Ralph Miliband e Marcel Liebman
Uma foto tirada à noite do lado norte da Praça Vermelha, em Moscou. Getty Images |
Tradução / Desde a Revolução Bolchevique de outubro de 1917, o anticomunismo tem sido um tema dominante na guerra política travada pelas forças conservadoras contra a esquerda inteira, comunista e não-comunista; e desde 1945 e o início da Guerra Fria em particular, o anticomunismo tem sido disseminado sem cessar por uma multidão de fontes e meios diferentes –jornais, rádio, televisão, filmes, artigos, panfletos, livros, discursos, sermões, documentos oficiais– em uma empreitada maciça de propaganda e doutrinação. Nenhum outro assunto que não o “comunismo” tem recebido qualquer coisa próxima de um mesmo volume de crítica e denúncia.
A intensidade e as formas desta propaganda têm variado de país para país e de período para período, com os Estados Unidos bem na dianteira, entre as democracias capitalistas, na intensidade e difusão de seu anticomunismo; mas nenhuma vez, desde 1917, o anticomunismo deixou de ocupar um lugar de relevo, até mesmo central, na política e nas políticas do mundo capitalista.
Diferentes países comunistas foram várias vezes o principal alvo de ataque –a China nos tempos da Guerra da Coréia, o Vietnã nos tempos da Guerra do Vietnã. Mas é a União Soviética que tem sido sempre considerada a principal e mais perigosa inimiga; e é com o anticomunismo enquanto se refere à União Soviética que estaremos, acima de tudo, ocupados aqui.
Apesar das diversas formas que tem assumido, o anticomunismo baseia-se em duas alegações fundamentais: a primeira é a de que o “comunismo” seja um mal supremo e absoluto; e a segunda é a de que seja um mal que os líderes soviéticos estão procurando impor ao resto do mundo. São estas duas alegações que propomos tratar aqui; e o fazemos de uma posição socialista independente que, embora muito crítica acerca de muitos aspectos do “comunismo” soviético, está nitidamente em desacordo com o anticomunismo.
Desde os primeiros dias da Revolução Bolchevique, o anticomunismo pintou o “comunismo” com as cores mais escuras possíveis. Da sua parte, os comunistas e muitas outras pessoas da esquerda procuraram, de 1917 até o 20° Congresso do Partido Comunista Soviético de 1956 e o “discurso secreto” de Kruschev, pintar o regime com as cores mais brilhantes possíveis, e rejeitavam de forma resoluta toda a crítica da União Soviética como nada mais que propaganda, invenções e mentiras burguesas.
Uma grande parte dela o era, sem dúvida: o anticomunismo tem sempre contado com muita informação falsa e tendenciosa acerca da União Soviética, além de ter fabricado ele mesmo. Mas muitas das informações e observações desfavoráveis, até mesmo de viés extremo, não eram mentiras e invenções, de modo algum; e era um extravio deplorável que os defensores da União Soviética dessem apoio total e irrestrito a tudo o que o regime soviético fazia, quando muito porque a nenhum regime, quaisquer que forem suas intenções e até mesmo suas realizações, deveria ser dada, em qualquer caso, tal espécie de apoio. O argumento é válido em todos os tempos, mas possui força excepcional em relação aos anos de governo de Stalin, do final dos anos vinte até à sua morte em 1953, quando imensos crimes foram cometidos pelo regime.
Há muitas razões para se explicar a aprovação convicta que comunistas e outros na esquerda deram às políticas e ações stalinistas; e vale a pena estender-se nelas, já que são em geral ignoradas por anticomunistas.
Uma de tais razões é que, paralelamente à repressão e aos assassinatos maciços, houve também grandes conquistas e avanços; e os últimos serviram para ocultar os primeiros. Assim como as negligências e crimes do capitalismo ocidental fortaleceram a disposição de acreditar que a União Soviética, pobre, sitiada e envilecida, fosse uma terra onde o socialismo estivesse sendo edificado, em hipótese alguma deviam seus esforços ser enfraquecidos e seus inimigos fortalecidos por observações desfavoráveis.
A ascensão do nazismo encorajou imensamente esta posição, assim como o apaziguamento dos ditadores fascistas pela Grã-Bretanha, França e outros regimes capitalistas. A União Soviética e os partidos comunistas sob seu comando tiveram seu próprio papel considerável ao insistir que qualquer um na esquerda que criticasse a União Soviética era, “objetivamente”, aliado de reacionários e fascistas, e devia ser denunciado sem misericórdia. Após a Segunda Guerra Mundial, havia também a gratidão pela contribuição imensa que a União Soviética dera para a derrota do nazismo; bem como havia o recomeço do velho conflito ideológico e político na Guerra Fria, e a determinação do Ocidente de conter as pressões radicais geradas pela guerra.
Todas estas razões –e a lista poderia ser facilmente estendida– servem apenas para explicar, antes que justificar, a trágica submissão ao stalinismo de um vasto exército de ativistas, em movimentos operários por todo o lugar, que estavam entre os mais dedicados e corajosos participantes dos conflitos de classe de seus tempos; e é preciso que seja dito, dada a difamação à qual têm estado sujeitos (inclusive por pessoas que foram elas mesmas stalinistas, e por outras que nunca mexeram um dedo em nome de qualquer causa decente), que estas eram as pessoas que por todo o lado lutaram arduamente contra as forças conservadoras, reacionárias e fascistas, sem qualquer pensamento de ganho ou vantagem pessoal. Pelo contrário, com grande custo para si mesmas, com frequência através do sacrifício da liberdade e da vida.
Estes reflexos defensivos acerca da União Soviética de modo algum desapareceram. Mas a realidade do governo stalinista há muito foi admitida na esquerda; e também há, em grande medida, o reconhecimento de que o regime pós-stalinista, embora imensuravelmente menos tirânico que seu predecessor, permaneceu excessivamente intolerante à divergência, e que suas ações nesta área, bem como em qualquer outra, deveriam estar sujeitas a uma crítica socialista intransigente.
A extensão da crítica varia muito de uma parte da esquerda para outra, mas agora não há, ao menos, disposição alguma para se tomar o regime soviético como um “modelo” de socialismo: de fato, há agora uma disposição muito difundida na esquerda de pensar no regime soviético como um “anti-modelo”.
Como poderia ser de outra maneira, dadas algumas das mais pronunciadas feições daquele regime? O projeto socialista significa, e certamente significava para Marx, a subordinação do estado à sociedade. Precisamente o oposto caracteriza o sistema soviético.
Além disso, a dominação do estado naquele sistema é assegurada por um partido extremamente hierárquico, severamente controlado, e ferozmente monopolista, ajudado por um temível aparato policial. Fora do partido, não há vida política; e dentro do partido, a vida política tal como existe é estreitamente circunscrita pelo que a liderança do partido permita ou ordene –o que significa que tampouco haja tanta vida política no partido.
Liberdades pessoais, cívicas e políticas essenciais são limitadas e arriscadas. Liberdade intelectual em qualquer sentido significativo é virtualmente inexistente; e o tratamento de “dissidentes” de toda espécie é um escândalo e uma desonra para um país que proclama sua dedicação ao socialismo e marxismo. Quase o mesmo, com maior ou menor ênfase, é também verdade em todos os outros regimes comunistas. Chamar a isto “socialismo” é degradar o conceito ao nível que lhe é atribuído por seus inimigos.
Sempre houve pessoas na esquerda que pertenciam a tendências, grupos e partidos diferentes e conflitantes, as quais desde os primeiros anos do regime soviético foram extremamente críticas quanto a ele. É de fato de dentro da esquerda marxista que se apresentaram algumas das mais convincentes críticas ao regime soviético, sobretudo de correntes diversas na tradição trotskista, a começar pelo próprio Trotsky. Mas estes críticos também rejeitaram de maneira bastante firme, como nós o fazemos, qualquer assimilação da sua posição àquela do anticomunismo; e devemos agora nos voltar aos fundamentos nos quais se baseia a nossa rejeição por ele.
Um destes fundamentos é o de que o anticomunismo seja uma postura essencialmente conservadora, que usa a experiência de regimes de viés soviético como um dos meios –há vários outros– de combater como utópico, absurdo, perigoso e sinistro qualquer projeto de transformação que vá além das mais modestas tentativas de “engenharia social a conta-gotas”. Os socialistas estão bem a par, por agora, das dificuldades de toda espécie que estão fadadas a acompanhar a criação de uma comunidade cooperativa, democrática e igualitária.
Mas isto não os faz renunciar ao seu compromisso para com ele; e a experiência do regime soviético, ou da China ou Camboja ou qualquer outro lugar, não pode ser considerada de relevância decisiva em outras partes, muito menos em países cujas circunstâncias econômicas, sociais, políticas e culturais sejam imensamente diferentes das daqueles nos quais regimes comunistas foram implantados. Tampouco a maioria dos socialistas iria querer dissociar o projeto comunista prefigurado por Marx do significado do socialismo. Ao contrário, eles antes o veem como que a representar o cumprimento, por mais distante que seja, da promessa do socialismo.
O anticomunismo também é flagrantemente seletivo na sua concepção dos regimes comunistas, e sistematicamente apresenta uma imagem distorcida em alto grau de sua realidade. Em particular, lança em uma sombra cerrada ou ignora inteiramente o seu lado positivo e suas realizações econômicas, sociais e culturais. A natureza bilateral dos regimes de viés soviético é uma parte intrínseca da sua existência. Como no caso da era stalinista na União Soviética, há, na maioria, senão em todos os regimes de viés soviético, avanço e progresso bem como ditadura e repressão.
O anticomunismo não apenas atenua ou ignora inteiramente os avanços que são feitos, mas também presta muito pouca, se é que alguma, atenção às condições e circunstâncias nas quais foram feitos. Os regimes comunistas chegaram em geral ao poder em países cuja vasta maioria da população sofrera tradicionalmente com diferentes graus de subdesenvolvimento econômico, em alguns casos de um tipo extremo, a partir de feroz exploração local e estrangeira; e com uma forma ou outra de governo autoritário, inclusive de governo colonial. Além disso, muitos destes países foram devastados pela guerra civil e intervenção estrangeira antes ou depois de passar a estar sob governo comunista, como no caso da União Soviética, China, Coréia, Vietnã, Laos e Camboja; e seus regimes também estavam sujeitos à guerra econômica, travada sob a liderança dos Estados Unidos, como no caso de Cuba.
Em outras palavras, todos os regimes comunistas começaram com empecilhos e fardos alarmantes. Esta combinação de subdesenvolvimento e exploração, por um lado, e de hostilidade e destruição capitalistas, por outro, não anula ou explica por completo os aspectos negativos destes regimes. Mas é altamente relevante para qualquer avaliação séria da sua natureza e dinâmica; e torna seus avanços e realizações tanto mais dignos de nota.
O anticomunismo é também tendenciosamente seletivo em outro aspecto: condena os abusos políticos e humanos de ditaduras comunistas, mas com muita frequência tolera ou simplesmente ignora os abusos e crimes de regimes de direita. Tais regimes, por mais tirânicos e criminosos que sejam, podem contar com o apoio firme dos Estados Unidos e outros estados capitalistas, tudo, é claro, em nome da defesa da democracia e da liberdade.
Quando muito, pesares perfunctórios e gerais podem ser manifestados quanto aos feitos malignos que regimes de direita possam cometer (embora não seja assim que se coloque), com pias esperanças sendo proclamadas de que em breve possa chegar a hora em que tais abusos, como se encontram, talvez cessem. Mas o contraste entre esta indulgência e a denúncia feroz de abusos de regimes comunistas é muito marcante, e diz muito acerca da genuinidade da preocupação anticomunista com direitos humanos, democracia e o restante. Retornaremos à questão mais tarde.
A sra. Jeanne Kirkpatrick, outrora uma professora de ciência política e atualmente representante geral dos EUA nas Nações Unidas, procurou justificar esta diferença de atitude quanto às ditaduras de direita e os regimes comunistas com o argumento, inter alia, de que os primeiros eram apenas “autoritários”, ao passo que os últimos eram “totalitários”. Ditaduras autoritárias da Direita são capazes de reforma e mudança em direção à “democracia”, ao passo que regimes “totalitários” comunistas e de esquerda não o são. Estas noções justificam alguma observação.
A intensidade e as formas desta propaganda têm variado de país para país e de período para período, com os Estados Unidos bem na dianteira, entre as democracias capitalistas, na intensidade e difusão de seu anticomunismo; mas nenhuma vez, desde 1917, o anticomunismo deixou de ocupar um lugar de relevo, até mesmo central, na política e nas políticas do mundo capitalista.
Diferentes países comunistas foram várias vezes o principal alvo de ataque –a China nos tempos da Guerra da Coréia, o Vietnã nos tempos da Guerra do Vietnã. Mas é a União Soviética que tem sido sempre considerada a principal e mais perigosa inimiga; e é com o anticomunismo enquanto se refere à União Soviética que estaremos, acima de tudo, ocupados aqui.
