, de maio de 68 e seu legado criativo — o movimento Nouvelle Vague no cinema em particular. Para mim, pelo menos, é mais fácil projetar uma integridade maior ou fervor revolucionário na história esquerdista de outra cultura em comparação à dos Estados Unidos. Talvez por essa exata razão, achei a rejeição deliberada de Sadie a esse romantismo revigorante. Você estava tentando desafiar uma maneira reducionista de ver a França e o esquerdismo?

Rachel Kushner

Nunca me passou pela cabeça desafiar a maneira de outras pessoas verem a França. A França é um mundo com o qual me importo e sobre o qual tenho pensamentos. Meu romance se preocupa com o significado de maio de 68 como um momento de enorme possibilidade política e social, com o cinema francês (não é por acaso que o sobrenome de Bruno é Lacombe, minha pequena homenagem a Lacombe, Lucien), com Guy Debord e os letristas e a Internacional situacionista. O livro é cheio de história da esquerda francesa, com foco na mudança para o campo de certos militantes após o fracasso de maio de 68, o sucesso da ocupação do planalto de Larzac na década de 1970 e assim por diante. Acho perverso que eu tenha colocado parte desse material precioso nas mãos de uma narradora cínica, mas essa grande história é muito maior do que ela. Ela diz coisas como: "Tudo o que eles têm de melhor na França são romances e queijo, e no grande esquema, isso é basicamente nada." Sua tentativa de minar a "França" é um estratagema.

Passo muito tempo no centro-sudoeste da França, onde as pessoas continuam tentando ganhar a vida como fazendeiros. Em meados do século XX, um terço dos franceses ganhava a vida como fazendeiros. Agora é menos de 2%. Há uma migração severa dessas pequenas aldeias. Simplesmente não há muito futuro para os jovens. Escolhi a questão da água, dessas "megabacias", como um ponto da trama. Mas quando terminei de escrever Creation Lake, as megabacias tinham se tornado um grande problema na França. Há essas batalhas campais acontecendo no noroeste da França entre ativistas e fazendeiros e a polícia francesa, que estão defendendo os interesses da agricultura corporativa.

Quando Sadie fala sobre sulcos de caminhões e usinas nucleares serem "a verdadeira Europa", ela está pegando um fio da realidade e chamando-o de realidade. Ela quer pensar que pode desromantizar tudo ao seu redor, e ela não é tão inteligente quanto pensa que é. Este é um componente não insignificante de sua falta de confiabilidade. Ela precisa ler as cartas de Bruno para aprender o que é sagrado sobre a história, as pessoas e a natureza. Em termos daquela cena sobre a "verdadeira Europa", uma citação dela aparentemente se tornou viral no Twitter, e as pessoas não entenderam que era de um romance, que era um narrador e que narradores de romances são fictícios. Sadie está improvisando de uma maneira deliberadamente provocativa, dizendo ao leitor para mais ou menos pegar sua preciosa Europa e enfiá-la. Ela também está bêbada.

A França é, claro, "calcinhas em um arbusto" e "o café chique" — e muitas outras coisas além disso. É um país industrializado. Mas também é um lugar incrivelmente charmoso com todos esses localismos. Paris é um localismo, mas muito poderoso. Da perspectiva de um americano, Paris é única porque centraliza o poder cultural, o poder financeiro e o poder político em uma cidade. Não temos um equivalente nos Estados Unidos. Isso é exótico para Sadie e ela até fica meio impressionada com isso, porque ela está sentindo a presença sombria do poder político e corporativo na forma de seus chefes, quem quer que sejam.

Eileen G’Sell

Para ser mais preciso, talvez o que seu livro tenha desafiado foi minha própria pós-nostalgia pelos objetivos revolucionários do final dos anos 60 e início dos anos 70 — um período que parece ter exercido maior impacto na governança francesa do que os movimentos contraculturais e antiguerra nos Estados Unidos.

Rachel Kushner

O presidente da França durante a maior parte da década de 1970 foi um conservador, Valéry Giscard d’Estaing. Militantes na década de 1970, tanto nos Estados Unidos quanto na França, estavam em desordem fragmentada. Então veio François Mitterrand, e o sonho acabou, kaput, acabado. Mas meu romance não é sobre dissipar um romance com a revolta esquerdista. Provavelmente o oposto. Eu me deparei com algo que Fredric Jameson disse sobre a década de 1970 para um conhecido meu, em resposta a uma pergunta sobre por que Jameson escolheu literatura em vez de revolução. Jameson falou sobre a década de 1970 como sendo imensamente repressiva, uma era em que, internacionalmente, parecia que o horizonte revolucionário estaria "verdadeiramente perdido". E foi aí que Jameson passou para seu tipo de formulação clássica, de que a revolução aparece primeiro na imaginação e depois nas ruas.

Em termos de ter uma ideia romântica de maio de 68, a obra-prima de Chris Marker, A Grin Without a Cat, sobre maio de 68 e suas vidas posteriores, é um filme devastador sobre a promessa revolucionária e como ela se desenrolou em todo o mundo. Para as pessoas que estavam muito envolvidas e moldadas por maio de 68, a década de 1970 foi marcada por decepção, paranoia e desespero.

Mas um personagem como Bruno não é paranoico e não está desiludido. O truque para mim era render alguém que é ligeiramente lunático, mas o que ele aponta não é lunático. "Estamos caminhando para a extinção", ele diz, "em um carro brilhante e sem motorista, e a questão é: 'Como saímos deste carro?'" Como saímos do carro? Para chegar a uma resposta, é necessário um tipo de pensamento mágico. O trabalho de reparo do Creation Lake para mim foi produzir esse pensamento. Então, acho Bruno, como personagem, esperançoso e também utilmente romântico. Seus mitos suturam a ferida para mim — a ferida sendo a origem e o destino de nossa existência.

Eileen G’Sell

Guy Debord, uma figura histórica real, aparece no seu romance como um contemporâneo de Bruno. Em Creation Lake, Debord aparece como um tipo de canalha, o que, claro, ele era na vida real, pelo menos até certo ponto. Mas acho que é fácil esquecer disso quando olhamos para o passado.

Rachel Kushner

Debord não é alguém que eu jamais classificaria como um canalha. Sua voz era como nenhuma outra, e ele estava correto em muitas de suas formulações. Eu estava apenas olhando seu livro de 1988, Comments on the Society of the Spectacle, que é soberbo: "O debate vazio sobre o espetáculo — isto é, sobre as atividades dos donos do mundo — é organizado", ele diz, "pelo próprio espetáculo". Ele continua a discernir o espetáculo "concentrado" do espetáculo "difuso", e está claro que agora vivemos em uma sobreposição dos dois, e também que a integração dessas duas formas está dentro de cada pessoa, uma câmera Ring que aponta para seu terceiro olho e o ajuda a ser inautêntico, a ser escravo das atividades dos "donos do mundo".

Mais Debord, deste mesmo livro: "A maior ambição do espetáculo integrado é transformar agentes secretos em revolucionários, e revolucionários em agentes secretos". É quase como se Guy Debord tivesse lido Creation Lake. Embora ele não gostasse da parte do romance em que Sadie aponta que o alcoolismo não é revolucionário, apesar do que Debord, mais tarde em sua vida, passou a acreditar. (Não importa que a própria Sadie esteja nas garras de seu próprio vício paralisante.)

Como figura, Debord é um tanto trágico. Quando eu estava planejando ver a grande exposição de seus papéis na Bibliothèque Nationale de France (BNF) em 2013, um amigo que conhecia alguns de seu círculo íntimo, os que ainda estavam de pé, me disse que todos eram profundamente contra a exposição. É compreensível: Guy Debord queria incendiar lugares como a BNF, mas de repente estava sendo celebrado pelo estado, que só comprou seus papéis quando descobriu que eles poderiam ir para a Universidade de Yale e de repente decidiu que esse insurrecionista impenitente deveria ser nacionalizado (pela quantia arrumada negociada pela viúva de Debord, Alice Becker-Ho). Perguntei ao meu amigo: "Qual seria a maneira apropriada de lidar com sua memória?" E me disseram: "Bebendo".

Michèle Bernstein é a única desse círculo que ainda está viva. Ela tem noventa e dois anos e foi esposa de Debord na década de 1950, na época em que, no livro, ele conhece meu personagem fictício Bruno Lacombe. A biografia inicial de Bruno e sua associação com Debord são emprestadas de uma figura da vida real, Jean-Michel Mension. Isso deve ser evidente para aqueles que estão familiarizados com isso, mas é irrelevante para aqueles que não estão. Mension era um associado de Debord e foi expulso da Internacional Situacionista eventualmente. O processo de purificação foi tal que quase ninguém conseguiu evitar esse destino.

Eileen G’Sell

Sadie aprende sobre a história do Le Moulin para manipular seus membros, para encontrar e explorar suas fraquezas. Ela é muito analítica. Ela é muito inteligente.

Rachel Kushner

Sadie tenta furar as ambições utópicas de outras pessoas, como as de Le Moulin. Mas ela não faz isso de um lugar de sofisticação e retidão moral. Ela é uma policial, lembre-se. Ela aponta a misoginia da comuna, mas parece ser uma traidora pior para as mulheres do que os meninos que não ajudam tanto com o cuidado infantil comunitário. Ela aponta as contradições dos militantes, mas esses detalhes não são nenhuma novidade para ninguém que já tenha circulado em espaços de esquerda. Como Pascal, o líder de Le Moulin, diz a ela: "Não somos os primeiros a vivenciar esses desafios!"

Como tenho participado de eventos de livros durante todo o outono, comecei a notar padrões: quanto mais alguém está longe do mundo que o livro retrata, mais provável é que ache o livro cínico. Acontece que liberais sem absolutamente nenhuma conexão pessoal com a política radical e os meios esquerdistas anseiam por uma representação ingênua e romântica desses meios. Vai entender.

Sadie é uma adversária dos militantes no romance, mas não porque ela tenha uma política reacionária. Ela afirma que não tem política. Ela continua apontando para Eclesiastes, que é a parte mais pessimista e oblíqua do Antigo Testamento. E ela continua afirmando que em nosso âmago está nosso "sal" — um substrato duro no qual podemos localizar algum senso de certo e errado, mas não crenças políticas em qualquer sentido explícito. Essas desaparecem quando as pessoas são despojadas de seu contexto social e forçadas a se encarar. Talvez seu sal seja o que a torna vulnerável a se tornar discípula de Bruno — combinado com o fato de que ela está tão isolada por sua vida secreta que outras pessoas não são muito reais para ela. Ao se aventurar na paisagem francesa, sua única companhia são as descrições de Bruno daquela mesma paisagem. Ele permite que ela veja a particularidade do mundo, mesmo que ela seja alguém que afirma explicitamente não se importar com a natureza. Mas lá está ela, notando o que Bruno chama de “neire”, a escuridão das uvas, das nozes, das cavernas, de uma história orgulhosa de violentas revoltas camponesas.

