Radical Philosophy
Paul Virilio na Fundação Cartier, em Paris, em 2002. Daniel Janin/AFP |
Tradução / Um dos maiores problemas enfrentados atualmente pelos estrategistas políticos e militares é o fenômeno do imediatismo e da instantaneidade. O “tempo real” agora tem precedência sobre o espaço real, dominando o planeta. A primazia do tempo real, do imediatismo, sobre o espaço é um fato consumado, e é um fato inaugural. Um anúncio recente para telefones celulares expressava bem: “A terra nunca foi tão pequena”. Esse desenvolvimento tem as mais graves consequências para nossa relação com o mundo e para nossa visão dele.
Existem três barreiras: som, calor e luz. Nós já cruzamos as duas primeiras — a barreira do som, com aeronaves supersônicas e hipersônicas, e a barreira de calor, com foguetes que podem tirar um homem da atmosfera da terra e colocá-lo na da lua. Nós não cruzamos a terceira barreira, a barreira da luz: nós colidimos com ela. E é essa barreira de tempo que a história enfrenta agora.
O fato de ter atingido a barreira da luz, a velocidade da luz, é um evento histórico, que desorienta a história e também desorienta a relação dos seres humanos com o mundo. Se esse ponto não for salientado, então as pessoas estarão desinformadas e sendo enganadas. Pois isso tem uma enorme importância além de representar uma ameaça para a geopolítica e a geoestratégia. Também representa uma ameaça muito clara à democracia, porque a democracia estava ligada a cidades e a lugares.
Tendo atingido essa velocidade absoluta, nos deparamos com a perspectiva, no século XXI, da invenção de uma perspectiva baseada no tempo real, substituindo a perspectiva espacial, a perspectiva baseada no espaço real, descoberta por artistas italianos do quattrocento. Talvez nos esqueçamos do quanto as cidades, a política, as guerras e as economias do mundo medieval foram transformadas pela invenção da perspectiva.
O ciberespaço é uma nova forma de perspectiva. Não é simplesmente a perspectiva visual e auditiva que conhecemos. É uma nova perspectiva sem um único precedente ou referência: uma perspectiva tátil. Ver à distância, ouvir à distância — tal era a base da perspectiva visual e acústica. Mas tocando à distância e sentindo-se à distância, isso muda a perspectiva para um campo em que nunca antes se aplicava: contato, contato eletrônico, tele-contato.
O fato de ter atingido a barreira da luz, a velocidade da luz, é um evento histórico, que desorienta a história e também desorienta a relação dos seres humanos com o mundo. Se esse ponto não for salientado, então as pessoas estarão desinformadas e sendo enganadas. Pois isso tem uma enorme importância além de representar uma ameaça para a geopolítica e a geoestratégia. Também representa uma ameaça muito clara à democracia, porque a democracia estava ligada a cidades e a lugares.
Tendo atingido essa velocidade absoluta, nos deparamos com a perspectiva, no século XXI, da invenção de uma perspectiva baseada no tempo real, substituindo a perspectiva espacial, a perspectiva baseada no espaço real, descoberta por artistas italianos do quattrocento. Talvez nos esqueçamos do quanto as cidades, a política, as guerras e as economias do mundo medieval foram transformadas pela invenção da perspectiva.
O ciberespaço é uma nova forma de perspectiva. Não é simplesmente a perspectiva visual e auditiva que conhecemos. É uma nova perspectiva sem um único precedente ou referência: uma perspectiva tátil. Ver à distância, ouvir à distância — tal era a base da perspectiva visual e acústica. Mas tocando à distância e sentindo-se à distância, isso muda a perspectiva para um campo em que nunca antes se aplicava: contato, contato eletrônico, tele-contato.
O desenvolvimento de supervias da informação nos confronta com um novo fenômeno: a desorientação. Uma desorientação fundamental que completa e aperfeiçoa a desregulamentação social e financeira cujas consequências funestas já sabemos. A realidade percebida está sendo dividida em real e virtual, e estamos adquirindo uma espécie de realidade estéreo, na qual a existência perde seus pontos de referência. Ser é estar in situ, aqui e agora, hic et nunc. Mas o ciberespaço e as informações globalizadas e instantâneas estão atirando tudo isso numa total confusão.
O que está acontecendo agora é uma perturbação da percepção do real: um trauma. E precisamos nos concentrar nisso. Porque nenhuma tecnologia foi desenvolvida que não tenha sido necessária lutar contra sua própria negatividade específica. A negatividade específica das supervias de informação é justamente essa desorientação da alteridade, de nossa relação com o outro e com o mundo. É bastante claro que essa desorientação, essa “des-situação”, trará um profundo distúrbio com consequências para a sociedade e, por sua vez, para a democracia.