Apesar das diversas formas que tem assumido, o anticomunismo baseia-se em duas alegações fundamentais: a primeira é a de que o “comunismo” seja um mal supremo e absoluto; e a segunda é a de que seja um mal que os líderes soviéticos estão procurando impor ao resto do mundo. São estas duas alegações que propomos tratar aqui; e o fazemos de uma posição socialista independente que, embora muito crítica acerca de muitos aspectos do “comunismo” soviético, está nitidamente em desacordo com o anticomunismo.
Desde os primeiros dias da Revolução Bolchevique, o anticomunismo pintou o “comunismo” com as cores mais escuras possíveis. Da sua parte, os comunistas e muitas outras pessoas da esquerda procuraram, de 1917 até o 20° Congresso do Partido Comunista Soviético de 1956 e o “discurso secreto” de Kruschev, pintar o regime com as cores mais brilhantes possíveis, e rejeitavam de forma resoluta toda a crítica da União Soviética como nada mais que propaganda, invenções e mentiras burguesas.
Uma grande parte dela o era, sem dúvida: o anticomunismo tem sempre contado com muita informação falsa e tendenciosa acerca da União Soviética, além de ter fabricado ele mesmo. Mas muitas das informações e observações desfavoráveis, até mesmo de viés extremo, não eram mentiras e invenções, de modo algum; e era um extravio deplorável que os defensores da União Soviética dessem apoio total e irrestrito a tudo o que o regime soviético fazia, quando muito porque a nenhum regime, quaisquer que forem suas intenções e até mesmo suas realizações, deveria ser dada, em qualquer caso, tal espécie de apoio. O argumento é válido em todos os tempos, mas possui força excepcional em relação aos anos de governo de Stalin, do final dos anos vinte até à sua morte em 1953, quando imensos crimes foram cometidos pelo regime.
Há muitas razões para se explicar a aprovação convicta que comunistas e outros na esquerda deram às políticas e ações stalinistas; e vale a pena estender-se nelas, já que são em geral ignoradas por anticomunistas.
Uma de tais razões é que, paralelamente à repressão e aos assassinatos maciços, houve também grandes conquistas e avanços; e os últimos serviram para ocultar os primeiros. Assim como as negligências e crimes do capitalismo ocidental fortaleceram a disposição de acreditar que a União Soviética, pobre, sitiada e envilecida, fosse uma terra onde o socialismo estivesse sendo edificado, em hipótese alguma deviam seus esforços ser enfraquecidos e seus inimigos fortalecidos por observações desfavoráveis.
A ascensão do nazismo encorajou imensamente esta posição, assim como o apaziguamento dos ditadores fascistas pela Grã-Bretanha, França e outros regimes capitalistas. A União Soviética e os partidos comunistas sob seu comando tiveram seu próprio papel considerável ao insistir que qualquer um na esquerda que criticasse a União Soviética era, “objetivamente”, aliado de reacionários e fascistas, e devia ser denunciado sem misericórdia. Após a Segunda Guerra Mundial, havia também a gratidão pela contribuição imensa que a União Soviética dera para a derrota do nazismo; bem como havia o recomeço do velho conflito ideológico e político na Guerra Fria, e a determinação do Ocidente de conter as pressões radicais geradas pela guerra.
Todas estas razões –e a lista poderia ser facilmente estendida– servem apenas para explicar, antes que justificar, a trágica submissão ao stalinismo de um vasto exército de ativistas, em movimentos operários por todo o lugar, que estavam entre os mais dedicados e corajosos participantes dos conflitos de classe de seus tempos; e é preciso que seja dito, dada a difamação à qual têm estado sujeitos (inclusive por pessoas que foram elas mesmas stalinistas, e por outras que nunca mexeram um dedo em nome de qualquer causa decente), que estas eram as pessoas que por todo o lado lutaram arduamente contra as forças conservadoras, reacionárias e fascistas, sem qualquer pensamento de ganho ou vantagem pessoal. Pelo contrário, com grande custo para si mesmas, com frequência através do sacrifício da liberdade e da vida.
Estes reflexos defensivos acerca da União Soviética de modo algum desapareceram. Mas a realidade do governo stalinista há muito foi admitida na esquerda; e também há, em grande medida, o reconhecimento de que o regime pós-stalinista, embora imensuravelmente menos tirânico que seu predecessor, permaneceu excessivamente intolerante à divergência, e que suas ações nesta área, bem como em qualquer outra, deveriam estar sujeitas a uma crítica socialista intransigente.
A extensão da crítica varia muito de uma parte da esquerda para outra, mas agora não há, ao menos, disposição alguma para se tomar o regime soviético como um “modelo” de socialismo: de fato, há agora uma disposição muito difundida na esquerda de pensar no regime soviético como um “anti-modelo”.
Como poderia ser de outra maneira, dadas algumas das mais pronunciadas feições daquele regime? O projeto socialista significa, e certamente significava para Marx, a subordinação do estado à sociedade. Precisamente o oposto caracteriza o sistema soviético.
Além disso, a dominação do estado naquele sistema é assegurada por um partido extremamente hierárquico, severamente controlado, e ferozmente monopolista, ajudado por um temível aparato policial. Fora do partido, não há vida política; e dentro do partido, a vida política tal como existe é estreitamente circunscrita pelo que a liderança do partido permita ou ordene –o que significa que tampouco haja tanta vida política no partido.
Liberdades pessoais, cívicas e políticas essenciais são limitadas e arriscadas. Liberdade intelectual em qualquer sentido significativo é virtualmente inexistente; e o tratamento de “dissidentes” de toda espécie é um escândalo e uma desonra para um país que proclama sua dedicação ao socialismo e marxismo. Quase o mesmo, com maior ou menor ênfase, é também verdade em todos os outros regimes comunistas. Chamar a isto “socialismo” é degradar o conceito ao nível que lhe é atribuído por seus inimigos.
Sempre houve pessoas na esquerda que pertenciam a tendências, grupos e partidos diferentes e conflitantes, as quais desde os primeiros anos do regime soviético foram extremamente críticas quanto a ele. É de fato de dentro da esquerda marxista que se apresentaram algumas das mais convincentes críticas ao regime soviético, sobretudo de correntes diversas na tradição trotskista, a começar pelo próprio Trotsky. Mas estes críticos também rejeitaram de maneira bastante firme, como nós o fazemos, qualquer assimilação da sua posição àquela do anticomunismo; e devemos agora nos voltar aos fundamentos nos quais se baseia a nossa rejeição por ele.
Um destes fundamentos é o de que o anticomunismo seja uma postura essencialmente conservadora, que usa a experiência de regimes de viés soviético como um dos meios –há vários outros– de combater como utópico, absurdo, perigoso e sinistro qualquer projeto de transformação que vá além das mais modestas tentativas de “engenharia social a conta-gotas”. Os socialistas estão bem a par, por agora, das dificuldades de toda espécie que estão fadadas a acompanhar a criação de uma comunidade cooperativa, democrática e igualitária.
Mas isto não os faz renunciar ao seu compromisso para com ele; e a experiência do regime soviético, ou da China ou Camboja ou qualquer outro lugar, não pode ser considerada de relevância decisiva em outras partes, muito menos em países cujas circunstâncias econômicas, sociais, políticas e culturais sejam imensamente diferentes das daqueles nos quais regimes comunistas foram implantados. Tampouco a maioria dos socialistas iria querer dissociar o projeto comunista prefigurado por Marx do significado do socialismo. Ao contrário, eles antes o veem como que a representar o cumprimento, por mais distante que seja, da promessa do socialismo.
O anticomunismo também é flagrantemente seletivo na sua concepção dos regimes comunistas, e sistematicamente apresenta uma imagem distorcida em alto grau de sua realidade. Em particular, lança em uma sombra cerrada ou ignora inteiramente o seu lado positivo e suas realizações econômicas, sociais e culturais. A natureza bilateral dos regimes de viés soviético é uma parte intrínseca da sua existência. Como no caso da era stalinista na União Soviética, há, na maioria, senão em todos os regimes de viés soviético, avanço e progresso bem como ditadura e repressão.
O anticomunismo não apenas atenua ou ignora inteiramente os avanços que são feitos, mas também presta muito pouca, se é que alguma, atenção às condições e circunstâncias nas quais foram feitos. Os regimes comunistas chegaram em geral ao poder em países cuja vasta maioria da população sofrera tradicionalmente com diferentes graus de subdesenvolvimento econômico, em alguns casos de um tipo extremo, a partir de feroz exploração local e estrangeira; e com uma forma ou outra de governo autoritário, inclusive de governo colonial. Além disso, muitos destes países foram devastados pela guerra civil e intervenção estrangeira antes ou depois de passar a estar sob governo comunista, como no caso da União Soviética, China, Coréia, Vietnã, Laos e Camboja; e seus regimes também estavam sujeitos à guerra econômica, travada sob a liderança dos Estados Unidos, como no caso de Cuba.
Em outras palavras, todos os regimes comunistas começaram com empecilhos e fardos alarmantes. Esta combinação de subdesenvolvimento e exploração, por um lado, e de hostilidade e destruição capitalistas, por outro, não anula ou explica por completo os aspectos negativos destes regimes. Mas é altamente relevante para qualquer avaliação séria da sua natureza e dinâmica; e torna seus avanços e realizações tanto mais dignos de nota.
O anticomunismo é também tendenciosamente seletivo em outro aspecto: condena os abusos políticos e humanos de ditaduras comunistas, mas com muita frequência tolera ou simplesmente ignora os abusos e crimes de regimes de direita. Tais regimes, por mais tirânicos e criminosos que sejam, podem contar com o apoio firme dos Estados Unidos e outros estados capitalistas, tudo, é claro, em nome da defesa da democracia e da liberdade.
Quando muito, pesares perfunctórios e gerais podem ser manifestados quanto aos feitos malignos que regimes de direita possam cometer (embora não seja assim que se coloque), com pias esperanças sendo proclamadas de que em breve possa chegar a hora em que tais abusos, como se encontram, talvez cessem. Mas o contraste entre esta indulgência e a denúncia feroz de abusos de regimes comunistas é muito marcante, e diz muito acerca da genuinidade da preocupação anticomunista com direitos humanos, democracia e o restante. Retornaremos à questão mais tarde.
A sra. Jeanne Kirkpatrick, outrora uma professora de ciência política e atualmente representante geral dos EUA nas Nações Unidas, procurou justificar esta diferença de atitude quanto às ditaduras de direita e os regimes comunistas com o argumento, inter alia, de que os primeiros eram apenas “autoritários”, ao passo que os últimos eram “totalitários”. Ditaduras autoritárias da Direita são capazes de reforma e mudança em direção à “democracia”, ao passo que regimes “totalitários” comunistas e de esquerda não o são. Estas noções justificam alguma observação.
Em primeiro lugar, regimes “autoritários” apoiados pelo Ocidente só se tornam menos repressivos e mais “democráticos” sob o impacto de crise extrema e contestação. A crise em si é o resultado de pressão e luta, inclusive luta armada, contra o regime em questão; e é uma contestação a qual o regime, com o pleno apoio dos Estados Unidos, procura derrotar, normalmente através de repressão violenta. Somente quando ele é incapaz de alcançar a obliteração da contestação é que a reforma talvez suceda. A ironia sinistra desta situação é que não é o êxito das políticas dos Estados Unidos, mas a incapacidade americana de escorar um regime tirânico, que rende concessões.
Em segundo lugar, estas concessões normalmente deixam intactas as estruturas repressivas dos regimes, seu aparato policial e militar, e todas as forças que sustentaram o regime autoritário em primeiro lugar. Esquadrões da morte, tortura sistemática e extensiva, aprisionamento e assassinato de opositores podem já não mais estar em voga; e isso é de fato um grande ganho. Mas a maioria das pessoas responsáveis pelos crimes do regime permanecem em posições de poder e influência e continuam a ser uma força importante nos afazeres públicos. Não há razão alguma válida o bastante para que a vez deles não chegasse de novo.
Em terceiro lugar, e relacionado com isto, as mudanças que são feitas na esfera política, tais como o são, deixam intactas as estruturas econômicas e sociais que constituem a fonte permanente de “opressão social” para a grande maioria da população; e também deixam intacta a posição predominante dos interesses estrangeiros e do capital internacional nestes países.
Para a grande maioria, exploração, sujeição, fome e desnutrição, doença crônica e morte prematura, tudo permanece em grande parte ou completamente não afetado pelas mudanças “democráticas” que podem ter ocorrido em uma capital remota e estranha; e tentativas de resistir e reduzir a “opressão social” da parte daqueles sujeitos a ela não estão muito menos expostas à supressão severa do que estavam sob a ditadura. A única esperança real de progresso significativo encontra-se na transformação revolucionária do sistema econômico, social e político, e na derrocada das forças conservadoras na sociedade e do estado que tem sido dominante até este ponto; e isto, é evidente, deve incluir os poderosos interesses capitalistas estrangeiros. Isto não é uma condição suficiente de progresso; mas é, contudo, essencial.
