Michael Lee-Murphy
Protesto de novembro contra as cobranças de água em Dublin. William Murphy / Flickr |
Tradução / Nos últimos meses de 2014, pessoas irlandesas tomaram as ruas em números raramente vistos no país. No dia 9 de dezembro, organizadores disseram haver 100 mil pessoas se manifestando em Dublin, mais de 2% da população da República da Irlanda, de 4,5 milhões de habitantes.
O ímpeto para o maior protesto desta geração – e talvez o maior desde a conquista da independência – é o plano do governo irlandês de instituir novas tarifas sobre a água, que poderão variar entre €176 e €500 [entre 550 e 1600 reais], dependendo do tamanho da residência. As manifestações estão criando condições para uma mudança na política irlandesa. O governo de centro-direita está finalmente se sentindo pressionado, e a esquerda parece ganhar força.
Membro do chamado grupo de países PIIGS – Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha, isto é, os países que mais sofrem sob o jugo da trindade União Europeia (UE), Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Central Europeu (BCE) e sob a virtual suspensão da democracia ao longo dos últimos seis anos –, a Irlanda, até o momento, havia sido o único deles a não conseguir se opor à austeridade.
A resistência frequentemente assumiu a forma de ação direta. A nível local, comunidades se uniram para repelir empresas contratadas para instalar hidrômetros em suas propriedades. Um vídeo demonstrando como sabotar os hidrômetros, disponibilizado pelo partido socialista éirígí, já foi visualizado mais de setenta mil vezes. (Um número impressionante, se levarmos em conta a população do país).
A demografia dos protestos traz representantes de diferentes setores da sociedade irlandesa. Os estudantes universitários com seus vinte e poucos anos eram apenas adolescentes quando ocorreu o crash e se iniciou a austeridade. Mas as gerações mais velhas, que lutam para pagar as contas e veem seus filhos abandonando o país por falta de emprego, também estão envolvidas.
Na dianteira do movimento está a campanha Right2Water [Direito à Água], composta por sindicatos, pelo Sinn Féin e outros partidos de esquerda menores. O Sindicato de Serviços, Industrial, Profissional e Técnico [SIPTU, na sigla em inglês], maior sindicato da Irlanda, inicialmente se recusou a apoiar as manifestações, mas acabou se unindo a elas após os protestos de novembro.
Boa parte da ira contra as novas tarifas foi alimentada pela revelação do exorbitante valor gasto na criação da Irish Water, a empresa público-privada que administra o serviço de água. À medida que se descobria mais sobre as tramoias envolvendo a criação da Irish Water, os anos de frustração silenciosa pela austeridade finalmente foram deixados para trás.
Durante os anos 90, a Irlanda foi apelidada de "Tigre Celta" e serviu como modelo do que a estrutura econômica neoliberal poderia fazer pela taxa de crescimento de um país. Os setores de desenvolvimento e imóveis da Irlanda, que cresciam rapidamente, causavam inveja no restante da Europa.
De repente, tudo caiu por terra. A história por trás do crescimento é bastante familiar. A expansão da economia veio às custas de empréstimos bancários irresponsáveis em hipotecas e, em seguida, na especulação com imóveis, usando capital emprestado do mercado internacional. A história da quebra também é conhecida. Os bancos irlandeses haviam concedido mais títulos do que podiam e, quando o colapso do Lehman Brothers, em 2008, impactou o mercado de dívidas europeu e os bancos de todo o continente quiseram seu capital de volta, os bancos irlandeses não tinham dinheiro para pagar.
O que distingue a crise irlandesa das crises espanhola ou grega é o tamanho da dívida em relação ao tamanho da economia, assim como a forma como o Estado lidou com essas obrigações. O Estado cobriu todo o débito sem que sequer houvesse votação no Parlamento ou uma reunião de gabinete, transformando uma crise de bancos privados em uma crise de dívida pública.
Quando o Estado irlandês não conseguiu cobrir os débitos dos bancos e dos especuladores, representantes do FMI, da União Europeia e do BCE foram até Dublin para um típico ajuste estrutural: diminuição do salário mínimo, cortes de gastos públicos e retirada de capital do setor público. A Irlanda foi de colônia britânica a polo de fluxo de capitais ao estilo Las Vegas, em seguida, de volta à condição de servidão sob o capital europeu, tudo isso em menos de um século.