Eileen G’Sell

Durante boa parte do livro, Sadie se sentiu como esse tipo muito particular de femme fatale americana. Sua maneira de se ver é tão profundamente individualista. Ela é uma loba solitária. Dessa forma, mesmo que se passe na França, Creation Lake parece o mais americano dos seus romances.

Rachel Kushner

Ela é definitivamente uma categoria americana de lobo, eu concordo. O romance de espionagem é uma forma americana. Enquanto escrevia isso, peguei emprestados aspectos do gênero noir e prestei homenagem deliberada ao escritor francês Jean-Patrick Manchette, a quem eu realmente amo — e zombei de um escritor policial francês que acho adorável, mas ridículo, Jean-Claude Izzo, cuja Trilogia de Marselha Sadie ridiculariza quando está em Marselha. Como muitos homens franceses de sua geração, Manchette foi criado com ficção policial americana. Sua geração leu autores como Raymond Chandler e Horace McCoy, que é extremamente famoso na França e escreveu They Shoot Horses, Don’t They?

Muita ficção policial francesa é filtrada por essa fantasia do que significa ser americano. Ao pegar emprestado um pouco de Manchette, nunca quis minar ou subverter o romance noir — foi exatamente o oposto. Eu queria usar um pouco de seu poder para manter as coisas em andamento. Pegar emprestado do gênero inevitavelmente colocava a narradora feminina na posição de femme fatale. Sadie representa tanto a americanidade da ficção policial quanto a fantasia francesa do que esse gênero é.

Mas também estou interessado na selvageria do individualismo pela razão mais profunda de que, como americano e escritor americano, sou um produto dele. Meus amigos franceses acham que a América é um lugar psicótico cheio de ignorância e violência. Eles também a admiram enormemente, e em grande parte pela sensação de que é caótica, perigosa e cheia de energia. A França não tem o senso do indivíduo da maneira como nós temos. Como um dos meus editores franceses me disse recentemente, "o estado está dentro das pessoas na França". Há uma sensação de que você é parte de um tecido cívico e deve se comportar como uma parte insignificante de um grande organismo. Sadie não tem estado dentro dela. Ela é uma vontade destrutiva, uma espécie de radical livre. Isto é, até que Bruno comece a desestabilizá-la e reorientá-la.

Eileen G’Sell

Porque não posiciona Sadie como uma discípula desde o começo, em vez de Creation Lake se tornar um livro sobre desilusão, ele se torna um livro que, no final, parece muito mais esperançoso — mas não de uma forma que pareça implausível. Sadie não se transforma de repente em um modelo de virtude. Ela termina neste espaço liminar que, embora narrativamente diferente, me lembrou do final do seu romance The Mars Room.

Rachel Kushner

Ambos os finais lidam cosmologicamente com algum desejo de encontrar significado na vida humana. As estrelas desestabilizam a necessidade primordial de Bruno de encontrar um culpado pelos fracassos da civilização. Ele tem culpado o Homo sapiens por devastar a Europa há quarenta mil anos. Ele desconsiderou sua arte rupestre como representações tecnologicamente impressionantes de mero "comer e matar". Mas de repente ele postula que talvez as representações em lugares como Lascaux sejam realmente destinadas a produzir um tipo de estrutura cosmológica; os animais retratados são constelações. E então ele entra nesse pensamento de, "O que é contemplação de estrelas?" É o desejo de se localizar. Ele tem essa ideia de que um lar pode ser localizado nos céus. As pessoas podem olhar para cima e ver o que outros viram por milhares de anos. Há um profundo calor na continuidade. Isso enfraquece a dúvida, a solidão e a decepção no projeto humano.

Em termos de Sadie, eu tinha originalmente concebido o fim do Creation Lake como sua punição. Punição para Sadie. Os Moulinards mostrariam a ela, de uma vez por todas, que ela realmente não é tão inteligente quanto pensa que é. Mas quando me aproximei da cena em que isso aconteceria, vi que estava errado. Tudo o que teria dito era: "A traição não compensa". Quando escrevi o final real, pareceu exatamente certo para mim e funcionou quase como uma psicanálise. Sadie deixa seu emprego trabalhando para os donos do mundo. Ela atravessa a fantasia, e seu criador também.

Colaboradores

Rachel Kushner é autora de Creation Lake, que foi pré-selecionado para o Booker Prize. Seus outros livros incluem The Hard Crowd, The Mars Room, The Flamethrowers e Telex from Cuba.

Eileen G’Sell é uma poetisa e crítica com contribuições recentes para o Baffler, Current Affairs, Hyperallergic e Hopkins Review, entre outras publicações. Ela é vencedora do Rabkin Foundation Prize em jornalismo artístico em 2023 e leciona na Washington University em St. Louis. Seu livro mais recente, Francofilaments, foi publicado no final de 2024.

4 de janeiro de 2025

Odiar os ricos é uma tradição ocidental

Desde Aristóteles, pensadores ocidentais têm sido profundamente críticos do poder que os ricos detêm sobre a sociedade. O historiador Guido Alfani sentou-se com a Jacobin para discutir a longa história de oposição ao poder da elite na política e religião ocidentais.

Uma entrevista com
Guido Alfani

Jacobin

Um retrato de Cosimo II de' Medici com a arquiduquesa Maria Maddalena da Áustria e seu filho Ferdinando II de' Medici. (Wikimedia Commons)

Entrevista por
Hugo de Camps Mora

A desigualdade não é um fenômeno exclusivo das sociedades capitalistas; na verdade, tem sido comum a quase todas as ordens sociais. Em As Gods Among Men: A History of the Rich in the West, Guido Alfani mostrou que uma forte crítica à desigualdade tem sido uma característica das sociedades ocidentais desde os tempos antigos. Aristóteles argumentou que seria ingênuo esperar que alguém com mais riqueza e recursos do que a vasta maioria das pessoas agisse de acordo com os valores da comunidade. Tal indivíduo, ele argumentou, se comportaria como um deus entre os homens.

Com figuras como Elon Musk exercendo quantidades crescentes de controle sobre nosso sistema político, essa crítica se tornou ainda mais oportuna. Alfani sentou-se com a Jacobin para falar sobre a história das críticas à desigualdade de Aristóteles até hoje. O que mudou é que os ricos desenvolveram mecanismos ainda mais bem-sucedidos para consolidar seu poder politicamente e argumentos falsos para defender esse estado de coisas moralmente.

Hugo de Camps Mora

O título do seu livro é As Gods Among Men: A History of the Rich in the West. Quem são os ricos e por que alguém preocupado com injustiças e desigualdades contemporâneas deveria querer ler uma história sobre eles?

Guido Alfani

Ao longo do meu livro, analiso uma definição muito simples, que é o 1% mais rico ou os 5% mais ricos. Também analiso outra definição possível, que é relativa no sentido de que não define os ricos como aqueles que pertencem a um percentil específico, mas sim como aqueles que são pelo menos dez vezes mais ricos do que a riqueza mediana. A vantagem dessa outra definição é que ela permite que a prevalência dos ricos mude ao longo do tempo.

Com relação ao motivo pelo qual devemos olhar para os ricos se estamos preocupados com nossa situação atual, bem, se considerarmos a história ocidental, pelo menos, que é a que conheço melhor, podemos facilmente perceber que a presença dos ricos na sociedade sempre levou a certos problemas e preocupações possíveis, que são muito semelhantes hoje e no passado. Ao reconhecer isso, acho que podemos mudar nossa maneira de olhar para os desafios e problemas que enfrentamos hoje para tentar resolvê-los.

Hugo de Camps Mora

Seu livro não estuda apenas as diferentes maneiras pelas quais os ricos adquiriram, perpetuaram ou desperdiçaram sua riqueza ao longo da história; ele também lida com a forma como esse grupo em particular foi percebido ao longo da história. Você argumenta que o Ocidente é caracterizado por uma tradição de suspeita e desdém em relação aos ricos — um sentimento que, você afirma, pode até ser rastreado até Aristóteles. Você poderia explicar esse ponto?

Guido Alfani

Aristóteles estava preocupado que, em uma sociedade democraticamente organizada — com a qual ele se referia especificamente à democracia ateniense — se alguém possuísse um excesso de virtude em comparação com os outros, incluindo acesso a recursos econômicos, seria irreal esperar que essa pessoa se comportasse como todos os outros. Ele argumentou que tal pessoa agiria como um "deus entre os homens", um conceito que inspirou o título do meu livro. Essa ideia persistiu no pensamento ocidental até hoje, especialmente da Idade Média em diante. Pensadores como Nicolas Oresme no século XIV, que traduziu e comentou sobre Aristóteles, ecoaram essa preocupação. De fato, após o século XIV, o foco mudou de um excesso de virtude em geral para um excesso de controle sobre recursos econômicos em particular. Essa questão continua relevante hoje, como visto no trabalho de Thomas Piketty sobre desigualdade, onde ele argumenta que a desigualdade excessiva de riqueza leva a problemas sociais significativos.

Hugo de Camps Mora

Você diz que o desdém pelos ricos que você argumenta existir nas sociedades ocidentais se tornou particularmente acentuado após a Idade Média. Você poderia expandir como esse sentimento se desenvolveu?

Guido Alfani

De fato, particularmente a partir da Idade Média, ficou claro que os ricos eram frequentemente vistos negativamente e vistos como pecadores. Os teólogos da época releram a Bíblia e enfatizaram algumas das críticas mais severas aos ricos, como a afirmação de Jesus de que "é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus". Na realidade, a questão era particularmente problemática para os plebeus que se tornaram ricos. O problema não era realmente com os nobres, que, segundo os teólogos, tinham acesso privilegiado aos recursos como parte do plano de Deus para a organização da sociedade. Em teoria, os nobres também eram responsáveis ​​por proteger seus súditos, criando uma espécie de troca entre nobres e súditos. A preocupação estava com os plebeus: por que eles eram ricos? Por que acumulavam riqueza em vez de usá-la para ajudar os pobres?

Para alguém como Tomás de Aquino, a resposta era clara: eles eram pecadores, e o objetivo era impedir que o pecado se espalhasse. Aquino até mesmo desaconselhou permitir que os plebeus se envolvessem no comércio internacional, temendo que eles se tornassem ricos demais. O que era ainda pior era quando os ricos ganhavam seu dinheiro por meio de empréstimos. Aquino, refletindo sobre os ensinamentos de Aristóteles, argumentou que o dinheiro não deveria gerar mais dinheiro — "nummus non parit nummos", como diz a frase em latim. Envolver-se em tais práticas, e em particular emprestar a juros, era essencialmente cometer um pecado porque significava fazer alguém pagar pelo tempo, e como o tempo pertence a Deus, era basicamente considerado semelhante a roubar de Deus.