É precisamente o propósito de oligarquias locais e de seus protetores estrangeiros prevenir, conter, neutralizar ou esmagar tentativas de mudança revolucionária: reformas “democráticas”, concedidas de forma relutante quando a repressão rematada fracassara, são consideradas como um meio de manter o status quo, de modo algum transformá-lo.
É a transformação revolucionária que ocorreu em Cuba que torna possível a reportagem de Havana, do gênero da Reuters, que o Times de Londres publicou no final de 1983 sob a manchete Como Castro criou um estado de bem-estar de dar inveja, e que vale a pena citar por inteiro:
De nenhum país capitalista comparável no “Terceiro Mundo” uma tal reportagem poderia ter sido escrita; mas diz respeito a um aspecto da realidade comunista que o anticomunismo prefere esconder.
Assim também, o rótulo de “totalitário” que está vinculado aos regimes comunistas é mais útil enquanto denúncia do que descrição. Pois quaisquer que possam ser as intenções dos seus líderes, a noção de dominação total que o termo carrega é desmentida na experiência real.
Não somente têm estes regimes de aguentar diversas oposições, porém, embora sejam repressivos, eles possuem mecanismos elaborados de participação e consulta que tornam possível a manifestação de uma multidão de requisições, sugestões, queixas e descontentamentos de ordem popular. Alguns destes são ouvidos e considerados, outros não o são. Mas a imagem que o anticomunismo procura transmitir de um mundo orwelliano de 1984 é incorreta.
Para aquelas pessoas que transgridam os limites da ortodoxia imposta pelo partido e Estado, é provável que a vida seja amarga e cruel, e esta é uma acusação permanente aos regimes em questão. Ainda assim, não são, de um modo geral, regimes em que populações esmagadas vivem como “proletas” orwellianos sob efetivo controle “totalitário”. A noção de que o sejam faz parte da guerra ideológica, na qual a verdade, como em todas as guerras, é uma baixa prematura. Um dos propósitos desta propaganda é a celebração, na formulação de C. Wright Mills, da democracia capitalista, mais conhecida como democracia, e o enevoamento das pressões, nestes regimes democráticos capitalistas, rumo à conformidade imposta.
É também incorreto dizer que regimes de viés soviético, sendo “totalitários”, são incapazes de mudança. Eles são todos regimes “modernizantes”; na verdade, alguns dos seus maiores problemas foram causados por uma megalomania “produtivista”, agravada pela falta de regulamentação política eficiente. De qualquer maneira, a dinâmica que os carrega adiante requer-lhes que experimentem, mudem e adaptem. Também aqui, nada poderia estar mais distante do mundo estagnado de 1984.
É verdade, por outro lado, que as muitas reformas que são tentadas não se estendem à erosão, muito menos à abolição, do papel monopolista do Partido Comunista, traduzido como seu “papel principal”. Mas até mesmo isto precisa de uma emenda. Pois a erosão deste “papel principal” do partido ocorreu de vez em quando, a despeito da resistência da sua liderança.
A Tchecoslováquia, na primavera de 1968, mostrou quanta mudança podia ser impingida, de dentro, sobre um sistema que se tornara proverbial pela rigidez; e a Polônia, em 1980 e depois, também mostrou que a mudança era tão possível quanto extremamente difícil de sustentar em face da oposição soviética. A Primavera de Praga foi detida por tanques soviéticos, e os tumultos poloneses por uma forma incomum de bonapartismo comunista, induzido por pressão soviética, e tornado possível, é importante acrescentar, pela proximidade soviética. Isto não diminui, porém, o significado destas experiências em termos do que elas anunciam para o futuro.
Nem mesmo o alcance das mudanças que ocorreram na própria União Soviética desde a morte de Stalin deveria ser subestimado. Há um sentido essencial no qual o sistema não mudou; mas dentro de uma estrutura aparentemente rígida, muito no seu funcionamento tem na verdade se transformado desde os dias da tirania desenfreada, tanto que não é de todo irrealista ou “utópico” pensar que as experiências “tcheca” e “polonesa” se farão sentir, no seu devido tempo e à sua própria maneira, na União Soviética mesma.
O rótulo de “totalitário” faz parte da guerra ideológica doutra maneira também –na medida em que abrange tanto regimes comunistas quanto fascistas, e com isso se intenciona insinuar que são sistemas muito semelhantes. De forma mais específica, a insinuação é de que comunismo e nazismo sejam mais ou menos idênticos.
Isto pode ser boa propaganda, mas é bem pobre como análise política. Havia semelhanças entre o stalinismo e o nazismo no uso de terror em massa e assassinato em massa. Mas havia também enormes diferenças entre eles. O stalinismo era uma “revolução desde o alto”, que tentava modernizar a Rússia de cima para baixo, com base na propriedade estatal dos meios de produção (a maioria desses “meios de produção” sendo eles mesmos produzidos como parte da “revolução do alto”); e a Rússia foi de fato transformada, a imenso custo.
O nazismo, por outro lado, era, a despeito de toda sua retórica de transformação, um movimento e regime contrarrevolucionário, que consolidava a propriedade capitalista e as estruturas econômicas e sociais que Hitler havia herdado de Weimar. Como se tem observado com frequência, doze anos de governo nazista absoluto não mudaram fundamentalmente, e nunca procuraram mudar fundamentalmente, o sistema social que existia quando Hitler chegou ao poder. Assimilar nazismo e stalinismo, e igualá-los como movimentos e regimes similarmente “totalitários” da extrema-direita e extrema-esquerda, é tornar impossível um entendimento apropriado de sua natureza, conteúdo e propósito.
Dois pontos adicionais precisam ser tocados acerca dos movimentos que têm sido os principais alvos de ataque e denúncia anticomunistas. O primeiro é que os movimentos revolucionários que alcançaram proeminência nos anos depois da Segunda Guerra Mundial não foram liderados ou dominados por comunistas. Uma diferença profunda a este respeito sobreviera à cena revolucionária da primeira metade do século 20 para a segunda.
Na primeira metade, ao menos depois de 1917, os movimentos revolucionários da esquerda por todo o mundo eram na sua maioria liderados por comunistas; e aqueles que os lideravam consentiam na fidelidade à Internacional Comunista, o que queria dizer, para todos os efeitos, à sua liderança russa, e acreditavam que isto fosse sinônimo, ou que, pelo menos, não se lhes opusesse de forma alguma, da sua fidelidade às suas próprias lutas nacionais. Aqueles que não tomavam esta posição não se mantinham líderes por muito tempo.
Na segunda metade do século, por outro lado, os movimentos revolucionários não têm sido deste tipo de modo algum, ainda que os comunistas tenham com frequência sido um dos seus elementos constituintes. Os revolucionários cubanos, por exemplo, não eram comunistas quando partiram na estrada que, ao final, os levou a Havana em 1959. Tampouco o são os sandinistas na Nicarágua, ou as forças de liberação em El Salvador.
Além disso, nenhum movimento revolucionário em lugar algum do mundo, quer se denomine “marxista-leninista”, quer não, acredita que deva qualquer fidelidade particular a Moscou, ou que os interesses que defende sejam necessariamente sinônimos daqueles da União Soviética. Todos estes movimentos estão imbuídos de sentimentos nacionalistas muito fortes; e um dos impulsos mais fortes que os anima é precisamente o desejo de livrar seu país da dominação estrangeira, sobretudo daquela dos Estados Unidos.
A ideia de que estejam dispostos a trocar uma forma de dominação e dependência estrangeira por outra é absurda, e não é menos derivada de uma posição algo racista de que, até agora, as pessoas dominadas no “Terceiro Mundo” não possam estar realmente tão interessadas em se livrar da dominação estrangeira quanto as pessoas dos Estados Unidos ou Grã-Bretanha, e de que seus governos, para o seu próprio bem, requeressem tutela, quer queiram, quer não.
Os movimentos e regimes revolucionários podem ser forçados pela hostilidade e intervenção ocidentais a procurar apoio soviético, e a iniciar relações estreitas com a União Soviética. Cuba é um excelente exemplo deste processo: há toda razão para se supor que seus laços com a União Soviética não se teriam tornado nem de perto tão estreitos se o regime revolucionário cubano não tivesse sido defrontado com a determinação implacável dos Estados Unidos de infligir tudo quanto é dano que pudessem sobre o país e por fim derrubar seu governo. O mesmo cabe a outros movimentos e regimes revolucionários levados pela hostilidade americana a procurar apoio da União Soviética.
O segundo ponto diz respeito a partidos comunistas em países capitalistas avançados. Há uma noção vacilante de que estes se mantenham partidos “revolucionários” –no sentido de que se mantenham comprometidos com a transformação fundamental de seus países em direções socialistas. Neste sentido, porém, um bom número de partidos sociais-democráticos pode também arrogar que seja “revolucionário”.
Os partidos comunistas, além disso, dão importância ao seu compromisso com a luta de classes, usam sua linguagem de maneira muito mais vigorosa do que o fazem suas contrapartes sociais-democráticas, e proclamam sua vinculação ao “marxismo-leninismo”, ou pelo menos ao marxismo. Mas estão também comprometidos de forma meticulosa a trabalhar dentro de uma estrutura estritamente constitucionalista, e em termos de uma estratégia que concilia prioridade aos ganhos eleitorais e parlamentares.
Como foi indicado antes, a maioria deles tem, além disso, cessado de aceitar ordens da União Soviética; e estão muito ocupados em enfatizar que seguirão sua própria estrada para o socialismo, de acordo com suas próprias tradições, circunstâncias e necessidades nacionais. A despeito de tais proclamações, a maioria destes partidos conserva elos estreitos e até mesmo íntimos com a União Soviética e seus aliados. Mas é, todavia, apenas no mundo assombrado do anticomunismo que estes partidos aparentam ser nada mais que destacamentos avançados do poderio soviético, ardendo de desejo de introduzir seus países no rebanho soviético.
Em segundo lugar, estas concessões normalmente deixam intactas as estruturas repressivas dos regimes, seu aparato policial e militar, e todas as forças que sustentaram o regime autoritário em primeiro lugar. Esquadrões da morte, tortura sistemática e extensiva, aprisionamento e assassinato de opositores podem já não mais estar em voga; e isso é de fato um grande ganho. Mas a maioria das pessoas responsáveis pelos crimes do regime permanecem em posições de poder e influência e continuam a ser uma força importante nos afazeres públicos. Não há razão alguma válida o bastante para que a vez deles não chegasse de novo.
Em terceiro lugar, e relacionado com isto, as mudanças que são feitas na esfera política, tais como o são, deixam intactas as estruturas econômicas e sociais que constituem a fonte permanente de “opressão social” para a grande maioria da população; e também deixam intacta a posição predominante dos interesses estrangeiros e do capital internacional nestes países.
Para a grande maioria, exploração, sujeição, fome e desnutrição, doença crônica e morte prematura, tudo permanece em grande parte ou completamente não afetado pelas mudanças “democráticas” que podem ter ocorrido em uma capital remota e estranha; e tentativas de resistir e reduzir a “opressão social” da parte daqueles sujeitos a ela não estão muito menos expostas à supressão severa do que estavam sob a ditadura. A única esperança real de progresso significativo encontra-se na transformação revolucionária do sistema econômico, social e político, e na derrocada das forças conservadoras na sociedade e do estado que tem sido dominante até este ponto; e isto, é evidente, deve incluir os poderosos interesses capitalistas estrangeiros. Isto não é uma condição suficiente de progresso; mas é, contudo, essencial.
É precisamente o propósito de oligarquias locais e de seus protetores estrangeiros prevenir, conter, neutralizar ou esmagar tentativas de mudança revolucionária: reformas “democráticas”, concedidas de forma relutante quando a repressão rematada fracassara, são consideradas como um meio de manter o status quo, de modo algum transformá-lo.
É a transformação revolucionária que ocorreu em Cuba que torna possível a reportagem de Havana, do gênero da Reuters, que o Times de Londres publicou no final de 1983 sob a manchete Como Castro criou um estado de bem-estar de dar inveja, e que vale a pena citar por inteiro:
“Até mesmo os críticos mais ríspidos de Fidel Castro teriam dificuldade em depreciar o progresso feito pela revolução de Cuba, com 25 anos de idade em 1° de janeiro, ao criar um estado de bem-estar digno de um país muito mais rico.
A garantia de educação gratuita e serviços de saúde pública fora um dos principais objetivos do Governo Comunista de Cuba, o qual herdou uma sociedade bem diferente quando o exército de guerrilha do dr. Castro tomou o poder em 1959.