No entanto, o povo irlandês simplesmente aceitou carregar seu fardo. Há algumas teorias que tentam explicar o motivo. Alguns dizem que o fracasso econômico, a emigração e as altas taxas de desemprego são simplesmente o status quo na Irlanda, desde pelo menos o período da Grande Fome em meados do século 19. Outros dizem que os mais jovens se mudaram para a Austrália ou para a América do Norte, dificultando qualquer insurgência. Em todo caso, disseram aos irlandeses que eles deveriam se comportar, o que eles de fato fizeram.
Esta obediência incondicional desapareceu no fim de 2014, com as enormes mobilizações contra os impostos sobre a água. Os protestos parecem ter pegado os partidos governantes de surpresa. Leo Varadkar, ministro da Saúde e membro de um partido de direita disse em dezembro que se sente "realmente incomodado" pelo fato de as pessoas estarem protestando contra os impostos sobre a água. Ele diz que há questões maiores em jogo.
Em novembro, Joan Burton, Tánaiste (vice-primeira-ministra) trabalhista, ficou presa em seu carro durante um protesto em Dublin por várias horas. Para Burton, os manifestantes pareciam fascistas – um comentário curioso vindo de uma política em coalizão com o Fine Gael, um partido que nasceu do breve flerte irlandês com o fascismo.
Parte da confusão vem do fato de que os políticos insistem que a Irlanda está "em recuperação". O desemprego, que chegou a 15% no início de 2012, está agora em 10,7%. Uma série de pesquisas em dezembro deixou todos ainda mais perplexos. Os trabalhistas estão com 5%, enquanto os independentes e partidos menores chegam ao total de 30%.
O outro grande vencedor foi o Sinn Féin, partido outrora conhecido como "braço político do Exército Republicano Irlandês". A ascensão do partido ao longo dos últimos anos na República da Irlanda foi quase meteórica.
Nas eleições parlamentares de 2011, o Sinn Féin passou de 4 a 14 cadeiras no congresso Dáil, de 166 cadeiras, e as pesquisas atuais o apresentam como o mais popular ou segundo mais popular partido no país. (Mas as eleições de 2011 também proporcionaram a substituição do Fianna Fáil, partido de centro-direita que deteve o poder ao longo da maior parte da história da república, ser substituído pelo Fine Gael e pelos Trabalhistas.)
Enquanto parte da população da República da Irlanda ainda associa o Sinn Féin com a violência dos conflitos na Irlanda do Norte, é a plataforma econômica do partido, e não sua luta por uma Irlanda unida, o que atrai a atenção. Um dos quatro maiores partidos, ele é o único que não está comprometido com a implementação da agenda de austeridade da troika. O "orçamento alternativo" do partido em 2015 clama por mais investimentos em moradias populares, saúde, educação e outros setores-chave.
No entanto, foi apenas após os grandes protestos contra os impostos sobre a água – bem como uma eleição parlamentar suplementar em outubro, na qual o partido perdeu um assento para o candidato da Aliança Anti-Austeridade – que o Sinn Féin começou a se pronunciar contra os impostos. Agora firmemente comprometido, o presidente do partido, Gerry Adams, discursou no protesto de dezembro para um público entusiasmado.
As próximas eleições irlandesas ocorrerão neste ano ou no próximo, e a vitória do Sinn Féin alteraria radicalmente o panorama político. Mesmo as pesquisas que mostram que o partido é o mais popular na República da Irlanda seriam impensáveis há dez anos.
Várias organizações à esquerda do Sinn Féin também estão ativas. Ainda que pequenas, funcionam como uma espécie de âncora para o Sinn Féin, forçando o partido a assumir uma posição firme contra a austeridade e os impostos sobre a água. Por exemplo, Paul Murphy, da Aliança Anti-Austeridade – que derrotou o candidato do Sinn Féin em 2014 – é uma das vozes no Dáil e nas ruas contra os impostos sobre a água.
A Irlanda do Norte é uma história completamente diferente.
Nos seis condados do estado norte-irlandês, o Sinn Féin já está no governo. Como provisão do Acordo de Belfast, de 1998, o partido católico deve compartilhar o governo com o partido protestante. O Sinn Féin se encontra em uma coalizão com o Partido Unionista Democrático, de direita; os líderes dos dois partidos agem como coexecutivos. Às vésperas do Natal, os dois partidos concordaram em implantar uma versão local pouco alterada das medidas de austeridade de David Cameron, primeiro-ministro do Reino Unido.