Apesar dos esforços dos teólogos, eles falharam em impedir que os governantes permitissem que seus súditos enriquecessem, pois os governantes queriam que as pessoas ricas em suas comunidades tributassem e fornecessem fundos quando necessário. No entanto, esses teólogos contribuíram significativamente para a suspeita profundamente enraizada em nossa cultura em relação àqueles que acumulam riqueza, particularmente em finanças, que ainda é percebida como menos legítima do que a riqueza obtida por meio do empreendedorismo, inovação ou outras áreas onde se pode enriquecer.

Hugo de Camps Mora

Um dos seus principais argumentos é que, se esse grupo em particular conseguiu chegar aos nossos tempos, dado o desdém existente em relação a eles, é porque eles eram esperados e, às vezes, até forçados a agir de maneiras muito particulares. Como se esperava que os ricos se comportassem para atingir algum nível de legitimidade?

Guido Alfani

Então, como acabei de explicar, esse aumento no grau de desdém em relação aos ricos acontece muito claramente no final da Idade Média. O ponto é que esses plebeus continuaram a ficar cada vez mais ricos, e ninguém conseguia detê-los. Então a sociedade foi forçada a se adaptar a essa realidade: no século XV, não era mais possível simplesmente dizer: "ok, todos os ricos são pecadores". Eles estavam lá e eram parte da sociedade.

É quando você começa a encontrar uma reflexão sobre como eles podem ajudar a sociedade como um todo. E uma maneira muito eficaz de colocar isso é a usada por Poggio Bracciolini, um humanista italiano que no início do século XV escreveu um tratado sobre a avareza. Ele basicamente diz que os ricos em uma cidade são como um celeiro privado de dinheiro. E eles funcionam de forma semelhante aos celeiros públicos que são criados para enfrentar a ameaça da fome. O ponto dele é que, se você tem uma crise e precisa de ajuda — e em particular de recursos financeiros, porque, por exemplo, você precisa pagar pela guerra e defesa — você não vai pedir ajuda aos pobres, porque eles não terão nada para lhe dar.

Em vez disso, você pode pedir aos ricos, porque seus recursos privados podem ser usados ​​para benefício público. E você pode pedir a eles, gentilmente, "Você pode nos emprestar algum dinheiro?" E se eles não o fizerem, você pode, menos gentilmente, forçá-los a emprestar dinheiro ou tributá-los, ou você pode até mesmo expropriá-los até certo ponto. Ao longo do período moderno inicial, descobrimos que esses empréstimos forçados eram bastante onipresentes em praticamente todos os estados da Europa em tempos de necessidade.

Hugo de Camps Mora

Você fala sobre como, dependendo da fonte de sua riqueza e seu status, diferentes membros da elite rica foram vistos em termos muito diferentes historicamente. Em particular, você fala sobre as diferentes maneiras pelas quais a aristocracia foi vista em relação aos plebeus ricos. Você poderia elaborar sobre esse ponto?

Guido Alfani

O fato é que a nobreza em certas crises, como guerras, era esperada para contribuir, mas basicamente era esperada para contribuir com mão de obra. A nobreza historicamente teve grande riqueza em termos de imóveis, mas pouca riqueza líquida que eles pudessem realmente fornecer imediatamente. Então eles tiveram que fornecer suas próprias habilidades marciais e muitas vezes seus próprios soldados, mas eles não foram tradicionalmente tributados mais do que os outros — eles apenas têm um contrato social diferente.

O interessante é que a nobreza era o componente dos ricos que era considerado o mais legítimo na Idade Média e no início do período moderno, mas não hoje. Mudamos para uma situação em que culturalmente consideramos que a riqueza “feita” é mais legítima do que a riqueza que foi simplesmente herdada. Isso é algo que também é uma característica da nossa cultura ocidental hoje. O problema hoje, é claro, é que, embora na maioria dos países tenhamos nos livrado da nobreza completamente, temos o que chamo de “aristocracias da riqueza”, que não precisam de títulos nobres para existir.

Hugo de Camps Mora

Você também estuda a conexão entre riqueza e poder político. Você examina os casos de bilionários como Silvio Berlusconi ou Donald Trump, que usaram diretamente a política para seu benefício pessoal. O que você pode dizer sobre a propensão e capacidade das elites contemporâneas de participar da política em comparação a outros períodos históricos?

Guido Alfani

Não acho que alguém como Silvio Berlusconi, que pode ser o precursor desse movimento de indivíduos super-ricos se tornando primeiros-ministros ou presidentes, e que foi eleito pela primeira vez na Itália em 1994, teria sido eleito para uma posição semelhante em qualquer país ocidental na década de 1960. Da mesma forma, não acho que alguém como Donald Trump teria sido eleito também.

A questão é que, por um lado, nas últimas décadas, vimos os super-ricos e os mais ricos em geral desempenhando um papel muito mais ativo e direto na política; por outro lado, é bem claro que nas últimas décadas do século XX, nós, como eleitores, nos tornamos coletivamente mais receptivos ao envolvimento de pessoas super-ricas na política.

Hugo de Camps Mora

Estávamos falando sobre o papel que se esperava que os ricos desempenhassem ao longo da história, e parece ter sido constante após o final da Idade Média. Os ricos continuaram a desempenhar esse papel em crises recentes, como a Grande Recessão e a pandemia da COVID-19?

Guido Alfani

Em crises recentes, os ricos foram solicitados a ajudar da mesma forma que no passado. Em todos os países ocidentais, houve apelos para que os ricos contribuíssem mais, seja por meio de contribuições excepcionais, aprimorando a natureza progressiva do sistema tributário ou por meio da introdução de impostos sobre riqueza ou herança. No entanto, muito pouco foi feito. Podemos ver isso facilmente observando as recentes reformas fiscais em países ocidentais, onde muito poucos introduziram medidas significativas para aumentar as contribuições dos ricos.

Mesmo considerando todas as crises — da Grande Recessão iniciada em 2008 à crise da dívida soberana, à COVID-19 e agora à guerra na Ucrânia — tem havido uma demanda social consistente para que os ricos contribuam mais. No entanto, com exceção de um país como a Espanha, onde pelo menos algumas medidas foram tomadas nessa direção, isso não se traduziu em políticas reais em outros lugares. Essa situação levanta uma grande questão: por que essa demanda não resultou em políticas implementadas?

Hugo de Camps Mora

Uma das coisas que você mencionou em seu livro é que essa excepcionalidade é particularmente ruim, dados os altos níveis de dívida pública resultantes da Grande Recessão. Por que isso torna a situação ainda mais preocupante?

Guido Alfani

Muitos países aumentaram significativamente sua dívida durante a COVID-19 e até mesmo antes disso com crises anteriores, como a crise da dívida soberana. Durante esse período, também houve uma tendência em todo o Ocidente de se afastar do que resta da tributação progressiva. Se você combinar esses dois fatores — aumento da dívida pública e afastamento da tributação progressiva — você acaba em uma situação em que os indivíduos mais ricos não são solicitados a contribuir mais para cobrir os custos das crises de hoje. Isso essencialmente adia o momento em que a conta real da crise terá que ser paga e, devido ao sistema tributário menos progressivo, não faz com que o fardo da crise recaia sobre os mais ricos. Em vez disso, transfere o peso da crise para as classes média e média-baixa em maior extensão do que no início do século XX.

Hugo de Camps Mora

Alguns dos ricos de hoje acreditam que já dão muito à sociedade por meio de suas associações filantrópicas e doações. No seu livro, no entanto, você não acredita na narrativa de que eles já estão colaborando o suficiente com o resto da sociedade e que, portanto, não devemos reclamar do papel que ocupam. Por quê?

Guido Alfani

Bem, há duas razões para isso. Primeiro, a filantropia é um conceito moderno interessante que exige que você não receba nada em troca de sua doação. Mas o ponto é que nem toda filantropia é realmente filantropia. Quando alguém como Cosimo de' Medici em Florença estabeleceu novos mosteiros ou a primeira biblioteca pública na Europa, ficou claro para todos que ele estava fazendo algo para sua cidade e para o estado, mas que dessa forma ele também estava reivindicando o governo. Então não foi um presente; foi algo diferente. Para as pessoas daquele período, isso era bom. Mas hoje estamos em uma democracia. O ponto é, sem dúvida, que parte do que chamamos de "doação" ajuda a construir influência política e cultural; ajuda a posicionar os ricos na sociedade e, nos piores casos, serve basicamente como uma forma de sonegar impostos. No mínimo, gostaríamos de saber qual é exatamente a barganha que nos está sendo oferecida.

Então há o segundo problema, e isso é realmente algo que eu acho que deveria entrar mais no debate. Não se trata apenas de quanto você doa para ajudar, mas também de quem decide como esses recursos serão usados ​​para beneficiar a sociedade. O tipo de contrato social que temos não exige apenas que os ricos paguem proporcionalmente mais impostos do que os outros; também exige que eles aceitem que a sociedade, por meio de suas instituições eleitas, decidirá como o dinheiro será usado.

O problema surge quando os ricos começam a acreditar que sabem melhor do que o governo como usar seu dinheiro. Embora todos nós tendamos a pensar que somos os melhores juízes de como nosso dinheiro deve ser gasto, temos que aceitar que a maneira correta de influenciar a política é votando nos partidos que alocarão o dinheiro de uma forma que achamos aceitável — e não tentando sonegar impostos para então usar parte desse dinheiro economizado para fazer o "bem" em uma área de nossa escolha.

Hugo de Camps Mora

Devemos esperar que a tendência atual de desigualdade crescente, sociedades mais rígidas e aumento do poder político das elites continue ao longo do século XXI? Ou deveríamos esperar que a suspeita e o desdém pelos ricos que você diz caracterizar a cultura ocidental consigam impedi-los de se comportar como deuses entre os homens?

Guido Alfani

Com base no que vejo na dinâmica política atual dos países que conheço um pouco, acho que a tendência continuará por um tempo. O que acontecerá depois? Bem, se a tendência continuar, isso também significa que potencialmente haverá uma preocupação social crescente sobre isso. E o que acontecerá nesse ponto? Bem, tecnicamente vivemos em democracias, então talvez os eleitores simplesmente mudem suas preferências e comecem a promover partidos que sugiram uma maneira diferente de organizar a interação com a economia — por exemplo, partidos que sejam mais favoráveis ​​à tributação progressiva, tributação de heranças, etc. Se isso não acontecer porque, por exemplo, a política é capturada por uma certa parte da elite rica, então o que realmente corremos o risco é que a sociedade se torne instável.