Estatísticas oficiais, respaldadas por especialistas das Nações Unidas que trabalham aqui, deixam clara a transformação que tomou lugar nesta ilha tropical, em grande parte agrícola.
A média de expectativa de vida de um cubano nascido nos anos 1950 era cerca de 50 anos, comparados aos 73 de hoje, ao passo que a mortalidade infantil caiu de cerca de 60 em 1.000 nascimentos para 16. (Ano passado a ilha alcançou a taxa de mortalidade infantil mais baixa de sua história: 4,1 em 1.000)
Campanhas de vacinação e melhoria das condições de alimentação, saneamento e subsistência quase que eliminaram doenças que ainda dão livre curso à assolação na maioria dos países do Terceiro Mundo. Nenhum caso de pólio, malária, difteria ou tétano do recém-nascido, enfermidades que outrora matavam milhares de crianças cubanas, foi registrado na década passada.
Benefícios sociais vitalícios asseguram que mesmo as famílias mais pobres não passem fome e tenham igual acesso a tratamento médico e ensino. O gasto governamental em educação e saúde toma mais que 20% do orçamento nacional. O número de hospitais e doutores triplicou e o novo hospital Hermanos Ameijeiras no centro de Havana é simbólico da quase obsessão das novas autoridades em prover o melhor em tratamento médico.”
De nenhum país capitalista comparável no “Terceiro Mundo” uma tal reportagem poderia ter sido escrita; mas diz respeito a um aspecto da realidade comunista que o anticomunismo prefere esconder.
Assim também, o rótulo de “totalitário” que está vinculado aos regimes comunistas é mais útil enquanto denúncia do que descrição. Pois quaisquer que possam ser as intenções dos seus líderes, a noção de dominação total que o termo carrega é desmentida na experiência real.
Não somente têm estes regimes de aguentar diversas oposições, porém, embora sejam repressivos, eles possuem mecanismos elaborados de participação e consulta que tornam possível a manifestação de uma multidão de requisições, sugestões, queixas e descontentamentos de ordem popular. Alguns destes são ouvidos e considerados, outros não o são. Mas a imagem que o anticomunismo procura transmitir de um mundo orwelliano de 1984 é incorreta.
Para aquelas pessoas que transgridam os limites da ortodoxia imposta pelo partido e Estado, é provável que a vida seja amarga e cruel, e esta é uma acusação permanente aos regimes em questão. Ainda assim, não são, de um modo geral, regimes em que populações esmagadas vivem como “proletas” orwellianos sob efetivo controle “totalitário”. A noção de que o sejam faz parte da guerra ideológica, na qual a verdade, como em todas as guerras, é uma baixa prematura. Um dos propósitos desta propaganda é a celebração, na formulação de C. Wright Mills, da democracia capitalista, mais conhecida como democracia, e o enevoamento das pressões, nestes regimes democráticos capitalistas, rumo à conformidade imposta.
É também incorreto dizer que regimes de viés soviético, sendo “totalitários”, são incapazes de mudança. Eles são todos regimes “modernizantes”; na verdade, alguns dos seus maiores problemas foram causados por uma megalomania “produtivista”, agravada pela falta de regulamentação política eficiente. De qualquer maneira, a dinâmica que os carrega adiante requer-lhes que experimentem, mudem e adaptem. Também aqui, nada poderia estar mais distante do mundo estagnado de 1984.
É verdade, por outro lado, que as muitas reformas que são tentadas não se estendem à erosão, muito menos à abolição, do papel monopolista do Partido Comunista, traduzido como seu “papel principal”. Mas até mesmo isto precisa de uma emenda. Pois a erosão deste “papel principal” do partido ocorreu de vez em quando, a despeito da resistência da sua liderança.
A Tchecoslováquia, na primavera de 1968, mostrou quanta mudança podia ser impingida, de dentro, sobre um sistema que se tornara proverbial pela rigidez; e a Polônia, em 1980 e depois, também mostrou que a mudança era tão possível quanto extremamente difícil de sustentar em face da oposição soviética. A Primavera de Praga foi detida por tanques soviéticos, e os tumultos poloneses por uma forma incomum de bonapartismo comunista, induzido por pressão soviética, e tornado possível, é importante acrescentar, pela proximidade soviética. Isto não diminui, porém, o significado destas experiências em termos do que elas anunciam para o futuro.
Nem mesmo o alcance das mudanças que ocorreram na própria União Soviética desde a morte de Stalin deveria ser subestimado. Há um sentido essencial no qual o sistema não mudou; mas dentro de uma estrutura aparentemente rígida, muito no seu funcionamento tem na verdade se transformado desde os dias da tirania desenfreada, tanto que não é de todo irrealista ou “utópico” pensar que as experiências “tcheca” e “polonesa” se farão sentir, no seu devido tempo e à sua própria maneira, na União Soviética mesma.
O rótulo de “totalitário” faz parte da guerra ideológica doutra maneira também –na medida em que abrange tanto regimes comunistas quanto fascistas, e com isso se intenciona insinuar que são sistemas muito semelhantes. De forma mais específica, a insinuação é de que comunismo e nazismo sejam mais ou menos idênticos.
Isto pode ser boa propaganda, mas é bem pobre como análise política. Havia semelhanças entre o stalinismo e o nazismo no uso de terror em massa e assassinato em massa. Mas havia também enormes diferenças entre eles. O stalinismo era uma “revolução desde o alto”, que tentava modernizar a Rússia de cima para baixo, com base na propriedade estatal dos meios de produção (a maioria desses “meios de produção” sendo eles mesmos produzidos como parte da “revolução do alto”); e a Rússia foi de fato transformada, a imenso custo.
O nazismo, por outro lado, era, a despeito de toda sua retórica de transformação, um movimento e regime contrarrevolucionário, que consolidava a propriedade capitalista e as estruturas econômicas e sociais que Hitler havia herdado de Weimar. Como se tem observado com frequência, doze anos de governo nazista absoluto não mudaram fundamentalmente, e nunca procuraram mudar fundamentalmente, o sistema social que existia quando Hitler chegou ao poder. Assimilar nazismo e stalinismo, e igualá-los como movimentos e regimes similarmente “totalitários” da extrema-direita e extrema-esquerda, é tornar impossível um entendimento apropriado de sua natureza, conteúdo e propósito.
Dois pontos adicionais precisam ser tocados acerca dos movimentos que têm sido os principais alvos de ataque e denúncia anticomunistas. O primeiro é que os movimentos revolucionários que alcançaram proeminência nos anos depois da Segunda Guerra Mundial não foram liderados ou dominados por comunistas. Uma diferença profunda a este respeito sobreviera à cena revolucionária da primeira metade do século 20 para a segunda.
Na primeira metade, ao menos depois de 1917, os movimentos revolucionários da esquerda por todo o mundo eram na sua maioria liderados por comunistas; e aqueles que os lideravam consentiam na fidelidade à Internacional Comunista, o que queria dizer, para todos os efeitos, à sua liderança russa, e acreditavam que isto fosse sinônimo, ou que, pelo menos, não se lhes opusesse de forma alguma, da sua fidelidade às suas próprias lutas nacionais. Aqueles que não tomavam esta posição não se mantinham líderes por muito tempo.
Na segunda metade do século, por outro lado, os movimentos revolucionários não têm sido deste tipo de modo algum, ainda que os comunistas tenham com frequência sido um dos seus elementos constituintes. Os revolucionários cubanos, por exemplo, não eram comunistas quando partiram na estrada que, ao final, os levou a Havana em 1959. Tampouco o são os sandinistas na Nicarágua, ou as forças de liberação em El Salvador.
Além disso, nenhum movimento revolucionário em lugar algum do mundo, quer se denomine “marxista-leninista”, quer não, acredita que deva qualquer fidelidade particular a Moscou, ou que os interesses que defende sejam necessariamente sinônimos daqueles da União Soviética. Todos estes movimentos estão imbuídos de sentimentos nacionalistas muito fortes; e um dos impulsos mais fortes que os anima é precisamente o desejo de livrar seu país da dominação estrangeira, sobretudo daquela dos Estados Unidos.
A ideia de que estejam dispostos a trocar uma forma de dominação e dependência estrangeira por outra é absurda, e não é menos derivada de uma posição algo racista de que, até agora, as pessoas dominadas no “Terceiro Mundo” não possam estar realmente tão interessadas em se livrar da dominação estrangeira quanto as pessoas dos Estados Unidos ou Grã-Bretanha, e de que seus governos, para o seu próprio bem, requeressem tutela, quer queiram, quer não.
Os movimentos e regimes revolucionários podem ser forçados pela hostilidade e intervenção ocidentais a procurar apoio soviético, e a iniciar relações estreitas com a União Soviética. Cuba é um excelente exemplo deste processo: há toda razão para se supor que seus laços com a União Soviética não se teriam tornado nem de perto tão estreitos se o regime revolucionário cubano não tivesse sido defrontado com a determinação implacável dos Estados Unidos de infligir tudo quanto é dano que pudessem sobre o país e por fim derrubar seu governo. O mesmo cabe a outros movimentos e regimes revolucionários levados pela hostilidade americana a procurar apoio da União Soviética.
O segundo ponto diz respeito a partidos comunistas em países capitalistas avançados. Há uma noção vacilante de que estes se mantenham partidos “revolucionários” –no sentido de que se mantenham comprometidos com a transformação fundamental de seus países em direções socialistas. Neste sentido, porém, um bom número de partidos sociais-democráticos pode também arrogar que seja “revolucionário”.
Os partidos comunistas, além disso, dão importância ao seu compromisso com a luta de classes, usam sua linguagem de maneira muito mais vigorosa do que o fazem suas contrapartes sociais-democráticas, e proclamam sua vinculação ao “marxismo-leninismo”, ou pelo menos ao marxismo. Mas estão também comprometidos de forma meticulosa a trabalhar dentro de uma estrutura estritamente constitucionalista, e em termos de uma estratégia que concilia prioridade aos ganhos eleitorais e parlamentares.
Como foi indicado antes, a maioria deles tem, além disso, cessado de aceitar ordens da União Soviética; e estão muito ocupados em enfatizar que seguirão sua própria estrada para o socialismo, de acordo com suas próprias tradições, circunstâncias e necessidades nacionais. A despeito de tais proclamações, a maioria destes partidos conserva elos estreitos e até mesmo íntimos com a União Soviética e seus aliados. Mas é, todavia, apenas no mundo assombrado do anticomunismo que estes partidos aparentam ser nada mais que destacamentos avançados do poderio soviético, ardendo de desejo de introduzir seus países no rebanho soviético.
Esta posição, no entanto, aplicada em uma escala mundial, é essencial ao propósito de legitimar a ação antirrevolucionária contra movimentos e regimes revolucionários; e estes não têm de ser “oficialmente” comunistas para que sejam denunciados como cavalos de Tróia ou quintas-colunas. Qualquer tipo de movimento ou regime revolucionário da esquerda servirá.
Esta é a base sobre a qual os EUA procuram justificar a alegação de que, digamos, a Nicarágua sob os sandinistas represente uma ameaça direta à segurança norte-americana. A alegação só pode ser tirada do reino da pura fantasia, na admissão de que os sandinistas queiram introduzir a União Soviética em seu país. Esta admissão, porém, em si pertence ao reino do que poderia ser descrito como disparate funcional.
Mas há uma outra admissão que acompanha esta, a saber, a de que a União Soviética esteja ela mesma desesperadamente ocupada em entrar em um país após o outro, em busca daquele “expansionismo” que, como indicamos no início, é a segunda proposição essencial do anticomunismo. É a este alegado “expansionismo” que agora nos voltamos.
Desde a Segunda Guerra Mundial, um coro ensurdecedor anticomunista no Ocidente transformara em juízo convencional a noção de que a União Soviética fosse uma potência imperialista e expansionista, cujos líderes procurassem a dominação do mundo, e cujos desígnios hegemônicos fossem uma ameaça não somente aos seus vizinhos, mas ao mundo inteiro.
Os termos exatos do indiciamento, e as explicações deste alegado “expansionismo” soviético variam, e também as concepções do que deve ser feito a propósito, mas o ponto básico permanece: a União Soviética representa uma ameaça permanente a todos os países livres – uma ameaça ainda mais ameaçadora, aos olhos de muitos anticomunistas, do que o nazismo, porque é mais insidiosa e difusa. O mínimo que isto requer é o refreamento e coibição por meio do poderio militar dos Estados Unidos e seus parceiros na OTAN e além dela, com consciência vigilante dos perigos constatados do “apaziguamento”.
Antes de tratar disto, é relevante recordar que a hostilidade violenta à União Soviética era um princípio condutor da diplomacia das grandes potências muito antes que houvesse qualquer questão de “expansionismo” soviético. Foi afinal nos primeiros dias do regime bolchevique que os exércitos de uma dúzia de países, e uns mais, entraram na Rússia com a tarefa, como Winston Churchill o colocou na época, de “estrangular o bolchevismo no seu berço”.
