Sam Wetherell
Tradução / A paisagem dos Estados Unidos está entulhada com centenas de shopping centers mortos. Em lugares como o vasto Buckingham Square Mall, em Aurora, Colorado, que permanece vazio desde 2007, as fontes d’água internas pararam de funcionar, mas as plantas artificiais no interior continuam sinistramente verdes. Muitos outros vão se unir a eles. Calcula-se que 15% dos shoppings americanos vão fechar nos próximos dez anos.
O maior shopping center do mundo, o New South China Mall, em Dongguan, é também um local morto. Inaugurado em 2005, orgulhava-se de ter sete áreas, cada uma inspirada em grandes cidades internacionais, incluindo até uma réplica do Arco do Triunfo e um canal veneziano completo, com gôndolas. No entanto, o shopping permanece 99% vazio desde sua abertura. Com exceção de um conjunto de restaurantes fast-food perto da entrada, a instalação é uma rede de átrios amplos e vazios, cinemas e montanhas-russas desativados.
Sem condições de competir com os shoppings on-line, com a queda do poder aquisitivo dos consumidores, preços dos combustíveis em alta e um mercado imobiliário volátil, os shopping centers estão perdendo terreno rapidamente. O CEO de uma empresa instalada em um grande shopping alertou recentemente que “dentro de 10 a 15 anos”, esse tipo de centro “será um anacronismo histórico – uma aberração de 60 anos que não atende mais às necessidades do público”.
O maior shopping center do mundo, o New South China Mall, em Dongguan, é também um local morto. Inaugurado em 2005, orgulhava-se de ter sete áreas, cada uma inspirada em grandes cidades internacionais, incluindo até uma réplica do Arco do Triunfo e um canal veneziano completo, com gôndolas. No entanto, o shopping permanece 99% vazio desde sua abertura. Com exceção de um conjunto de restaurantes fast-food perto da entrada, a instalação é uma rede de átrios amplos e vazios, cinemas e montanhas-russas desativados.
Sem condições de competir com os shoppings on-line, com a queda do poder aquisitivo dos consumidores, preços dos combustíveis em alta e um mercado imobiliário volátil, os shopping centers estão perdendo terreno rapidamente. O CEO de uma empresa instalada em um grande shopping alertou recentemente que “dentro de 10 a 15 anos”, esse tipo de centro “será um anacronismo histórico – uma aberração de 60 anos que não atende mais às necessidades do público”.
Quando arqueólogos de um futuro distante escavarem as vastas ruínas dessas estruturas peculiares, eles terão dificuldade de encontrar manifestações concretas mais representativas de nossa condição no final do século XX. A ascensão global do shopping center nesse período de 60 anos levou à maior padronização do espaço já ocorrida em toda a história da humanidade.
Na era do shopping, amplas porções do mundo são aquecidas para ficar na temperatura de 22 graus centígrados e iluminadas adequadamente. Shopping centers vêm sendo usados como ferramentas para o desenvolvimento na Índia, como local de protestos no Brasil e alvo de terrorismo em Nairóbi. Para geógrafos e historiadores, esses locais têm sido vistos como a forma arquitetural mais precoce do neoliberalismo, instrumentos para murar e segregar o espaço público, para a fusão de lazer e consumo e aniquilação de pequenos lojistas independentes.
Não foi sempre assim. Os shopping centers têm uma pré-história socialista pouco conhecida – e que foi amplamente esquecida. O inventor do shopping center suburbano nos moldes americanos, Victor Gruen, era um arquiteto socialista de Viena, forçado a fugir para os Estados Unidos depois da ocupação da Áustria, em 1938. Gruen enxergou no shopping o potencial para recentralizar os esparramados subúrbios. Seus planos eram os de criar ágoras internas, de propriedade do Estado, que iriam literalmente conter as forças do mercado que corriam desenfreadas fora de suas paredes. Era uma visão modernista para a refundação da vida pública americana.
Muitos dos shoppings construídos por Gruen e sua empresa nos anos 1950 retinham elementos dessa promessa, como o Southdale Mall, em Edina, Minnesota, planejado no entorno de um enorme local de encontro da população, tendo como modelo uma piazza europeia.
Por volta dos anos 1960, Gruen estava horrorizado com suas criações. O shopping center, com a via expressa (freeway) e os baratos financiamentos habitacionais federais tinham se tornado parte da arquitetura da supremacia branca suburbana. Gruen retornou à Áustria em 1968 e furiosamente trabalhou em um projeto para tornar Viena uma cidade pedestre.