Isso é o que aconteceu na história ocidental sempre que a parte mais rica da sociedade foi considerada insensível à situação das massas. Vemos isso, entre outros exemplos, nas revoltas da Idade Média e na Revolução Francesa. Também vemos isso nos séculos XIX e XX. É por isso que, eu acho, a campanha “In Tax We Trust” [de pessoas super-ricas que querem pagar mais impostos], que se desenvolveu nos últimos anos, declarou em uma carta à reunião de Davos que, no final, a escolha é entre impostos e forcados. E é exatamente isso: ninguém deveria querer forcados, os ricos incluídos.

Colaboradores

Guido Alfani é professor de história econômica na Universidade Bocconi, Milão. Ele é autor de Calamities and the Economy in Renaissance Italy: The Grand Tour of the Horsemen of the Apocalypse e coautor de The Lion’s Share: Inequality and the Rise of the Fiscal State in Preindustrial Europe.

Hugo de Camps Mora escreve sobre economia política e sociologia econômica. Atualmente, ele pesquisa abordagens críticas ao turismo em Birkbeck.

3 de janeiro de 2025

O Oriente Médio após a queda de Assad

Em uma entrevista abrangente, a economista política Helen Thompson discute como a queda de Bashar al-Assad na Síria transformou a região. Com a chegada do governo Trump, o cenário agora está pronto para os falcões confrontarem um Irã isolado.

Uma entrevista com
Helen Thompson


Um pôster desfigurado de Bashar al-Assad é visto do lado de fora de um centro de recrutamento do Exército Sírio em 26 de dezembro de 2024, em Damasco, Síria. (Chris McGrath / Getty Images)

Entrevista por
Samuel McIlhagga

Desde o início da guerra civil síria em 2011, a nação se tornou um campo de batalha para hegemonias concorrentes. Os Estados Unidos, a Turquia, a Rússia e o Irã tentaram exercer influência sobre uma Síria fragmentada. Isso levou a alianças improváveis, como a campanha conjunta EUA-Rússia contra o ISIS na Síria ou o apoio americano às forças curdas anti-imperialistas no Norte, que foi parcialmente retirado sob o governo Donald Trump.

Em uma conversa abrangente, Helen Thompson, uma estudiosa de política global, energia e história na Universidade de Cambridge falou com a Jacobin sobre a política de grandes potências no Oriente Médio após a queda do regime de Bashar al-Assad. Visto da longue durée, fica claro que o poder americano na região está diminuindo. Mas o colapso do Hezbollah, a disposição da Turquia de projetar poder na região e a percepção de Israel sobre a fraqueza do Irã provavelmente aumentarão, em vez de reduzir, as tensões na região em 2025.

Samuel McIlhagga

Ampliando, como você acha que a política material impactou a queda de Assad na Síria? O colapso traz à mente a citação de [Vladimir] Lenin, não é? “Há décadas em que nada acontece, e há semanas em que décadas acontecem.”

Há uma aceleração repentina de forças históricas em um curto espaço de tempo. Há tendências de longa duração, políticas, econômicas e energéticas subjacentes à rápida queda de Assad que vêm acontecendo há muito mais tempo?

Helen Thompson

Ainda estamos tentando entender o que aconteceu, sentados aqui no Reino Unido, de fora: é bem difícil. Não acho que haja algo na frente energética que seja decisivo para explicar o que aconteceu. Em vez disso, precisamos pensar sobre o impacto de um regime iraniano economicamente enfraquecido ao longo do tempo: em sua capacidade de apoiar um regime cliente na Síria. Não acho que, no período da administração de [Joe] Biden, o declínio iraniano tenha sido decisivo, porque as sanções dos EUA não foram aplicadas com tanta firmeza.

No entanto, não acho que haja dúvidas de que, se você olhar para o Irã ao longo do tempo, voltando a 2018, quando as sanções foram repostas depois que Trump encerrou o acordo nuclear, o Irã não estava em uma boa posição economicamente. Tem sido muito difícil para a Rússia ou a China atuarem como suporte econômico externo para o Irã. As sanções à Síria desde 2020 [o Caesar Act foi aprovado em 2019] prejudicaram o regime de Assad, dificultando o pagamento de salários no exército. Isso também teve algum efeito.

A Síria não é um exportador significativo de petróleo. Na medida em que o país importa em termos de energia: está na área curda, no pequeno estado curdo, em vez de em qualquer parte da Síria que Assad controlava até recentemente. Acho que há uma história de longa duração, se você preferir, sobre o excesso do regime iraniano e o efeito do enfraquecimento da capacidade do Irã de obter receita com as exportações de petróleo. Mas não é o ponto crucial do que aconteceu. Temos que pensar no enfraquecimento do Irã por Israel, particularmente desde abril passado, acelerado desde o ataque do dispositivo [visando agentes do Hezbollah] e também o retorno iminente de Donald Trump à Casa Branca. Isso incentivou [o presidente Recep Tayyip] Erdoğan a aumentar a influência turca na Síria.

Samuel McIlhagga

Qual é sua opinião sobre o envolvimento turco na atual situação da Síria? Obviamente, há rebeldes diretamente apoiados pela Turquia no norte da Síria, usados ​​como cabeça de ponte — especialmente para combater o que eles veem como atividade do PKK [Partido dos Trabalhadores do Curdistão] em Rojava. Mas a ligação entre a Turquia e o que costumava ser chamado de Frente Al-Nusra, e agora HTS [Hayat Tahrir al-Sham] na área ao redor de Idlib, sempre foi menos direta.

A Turquia é esse tipo de jogador estranho na região, no sentido de que é formalmente parte da OTAN, mas tem uma agenda islâmica moderada e uma espécie de agenda expansionista neo-otomana. Também colabora, de tempos em tempos, com a Rússia e o Irã, não ideologicamente, mas de forma pragmática. Alguns consideram a Turquia um fazedor de reis na região. Que papel ela desempenhará na nova Síria?

Helen Thompson
I don’t think you can understand what has happened over the last two weeks without making Turkey pivotal. I think it’s true that Israel’s actions against Iran, and Hezbollah in particular, created a strategic opportunity for Turkey. Turkey is the external state that was the decisive player in encouraging Abu Mohammad al-Julani to act. Not necessarily, I think, to bring down the Assad regime: I’m not sure that on November 27 when things began Erdoğan was thinking in those terms. But what increased pressure on the Assad regime?

Back in 2018, Iran was exporting oil to many different countries, including European nations. Now 90-plus percent of Iranian oil exports are going to China.
You can’t separate Julani’s actions, or indeed, the subsequent actions of the Syrian National Army against the Kurdish statelet without bringing Turkey into it. After all, the actions against the Kurdish statelet were backed by Turkish air forces from December 6 to December 11 until, effectively, the Americans imposed a cease-fire. And in that sense, you might say that the longue durée competition around Syria for the last decade was between Turkey and Iran. Now Turkey is in the ascendant.

Samuel McIlhagga
Do you buy the 2010s line that the Syrian civil war is not just a proxy conflict between Turkey and Iran, but also a religious, or semireligious, war between Sunni and Shia (and Alwalite)? I’ve always thought it seemed more complex than that.

Helen Thompson
I think it is more complicated than that. And I don’t think that you can think of Turkish-Iranian rivalry and reduce it simply to Sunni versus Shiite. I think that that is too simple. It is an element of Turkish-Iranian rivalry. If you think about it, historically, in terms of the continuities of territorial power in the region (over very long periods) — it’s Egypt, Turkey, and Iran.

Samuel McIlhagga
You have similar delineated “spheres of influence” going back to the Ottoman Empire, the Safawids and Sassanians, that have shifted a bit over time but also have a level of continuity, right?

Helen Thompson
You might say that the interesting thing, in a way, if we start from that premise, is that there was a period after the Cold War ended when Assad had quite good relations with both Iran and Turkey. Relations significantly improved between Assad and Turkey in the years leading up to the Syrian civil war. Then they crashed very quickly. The Assad regime was in a great deal of trouble by, I’d say, 2012. Iran comes in and moves from being a state that effectively provides an external support structure for Syria to one where, you might say, Syria is a client state — underwritten by the Iranian Revolutionary Guard and Hezbollah.

Samuel McIlhagga
There’s that third organization that was like a front for Iran in Iraq and Syria [the Popular Mobilization Forces]. It crossing the border during the prime ISIS conflict years was also really major.

Helen Thompson
There’s Iraqi militias coming in to do fighting as well as the Iranian Revolutionary Guard and Hezbollah on Assad’s behalf.

Samuel McIlhagga
I find it interesting that you go to Iran first as the prime, not great power, but large power, underwriting Assad. Obviously, in the mainstream liberal Anglo-American press, the New York Times, etc., the line was very much that Assad was a force of [Vladimir] Putin. I take it your interpretation is that Iran is the pivotal powerbroker.

Helen Thompson
What’s true is that Iran was absolutely pivotal in 2012. The Assad regime might have collapsed in 2012 without the Iranian intervention. Obviously, the Assad regime had lost control of a not insignificant part of territory in northeast Syria. It’s not like the Iranians could guarantee the territorial integrity of Syria for Assad in that period in the 2010s. Things were looking quite difficult for Assad again, even with Iranian help, in 2014 — because of the rise of ISIS and the caliphate. ISIS changed the context in which the external sponsors of Assad were picked. At that point, Iranian and Hezbollah troops on the ground were not going to be sufficient: air power was going to be necessary against ISIS.

Hence, you get the Russian intervention from September 2015. What’s interesting at that point in the decade is that you have a period of time, in the first nine months of 2016, where one is moving toward, effectively, American-Russian cooperation against ISIS. Between the period of the attempted Turkish coup through to late September 2016, the Russians and the Americans are actually planning to coordinate joint military action against ISIS. Then a plane gets shot down, and it’s all off the table. Even from a liberal perspective, if you like, before Trump took office in 2016, Russians weren’t even straightforwardly the “bad guys.”

Samuel McIlhagga
In foreign policy circles, on Syria, there’s a much more pragmatic view of the alliances that can be forged. Even the US sponsorship of Rojava is a case in point of a “realist,” or at least pragmatic, alliance. Rojava is openly anti-imperialist and anti-capitalist — a very odd alliance to have with CIA funders. In the crucible of those middle years of the 2010s, especially with the threat of ISIS, there seems to be a willingness to forge unusual alliances, no?