Marx e Engels haviam proclamado no Manifesto Comunista em 1848 que “um espectro está assombrando a Europa –o espectro do comunismo”. Mas agora não havia mais espectro algum do “comunismo”, salvo sua temida realidade. Pela primeira vez na história, um estado se tornara a encarnação do “comunismo”; e um estado, além do mais, que reivindicava soberania sobre o maior país do mundo. Não é de se admirar que representantes da velha ordem tentassem destruí-lo; e que, tendo fracassado em assim o fazer, devessem ocupar-se de conter e reduzir seu impacto no mundo, sem muita necessidade de invocar o “expansionismo” soviético. O anticomunismo em sua forma pura, por assim dizer, era o bastante.
Num livro intitulado Politics and Diplomacy of Peacemaking (Política e Diplomacia da Pacificação), e com o subtítulo Containment and Counterrevolution at Versailles (Contenção e Contrarrevolução em Versailles), o professor Arno Mayer indica que “a Conferência de Paz de Paris tomou um bando de decisões, todas as quais, em graus variados, foram traçadas para estorvar o bolchevismo”. Isto poderia bem servir como um leitmotivpara a diplomacia britânica e francesa nos anos entre guerras; pelo menos, a história diplomática e política daqueles anos não pode ser escrita de forma apropriada sem tornar isto um elemento central no relato. Para a diplomacia britânica em particular, o refreamento do “comunismo” e de sua difusão através do Império Britânico permaneceu o tempo todo uma preocupação maior, então muito maior que o nazismo.
Do mesmo modo, foi o anticomunismo que ditou muito da soberba estratégia dos Aliados ocidentais na Segunda Guerra Mundial. Quase não há um único episódio importante na guerra, de 1942 para diante, que possa ser explicado sem estreita referência aos medos que tinham de sublevação social no final da guerra, a da contribuição que os sucessos militares e avanços soviéticos poderiam dar à transformação revolucionária nos países liberados. Tampouco, é claro, isto era apenas uma questão de salvar exclusivamente a Europa do “comunismo”: a preocupação era global e abrangia territórios coloniais britânicos, franceses e outros, que ardiam com a expectativa de liberação nacional e social.
De fato, não era o “comunismo” que estivesse então em questão, de modo algum, mas a mudança radical na qual os comunistas teriam certamente um importante papel a cumprir, embora não monopolista. Na Europa ocidental, os partidos comunistas tiveram um papel estabilizador crucial num tempo de grande sublevação social e política, e rejeitavam quaisquer políticas “aventureiras” descontroladas, quer dizer, quaisquer políticas que pudessem ter posto em perigo sua continuada participação nos governos burgueses nos quais tinham entrado. Esta estratégia era de imensa ajuda em manter a disciplina social na classe trabalhadora; e era uma estratégia que estes partidos comunistas buscavam em completo acordo com os líderes soviéticos, e com o conhecimento seguro de que qualquer outra estratégia teria sido ferozmente contrariada por estes líderes.
Nem mesmo a União Soviética insistia então na “stalinização” da Europa oriental no final da guerra: não foi senão depois de 1947 e do agravamento da Guerra Fria que regimes comunistas plenamente amadurecidos foram instalados nos países que Stalin queria dentro da esfera de influência soviética, com a inclusão da Tchecoslováquia por meio de uma tomada de poder comunista em 1948. É também digno de nota que Stalin estivesse perfeitamente preparado a abandonar a resistência comunista grega à sina amarga que lhe foi reservada pelos reacionários gregos apoiados pelos britânicos, e a ver a Grécia adentrar a esfera de influência britânica, e daí a norte-americana.
O que os Aliados ocidentais estavam procurando alcançar no final da Segunda Guerra Mundial era precisamente o que haviam procurado alcançar no final da I Guerra Mundial, a saber, recuperar e estabilizar uma velha ordem convulsionada pela guerra e ameaçada pelo radicalismo fomentado pela guerra. Este empenho tomou muitas formas diferentes, e envolveu a confrontação com a União Soviética em muitos pontos diferentes. Foi isto, e não o “expansionismo” soviético, que pôs em movimento uma dialética de escalada e contra-escalada que definira toda a história dos anos do pós-guerra.
Nesta perspectiva, o termo “Guerra Fria” é um tanto enganoso: ele sugere um antagonismo de Estado para Estado, o que é, na verdade, real o bastante, mas obscurece o fato de que o que está no âmago deste antagonismo é a determinação das potências ocidentais de conter movimentos revolucionários por todo o lugar e mesmo, quanto a tal, movimentos reformistas, um propósito ao qual a União Soviética, pelas suas próprias razões e em suas próprias maneiras, é algo como um obstáculo. A noção de “guerra civil internacional”, que o professor Mayer, entre outros, também usa, está mais próxima do que “Guerra Fria” da verdadeira natureza da confrontação.
Desde 1939, a União Soviética incorporara a Polônia oriental, os estados bálticos, a parte ocidental da Ucrânia e a Bielo-Rússia. Estes territórios eram, é claro, parte do império czarista antes de 1917. Isto não é justificativa alguma para a incorporação de países que, como no caso da Lituânia, Letônia e Estônia, haviam alcançado independência como resultado da queda do czarismo. Mas é um fato que seja, no entanto, relevante para um julgamento dos tipos de considerações que determinam as ações dos líderes soviéticos –neste caso, uma mistura de nacionalismo, uma posição particular do que a segurança soviética requeira, uma completa indiferença ao que os povos envolvidos possam ou não querer, possivelmente combinada a uma crença de que eles devam afinal chegar a ver os benefícios do seu retorno a um estado russo que seja agora uma comunidade soviética.
Desde 1945, a União Soviética também trouxera a Polônia, Hungria, Bulgária, Alemanha Oriental e Tchecoslováquia para dentro de sua esfera de dominação. Sua relação com a Romênia é mais ambígua, e significa muitíssimo menos que controle. Em 1979, deu de encontro, à força de armas, à ameaça de seu controle do Afeganistão, como se dera na Hungria em 1956 e na Tchecoslováquia em 1968. Possui laços estreitos com o Vietnã e Cuba.
Por outro lado, suas relações com outros estados comunistas são incertas, e variam do mais ou menos amistoso, como no caso da Coréia do Norte e Iugoslávia, ao francamente hostil, como no caso da China e Albânia. Suas relações com outros Estados autoproclamados “marxista-leninistas”, tais como Iêmen do Sul, Etiópia, Moçambique e Angola, são boas, mas não lhe concede qualquer coisa como controle sobre estes países.
O que isto nos diz acerca da dinâmica da política externa soviética? Para o anticomunismo, a resposta é ofuscantemente simples e óbvia: fala-nos de um imperialismo soviético combinado ao imperialismo russo; de inflexível expansionismo totalitário, de agressão comunista, e de uma vontade implacável de alcançar dominação mundial.
Mas há um ponto de vista diferente, que é inteiramente mais realista e fundamentado na história real em vez de fantasias ideológicas, a saber, que as políticas externas e de defesa soviéticas sejam dominadas pela vontade, da parte dos líderes soviéticos, de assegurar a segurança da União Soviética no que eles concebem ser um contexto profundamente hostil e ameaçador.
Esta crença soviética na existência de um mundo capitalista hostil e ameaçador é com frequência deplorada e escarnecida no Ocidente como “neurótica”, “patológica” e totalmente injustificada, mas o histórico diz o contrário, e nos conta da ininterrupta hostilidade que todas as potências capitalistas têm sempre mostrado para com a União Soviética desde a Revolução Bolchevique. Essa hostilidade é às vezes mais pronunciada, e outras vezes menos: mas nunca está ausente dos tratos do Ocidente com a Rússia.
Diferentes potências capitalistas têm-se revezado uma à outra, por assim dizer, em assumir o comando do campo anticomunista –primeiro Grã-Bretanha e França, em seguida a Alemanha nazista, depois os Estados Unidos. Mas não é tão extraordinário que os russos devessem lembrar-se, de maneira muito mais clara que as pessoas no Ocidente, do fato de que esta hostilidade encontrara expressão, custosa ao extremo para eles, ao menos em duas ocasiões: uma delas deu-se nas guerras de intervenção que as potências capitalistas travaram contra o regime bolchevique nos primeiros anos da revolução; a outra, muito mais traumática, foi a guerra que a Alemanha e seus aliados travaram contra a União Soviética.
A Grã-Bretanha e os Estados Unidos eram aliados da Rússia, mais ou menos. Mas foi, no entanto, a União Soviética que acabou por aguentar o impacto do poderio militar da Alemanha de 1941 até 1944, e foi à União Soviética que coube o trabalho principal de destruir a máquina de guerra alemã, um trabalho que só foi realizado a um custo humano e material horrendo.
Neste histórico apenas, a noção de hostilidade capitalista –e a Alemanha nazista era uma potência capitalista, que desfrutava de relações bastante amistosas com outras potências capitalistas, até que seus apetites expansionistas crescessem demasiado– não é algum tipo de fantasma paranoide, mas uma simples realidade. E essa hostilidade não fora apenas expressa em termos militares episódicos, mas em termos de políticas econômicas, diplomáticas e estratégicas consistentemente hostis também.
É somente na propaganda anticomunista que as atitudes desfavoráveis para com a União Soviética, que têm sido o fio condutor das políticas ocidentais desde a Segunda Guerra Mundial, e em particular das políticas americanas, foram todas “por culpa dos russos”. A hostilidade estava lá desde o início: a culpa que se pode botar nos russos, à parte suas ações repressivas dentro do seu próprio domínio, é que o que conceberam que fosse requerido para sua segurança levou-os a agir de maneiras que tornaram mais fácil, aos líderes americanos e outros do Ocidente, convencer suas populações de que a hostilidade fosse justificada; e os aspectos rebarbativos crassos dos regimes de viés soviético tornaram isto ainda mais fácil.
Um grande e perigoso non sequitur acerca deste último aspecto está em operação aqui. Por ser o regime soviético repressivo, muito se acredita e até mesmo se dá por certo que deva também ser imperialista e “expansionista”. Isto, porém, não sucede de modo algum. É perfeitamente possível a um regime ser tirânico e desprovido de quaisquer ambições imperialistas.
Por outro lado, o fato de os Estados Unidos serem uma democracia capitalista, e aos olhos dos seus próprios líderes e povo uma democracia tout court, gera facilmente a opinião de que não podem ter desígnios imperialistas e hegemônicos. Isto não sucede tampouco. O máximo que se pode dizer acerca da democracia capitalista no final do século 20, a tal respeito, é que antes torna a busca de objetivos imperialistas mais difícil do que costumava ser, por causa da oposição interna que geram. Infelizmente, não torna a sua busca impossível.
As ações soviéticas que serviram da forma mais útil para sustentar a tese do “expansionismo” soviético –a stalinização dos regimes do Leste Europeu e a invasão da Hungria, Tchecoslováquia e Afeganistão– são de fato explicadas de maneira muito mais razoável pela preocupação dos líderes soviéticos com segurança. O mesmo vale para as ações temerárias nas quais líderes soviéticos se envolveram de vez em quando desde a Segunda Guerra Mundial, por exemplo o bloqueio de Berlim em 1948 e a instalação de mísseis soviéticos em Cuba em 1962.
É também significativo no presente contexto que Stalin agiu com uma boa dose de cautela quando confrontado com a “defecção” da Iugoslávia do bloco comunista em 1948, e que a reação soviética ficou restrita à denúncia dos iugoslavos por partidos comunistas pelo mundo afora como renegados, fascistas e agentes do imperialismo ocidental, e a algumas tentativas de “desestabilização” do regime de Tito. Do mesmo modo, os líderes soviéticos aceitaram a “perda” da China quando estourou a disputa sino-soviética, e também restringiram sua reação ao corte abrupto de ajuda, a tentativas de “desestabilização” e a denúncias que tiveram generosas recíprocas dos próprios chineses.
Estas não parecem ser reações de governantes impelidos por um impulso irresistível à expansão territorial e aventura militar. Antes sugerem uma abordagem em geral cautelosa das relações internacionais, muito menos “ideológica” e intervencionista, de fato, do que a abordagem que os Estados Unidos trouxeram aos assuntos mundiais desde 1945.
Desde o final da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos têm intervindo em toda parte do globo a fim de derrotar movimentos revolucionários e manter um status quo favorável aos seus próprios propósitos. Na verdade, têm intervindo não só contra movimentos e regimes revolucionários, mas contra os moderadamente reformistas também, como no caso da Guatemala em 1954 e do Chile entre 1970 e 1973, quando fizeram tudo o que pudessem para “desestabilizar” e derrubar um governo constitucional e “pluralista”, em favor de uma junta militar a qual têm apoiado ininterruptamente, desde então –tudo em nome de segurança nacional, liberdade, democracia, etc. O regime reformador da Nicarágua é o mais recente a aguentar o impacto da hostilidade dos Estados Unidos; mas não será o último.