A tirania da velocidade absoluta entrará em conflito com a democracia representativa. Quando os especialistas celebram ‘democracia cibernética’ e ‘democracia virtual’, e quando outros nos dizem que a ‘democracia de opiniões’ substituirá a democracia dos partidos políticos, o que eles estão realmente defendendo é a desorientação política da qual o golpe estado de mídia de Silvio Berlusconi de março de 1994 nos deu uma antevisão, ao estilo italiano. A ascensão ao poder de classificações e pesquisas de opinião só pode ser encorajada pela disseminação da tecnologia da informação.
O próprio termo “globalização” é uma ilusão. Pois não há globalização, só existe virtualização. O que é “globalizado” pela instantaneidade é o tempo. Tudo se desenrola dentro dessa perspectiva em tempo real, dentro de um tempo que é, doravante, o único momento.
Pela primeira vez, a história se desdobrará em um único período de tempo: a hora mundial. Até agora, a história mudou em tempos locais, espaços locais, regiões, nações. Agora, em certo sentido, a globalização e a virtualização estão introduzindo um tempo mundial que antecipa um novo tipo de tirania. Se a história é rica, é porque é local, porque houve tempos locais que prevaleceram sobre algo que existia apenas na astronomia — o tempo universal. Mas, no futuro, nossa história será vivida no tempo universal da instantaneidade.
Por um lado, o tempo real domina o espaço real; eliminando distâncias e extensão e substituindo-as por duração, uma duração infinitesimal. Por outro lado, o tempo global da multimídia, do ciberespaço, sobrepõe-se aos tempos locais das atividades vivas de determinadas cidades, lugares particulares. De tal forma que foi proposto que o termo “global” seja substituído por “glocal”, contratando juntos o global e o local. O local é considerado necessariamente global, o global é necessariamente local. As relações entre os cidadãos dificilmente permanecerão intocadas por tal desconstrução das relações com o mundo.
Não há ganhos sem perdas. A aquisição de tecnologia da informação e telemática implicará inevitavelmente uma perda. E se não avaliarmos essa perda, o ganho pode não ter valor. Isso foi algo que poderia ser visto durante o desenvolvimento das tecnologias de transporte. Se foi possível produzir trens de alta velocidade, isso aconteceu porque os engenheiros ferroviários do século XIX inventaram o sistema de blocos, ou seja, uma forma de engenharia de tráfego, controle de tráfego que permitia que os trens fossem cada vez mais rápidos, evitando colisões desastrosas. Não há sistema de controle de tráfego para a tecnologia da informação de hoje.
Bomba de informação
Há mais um elemento importante: a informação não pode existir sem desinformação. E um novo tipo de desinformação agora parece possível, uma que não tem nada a ver com censura. É uma espécie de sufocação de significado, uma perda de controle da razão. Introduzido pela tecnologia de computadores e redes multimídia, representa outro grande perigo para a humanidade.
É o que Albert Einstein previu na década de 1950, quando falou de uma “segunda bomba” — a bomba de informação que seguiria a bomba atômica. Uma bomba em que a interatividade em tempo real seria a informação assim como a radioatividade é a energia. A desintegração não se aplicaria apenas a partículas de matéria; Ele se espalharia para os indivíduos que compõem nossas sociedades. Podemos ver algo disso funcionando no desemprego estrutural, no trabalho doméstico eletrônico e em toda a relocalização e difusão da atividade econômica.
Pode-se prever que, assim como o aparecimento da bomba atômica exigiu rapidamente o estabelecimento da dissuasão militar para evitar a catástrofe nuclear, no século XXI a bomba de informações exigirá uma nova dissuasão social para afastar os efeitos destrutivos da explosão da bomba atômica.
Este será o grande acidente do futuro, depois dos acidentes específicos que o precederam, um por um, na era industrial e antes (com a invenção do navio, do trem, do avião, da central nuclear, inventamos simultaneamente o naufrágio, o descarrilamento, o acidente de avião e Chernobyl …) Com a globalização das telecomunicações, podemos esperar um acidente generalizado, um acidente sem precedentes e tão extraordinário quanto aquele tempo sem precedentes, o tempo global. Um acidente generalizado que se assemelharia um pouco ao “acidente de acidentes” de Epicuro. O colapso do mercado de ações era apenas uma pequena amostra do que estava por vir. O acidente generalizado ainda é desconhecido. Mas quando as pessoas falam de “colapso financeiro”, a metáfora é bem escolhida...