Helen Thompson
In the second half of the Trump presidency, the contradictions in American policy come to the fore — because, on the one hand, you’ve got the Americans using air power against ISIS, needing the Turkish air bases to do that. But when it comes to fighting on the ground in northeast Syria, they want the Kurdish YPG [Peoples’ Protection Units] to do that. That’s a big problem for the Turks. Once you get to late 2019, when it seems in Syria that ISIS is being defeated, and Trump wants to pull back from any American engagement — the corollary is that he gives a free hand to Erdoğan to move against the Kurds.

At the same time, that horrifies other people in Washington, because they think that Rojava is the one bulwark against the resurgence of ISIS. There is some parallel here between the Russian and Iranian situation. The Russians provided the air power, and the Iranians and Hezbollah provided the soldiers on the ground. The US provided the air power, and the Kurds provided the soldiers on the ground. When it comes to the crisis in 2024, for the Assad regime, it doesn’t look like the Russians were willing to do much beyond a demonstration of air power in the first few days — trying to defend Aleppo. Nothing came after that [from the Russians for Assad].

Samuel McIlhagga
In terms of an analysis of causation. You have a protest movement that erupts out of the Arab Spring in the early 2010s that then finds its way into the Syrian National Army, which then splits off, you get this military-led, elite-led rebellion. Syria ends up in a war of attrition: combining five or six different sides. This has lasted since I was a teenager: a long time as twenty-first-century conflicts go. Suddenly the stasis dissolves and HTS manages to capture most of the main cities in Syria. I’m just wondering what you think the largest point of causation is. In your analysis, what’s the primary factor?

Helen Thompson
It does have to be the weakening of Iran’s position by Israel — in particular, the decapitation of Hezbollah. The reason there’s a caveat, or paradox, in Syria — when HTS was controlling Idlib, there were Hezbollah fighters up there that were affected by the cease-fire between Hezbollah and the Israeli government. Somehow, we need a causal explanation that sees the defeat, or the relative defeat, of Hezbollah as a massive change in the politics of the wider region. Not least because Hezbollah’s decline unconstrained Israel from some things that have generally constrained it since its withdrawal from Lebanon in 2000.

Yet, the immediate trigger of events is going on in the northwest of the country and has got, at the very least, a Turkish green light to move. Then you need an explanation of how Erdoğan, at this moment in time, wanted to take advantage of the strategic change in Syria. You could explain Syria just in terms of Turkish-Iranian rivalry. But one probably needs something that takes account of the way Erdoğan is thinking about Trump’s imminent return to the White House. That brings back to the table, so to speak, the crisis that played out in the autumn of 2019 [between the US, Turkey, and the Kurds]. Erdoğan was able to do what he wanted to a considerable extent after Trump’s withdrawal from the region, but he did get hit by quite hard sanctions when he went further than Trump wanted.

Samuel McIlhagga
What’s going through Erdoğan’s mind? Trump ran on a semi-isolationist policy slate. And yet, in terms of his probable appointees to prime foreign and defence policy positions, he seems to be going for old-fashioned neoconservatives, people who are fairly hawkish across the board. If I were Erdoğan, I’d be struggling to figure out what the foreign policy context in his patch of the world, especially northern Syria, is going to look like under a Trump administration.

Helen Thompson
I think Trump has been pretty hawkish on Iran. That was true in terms of ending [Barack Obama’s] Iran nuclear deal, putting sanctions back on Iran, and the criticisms he made about the Biden administration’s foreign policy toward the Middle East and North African nations, both while Biden was still a candidate and then when [Kamala] Harris became the candidate. The period when the Biden administration was trying quite hard to restrain Israel’s second big attack on Iran: trying to get them not to attack either oil facilities or nuclear facilities. Trump was very critical of that move by the Democrats.

I think the sanctions against Iran will be toughened, or enforced more tightly, by the Trump administration. I don’t think that will have the same economic effect on Iran as it did back in 2018. Back in 2018, Iran was exporting oil to many different countries, including European nations. Now 90-plus percent of Iranian oil exports are going to China. It’s going to be a lot more difficult to enforce sanctions that hurt China than it was to enforce sanctions that hurt European countries.

Samuel McIlhagga
What do you think the fall of Assad says about the recent developmentalist and institution-building models in the Middle East? Parts of the Middle East and Central Asia were seen as a tabula rasa by certain segments of the Western foreign policy elite.

If one looks comparatively at recent US-led Western state-building experiments in Afghanistan and Iraq, and then the earlier Ba’athist-, Arab nationalist–style institution-building experiment from the 1950s and 1960s, what emerges? The Afghanistan Islamic Republic [2004–2021] was very fragile and didn’t work as an institution-building practice. In the Iraqi case, the jury’s out. There was a period in the 2010s when it felt like the US-constructed Iraqi state was going to collapse, but it’s maintained itself, from the Sunni uprising in the early 2000s, up until now, which is quite surprising in retrospect. Then you have these longer-lived states, like Ba’athist Syria, which, a year or two ago, you’d have had some people saying: “These are the institution-building projects that have a long-term ability to last.” They’ve been around, in some shape, since the 1950s.

Yet, we’ve seen the final collapse of institutions built by Ba’athism in the space of a couple of weeks. I wonder what that says about how institutions are built, be that from the top down, by sort of hegemonic powers like the US, or, organically and in situ?

Helen Thompson
Several things are interesting about this. On the one hand, you can tell the story, in the way that you just suggested, about the continuity of the Ba’athist state in Syria from 1970 all the way through to 2024.

Samuel McIlhagga
Didn’t Ba’athist Syria go slightly further back into the 1960s?

Helen Thompson
Let’s say 1963. I was thinking about Syria, for that moment, in terms of Assadist Syria. You could argue that the basis of Ba’athism originates from when there’s a coup that takes Syria out of the Egypt-Syria union, which isn’t a union in any kind of equal terms. The union effectively subsumed Syria into Egypt. That ended in 1961. You could argue that there’s a state structure that’s continuous from that point. If you think in those terms, then the astonishing thing is that beyond all the geopolitical junctures in the Middle East from that period on, the Ba’athist regime in Syria survives them all.

I think it was clear that [Russian] air power alone was not going to save Assad. Someone was going to have to do the fighting: that wasn’t going to be Assad’s Syrian army, demoralized, scarcely paid, or Hezbollah, which was significantly weakened.
Perhaps most striking, in a way, is that Ba’athist Syria survives the end of the Cold War: given the fact that it had a Soviet security guarantee since the 1980s. It also survived the fall of Saddam Hussein’s Iraq in 2003 as the other existing Ba’athist state. In this context, it looks odd that Assad and Ba’athism can fall in a fortnight unless one applies a Lenin principle to Syria. Syria fell apart in a quite significant way; in retrospect, it ceased to exist, in some sense, from 2012 — from then there has been no territorial integrity. It’s being carved up in the northeast, it’s then going to get carved up in the northwest. Through that period, from 2013 through to 2019, ISIS effectively tried to establish a caliphate running through part of Syria and joining Iraq.

Samuel McIlhagga
I mean the whole Sykes-Picot settlement [which was established in secrecy by the United Kingdom and France to divide up the remanent of the Ottoman Empire in 1916] almost breaks. I remember ISIS soldiers crossing the Syria-Iraq line in the desert and declaring Sykes-Picot over.

Helen Thompson
Absolutely. In a sense, it’s not that this regime fell apart in two weeks.

Instead, what we’ve been witnessing, for more than a decade, is the territorial disintegration of the Syrian state, along some familiar fault lines. If you look at the collapse from a very long historical perspective, if you look at the map where the French carved up the Syrian mandate after they got it in 1920 — they did not rule Syria as any kind of unified state — including carving out Lebanon. That territory never went back to Syria.

You might say that it was only in a relatively short period, if you look over a long historical period, that there is something that could be called a unified Syrian state. I think you could still argue that the unified Ba’athist state was always dependent upon an external guarantor — the Soviet Union in the Cold War period and then Iran in the period thereafter. Because Syria still had some use for the Russians — Russia was there, until a few weeks ago, to act as a backup for the Iranian support.

Samuel McIlhagga
There’s an explanation a lot of people have reached for immediately: “Oh, Russia is overstretched. It piled its resources into the Ukrainian conflict, it’s in a phase of imperial overreach and therefore its ability to underwrite Syria has been affected — that’s why Syria under Assad has fallen so suddenly.” I assume you think that’s overdetermined?

Helen Thompson
It’s not that it’s insignificant in a sense. If you’re Putin looking at the prospect of the Assad regime falling, it occurs to you that you might think about sending some Russian troops there. But, in reality, you’re not going to do that when you’re fighting a war in Ukraine.

Nonetheless, I think that it is reasonable to say that the principal means of Russian military intervention in Syria since 2015 was air power. And in this situation that developed pretty quickly after November 27, 2024, I think it was clear that [Russian] air power alone was not going to save Assad. Someone was going to have to do the fighting: that wasn’t going to be Assad’s Syrian army, demoralized, scarcely paid, or Hezbollah, which was significantly weakened.

Was Iran in a position to say, at that moment in time, that it wanted to double down on the Iranian Revolutionary Guard’s presence in Syria? I don’t think so. Without anything like an effective Syrian government army, or the ability of the Iranians to do that much in the circumstances, it’s very difficult to see how Putin was going to say: “Right, what I’m going to do is send troops in.” Regardless of what was going on in Ukraine, Putin wanted to use air power in Syria from the beginning, and not ground troops.

Samuel McIlhagga
There’s a theory that people overlay on top of these political phenomena and have been for a while now. The idea was found in [the fourteenth-century Arab philosopher] Ibn Khaldun and his Muqaddimah of peripheral nomads or warlords taking advantage of a reverse pendulum of historical forces, where the central state becomes “decadent and weak,” whether that be through capitalism or older ideas of corruption.

People got keen on this theory with the fall of the Afghanistan Republic, looking at the Taliban. No matter what you think about their politics, or how reactionary they are, they were these competent state-builders, in microcosm, through militias between the early 2000s and the 2020s. In addition, the state-building that was pursued by the US was achieved, partly, through proxies: NGOs, think tanks, BlackRock, and private mercenaries like Blackwater.

In Afghanistan, under US hegemony, there was no centralized vision of what the state should be, only competing outsourced forces. In contrast, the Taliban were consummate at the basics of state-building: learning on the sidelines.

I wonder if that will apply to HTS. We’ve had all this rhetoric about Julani reading Why Nations Fail. Is that just a meme? How much does it feed into reality? This is a long way of asking: Do you see HTS as an organization restricted to warlord and/or microstate status as they were around Idlib? Are they going to be able to successfully manage the diversity of Syria in terms of ethnicity, religion, political, and economic interests? Are they going to be able to build on momentum successfully?