À luz deste histórico consistente de intervenção antirrevolucionária em nome da segurança americana, não se pode dizer que haja qualquer coisa de muito anormal na própria preocupação dos líderes soviéticos com a “segurança”, não importa quanto se possa desaprovar sua concepção dela ou as trilhas nas quais ela leva. No todo, o histórico mostra que os líderes soviéticos têm sido muito menos irresponsáveis que os americanos em invocar a “segurança nacional” na defesa do que consideram ser seus interesses.
Eles têm, de fato, com frequência mostrado um notável grau de contenção em tempos de crise; suas ações, ou inações, na crise provocada pela invasão israelense do Líbano no verão de 1982, deixam clara a questão, e contrastam de maneira evidente com a intervenção militar americana na região. Tampouco é de se passar por alto que os russos têm às vezes aceitado com bastante humildade o que significou uma “inversão de alianças”, da parte de países dos quais se viram expulsos de maneira humilhante, a despeito de toda ajuda que lhes deram: o Egito é o exemplo que melhor se ajusta. A Somália é outro.
É evidente que os líderes soviéticos procurem mesmo conquistar amigos e ganhar influência onde quer que possam, e contemplem o estabelecimento de regimes revolucionários em qualquer lugar como vantajoso para si, quer estes regimes se proclamem “marxista-leninistas”, quer não. A principal razão para isto está clara, e já havia sido indicada antes, a saber, que todos esses regimes revolucionários, quaisquer que sejam suas tendências ideológicas, têm como um dos seus principais propósitos retirar seu país da esfera de influência americana, designada de maneira mais apropriada, para muitos países, como a esfera de dominação americana. É inevitável que qualquer enfraquecimento semelhante do poderio global americano seja contemplado pelos líderes soviéticos como um ganho fundamental.
Nesta perspectiva, a coisa notável, na verdade, não é que a União Soviética devesse oferecer ajuda a movimentos revolucionários e regimes revolucionários recentemente estabelecidos, mas que seja um tanto cautelosa no que faz a este respeito. Porém, declara de fato apoio e oferece ajuda a tais regimes, e permite que haja um importante contrapeso ao poderio e propósito norte-americanos em virtude de sua presença na cena internacional.
De vez em quando, isto tem consequências um tanto decisivas. É por exemplo muito provável que o regime cubano tivesse fracassado sem o apoio e a ajuda material soviéticos. Do mesmo modo, a intervenção militar cubana em Angola foi decisiva em um ponto crítico para as forças revolucionárias. Quer Cuba estivesse agindo de iniciativa própria, quer sob o comando da União Soviética, não é aqui muito importante: pois não poderia ter agido de modo algum se não tivesse recebido ela mesma o apoio da União Soviética.
À luz disto, é absolutamente verdadeiro que a existência da União Soviética e sua presença ativa na cena internacional seja ou possa ser “subversiva”, e que com frequência vá contra os propósitos antirrevolucionários dos Estados Unidos e seus aliados. É uma ilusão ingênua dos devotos mais primários do anticomunismo de que todos os movimentos revolucionários cessariam, ou cessariam de ser revolucionários, se a União Soviética não exercesse sua funesta e sinistra influência no mundo. Mas é verdadeiro que, de um modo geral, seria mais fácil lidar com tais movimentos se a União Soviética não existisse ou pudesse de alguma forma ser impedida de oferecer ajuda a movimentos revolucionários. Neste sentido, ao menos, e de uma perspectiva conservadora, o anticomunismo não deixa de ter razão.
Por outro lado, o fato de os Estados Unidos serem uma democracia capitalista, e aos olhos dos seus próprios líderes e povo uma democracia tout court, gera facilmente a opinião de que não podem ter desígnios imperialistas e hegemônicos. Isto não sucede tampouco. O máximo que se pode dizer acerca da democracia capitalista no final do século 20, a tal respeito, é que antes torna a busca de objetivos imperialistas mais difícil do que costumava ser, por causa da oposição interna que geram. Infelizmente, não torna a sua busca impossível.
As ações soviéticas que serviram da forma mais útil para sustentar a tese do “expansionismo” soviético –a stalinização dos regimes do Leste Europeu e a invasão da Hungria, Tchecoslováquia e Afeganistão– são de fato explicadas de maneira muito mais razoável pela preocupação dos líderes soviéticos com segurança. O mesmo vale para as ações temerárias nas quais líderes soviéticos se envolveram de vez em quando desde a Segunda Guerra Mundial, por exemplo o bloqueio de Berlim em 1948 e a instalação de mísseis soviéticos em Cuba em 1962.
É também significativo no presente contexto que Stalin agiu com uma boa dose de cautela quando confrontado com a “defecção” da Iugoslávia do bloco comunista em 1948, e que a reação soviética ficou restrita à denúncia dos iugoslavos por partidos comunistas pelo mundo afora como renegados, fascistas e agentes do imperialismo ocidental, e a algumas tentativas de “desestabilização” do regime de Tito. Do mesmo modo, os líderes soviéticos aceitaram a “perda” da China quando estourou a disputa sino-soviética, e também restringiram sua reação ao corte abrupto de ajuda, a tentativas de “desestabilização” e a denúncias que tiveram generosas recíprocas dos próprios chineses.
Estas não parecem ser reações de governantes impelidos por um impulso irresistível à expansão territorial e aventura militar. Antes sugerem uma abordagem em geral cautelosa das relações internacionais, muito menos “ideológica” e intervencionista, de fato, do que a abordagem que os Estados Unidos trouxeram aos assuntos mundiais desde 1945.
Desde o final da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos têm intervindo em toda parte do globo a fim de derrotar movimentos revolucionários e manter um status quo favorável aos seus próprios propósitos. Na verdade, têm intervindo não só contra movimentos e regimes revolucionários, mas contra os moderadamente reformistas também, como no caso da Guatemala em 1954 e do Chile entre 1970 e 1973, quando fizeram tudo o que pudessem para “desestabilizar” e derrubar um governo constitucional e “pluralista”, em favor de uma junta militar a qual têm apoiado ininterruptamente, desde então –tudo em nome de segurança nacional, liberdade, democracia, etc. O regime reformador da Nicarágua é o mais recente a aguentar o impacto da hostilidade dos Estados Unidos; mas não será o último.
À luz deste histórico consistente de intervenção antirrevolucionária em nome da segurança americana, não se pode dizer que haja qualquer coisa de muito anormal na própria preocupação dos líderes soviéticos com a “segurança”, não importa quanto se possa desaprovar sua concepção dela ou as trilhas nas quais ela leva. No todo, o histórico mostra que os líderes soviéticos têm sido muito menos irresponsáveis que os americanos em invocar a “segurança nacional” na defesa do que consideram ser seus interesses.
Eles têm, de fato, com frequência mostrado um notável grau de contenção em tempos de crise; suas ações, ou inações, na crise provocada pela invasão israelense do Líbano no verão de 1982, deixam clara a questão, e contrastam de maneira evidente com a intervenção militar americana na região. Tampouco é de se passar por alto que os russos têm às vezes aceitado com bastante humildade o que significou uma “inversão de alianças”, da parte de países dos quais se viram expulsos de maneira humilhante, a despeito de toda ajuda que lhes deram: o Egito é o exemplo que melhor se ajusta. A Somália é outro.
É evidente que os líderes soviéticos procurem mesmo conquistar amigos e ganhar influência onde quer que possam, e contemplem o estabelecimento de regimes revolucionários em qualquer lugar como vantajoso para si, quer estes regimes se proclamem “marxista-leninistas”, quer não. A principal razão para isto está clara, e já havia sido indicada antes, a saber, que todos esses regimes revolucionários, quaisquer que sejam suas tendências ideológicas, têm como um dos seus principais propósitos retirar seu país da esfera de influência americana, designada de maneira mais apropriada, para muitos países, como a esfera de dominação americana. É inevitável que qualquer enfraquecimento semelhante do poderio global americano seja contemplado pelos líderes soviéticos como um ganho fundamental.
Nesta perspectiva, a coisa notável, na verdade, não é que a União Soviética devesse oferecer ajuda a movimentos revolucionários e regimes revolucionários recentemente estabelecidos, mas que seja um tanto cautelosa no que faz a este respeito. Porém, declara de fato apoio e oferece ajuda a tais regimes, e permite que haja um importante contrapeso ao poderio e propósito norte-americanos em virtude de sua presença na cena internacional.
De vez em quando, isto tem consequências um tanto decisivas. É por exemplo muito provável que o regime cubano tivesse fracassado sem o apoio e a ajuda material soviéticos. Do mesmo modo, a intervenção militar cubana em Angola foi decisiva em um ponto crítico para as forças revolucionárias. Quer Cuba estivesse agindo de iniciativa própria, quer sob o comando da União Soviética, não é aqui muito importante: pois não poderia ter agido de modo algum se não tivesse recebido ela mesma o apoio da União Soviética.
À luz disto, é absolutamente verdadeiro que a existência da União Soviética e sua presença ativa na cena internacional seja ou possa ser “subversiva”, e que com frequência vá contra os propósitos antirrevolucionários dos Estados Unidos e seus aliados. É uma ilusão ingênua dos devotos mais primários do anticomunismo de que todos os movimentos revolucionários cessariam, ou cessariam de ser revolucionários, se a União Soviética não exercesse sua funesta e sinistra influência no mundo. Mas é verdadeiro que, de um modo geral, seria mais fácil lidar com tais movimentos se a União Soviética não existisse ou pudesse de alguma forma ser impedida de oferecer ajuda a movimentos revolucionários. Neste sentido, ao menos, e de uma perspectiva conservadora, o anticomunismo não deixa de ter razão.
Qualquer tentativa de compensar o “equilíbrio da culpa” é naturalmente anátema para o anticomunismo, e é automaticamente denunciado como uma apologia da repressão de dissidentes, o arquipélago Gulag, o stalinismo, e tudo o mais que há de errado com o regime soviético. Isto é uma forma de terrorismo moral e chantagem política à qual se deve resistir.
Bem longe de mencionar o histórico real enquanto oposto ao mítico, uma simples pergunta pode ser feita àqueles que fizeram da contribuição à crença no “expansionismo” soviético um artigo de inteligência política, decência, moralidade etc.: que razões pode o anticomunismo aventar para justificar o ponto de vista de que tudo o que os líderes soviéticos façam seja motivado por ambições e propósitos “expansionistas”? Quais, em outras palavras, são as razões que possam ser invocadas para explicar estas ambições “expansionistas”?
Sob exame, as razões aventadas revelam-se extremamente triviais. Uma delas é que os líderes soviéticos tenham um desejo insaciável de poder. Mas a questão não é se os líderes soviéticos queiram poder. Isto pode ser dado por certo, embora mal se possa dizer que seja uma característica peculiar a eles. Todos os líderes em todo lugar querem poder: doutro modo, não seriam líderes. Mas os líderes soviéticos já têm todo o poder que possam empregar, e mais; e nada há no histórico que permita concluir que esta espécie de construção pseudopsicológica tenha qualquer coisa a oferecer à guisa de uma explicação plausível da política externa soviética.
Na verdade, como já foi indicado, houve muitas ocasiões em que líderes soviéticos, longe de apoiar manifestações revolucionárias que poderiam ter sido favoráveis a um aumento no seu poder no exterior, foram de fato contrários ao que consideravam como “aventureirismo” revolucionário, e que se opunha à sua posição acerca do que a segurança soviética demandava.
Deveria ser lembrado, neste contexto, que tanto a revolução iugoslava como a chinesa teriam sido estacadas no final da Segunda Guerra Mundial se seus líderes tivessem aceitado o conselho soviético, que era para que Tito e Mao levassem em conta uma coalizão com seus inimigos. Tivesse o conselho sido seguido, o resultado teria sido uma restrição e não uma extensão do poderio comunista; e Stalin estava tão disposto a aceitar isto quanto estava disposto a ver uma outra retirada comunista que indicamos antes, a saber, aquela dos comunistas gregos.
Tampouco era esta suspeita de movimentos revolucionários e o medo do “aventureirismo” exclusivos de Stalin. Foram também exibidos por seus sucessores, como foi mostrado, por exemplo, pela extrema reserva observada pelos líderes soviéticos a respeito dos “acontecimentos de maio” na França em 1968, e sua aprovação da própria rejeição do Partido Comunista Francês de políticas “aventureiras”.
Estes exemplos também servem para minar outra razão aventada para justificar a noção de “expansionismo” soviético, a saber, a de que os líderes soviéticos sejam impelidos por um sobrepujante proselitismo ideológico, e de que não repousarão até que o mundo inteiro tenha se juntado, à força se necessário, à sua qualidade particular de “marxismo-leninismo”.