Quando especulamos sobre os perigos dos acidentes nas autoestradas da informação, a questão não é a informação, mas a velocidade absoluta de seu processamento pela tecnologia computacional: é a interatividade. E, de fato, não é a própria tecnologia da informação que cria o problema, mas a rede de informações informatizadas flui como um todo, como uma totalidade: telemática, a rede.
Nos Estados Unidos, o Pentágono, criador da Internet, já pode falar em termos de “uma revolução nos assuntos militares”, e até mesmo de uma “guerra de conhecimento” que irá substituir a guerra de movimento, assim como a última substituiu a guerra de cerco da qual Sarajevo representa um vestígio trágico.
Ao deixar a Casa Branca em 1961, o general Eisenhower declarou que o complexo militar industrial era “uma ameaça à democracia”. Ele sabia do que estava falando, tendo configurado tudo em primeiro lugar. Em 1995, com o estabelecimento de um verdadeiro complexo industrial informacional, e com vários políticos dos EUA, notavelmente Ross Perot e Newt Gingrich, falando de “democracia virtual” em um tom que ecoa o misticismo fundamentalista, como podemos deixar escapar as advertências?
Como podemos deixar de ver o perigo de uma verdadeira cibernética da esfera sócio-política?
As tecnologias virtuais possuem um poder incomparável de sugestão. Lado a lado com o narcocapitalismo do tráfico de drogas — um elemento desestabilizador da economia mundial — podemos ver o início de um narcocapitalismo da informatização e eletrônica. Poderia até ser perguntado se o mundo desenvolvido não está introduzindo tecnologias virtuais como um tipo de desafio, e de bloqueio, aos países subdesenvolvidos, particularmente na América Latina, que vivem — ou raspam sua sobrevivência — do tráfico de drogas. Quando vemos que o trabalho das mais avançadas tecnologias eletrônicas está focada no “lúdico” (videogames, jogos de realidade virtual, etc.), como podemos ignorar essa capacidade de criar dependência instantânea usando técnicas cujos precedentes históricos deveriam ser todos óbvios demais?
Estamos diante de algo que está se tornando muito parecido com um “ciberculto”. O fato é que as novas tecnologias eletrônicas só contribuirão para o aperfeiçoamento da democracia se lutarmos, antes de mais nada, contra a caricatura da sociedade mundial criada pelas multinacionais à medida que são lançadas, com velocidade fatal e imprudente, na construção das supervias de informação.
Nos Estados Unidos, o Pentágono, criador da Internet, já pode falar em termos de “uma revolução nos assuntos militares”, e até mesmo de uma “guerra de conhecimento” que irá substituir a guerra de movimento, assim como a última substituiu a guerra de cerco da qual Sarajevo representa um vestígio trágico.
Ao deixar a Casa Branca em 1961, o general Eisenhower declarou que o complexo militar industrial era “uma ameaça à democracia”. Ele sabia do que estava falando, tendo configurado tudo em primeiro lugar. Em 1995, com o estabelecimento de um verdadeiro complexo industrial informacional, e com vários políticos dos EUA, notavelmente Ross Perot e Newt Gingrich, falando de “democracia virtual” em um tom que ecoa o misticismo fundamentalista, como podemos deixar escapar as advertências?
Como podemos deixar de ver o perigo de uma verdadeira cibernética da esfera sócio-política?
As tecnologias virtuais possuem um poder incomparável de sugestão. Lado a lado com o narcocapitalismo do tráfico de drogas — um elemento desestabilizador da economia mundial — podemos ver o início de um narcocapitalismo da informatização e eletrônica. Poderia até ser perguntado se o mundo desenvolvido não está introduzindo tecnologias virtuais como um tipo de desafio, e de bloqueio, aos países subdesenvolvidos, particularmente na América Latina, que vivem — ou raspam sua sobrevivência — do tráfico de drogas. Quando vemos que o trabalho das mais avançadas tecnologias eletrônicas está focada no “lúdico” (videogames, jogos de realidade virtual, etc.), como podemos ignorar essa capacidade de criar dependência instantânea usando técnicas cujos precedentes históricos deveriam ser todos óbvios demais?
Estamos diante de algo que está se tornando muito parecido com um “ciberculto”. O fato é que as novas tecnologias eletrônicas só contribuirão para o aperfeiçoamento da democracia se lutarmos, antes de mais nada, contra a caricatura da sociedade mundial criada pelas multinacionais à medida que são lançadas, com velocidade fatal e imprudente, na construção das supervias de informação.
Sobre o autor
Filósofo e urbanista. Autor, entre outros, de La Bombe informatique, Galilée, Paris, 1998.