Helen Thompson
I think it’s going to be very hard. Particularly, if you look at the fact that even leaving the Kurdish area aside, there are significant chunks of Syria they’re not in control of at the moment. You can see why Julani wants to present himself and these rebels as almost semi-technocratic: I think that’s nonsensical. But there’s a certain presentation of that going on — stressing detachment from ISIS, stressing no threat to Israel, no interest in the Israel-Syria border, or even particularly, supporting the Palestinians. There is no way that Julani can present HTS in any other way. If there’s the slightest whiff of ISIS about HTS, it’s going to be hard to get external recognition for them as a government in Damascus.

Erdoğan won’t want things presented as too radical either. The last thing that Erdoğan wants is a strong perception of a threat around the return of ISIS. Because that means he’s going to have difficulty in trying to claw back territory from the Kurdish statelet. The justification for the Kurdish microstate, in the US’s eyes, is to fight ISIS. An ISIS threat makes it harder for Turkey to deal with their “Kurdish problem.”

Samuel McIlhagga
Do you think it’s worth drawing a parallel between HTS and the Azov battalion in Ukraine? Azov goes from being very explicitly neo-Nazi and far-right and openly described as that in the Western press during Euromaidan. Then you get to 2022 and the Ukraine war. Suddenly, Azov has this rebrand. Some pundits are very keen to describe it as a much friendlier, nationalist, semi-technocratic elite military unit.

I wonder if a sort of similar process of forgetting is going to be undertaken concerning HTS and its links and growth out of Al-Nusra and then beyond that Al-Qaeda. If we know anything about US foreign policy it’s that, actually, it can be incredibly pragmatic and also have a short memory. See, for instance, the transformation of American support for the mujahideen in Afghanistan. Ten to twenty years later, the US is fighting the Taliban, an outgrowth of that earlier movement, in a vastly different geopolitical dynamic. Is the goodwill toward HTS contextual?

Helen Thompson
I think that’s true. I think you can see some people who, in the past, have been pragmatic about these questions in the Republican congressional leadership, such as Lindsey Graham, who doesn’t sound quite so pragmatic this time round. This is where it is different from the situation at the beginning of the Syrian civil war, where, perhaps, there wasn’t intense discrimination in Washington about the rebels that they ended up de facto backing. Though, as we know, there was one point where you got CIA-backed rebels and Pentagon-backed rebels in actual conflict. I think that everything that’s happened since will make the US foreign policy establishment a bit more wary about which rebels they decide can be transformed into “our kind of rebels.”

Samuel McIlhagga
The US has had a history of backing the Kurds and bits of the Syrian Sunni opposition — but they don’t feel like the kingmakers in this situation. Compared to Iran, Turkey, or Israel even, America feels peripheral to the emerging situation. Would that be right? Or would you say that they are still playing an important role in Syria?

Helen Thompson
No, I think that that’s true. I think that this goes back to the difficulty that successive American administrations have had in finding any coherent policy toward Syria. That was true under the Obama administration, it was true under Trump. It was only perhaps not true under Biden, to some extent, because, from about 2020, from the fall of ISIS, there was a territorial stalemate. That froze things for four years, which largely coincides with the Biden presidency. He was spared the dilemmas on which both Obama and Trump strung themselves out. Trump now absolutely has Syria as a major headache. Particularly when you consider that he was saying in his initial reaction, that the Americans should have nothing to do with what comes next in Syria.

Contributors
Helen Thompson is a professor of political economy at the University of Cambridge and the author of Disorder: Hard Times in the 21st Century.

O caso da esperança para os palestinos

A responsabilização israelense, um poderoso movimento de protesto e uma geração emergente de líderes podem trazer um futuro melhor para os palestinos.

Por Khaled Elgindy

O Sr. Elgindy é um membro sênior e diretor do Programa sobre Palestina e Assuntos Palestino-Israelenses no Instituto do Oriente Médio.

Moayed Abu Ammouna

A realidade atual para os palestinos é nada menos que cataclísmica.

Mais de 45.000 palestinos foram mortos em Gaza, de acordo com autoridades de saúde locais. Noventa por cento de seus 2,3 milhões de pessoas foram desalojadas e a maior parte da infraestrutura civil foi reduzida a escombros. O ataque contínuo de Israel ao enclave já é o episódio mais mortal e o maior deslocamento forçado na história palestina.

Embora menos apocalíptica, a situação também é desastrosa na Cisjordânia, onde pelo menos 800 palestinos foram mortos em ataques frequentes do Exército israelense e do terror desenfreado dos colonos israelenses desde o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023. É a violência mais mortal no território em mais de duas décadas, e a liderança irresponsável, ossificada e sem visão dos palestinos falhou com eles o tempo todo.

Todas essas são realidades sombrias, cujas consequências de longo prazo permanecem desconhecidas. Mas também há forças poderosas trabalhando a favor dos palestinos que não podem ser ignoradas. O movimento de solidariedade internacional em rápido crescimento, a perspectiva histórica da comunidade internacional responsabilizar Israel e o extenso reservatório de talento e resiliência dos palestinos mantêm a promessa de que há, apesar da profundidade da crise atual, um futuro melhor pela frente.

Como outros momentos cataclísmicos na história palestina, a contínua catástrofe de Gaza deixará uma marca indelével na consciência nacional dos palestinos. Uma guerra que matou mais de 17.000 crianças e desencadeou fome e doenças generalizadas não poderia fazer menos. Deixados para apodrecer, o sofrimento humano e o trauma coletivo, combinados com um colapso na ordem social em Gaza e um crescente sentimento de desespero, são precisamente as condições que podem levar a gerações de instabilidade e violência.

No curto prazo, os palestinos também enfrentarão um novo desafio: o novo governo Trump. O histórico de Donald Trump durante seu primeiro mandato como presidente e desde sua reeleição deixa pouco para a imaginação. Apesar de se posicionar como "antiguerra", o Sr. Trump teria prometido colocar ainda menos restrições às armas para Israel do que o governo Biden. As recentes nomeações propostas pelo Sr. Trump, incluindo o ex-governador Mike Huckabee como embaixador em Israel e a ex-personalidade da Fox News Pete Hegseth como secretário de defesa, não apenas parecem acreditar em um "Grande Israel" e se opor à autodeterminação palestina, mas também parecem compartilhar o zelo messiânico dos elementos mais extremos da política israelense, incorporando uma visão de mundo que ativamente apaga os palestinos. Enquanto isso, muitos no círculo do Sr. Trump estão prometendo reprimir o ativismo pró-palestino nos Estados Unidos.

Mas há uma oportunidade para um futuro diferente. Essas tentativas de silenciar as vozes palestinas são, elas próprias, uma resposta a uma das ferramentas mais poderosas dos palestinos: o reconhecimento global da justiça de sua causa. Ao contrário de 1948, quando o estado de Israel foi fundado e centenas de milhares de palestinos foram expulsos ou fugiram, ou em 1967, quando Israel ocupou terras palestinas após a Guerra Árabe-Israelense, hoje há um movimento de solidariedade internacional comprometido com a libertação palestina. Ele está mobilizado como nunca antes.

A persistência de protestos em campi universitários na América do Norte e na Europa em particular, apesar da repressão e difamações frequentemente exercidas contra eles, destaca a profunda mudança geracional em como muitos no Ocidente veem a questão, de uma narrativa predominantemente pró-Israel para uma mais focada nos direitos e na humanidade palestinos. Embora os protestos no campus possam ser descartados como politicamente insignificantes, eles apontam para uma mudança mais profunda na opinião pública que pode eventualmente produzir uma mudança na política.

E há outras maneiras importantes pelas quais a mudança pode ocorrer. Decisões recentes do Tribunal Internacional de Justiça e do Tribunal Penal Internacional mantêm pelo menos a possibilidade de responsabilização pela morte e destruição generalizadas em Gaza.

Apesar de sua história bem documentada de abusos contra palestinos, Israel nunca foi formalmente responsabilizado, seja no contexto do processo de paz liderado pelos EUA ou qualquer outro processo internacional. Agora, dadas as evidências de violações generalizadas e flagrantes do direito internacional na guerra atual, a responsabilização se tornou primordial. Em janeiro passado, depois que a África do Sul entrou com um caso no Tribunal Internacional de Justiça acusando Israel de genocídio em Gaza, o tribunal concluiu que pelo menos algumas das preocupações da África do Sul eram "plausíveis" e ordenou que Israel impedisse suas forças de cometer atos genocidas. Embora Israel e os EUA tenham rejeitado as acusações de genocídio, a ordem, no entanto, representou um grande divisor de águas no conflito centenário entre Israel e Palestina.

Além disso, a decisão do Tribunal Penal Internacional de novembro de emitir mandados de prisão para o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e o ex-ministro da defesa Yoav Gallant por crimes de guerra e crimes contra a humanidade em Gaza marca a primeira vez que o tribunal agiu contra um grande aliado dos Estados Unidos. Embora o caso do Tribunal Penal Internacional leve anos para ser julgado e os líderes israelenses provavelmente não serão julgados em Haia tão cedo, os processos judiciais desferiram um golpe irreversível contra a impunidade de longa data de Israel e sua reputação no mundo. Independentemente de esses casos irem a julgamento, será impossível para a história ignorar os eventos que os levaram.

O vácuo de liderança contínuo entre os palestinos sem dúvida exacerbou seu sofrimento. Nem a Autoridade Palestina de Mahmoud Abbas na Cisjordânia nem a liderança imprudente e degradada do Hamas foram capazes de oferecer soluções para os vários desafios existenciais que seu povo agora enfrenta. Ainda assim, a maior esperança dos palestinos vem de dentro: com uma das maiores taxas de alfabetização do mundo (98%) e uma cultura conhecida por sua ênfase na educação e inovação, o povo palestino é seu próprio melhor ativo. Não é surpresa que uma nova geração de líderes palestinos tenha surgido em Gaza, na Cisjordânia e na diáspora que estão desafiando as falhas de seus antecessores, tanto internamente quanto na arena internacional.

Eles incluem pessoas como Bisan Owda, o jornalista, ativista e cineasta cujas histórias viscerais de sobrevivência, tristeza e esperança em Gaza inspiraram milhões ao redor do mundo. Seu vídeo curto viral “It’s Bisan From Gaza and I’m Still Alive” ganhou um Emmy e outros prêmios, apesar de uma campanha que a acusou de laços com terrorismo, uma alegação comum feita contra muitos palestinos de destaque, que ela negou. Outro exemplo é Issa Amro, o intrépido defensor dos direitos humanos e ativista não violento baseado em Hebron, na Cisjordânia, que sofreu espancamentos, prisão e assédio nas mãos de soldados israelenses, forças de segurança palestinas e colonos judeus extremistas. Com pouco mais do que uma câmera e sua voz, o Sr. Amro trabalhou incansavelmente para proteger casas e propriedades palestinas de apreensão por colonos e soldados israelenses violentos e para lançar luz sobre a realidade do apartheid em Hebron.