A fim de manter certo grau de autonomia governamental em relação a Londres e conservar a instituição da divisão do poder, criada durante o Processo de Paz, o Sinn Féin teve de se reposicionar como centrista, e agora implementa um plano para o corte de subsídios sociais e para a "redução de custos administrativos".
Em Dublin, o Sinn Féin luta contra cortes e reduções. Em Belfast, ele os implementa. O partido, antes ligado ao grupo que quase matou Margaret Thatcher, hoje coloca em prática as políticas de austeridade que são o principal legado de Thatcher.
Não está muito claro quão palatável os eleitores da República da Irlanda acham a associação histórica entre o Sinn Féin e o IRA. No último ano, quando ocorreram os protestos, isso parecia não importar muito. A cantora irlandesa Sinead O’Connor recentemente solicitou sua entrada no partido e, ao mesmo tempo, pediu a renúncia da atual liderança.
Se o Sinn Féin poderá se tornar o veículo partidário para a luta contra a austeridade depende de se ele poderá confrontar seu passado – o que não é fácil em um país com uma fronteira tão odiada, que também divide o próprio partido. A versão sulista teria de se deslocar para a direita para se adequar à versão do norte? Ou seria o contrário? O passado é o que segura o partido? E quanto à questão da unidade irlandesa? Para muitas pessoas, esta ainda é uma meta muito importante, na qual eles não veem qualquer progresso.
Em todo caso, o Sinn Féin deverá desempenhar um grande papel na política da ilha ao longo dos próximos anos. A Irlanda está observando de perto os desdobramentos da eleição grega. Uma vitória do Syriza na Grécia seria boa notícia para a crescente esquerda anti-austeridade irlandesa, e poderá dar forças a quem se encontra à esquerda do Sinn Féin. Estes partidos e movimentos continuarão a desempenhar um papel importante na prevenção de uma guinada à direita.
O ímpeto para o maior protesto desta geração – e talvez o maior desde a conquista da independência – é o plano do governo irlandês de instituir novas tarifas sobre a água, que poderão variar entre €176 e €500 [entre 550 e 1600 reais], dependendo do tamanho da residência. As manifestações estão criando condições para uma mudança na política irlandesa. O governo de centro-direita está finalmente se sentindo pressionado, e a esquerda parece ganhar força.
Membro do chamado grupo de países PIIGS – Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha, isto é, os países que mais sofrem sob o jugo da trindade União Europeia (UE), Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Central Europeu (BCE) e sob a virtual suspensão da democracia ao longo dos últimos seis anos –, a Irlanda, até o momento, havia sido o único deles a não conseguir se opor à austeridade.
A resistência frequentemente assumiu a forma de ação direta. A nível local, comunidades se uniram para repelir empresas contratadas para instalar hidrômetros em suas propriedades. Um vídeo demonstrando como sabotar os hidrômetros, disponibilizado pelo partido socialista éirígí, já foi visualizado mais de setenta mil vezes. (Um número impressionante, se levarmos em conta a população do país).
A demografia dos protestos traz representantes de diferentes setores da sociedade irlandesa. Os estudantes universitários com seus vinte e poucos anos eram apenas adolescentes quando ocorreu o crash e se iniciou a austeridade. Mas as gerações mais velhas, que lutam para pagar as contas e veem seus filhos abandonando o país por falta de emprego, também estão envolvidas.
Na dianteira do movimento está a campanha Right2Water [Direito à Água], composta por sindicatos, pelo Sinn Féin e outros partidos de esquerda menores. O Sindicato de Serviços, Industrial, Profissional e Técnico [SIPTU, na sigla em inglês], maior sindicato da Irlanda, inicialmente se recusou a apoiar as manifestações, mas acabou se unindo a elas após os protestos de novembro.
Boa parte da ira contra as novas tarifas foi alimentada pela revelação do exorbitante valor gasto na criação da Irish Water, a empresa público-privada que administra o serviço de água. À medida que se descobria mais sobre as tramoias envolvendo a criação da Irish Water, os anos de frustração silenciosa pela austeridade finalmente foram deixados para trás.