Dois anos antes de sua morte, em 1980, ele afirmou: “Sou frequentemente chamado de pai do shopping center. Gostaria de aproveitar esta oportunidade para negar a paternidade de uma vez por todas. Eu me recuso a pagar pensão alimentícia a esses empreendimentos bastardos. Eles destruíram nossas cidades”.
Na era do shopping, amplas porções do mundo são aquecidas para ficar na temperatura de 22 graus centígrados e iluminadas adequadamente. Shopping centers vêm sendo usados como ferramentas para o desenvolvimento na Índia, como local de protestos no Brasil e alvo de terrorismo em Nairóbi. Para geógrafos e historiadores, esses locais têm sido vistos como a forma arquitetural mais precoce do neoliberalismo, instrumentos para murar e segregar o espaço público, para a fusão de lazer e consumo e aniquilação de pequenos lojistas independentes.
Não foi sempre assim. Os shopping centers têm uma pré-história socialista pouco conhecida – e que foi amplamente esquecida. O inventor do shopping center suburbano nos moldes americanos, Victor Gruen, era um arquiteto socialista de Viena, forçado a fugir para os Estados Unidos depois da ocupação da Áustria, em 1938. Gruen enxergou no shopping o potencial para recentralizar os esparramados subúrbios. Seus planos eram os de criar ágoras internas, de propriedade do Estado, que iriam literalmente conter as forças do mercado que corriam desenfreadas fora de suas paredes. Era uma visão modernista para a refundação da vida pública americana.
Muitos dos shoppings construídos por Gruen e sua empresa nos anos 1950 retinham elementos dessa promessa, como o Southdale Mall, em Edina, Minnesota, planejado no entorno de um enorme local de encontro da população, tendo como modelo uma piazza europeia.
Por volta dos anos 1960, Gruen estava horrorizado com suas criações. O shopping center, com a via expressa (freeway) e os baratos financiamentos habitacionais federais tinham se tornado parte da arquitetura da supremacia branca suburbana. Gruen retornou à Áustria em 1968 e furiosamente trabalhou em um projeto para tornar Viena uma cidade pedestre.
Dois anos antes de sua morte, em 1980, ele afirmou: “Sou frequentemente chamado de pai do shopping center. Gostaria de aproveitar esta oportunidade para negar a paternidade de uma vez por todas. Eu me recuso a pagar pensão alimentícia a esses empreendimentos bastardos. Eles destruíram nossas cidades”.
Na Grã-Bretanha, a pré-história do shopping center é ainda mais longa e estranha. Quando o planejador anarquista Ebenezer Howard esboçou sua visão utópica para as “cidades-jardins” britânicas em 1898, ele buscava criar em cada assentamento um “palácio de cristal” que iria combinar as funções das arcadas de compras de Londres com agradáveis jardins internos sob um telhado. Enquanto a estrutura seria financiada e construída pela autoridade municipal local, comerciantes individuais teriam permissão para operar livremente, mas seu número seria “limitado pelo princípio da opinião pública”.
Bastou a intervenção da Luftwaffe para que algo parecido com essa ideia fosse realizado na Grã-Bretanha. Coventry, uma pequena cidade na região inglesa de Midlands é um local improvável que, provavelmente, pode ter tido a primeira estrutura do tipo shopping center no mundo. A destruição total da cidade durante a II Guerra Mundial eliminou as densas e lotadas ruas comerciais medievais características da história da cidade.
Com a ajuda do governo britânico, o chefe dos arquitetos de Coventry, Donald Gibson, pôde usar uma nova legislação de emergência para efetivamente nacionalizar o centro da cidade, colocando mais de 200 hectares de terra sob o poder total da autoridade municipal. Lá, ele construiu um shopping center com múltiplas lojas, parcialmente murado e planejado holisticamente – indiscutivelmente, o primeiro do tipo no mundo. Enquanto a cidade detinha a posse da terra, provia a infraestrutura, pontes, estacionamentos e vegetação, os locatários se encarregavam do controle da temperatura, música, iluminação. As portas nunca eram fechadas.