Ahmed Abu Artema é um jornalista independente, um ativista e um organizador da Great Return March, um movimento de protesto não violento cujas manifestações semanais chamaram a atenção para a situação dos refugiados palestinos e o bloqueio paralisante de Gaza. Nada Tarbush, uma diplomata formada em Oxford e radicada em Genebra, emitiu apelos apaixonados nos corredores das Nações Unidas pelos direitos, liberdade e dignidade de seu povo. Todos eles representam um contraste esperançoso com as platitudes vazias geralmente ouvidas nos corredores do poder em Ramallah, onde a Autoridade Palestina está sediada.

Esses são, é claro, apenas alguns dos líderes palestinos emergentes. Se o futuro que surgirá das cinzas de Gaza será definido por eles e seus pares ou pelo caos e violência contínuos dependerá, em grande medida, também de como o resto do mundo responderá — e se os Estados Unidos e outros governos ocidentais poderão finalmente ouvir e abraçar as vozes palestinas autênticas e a agência palestina.

Khaled Elgindy é um membro sênior e diretor do Programa sobre Palestina e Assuntos Palestino-Israelenses no Middle East Institute e autor de “Blind Spot: America and the Palestinians, From Balfour to Trump”.

1 de janeiro de 2025

Gravuras arriscadas, efêmeras e revolucionárias

Uma pesquisa sobre a gravura mexicana mostra como os ilustradores do país confundiram de forma duradoura a fronteira entre a arte e o mundo dos trabalhadores pobres.

Claudio Lomnitz

The New York Review

José Clemente Orozco: Rear Guard: Women Carrying Rifles and Children, impresso por George C. Miller e publicado pela Weyhe Gallery, 1929
Metropolitan Museum of Art/Artists Rights Society (ARS)/SOMAAP/Fotografia de Erica Allen

O Metropolitan Museum of Art deve sua extraordinária coleção de gravuras mexicanas a um único colecionador: o artista e crítico francês (mas também mexicano, mas também americano) Jean Charlot. Nascido em Paris em 1898, Charlot chegou ao México como um pintor promissor em 1921. Ele rapidamente se juntou ao movimento muralista e foi contratado para pintar nas paredes da instituição educacional de maior prestígio da Cidade do México, a Escuela Nacional Preparatoria, em San Ildefonso, ao lado de Diego Rivera e José Clemente Orozco.

Charlot se interessou profundamente pela arte e cultura popular mexicanas. Um ano após sua chegada ao país, ele escreveu um ensaio em francês chamado "México dos Pobres". Nele, ele descreveu a vida cotidiana e as artes das classes trabalhadoras do México como uma espécie de paralelo ao mundo clássico:

Esta raça tem a sabedoria dos filósofos que andavam descalços em um riacho enquanto abstraíam ideais. Seus brinquedos têm o toque das fábulas de Esopo, seus corpos a pátina daqueles atletas antigos dos quais Luciano afirma que são como tijolos cozidos pelo sol... Vasos gregos desfilam para a vida. Aqui as mulheres trazendo água do poço, ali os lutadores de Eufrônio, e em todas as esquinas ou na sombra de uma estátua, mendigos e carregadores de fardos agacham-se e vadiam à vontade, convidados empanturrados de um banquete invisível.

Esta sensibilidade lacônica, ele escreveu, o forçou a mudar sua paleta. Ele desembarcou em Veracruz "com boas cores químicas compradas na França, prontas para combinar com macacos e palmeiras, como um explorador carrega chitas vistosas para fazer escambo". Mas logo ele os deixou de lado:

Como eles poderiam representar essas, as próprias cores da água, da terra, da madeira e da palha? Até minhas teorias atualizadas sobre arte devem ir longe demais, ao encarar as características desta terra verdadeiramente secreta e clássica, cuja missão perene parece ser a apoteose dos pobres e o escândalo dos impertinentes.

A invocação de Charlot da Grécia antiga — e, em outros momentos, de Roma e do Egito — não deve ser confundida com orientalismo, ou com um impulso de exotização. Era, antes de tudo, uma maneira de apreciar que os pobres criavam seus próprios ritmos e viviam em seus próprios termos. Mas era também, mais ousadamente, uma maneira de reconhecer que a sociedade mexicana, impregnada de excesso e sofrimento, era a fonte de uma arte econômica e descomplicada — uma arte que era "clássica" porque era necessária. “A produção de artistas populares é tão variada que se torna inclassificável, tão barata que se despreza, tão empurrada sob os olhos de todos que se torna invisível”, escreveu Charlot alguns anos depois. “O instinto estético é talvez o principal motivo para o mexicano que tem apenas um fraco instinto econômico, e exclui qualquer pensamento de arte como um luxo porque, para ele, é na verdade uma necessidade. A arte como o mexicano a entende permeia todas as atividades da vida diária.”

Diego Rivera: Emiliano Zapata, impresso por George C. Miller e publicado pela Weyhe Gallery, 1932
Metropolitan Museum of Art/Banco de México Diego Rivera Frida Kahlo Museums Trust/Artists Rights Society (ARS)/Fotografia de Hyla Skopitz 


Esse mesmo espírito, acreditava Charlot, também infundiu o trabalho dos artistas que se tornaram centrais para o “Renascimento Mexicano” da década de 1920 — entre eles Orozco, Rivera e David Alfaro Siqueiros — que “plantaram suas obras indelevelmente nas paredes dos edifícios do México… com a crença positiva de que haviam deixado de ser artísticos e agora eram artesãos, companheiros dos carpinteiros e estucadores que estavam colaborando no trabalho”. O próprio Rivera foi atraído para “México dos Pobres”, traduzindo-o para o espanhol e, em 1925, expressando sua ideia básica talvez mais precisamente em um texto próprio. Se “por um lado, toda a arte clássica é universal, relacional e completa”, ele escreveu, “por outro, é intensamente pessoal e específica em relação às suas condições geográficas, étnicas e físicas”.

Para Rivera, o cubismo foi uma explosão de classicismo que rompeu a decadência ornamental burguesa, e assim também foi o movimento que estava florescendo na Cidade do México, com suas fontes gêmeas na escultura pré-colombiana e na estética popular urbana melhor sintetizada pelo mestre gravador José Guadalupe Posada (1852-1913).

Não foi nenhuma surpresa que tanto Charlot quanto Rivera fossem atraídos pelas artes gráficas, com seu lugar distinto na história da autoexpressão proletária. Na virada do século XX, os leitores da classe trabalhadora ainda estavam surgindo no México, um país com taxas historicamente baixas de alfabetização que também era o lar da primeira prensa tipográfica do hemisfério. A escassez e precariedade de leitores entre os pobres significava que, no reino das ideias, as imagens lideravam e a argumentação seguia. As artes gráficas eram, portanto, baratas, evanescentes e unidas ao gosto popular. Em um ensaio de 1945 sobre Posada, cujo trabalho ele defendeu internacionalmente, Charlot astutamente comentou sobre a centralidade das imagens para a imprensa mexicana: "Com clientes para quem a leitura era um trabalho lento, a imagem tinha que declarar a história em termos intensos o suficiente para soltar a moeda do índio do seu lenço atado."

Os muralistas do México entenderam isso perfeitamente. Assim como os revolucionários triunfantes do país, que convidaram uma geração de jovens artistas vanguardistas para reconfigurar a pedagogia socialmente combativa da imprensa e transpor suas mensagens para os edifícios mais icônicos do estado mexicano: o Ministério da Educação, o Palácio Nacional, a Universidade Nacional. Depois de pintarem essas instalações sagradas, os muralistas foram inevitavelmente sacralizados, para o bem e (talvez principalmente) para o mal. Inevitavelmente, as imagens que eles inscreveram nas posses inalienáveis ​​da nação circularam de volta para a efêmera da página impressa em uma espécie de ciclo de feedback entre a esfera pública e o estado revolucionário. Nesse sentido, a arte gráfica foi tanto a inspiração quanto o destino final do modernismo mexicano: foram os gravadores e ilustradores que, de forma duradoura, confundiram a fronteira entre a arte e o mundo dos trabalhadores pobres.

*
Essa vitalidade — impulsionada pela interação entre a arte e o cotidiano — está em toda parte em exibição em “Mexican Prints at the Vanguard”, a seleção do Met de sua notável coleção. Cada uma das mais de 130 gravuras aqui foi gravada por um artista que estava se arriscando, buril na mão, frequentemente ciente de que ele (ou, apenas raramente, ela) estava criando um objeto efêmero: um pôster para ser colado em muros da cidade, um folheto com as letras de um novo corrido, uma imagem devocional para um altar doméstico ou catecismo, o cabeçalho de uma gazeta comunista ou uma ilustração em um livro infantil.
  
Manuel Murguía: O Charger, em mexicanos pintados por eles próprios. Tipos e costumes nacionais, 1854–1855
Metropolitan Museum of Art

Quando se mudou do México para Nova York, em 1928, Charlot procurou e fez amizade com os curadores do Met William Ivins e Alice Newlin e doou inúmeras gravuras que havia coletado de artistas gráficos do México. Anos mais tarde, quando retornou ao México para uma temporada de dois anos logo após a Segunda Guerra Mundial, ele fez aquisições diretamente para o museu, acumulando uma coleção que abrange quase dois séculos de trabalho de artistas de uma ampla gama de posições sociais. A exposição atual remonta ao final do período colonial, atravessa o apogeu da arte gráfica na imprensa de um centavo entre a década de 1860 e o início de 1900, fornece uma amostra de gravuras do renascimento da década de 1920, tem seu cerne na militância política antifascista da década de 1930 e início de 1940 e fecha com um breve vislumbre do modernismo do pós-guerra.

Ela abre com algumas amostras de impressão da era colonial antes de passar para a era pós-independência. A prestigiosa Academia de San Carlos da Cidade do México, fundada em 1781 pelo monarca espanhol iluminado Carlos III, continuou sendo um importante campo de treinamento para artistas gráficos durante aqueles anos. Mas o mercado comercial de impressão também estava em ascensão, e a exposição mostra ambos os tipos de ilustração. Uma cópia de um livro de 1854 que apresenta “tipos nacionais” (Los mexicanos pintados por sí mismos) está aberta na representação de Manuel de Murguía de um carregador carregando tudo, de um papagaio e guarda-chuva a um chapéu, um vaso de flores, botas, uma vassoura e um jarro de água. Em 1949, Charlot escreveu que, de toda a coleção de gravuras mexicanas do Met, ele foi mais afetado pela arte religiosa de Murguía (não em exibição na exposição atual) e, em particular, por um “conjunto de santos, ou melhor, de santos, tão estilizados, tão geometrizados, quanto um ABC”. Ele claramente apreciou isso como um exemplo inicial do tipo de classicismo que ele admirava: “Essas imagens, Virgens piramidais ou Crucifixos enfeitados com fitas, são fragmentos anônimos de uma forma de arte verdadeiramente funcional, rica em clareza didática e destinada ao povo em geral.”