Durante os anos 90, a Irlanda foi apelidada de "Tigre Celta" e serviu como modelo do que a estrutura econômica neoliberal poderia fazer pela taxa de crescimento de um país. Os setores de desenvolvimento e imóveis da Irlanda, que cresciam rapidamente, causavam inveja no restante da Europa.
De repente, tudo caiu por terra. A história por trás do crescimento é bastante familiar. A expansão da economia veio às custas de empréstimos bancários irresponsáveis em hipotecas e, em seguida, na especulação com imóveis, usando capital emprestado do mercado internacional. A história da quebra também é conhecida. Os bancos irlandeses haviam concedido mais títulos do que podiam e, quando o colapso do Lehman Brothers, em 2008, impactou o mercado de dívidas europeu e os bancos de todo o continente quiseram seu capital de volta, os bancos irlandeses não tinham dinheiro para pagar.
O que distingue a crise irlandesa das crises espanhola ou grega é o tamanho da dívida em relação ao tamanho da economia, assim como a forma como o Estado lidou com essas obrigações. O Estado cobriu todo o débito sem que sequer houvesse votação no Parlamento ou uma reunião de gabinete, transformando uma crise de bancos privados em uma crise de dívida pública.
Quando o Estado irlandês não conseguiu cobrir os débitos dos bancos e dos especuladores, representantes do FMI, da União Europeia e do BCE foram até Dublin para um típico ajuste estrutural: diminuição do salário mínimo, cortes de gastos públicos e retirada de capital do setor público. A Irlanda foi de colônia britânica a polo de fluxo de capitais ao estilo Las Vegas, em seguida, de volta à condição de servidão sob o capital europeu, tudo isso em menos de um século.
No entanto, o povo irlandês simplesmente aceitou carregar seu fardo. Há algumas teorias que tentam explicar o motivo. Alguns dizem que o fracasso econômico, a emigração e as altas taxas de desemprego são simplesmente o status quo na Irlanda, desde pelo menos o período da Grande Fome em meados do século 19. Outros dizem que os mais jovens se mudaram para a Austrália ou para a América do Norte, dificultando qualquer insurgência. Em todo caso, disseram aos irlandeses que eles deveriam se comportar, o que eles de fato fizeram.
Esta obediência incondicional desapareceu no fim de 2014, com as enormes mobilizações contra os impostos sobre a água. Os protestos parecem ter pegado os partidos governantes de surpresa. Leo Varadkar, ministro da Saúde e membro de um partido de direita disse em dezembro que se sente "realmente incomodado" pelo fato de as pessoas estarem protestando contra os impostos sobre a água. Ele diz que há questões maiores em jogo.
Em novembro, Joan Burton, Tánaiste (vice-primeira-ministra) trabalhista, ficou presa em seu carro durante um protesto em Dublin por várias horas. Para Burton, os manifestantes pareciam fascistas – um comentário curioso vindo de uma política em coalizão com o Fine Gael, um partido que nasceu do breve flerte irlandês com o fascismo.
Parte da confusão vem do fato de que os políticos insistem que a Irlanda está "em recuperação". O desemprego, que chegou a 15% no início de 2012, está agora em 10,7%. Uma série de pesquisas em dezembro deixou todos ainda mais perplexos. Os trabalhistas estão com 5%, enquanto os independentes e partidos menores chegam ao total de 30%.
O outro grande vencedor foi o Sinn Féin, partido outrora conhecido como "braço político do Exército Republicano Irlandês". A ascensão do partido ao longo dos últimos anos na República da Irlanda foi quase meteórica.
Nas eleições parlamentares de 2011, o Sinn Féin passou de 4 a 14 cadeiras no congresso Dáil, de 166 cadeiras, e as pesquisas atuais o apresentam como o mais popular ou segundo mais popular partido no país. (Mas as eleições de 2011 também proporcionaram a substituição do Fianna Fáil, partido de centro-direita que deteve o poder ao longo da maior parte da história da república, ser substituído pelo Fine Gael e pelos Trabalhistas.)
Enquanto parte da população da República da Irlanda ainda associa o Sinn Féin com a violência dos conflitos na Irlanda do Norte, é a plataforma econômica do partido, e não sua luta por uma Irlanda unida, o que atrai a atenção. Um dos quatro maiores partidos, ele é o único que não está comprometido com a implementação da agenda de austeridade da troika. O "orçamento alternativo" do partido em 2015 clama por mais investimentos em moradias populares, saúde, educação e outros setores-chave.