Aqui também, o histórico não dá sustentação alguma a qualquer ponto de vista semelhante. Os líderes soviéticos podem acolher bem a proclamação por este ou aquele regime revolucionário das suas convicções “marxista-leninistas”. Mas já havíamos indicado que sua aprovação não é baseada em qualquer grande empenho ideológico, mas na consideração mais mundana de que tais proclamações, quer anunciem boas relações com a União Soviética, quer não (e podem ser que não), quase com certeza anunciam más relações com os EUA.
O “marxismo-leninismo” pode manter líderes soviéticos, exatamente como a “democracia” ou a “liberdade”, ou seja lá o que for, podem manter líderes ocidentais. Mas considerações ideológicas têm, apesar disso, sempre tido um papel bastante secundário na política externa soviética, e tais considerações nunca impediram que líderes soviéticos realizassem ações inspiradas pelas mais rematadas noções de realpolitik: a aliança Hitler-Stalin, que durou de 1939 até que Hitler atacasse a União Soviética em 1941 é o mais espetacular exemplo do caso; mas têm havido muitos outros.
Seja como for, deve-se também dizer que nada há no “marxismo-leninismo”, sem falar do marxismo, que requeira dos seus discípulos fazer prosélitos à ponta de baionetas. Pelo contrário, um dos mais firmes princípios da teoria revolucionária do marxismo é o de que revoluções não são para exportação e devem ser feitas em casa. O internacionalismo proletário demanda que movimentos revolucionários devam ser apoiados; mas isso não é bem a mesma coisa que a exportação da revolução.
Os anticomunistas falam com frequência como se os líderes soviéticos fossem convertidos apaixonados à doutrina trotskista da “revolução permanente”. Não o são. O apoio que dão aos movimentos revolucionários é baseado em considerações muito diferentes, dentre as quais a predominante é o que pensam ser “interesse nacional” soviético e segurança soviética. Nenhuma destas percepções acarreta o tipo de “expansionismo” global que o anticomunismo proclama que esteja no âmago dos propósitos soviéticos.
Temos nos referido até agora ao anticomunismo como se houvesse apenas uma versão dele. Há, na verdade, bem umas tantas; e pode ser útil mencionar posições, ênfases e nuances distintas dentro de uma estrutura comum de anticomunismo.
Há, para começar, uma posição absolutista, que encontra muitas expressões diferentes, mas cujo denominador comum é uma total, rematada e veemente rejeição do “comunismo” como a corporificação do mal, a obra de Satã, o produto dos mais sombrios e sinistros impulsos do espírito humano, a negação da civilização e da iluminação, e muito mais coisas do gênero.
Este anticomunismo, posto em termos moralistas ao extremo, com frequência de fortes conotações religiosas, vê a União Soviética como a encarnação material do mal e como a principal fonte da disseminação do mal. Consequentemente, o seu desaparecimento da face da terra é uma condição fundamental da regeneração e salvação humanas, e algo pelo qual se rogue e se esforce, se lute e se morra.
A beleza desta posição é que admite e em verdade solicita toda espécie de hipérbole e não requer validação por meio de evidência, análise ou qualquer outra coisa. É suficiente que deva ser manifestada, de preferência com uma retórica exaltada de forma conveniente. Tampouco é embaraçada por qualquer noção de prudência, concessão, negociação ou entendimento. Qualquer noção semelhante é em si um sinal de corrupção, fraqueza e perversidade. Como se pode procurar entendimento com o mal supremo?
Esta posição absolutista é mantida por pessoas muito diversas, desde os anticomunistas primitivos da John Birch Society e outras organizações de extrema-direita nos Estados Unidos e noutros países capitalistas, até sofisticados intelectuais norte-americanos e europeus, muitos deles ex-stalinistas, ex-maoístas, revolucionários de extrema-esquerda do passado, ou supostos revolucionários de um tipo ou outro, que ora trazem aos seus comprometimentos de hoje o mesmo ardor irrefreável e apocalíptico que traziam aos antigos. Suas fileiras são constantemente ampliadas por refugiados soviéticos e do Leste Europeu cujos rancores e ódios compreensíveis trazem valioso apoio a esta seção do campo anticomunista.
A posição absolutista tem, é claro, ressonâncias políticas muito fortes. Mas não é uma posição que o conservadorismo ocidental possa adotar prontamente, salvo aos propósitos de guerra ideológica, nas linhas da referência do presidente Reagan à União Soviética como o “império do mal”; e mesmo tal retórica tem de ser usada normalmente com parcimônia por políticos, a fim de que não afugente um eleitorado que não queira cruzadas perigosas e dispendiosas. O conservadorismo ocidental não é menos anticomunista que os extremistas da direita, mas seus líderes devem por força procurar lidar com a União Soviética em termos menos inflamados, dos quais a negociação e até mesmo a concessão não podem ser excluídas.
Aqui se encontra uma série de posições, cujos ocupantes querem todos alcançar o refreamento de movimentos revolucionários em todo lugar, e a redução ou interrupção da ajuda soviética a tais movimentos. Numa das extremidades deste espectro conservador, está emboscada a esperança –até mesmo a crença– de que, antes, algo mais que o refreamento, afinal de contas, talvez se torne possível, e que o “comunismo” talvez seja forçado a recuar em vários países onde chegara a prevalecer, e até mesmo que isto talvez ainda chegue a ser possível na própria União Soviética.
Na outra extremidade do espectro, a extremidade “liberal”, há a crença, inteiramente justificada, de que tais aspirações devam gerar políticas e ações que tornam a guerra, à beira de uma guerra nuclear e incluindo esta, mais provável do que menos; e há também nesta extremidade a esperança de que a União Soviética possa ser induzida a cumprir um papel “moderado” (e moderador) no mundo, em termos que lhe seriam econômica e politicamente vantajosos. A União Soviética deve ser “coibida”: mas é de oferecer ajuda a movimentos revolucionários que deva ser “coibida”, em vez de lançar um ataque militar ao Ocidente, uma eventualidade na qual nenhum político sério deveras acredita.
Junto com o anticomunismo conservador, existiu desde os primeiros dias da Revolução Bolchevique um feroz anticomunismo social-democrata, o qual tem sido de grande consequência política.
As divisões entre direita e esquerda nos movimentos operários de sociedades capitalistas eram encarniçadas e profundas muito tempo antes que se ouvisse alguma vez falar de Lênin. Mas a vitória dos bolcheviques aprofundou-as muito mais e deu-lhes novas formas institucionais; e a natureza repressiva do regime soviético, combinada com ataques a líderes social-democratas, serviu para reforçar, nestes líderes, tendências que já eram bem desenvolvidas quanto a um “socialismo” que não comportasse ameaça alguma à ordem estabelecida.
O anticomunismo foi um fator de relevo na inserção de movimentos social-democráticos na ordem estabelecida, e permitiu uma poderosa base ideológica de acordo entre líderes socialdemocratas e seus opositores conservadores. De 1945 em diante, também permitiu a base para um amplo consenso entre eles acerca de políticas externas e de defesa; e líderes socialdemocratas tiveram um papel significativo na legitimação da Guerra Fria e na mobilização de movimentos operários detrás da bandeira do anticomunismo.
Em muitos países, o anticomunismo tem sido também uma arma valiosa nas mãos de líderes sindicalistas e políticos social-democratas na luta dentro de sindicatos e partidos contra comunistas, e também contra ativistas de esquerda que procuraram desafiar suas posições. Tem sido com frequência muito conveniente responder ao desafio com denúncias anticomunistas, suplementadas em muitos casos por medidas de exclusão dos críticos de posições de poder e influência, e pela expulsão do quadro de membros do partido.
É, contudo, às forças conservadoras nos países capitalistas que o anticomunismo tem sido de maior utilidade na sua luta contra a esquerda inteira, inclusive a social-democracia. Tem sido de fato sua arma favorita: em nenhuma eleição legislativa ou presidencial em um regime capitalista-democrático desde 1918 (sem falar de “eleições” nos capitalistas-autoritários) os conservadores deixaram de explorar a “ameaça” comunista e soviética, ainda que o “comunismo” fosse em geral totalmente irrelevante às questões em disputa, com os comunistas, com muita frequência, como nos Estados Unidos, virtual ou totalmente ausentes da cena.
Assim que o “comunismo” pudesse tornar-se a questão, por mais implausível que fosse, a discussão podia ser posta de lado e a invectiva e a denúncia podiam tomar conta, e serem dirigidas contra qualquer um que não aceitasse inteiramente os dogmas básicos do anticomunismo, ou quaisquer que fossem as noções e políticas que os anticomunistas escolhessem propor. Não importa quanto os social-democratas e liberais pudessem rivalizar com seus opositores conservadores em suas proclamações anticomunistas, os últimos eram virtualmente imbatíveis neste terreno.
Além do mais, o fato de que o “comunismo” pudesse ser identificado com a União Soviética, e de que a União Soviética fosse depois de 1945 proclamada como sendo uma ameaça medonha –e impertinente– à “segurança nacional”, possibilitou aos anticomunistas denunciar qualquer um que se lhes opusesse não somente como ímpio, imoral, antipatriótico e subversivo (isso tem sido dito desde 1917, e muito antes de então, da mesma maneira), mas também como defensores, aliados ou agentes do maior inimigo do seu país. Alguns anticomunistas admitiram com generosidade que todos aqueles que eles denunciavam poderiam até não ser traidores, mas apenas bobos fracos e ingênuos; mas isso não diminuiu a necessidade de denunciá-los, bem como suas posições.
A identificação de “comunistas” com o inimigo soviético também tem sido da maior utilidade em legitimar a caça às bruxas ao nível do Estado. A existência de bruxas requer caçadores de bruxas eficientes, e este requerimento tem ajudado muito a justificar a vasta ampliação das funções de controle e vigilância do Estado, e o vasto aumento na esfera e poderes dos serviços de segurança.
O anticomunismo e o “estado forte” estão estreitamente ligados: quanto mais difuso e extremo o primeiro, tanto mais forte o movimento em direção ao último. Assim que se proclama que o “comunismo” constitui um claro e presente perigo de subversão em casa e de agressão militar de fora, é muito mais fácil argumentar que os tempos não admitam o luxo de melindres libertários.
O mesmo raciocínio vale para a sociedade de um modo geral. Em face da ameaça comunista, não é somente o Estado que deva ser forte e vigilante, mas todas as instituições na sociedade em que a subversão é mais insidiosa e perigosa –meios de comunicação, escolas, universidades, empresas envolvidas em atividades relacionadas à defesa, ou até não relacionadas a ela.
A exclusão de pessoas julgadas politicamente “indignas de confiança”, “corruptas”, subversivas em potencial, em outras palavras, demasiado à esquerda, não precisa ser sempre explícita; o que é importante, a partir da perspectiva anticomunista, é que a exclusão deve ser praticada, e que deve servir de aviso aos outros. A proporção em que isto ocorre também varia, dependendo do país e do período; mas mesmo se as formas mais espetaculares de macarthismo estejam agora em descrédito, uma versão rasteira dele veio a constituir parte da vida de muitos, se não da maioria dos países capitalistas.
O “marxismo-leninismo” pode manter líderes soviéticos, exatamente como a “democracia” ou a “liberdade”, ou seja lá o que for, podem manter líderes ocidentais. Mas considerações ideológicas têm, apesar disso, sempre tido um papel bastante secundário na política externa soviética, e tais considerações nunca impediram que líderes soviéticos realizassem ações inspiradas pelas mais rematadas noções de realpolitik: a aliança Hitler-Stalin, que durou de 1939 até que Hitler atacasse a União Soviética em 1941 é o mais espetacular exemplo do caso; mas têm havido muitos outros.
Seja como for, deve-se também dizer que nada há no “marxismo-leninismo”, sem falar do marxismo, que requeira dos seus discípulos fazer prosélitos à ponta de baionetas. Pelo contrário, um dos mais firmes princípios da teoria revolucionária do marxismo é o de que revoluções não são para exportação e devem ser feitas em casa. O internacionalismo proletário demanda que movimentos revolucionários devam ser apoiados; mas isso não é bem a mesma coisa que a exportação da revolução.
Os anticomunistas falam com frequência como se os líderes soviéticos fossem convertidos apaixonados à doutrina trotskista da “revolução permanente”. Não o são. O apoio que dão aos movimentos revolucionários é baseado em considerações muito diferentes, dentre as quais a predominante é o que pensam ser “interesse nacional” soviético e segurança soviética. Nenhuma destas percepções acarreta o tipo de “expansionismo” global que o anticomunismo proclama que esteja no âmago dos propósitos soviéticos.
Temos nos referido até agora ao anticomunismo como se houvesse apenas uma versão dele. Há, na verdade, bem umas tantas; e pode ser útil mencionar posições, ênfases e nuances distintas dentro de uma estrutura comum de anticomunismo.