Julio Ruelas: The Critic, por volta de 1905-1907
Metropolitan Museum of Art

De minha parte, fiquei impressionado com uma gravura de 1905 de Julio Ruelas chamada The Critic. Ela lembra Goya, mas enquanto The Sleep of Reason Produces Monsters de Goya retrata o pesadelo selvagem da Razão em uma rajada macabra e sombria de corujas, o crítico de Ruela "pegou" a Razão como se fosse uma doença: transmitida pela picada de um mini-monstro burguês, meio mosquito, meio morcego, usando óculos perfeitamente urbanos e uma cartola. Não mais gerando monstros em seu sono, agora a Razão é injetada por um íncubo no cérebro bem acordado do crítico. Gravada durante os últimos anos da ditadura liberal de Porfirio Díaz, a impressão sugere que a Razão pode até ser uma ameaça ao saneamento público, e que a crítica pode equivaler à possessão por um tipo de insanidade.

As obras mais importantes da impressão mexicana no final do século XIX e início do século XX pertencem a Posada. A seleção de seu trabalho em exposição aqui é extraordinária: imagens para corridos; arte de capa para songbooks; gravuras devocionais da virgem; panfletos fornecendo aos amantes modelos de cartas para cortejar; ilustrações de eventos políticos, como a repressão de 1892 de um movimento estudantil contra a terceira reeleição de Díaz ou a entrada do líder revolucionário Francisco I. Madero na Cidade do México em 1911; epitáfios satíricos (calaveras) zombando de figuras públicas nos Dias dos Mortos; e em todos os lugares uma sátira de todo tipo de conceito, usando o reino da Morte para fornecer aos espectadores uma medida de distanciamento irônico.

*

O cerne da seleção — exibido na entrada e no salão central — é a arte gráfica dos anos 1930 e início dos anos 1940, quando o muralismo estava diminuindo e os artistas gráficos estavam assumindo seu papel político. “No México de hoje”, escreveu Charlot em 1949, “pode-se dizer que a função de falar em público, tão habilmente desempenhada pelos murais nos anos 20, foi assumida pelo cartaz impresso”.

Artista mexicano não identificado: Exposição de Obras de José Guadalupe Posada no Palácio de Belas Artes da Cidade do México, impressa pelas Oficinas Gráficas da Nação, 1943
Metropolitan Museum of Art

José Guadalupe Posada: Em Prova de Amor Verdadeiro, circa 1890–1896. Os anjos esqueletos nos cantos superiores são de Manuel Manilla.
Metropolitan Museum of Art

José Guadalupe Posada: O Horrível Esqueleto da Inundação de Guanajuato, 1905
Museu Metropolitano de Arte


José Guadalupe Posada e Manuel Manilla: Broadside: no anverso esqueletos andando de bicicleta; no verso esqueletos comprando e vendendo imagens impressas, etc., por volta de 1895
Metropolitan Museum of Art

José Guadalupe Posada: Uma Balada da Revolução Mexicana, 1913
Metropolitan Museum of Art

Charlot estava registrando que uma ampla gama de artistas experimentou prolificamente com gravuras, xilogravuras e litografias durante esses anos para um conjunto igualmente expansivo e variado de patronos. Mas ele também estava captando um tipo mais específico de revezamento geracional. Novas formas de organização política estavam em andamento, mais famosas em torno do Taller de Gráfica Popular, um coletivo de artistas formado em 1937 pelo expatriado americano Pablo O'Higgins (né Paul Higgins Stevenson), Leopoldo Méndez e Luis Arenal: todos militantes comunistas, todos próximos de Siqueiros (Arenal era seu cunhado) e todos comprometidos com a causa revolucionária.

Este é um período que nos fala alto, com sua iconografia antifascista e suas invocações da revolução mexicana e mundial. A apresentação do Met enfatiza corretamente como os artistas mexicanos estavam determinados a se tornar um com "o povo" e subordinar sua arte a propósitos práticos imediatos, incluindo apoiar greves, lutar contra chefes políticos, erradicar o esteticismo burguês, apoiar o comunismo e criticar Franco. Incluída, por exemplo, está uma litografia de 1938 de um Raúl Anguiano muito jovem convocando membros do Sindicato da Educação do México e sua principal confederação trabalhista a fazer doações para apoiar a República Espanhola. Mas ocasionalmente essas obras também sussurram suavemente, e a exposição não contorna alguns rumores politicamente mais inquietantes.

Angel Bracho: A vitória dos aliados sobre os nazistas no fim da Segunda Guerra Mundial, publicado pelo Taller de Gráfica Popular, 1945
Metropolitan Museum of Art/Artists Rights Society (ARS)/SOMAAP

Atribuído a Alfredo Zalce: The Expropriation of Foreign Oil Interests, impresso pela Cooperativa de Artes Gráficas, 1938
Metropolitan Museum of Art/Artists Rights Society (ARS)/SOMAAP

Os artistas gráficos politizados das décadas de 1920 e 1930, por exemplo, frequentemente usavam gravuras em xilogravura — ou, mais tarde, um substituto de linóleo que dava um efeito semelhante — como um sinal estético que representava uma origem popular. Assim como onde há fumaça há fogo, eles pareciam dizer, também onde há xilogravuras há raízes populares. E ainda assim Posada — que era o santo padroeiro da gravura popular mexicana, e cuja prática diária era o modelo que artistas como Rivera, Orozco e Siqueiros invocavam quando davam as costas à academia — usava com mais frequência placas de metal. Mais tarde, ele até fez a transição de gravuras em buril para gravuras em relevo, procurando competir com as fotogravuras que os jornais mexicanos introduziram na década de 1890. Em suma, ele buscou inovação tecnológica dentro de seus meios, diferentemente dos artistas que trabalharam trinta anos depois no Taller de Gráfica Popular, que se voltaram para a xilogravura como uma forma de produzir um efeito popular — para sinalizar que a arte, porque pode ser facilmente feita de material prático como madeira, tinta, papel e um sulco, está disponível para as classes trabalhadoras — e se colocar em posição de falar pelo povo.

Os artistas gráficos da década de 1930 se apoiavam na noção de que a arte é uma coisa cotidiana e que todos os humanos são, em algum nível, potencialmente artistas. Essa convicção é profundamente inspiradora, mas a identificação insistente entre o artista e os interesses do povo também pode se tornar um chamado à violência em nome deste último. Esse impulso está praticamente ausente em Posada, apesar de suas inclinações antigovernamentais e da profusão de episódios violentos que ele gravou. Em uma xilogravura de 1934, por outro lado, o stalinista Leopoldo Méndez critica Diego Rivera durante seu período trotskista ao colocá-lo no papel do traidor burguês que divide o pódio com o presidente oficial do partido Carlos Riva Palacio, a suástica e a Quarta Internacional trotskista se misturando. (A distância entre tais imagens e os apelos reais à violência poderia, sob certas circunstâncias, se dissolver completamente: seis anos depois, Siqueiros arquitetou um complô com vários colegas do Taller de Gráfica Popular para assassinar Trotsky, que escapou por pouco, embora tenham sequestrado e assassinado um de seus guarda-costas, o comunista americano Sheldon Harte.) Em uma xilogravura relacionada — até certo ponto mais justificada, dadas as reais simpatias fascistas de José Vasconcelos — Everardo Ramírez acusa vários intelectuais não revolucionários proeminentes de "prostituição". Marchando abaixo da galeria esquelética de supostas prostitutas está o proletariado limpo, de macacão e tão viril.
 
Carlos Mérida: Um homem de Saltillo no estado de Coahuila, de Trajes Regionales Mexicanos (“Traje regional mexicano”), publicado pela Editorial Atlante, 1945
Metropolitan Museum of Art/Artists Rights Society (ARS)/SOMAAP/Fotografia de Erica Allen

Muito mais atraente é uma gravura despreocupada de 1928 de Fernández Ledesma mirando na educação acadêmica na Academia de San Carlos, firmemente retrógrada do México. Ledesma apresenta o diretor da instituição, Manuel Toussaint, mamando na teta da academia transformada em vaca, enquanto a inspiração real é tirada de outra mamadeira. Mas mesmo essa imagem bastante exata tem implicações ambivalentes, pois condena a própria profissionalização na qual os artistas mexicanos confiaram. Os modernistas mais notáveis ​​do país rejeitaram a academia, e o vanguardismo que os inspirou não tinha campeões entre o corpo docente da instituição. E, no entanto, a academia foi, à sua maneira, indispensável para a formação do modernismo mexicano: sem ela, Rivera não teria chegado a Paris, e Orozco não teria sido tão imerso nos pintores espanhóis — especialmente El Greco e Goya, mas também Velázquez — que ele tanto admirava.

A exposição finalmente atinge um equilíbrio criterioso. Ele enfatiza que a arte gráfica das décadas de 1930 e 1940 ia muito além das polêmicas do Taller de Gráfica Popular — uma gama representada aqui pela charmosa série de gravuras coloridas de dançarinos regionais do guatemalteco Carlos Mérida, as ilustrações quase etnográficas de Alfredo Zalce sobre sua visita à península de Yucatán e a série de gravuras finamente coloridas de Lola Cueto sobre brinquedos mexicanos — mesmo enfatizando a vocação política e pedagógica da obra. Em 1940, ao analisar “Vinte Séculos de Arte Mexicana” no Museu de Arte Moderna, Charlot criticou a ênfase da exposição no que chamou de “gentileza e amor à diversão”. “Considerando o mundo de hoje”, concluiu ele, “tão cruelmente diferente do mundo otimista de antigamente, a arte do México em seu momento mais severo marca um ponto profético; teria sido uma performance mais responsável se a mostra atual tivesse tido coragem suficiente para sublinhá-la”. A nova exposição do Met não comete esse erro.

"Mexican Prints at the Vanguard" está no Metropolitan Museum of Art até 5 de janeiro.

Claudio Lomnitz
Claudio Lomnitz é o Professor de Antropologia da Família Campbell na Columbia. Seu livro mais recente é Sovereignty and Extortion: A New State Form in Mexico. (Setembro de 2024)

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