No entanto, foi apenas após os grandes protestos contra os impostos sobre a água – bem como uma eleição parlamentar suplementar em outubro, na qual o partido perdeu um assento para o candidato da Aliança Anti-Austeridade – que o Sinn Féin começou a se pronunciar contra os impostos. Agora firmemente comprometido, o presidente do partido, Gerry Adams, discursou no protesto de dezembro para um público entusiasmado.
As próximas eleições irlandesas ocorrerão neste ano ou no próximo, e a vitória do Sinn Féin alteraria radicalmente o panorama político. Mesmo as pesquisas que mostram que o partido é o mais popular na República da Irlanda seriam impensáveis há dez anos.
Várias organizações à esquerda do Sinn Féin também estão ativas. Ainda que pequenas, funcionam como uma espécie de âncora para o Sinn Féin, forçando o partido a assumir uma posição firme contra a austeridade e os impostos sobre a água. Por exemplo, Paul Murphy, da Aliança Anti-Austeridade – que derrotou o candidato do Sinn Féin em 2014 – é uma das vozes no Dáil e nas ruas contra os impostos sobre a água.
A Irlanda do Norte é uma história completamente diferente.
Nos seis condados do estado norte-irlandês, o Sinn Féin já está no governo. Como provisão do Acordo de Belfast, de 1998, o partido católico deve compartilhar o governo com o partido protestante. O Sinn Féin se encontra em uma coalizão com o Partido Unionista Democrático, de direita; os líderes dos dois partidos agem como coexecutivos. Às vésperas do Natal, os dois partidos concordaram em implantar uma versão local pouco alterada das medidas de austeridade de David Cameron, primeiro-ministro do Reino Unido.
A fim de manter certo grau de autonomia governamental em relação a Londres e conservar a instituição da divisão do poder, criada durante o Processo de Paz, o Sinn Féin teve de se reposicionar como centrista, e agora implementa um plano para o corte de subsídios sociais e para a "redução de custos administrativos".
Em Dublin, o Sinn Féin luta contra cortes e reduções. Em Belfast, ele os implementa. O partido, antes ligado ao grupo que quase matou Margaret Thatcher, hoje coloca em prática as políticas de austeridade que são o principal legado de Thatcher.
Não está muito claro quão palatável os eleitores da República da Irlanda acham a associação histórica entre o Sinn Féin e o IRA. No último ano, quando ocorreram os protestos, isso parecia não importar muito. A cantora irlandesa Sinead O’Connor recentemente solicitou sua entrada no partido e, ao mesmo tempo, pediu a renúncia da atual liderança.
Se o Sinn Féin poderá se tornar o veículo partidário para a luta contra a austeridade depende de se ele poderá confrontar seu passado – o que não é fácil em um país com uma fronteira tão odiada, que também divide o próprio partido. A versão sulista teria de se deslocar para a direita para se adequar à versão do norte? Ou seria o contrário? O passado é o que segura o partido? E quanto à questão da unidade irlandesa? Para muitas pessoas, esta ainda é uma meta muito importante, na qual eles não veem qualquer progresso.
Em todo caso, o Sinn Féin deverá desempenhar um grande papel na política da ilha ao longo dos próximos anos. A Irlanda está observando de perto os desdobramentos da eleição grega. Uma vitória do Syriza na Grécia seria boa notícia para a crescente esquerda anti-austeridade irlandesa, e poderá dar forças a quem se encontra à esquerda do Sinn Féin. Estes partidos e movimentos continuarão a desempenhar um papel importante na prevenção de uma guinada à direita.
Até o fim de janeiro, haverá ainda outro grande protesto contra o aumento dos impostos sobre a água. Os hidrômetros ainda estão sendo desativados. Talvez, inspirando-se nos britânicos, o não-pagamento em massa seja o próximo passo. Mas lutar contra a austeridade e os impostos não deveria ser visto como o objetivo final. Avançar na frente principal significaria construir uma esquerda irlandesa capaz não apenas de impedir os impostos sobre o consumo de água, mas o próprio capitalismo.
Colaborador
Michael Lee-Murphy é repórter e escritor freelancer.
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