Que o shopping center sofreria uma mutação para se tornar um dos marcos mais evidentes da cidade privatizada do século 20 não era algo que se previa nos anos 1940 e começo dos 1950. Essa história alternativa do consumo patrocinado pelo Estado, de massificação sem privatização, é incômoda para algumas das mais básicas dicotomias políticas de nossa era recente. Numa época em que as linhas políticas são delineadas entre a loja de comida orgânica e os grandes supermercados do subúrbio, os primeiros shoppings de Donald Gibson e Victor Gruen eram simultaneamente nenhum dos dois, e ambos.
Um manual dos anos 1970 para projetistas de shoppings é uma interessante janela para a violência coerciva à espreita sob o ruído do ar-condicionado – um lembrete de que sua expansão andou de mãos dadas com o crescimento dos tumultos urbanos e da violência política nas cidades interioranas cada vez mais segmentadas em guetos. O manual observa que “se parece que um grupo pode tornar-se violento, então o shopping deveria adotar medidas imediatas pra proteger certas áreas-chave” e que “a proteção contra incêndios é especialmente importante nesta década com a frequente ameaça de bombas incendiárias”.
A agressiva padronização e a privatização dos espaços dos shoppings no mundo teriam arrasado os socialistas pioneiros na construção desses empreendimentos. O vasto, quase imperial, Mall of America, em Minnesota, que já foi o maior shopping do mundo, fica a apenas dez minutos de carro da primeira criação de Victor Gruen em Edina, mas está separado por uma enorme ruptura histórica.
Como uma criança que cresceu em um subúrbio britânico, o shopping tornou-se parte central de minha vida. Muitas crianças primeiro visitavam o papai Noel na “praça da cidade”, um área gigante interna, do lado oposto ao supermercado, ou conseguiam seu primeiro emprego em uma das lojas. Meu primeiro beijo foi diante da Árvore, um carvalho gigante que se estende para fora de uma claraboia no teto do shopping. Na realidade, algumas das minhas primeiras experiências de protesto político foram contra a guerra no Iraque, junto com a coalizão política local, que banida do shopping center, foi forçada a protestar diante da estação ferroviária, normalmente deserta.
O declínio dos shoppings em decorrência do comércio on-line provocou uma certa tristeza em alguns comentaristas pela perda desse mundo social. Nos anos 1960, as pessoas reagiam à destruição das ruas de comércio britânicas e aos centros das cidades americanas por causa dos shopping centers com espasmos semelhantes de tristeza e nostalgia. Quem poderia ter previsto que esses shoppings iriam se tornar presas de uma forma de privatização ainda mais isoladora?
Um manual dos anos 1970 para projetistas de shoppings é uma interessante janela para a violência coerciva à espreita sob o ruído do ar-condicionado – um lembrete de que sua expansão andou de mãos dadas com o crescimento dos tumultos urbanos e da violência política nas cidades interioranas cada vez mais segmentadas em guetos. O manual observa que “se parece que um grupo pode tornar-se violento, então o shopping deveria adotar medidas imediatas pra proteger certas áreas-chave” e que “a proteção contra incêndios é especialmente importante nesta década com a frequente ameaça de bombas incendiárias”.
A agressiva padronização e a privatização dos espaços dos shoppings no mundo teriam arrasado os socialistas pioneiros na construção desses empreendimentos. O vasto, quase imperial, Mall of America, em Minnesota, que já foi o maior shopping do mundo, fica a apenas dez minutos de carro da primeira criação de Victor Gruen em Edina, mas está separado por uma enorme ruptura histórica.
Como uma criança que cresceu em um subúrbio britânico, o shopping tornou-se parte central de minha vida. Muitas crianças primeiro visitavam o papai Noel na “praça da cidade”, um área gigante interna, do lado oposto ao supermercado, ou conseguiam seu primeiro emprego em uma das lojas. Meu primeiro beijo foi diante da Árvore, um carvalho gigante que se estende para fora de uma claraboia no teto do shopping. Na realidade, algumas das minhas primeiras experiências de protesto político foram contra a guerra no Iraque, junto com a coalizão política local, que banida do shopping center, foi forçada a protestar diante da estação ferroviária, normalmente deserta.
O declínio dos shoppings em decorrência do comércio on-line provocou uma certa tristeza em alguns comentaristas pela perda desse mundo social. Nos anos 1960, as pessoas reagiam à destruição das ruas de comércio britânicas e aos centros das cidades americanas por causa dos shopping centers com espasmos semelhantes de tristeza e nostalgia. Quem poderia ter previsto que esses shoppings iriam se tornar presas de uma forma de privatização ainda mais isoladora?
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