Há, para começar, uma posição absolutista, que encontra muitas expressões diferentes, mas cujo denominador comum é uma total, rematada e veemente rejeição do “comunismo” como a corporificação do mal, a obra de Satã, o produto dos mais sombrios e sinistros impulsos do espírito humano, a negação da civilização e da iluminação, e muito mais coisas do gênero.
Este anticomunismo, posto em termos moralistas ao extremo, com frequência de fortes conotações religiosas, vê a União Soviética como a encarnação material do mal e como a principal fonte da disseminação do mal. Consequentemente, o seu desaparecimento da face da terra é uma condição fundamental da regeneração e salvação humanas, e algo pelo qual se rogue e se esforce, se lute e se morra.
A beleza desta posição é que admite e em verdade solicita toda espécie de hipérbole e não requer validação por meio de evidência, análise ou qualquer outra coisa. É suficiente que deva ser manifestada, de preferência com uma retórica exaltada de forma conveniente. Tampouco é embaraçada por qualquer noção de prudência, concessão, negociação ou entendimento. Qualquer noção semelhante é em si um sinal de corrupção, fraqueza e perversidade. Como se pode procurar entendimento com o mal supremo?
Esta posição absolutista é mantida por pessoas muito diversas, desde os anticomunistas primitivos da John Birch Society e outras organizações de extrema-direita nos Estados Unidos e noutros países capitalistas, até sofisticados intelectuais norte-americanos e europeus, muitos deles ex-stalinistas, ex-maoístas, revolucionários de extrema-esquerda do passado, ou supostos revolucionários de um tipo ou outro, que ora trazem aos seus comprometimentos de hoje o mesmo ardor irrefreável e apocalíptico que traziam aos antigos. Suas fileiras são constantemente ampliadas por refugiados soviéticos e do Leste Europeu cujos rancores e ódios compreensíveis trazem valioso apoio a esta seção do campo anticomunista.
A posição absolutista tem, é claro, ressonâncias políticas muito fortes. Mas não é uma posição que o conservadorismo ocidental possa adotar prontamente, salvo aos propósitos de guerra ideológica, nas linhas da referência do presidente Reagan à União Soviética como o “império do mal”; e mesmo tal retórica tem de ser usada normalmente com parcimônia por políticos, a fim de que não afugente um eleitorado que não queira cruzadas perigosas e dispendiosas. O conservadorismo ocidental não é menos anticomunista que os extremistas da direita, mas seus líderes devem por força procurar lidar com a União Soviética em termos menos inflamados, dos quais a negociação e até mesmo a concessão não podem ser excluídas.
Aqui se encontra uma série de posições, cujos ocupantes querem todos alcançar o refreamento de movimentos revolucionários em todo lugar, e a redução ou interrupção da ajuda soviética a tais movimentos. Numa das extremidades deste espectro conservador, está emboscada a esperança –até mesmo a crença– de que, antes, algo mais que o refreamento, afinal de contas, talvez se torne possível, e que o “comunismo” talvez seja forçado a recuar em vários países onde chegara a prevalecer, e até mesmo que isto talvez ainda chegue a ser possível na própria União Soviética.
Na outra extremidade do espectro, a extremidade “liberal”, há a crença, inteiramente justificada, de que tais aspirações devam gerar políticas e ações que tornam a guerra, à beira de uma guerra nuclear e incluindo esta, mais provável do que menos; e há também nesta extremidade a esperança de que a União Soviética possa ser induzida a cumprir um papel “moderado” (e moderador) no mundo, em termos que lhe seriam econômica e politicamente vantajosos. A União Soviética deve ser “coibida”: mas é de oferecer ajuda a movimentos revolucionários que deva ser “coibida”, em vez de lançar um ataque militar ao Ocidente, uma eventualidade na qual nenhum político sério deveras acredita.
Junto com o anticomunismo conservador, existiu desde os primeiros dias da Revolução Bolchevique um feroz anticomunismo social-democrata, o qual tem sido de grande consequência política.
As divisões entre direita e esquerda nos movimentos operários de sociedades capitalistas eram encarniçadas e profundas muito tempo antes que se ouvisse alguma vez falar de Lênin. Mas a vitória dos bolcheviques aprofundou-as muito mais e deu-lhes novas formas institucionais; e a natureza repressiva do regime soviético, combinada com ataques a líderes social-democratas, serviu para reforçar, nestes líderes, tendências que já eram bem desenvolvidas quanto a um “socialismo” que não comportasse ameaça alguma à ordem estabelecida.
O anticomunismo foi um fator de relevo na inserção de movimentos social-democráticos na ordem estabelecida, e permitiu uma poderosa base ideológica de acordo entre líderes socialdemocratas e seus opositores conservadores. De 1945 em diante, também permitiu a base para um amplo consenso entre eles acerca de políticas externas e de defesa; e líderes socialdemocratas tiveram um papel significativo na legitimação da Guerra Fria e na mobilização de movimentos operários detrás da bandeira do anticomunismo.
Em muitos países, o anticomunismo tem sido também uma arma valiosa nas mãos de líderes sindicalistas e políticos social-democratas na luta dentro de sindicatos e partidos contra comunistas, e também contra ativistas de esquerda que procuraram desafiar suas posições. Tem sido com frequência muito conveniente responder ao desafio com denúncias anticomunistas, suplementadas em muitos casos por medidas de exclusão dos críticos de posições de poder e influência, e pela expulsão do quadro de membros do partido.
É, contudo, às forças conservadoras nos países capitalistas que o anticomunismo tem sido de maior utilidade na sua luta contra a esquerda inteira, inclusive a social-democracia. Tem sido de fato sua arma favorita: em nenhuma eleição legislativa ou presidencial em um regime capitalista-democrático desde 1918 (sem falar de “eleições” nos capitalistas-autoritários) os conservadores deixaram de explorar a “ameaça” comunista e soviética, ainda que o “comunismo” fosse em geral totalmente irrelevante às questões em disputa, com os comunistas, com muita frequência, como nos Estados Unidos, virtual ou totalmente ausentes da cena.
Assim que o “comunismo” pudesse tornar-se a questão, por mais implausível que fosse, a discussão podia ser posta de lado e a invectiva e a denúncia podiam tomar conta, e serem dirigidas contra qualquer um que não aceitasse inteiramente os dogmas básicos do anticomunismo, ou quaisquer que fossem as noções e políticas que os anticomunistas escolhessem propor. Não importa quanto os social-democratas e liberais pudessem rivalizar com seus opositores conservadores em suas proclamações anticomunistas, os últimos eram virtualmente imbatíveis neste terreno.
Além do mais, o fato de que o “comunismo” pudesse ser identificado com a União Soviética, e de que a União Soviética fosse depois de 1945 proclamada como sendo uma ameaça medonha –e impertinente– à “segurança nacional”, possibilitou aos anticomunistas denunciar qualquer um que se lhes opusesse não somente como ímpio, imoral, antipatriótico e subversivo (isso tem sido dito desde 1917, e muito antes de então, da mesma maneira), mas também como defensores, aliados ou agentes do maior inimigo do seu país. Alguns anticomunistas admitiram com generosidade que todos aqueles que eles denunciavam poderiam até não ser traidores, mas apenas bobos fracos e ingênuos; mas isso não diminuiu a necessidade de denunciá-los, bem como suas posições.
A identificação de “comunistas” com o inimigo soviético também tem sido da maior utilidade em legitimar a caça às bruxas ao nível do Estado. A existência de bruxas requer caçadores de bruxas eficientes, e este requerimento tem ajudado muito a justificar a vasta ampliação das funções de controle e vigilância do Estado, e o vasto aumento na esfera e poderes dos serviços de segurança.
O anticomunismo e o “estado forte” estão estreitamente ligados: quanto mais difuso e extremo o primeiro, tanto mais forte o movimento em direção ao último. Assim que se proclama que o “comunismo” constitui um claro e presente perigo de subversão em casa e de agressão militar de fora, é muito mais fácil argumentar que os tempos não admitam o luxo de melindres libertários.
O mesmo raciocínio vale para a sociedade de um modo geral. Em face da ameaça comunista, não é somente o Estado que deva ser forte e vigilante, mas todas as instituições na sociedade em que a subversão é mais insidiosa e perigosa –meios de comunicação, escolas, universidades, empresas envolvidas em atividades relacionadas à defesa, ou até não relacionadas a ela.
A exclusão de pessoas julgadas politicamente “indignas de confiança”, “corruptas”, subversivas em potencial, em outras palavras, demasiado à esquerda, não precisa ser sempre explícita; o que é importante, a partir da perspectiva anticomunista, é que a exclusão deve ser praticada, e que deve servir de aviso aos outros. A proporção em que isto ocorre também varia, dependendo do país e do período; mas mesmo se as formas mais espetaculares de macarthismo estejam agora em descrédito, uma versão rasteira dele veio a constituir parte da vida de muitos, se não da maioria dos países capitalistas.
O anticomunismo tem, em anos recentes, feito grande uso de uma retórica que reserva um lugar bastante amplo aos direitos humanos, liberdades políticas e cívicas, e assim por diante. Estes são de fato valores preciosos, o que é razão de estarem no coração mesmo do projeto socialista. Os anticomunistas, por outro lado, não podem, enquanto tais, ser considerados verdadeiros defensores destes valores.
Já indicamos a seletividade que trazem à sua defesa dos direitos humanos e liberdades políticas, e a indulgência que estão dispostos a conceder aos regimes mais repressivos, desde que não sejam “comunistas”. Pode-se indicar, ademais, que seja entre estes mesmos defensores da liberdade e direitos humanos nos regimes comunistas que é de se encontrar os mais dedicados advogados da restrição de liberdades cívicas e políticas em seus próprios países, e os mais ardentes partidários de políticas intervencionistas destinadas a escorar regimes tirânicos.
Há, contudo, algo mais a ser indicado sobre as maneiras pelas quais os anticomunistas consideram os direitos humanos, bastante à parte da seletividade com que sua preocupação por estes direitos é em geral manifestada. Que é o significado extremamente circunscrito que atribuem aos direitos humanos.
Estes direitos são considerados –com muita justiça– violados quando as pessoas são privadas da chance de exercer direitos cívicos e políticos elementares, e são perseguidas por sua oposição ao seu regime ou governo. Mas os direitos humanos também são violados, e violados de maneira horrível, quando se nega a homens, mulheres e crianças as necessidades elementares da vida, como o são no “Terceiro Mundo”, e não apenas no “Terceiro Mundo”. Fome, doença induzida pela miséria, a falta de água limpa, morte prematura, são grandes violações de direitos humanos.
Mas estas não são as violações que os defensores anticomunistas dos direitos humanos estão muito propensos a atacar, ou mesmo a reconhecer. Pelo contrário, seu anticomunismo leva-os a aquiescer, e até dar apoio, à ordem social que seja responsável por estas violações, e a opor-se aos movimentos que procurem desfazer o status quo. Estes cruzados pretendem que lutam pelos direitos humanos; mas sua cruzada na verdade acarreta o apoio a tudo que contribua para a negação de tais direitos.
Na cruzada anticomunista, também mostramos antes, o bicho-papão de uma ameaça militar soviética de dimensões mundiais cumpre uma parte absolutamente essencial. Pois serve para legitimar iniciativas intervencionistas americanas e de outros, em toda parte do mundo, contra movimentos revolucionários e até reformistas, sob o princípio de que estes movimentos, se lhes for permitido crescer e ter êxito, estejam fadados a “deixar os russos entrar”, que devam produzir um “efeito dominó”, e que devam inevitavelmente ameaçar interesses econômicos e estratégicos vitais do Ocidente.
Tudo é permissível a fim de prevenir que isto aconteça, inclusive o massacre em operações militares de um número enorme de homens, mulheres e crianças.
O bicho-papão soviético tem também um importante papel, bastante peculiar, em legitimar a corrida armamentista. Nada mais talvez pudesse persuadir as populações de países capitalistas a apoiar o gasto, o desperdício e os riscos dessa corrida. Os armamentos em si não rendem guerras. Mas a necessidade de justificar a corrida armamentista gera campanhas de propaganda anticomunista que contribuem a um clima internacional tenso e carregado; nesse clima, a confrontação entre os Estados Unidos e a União Soviética torna-se mais provável e mais perigosa.
O perigo de uma tal confrontação já é alto, em qualquer caso. Pois num mundo em agitação com o desafio ao status quo, a insistência anticomunista de que qualquer desafio semelhante deva ser contraposto pelos Estados Unidos e estar sujeito à intervenção americana significa, para todos os efeitos, que evitar uma confrontação entre as “superpotências” depende da aquiescência da União Soviética à intervenção americana, onde quer que possa ocorrer. Esta não é uma base segura sobre a qual se assente a manutenção da paz.
O anticomunismo tem de ser combatido. A luta contra ele se torna muito mais difícil pela natureza do regime soviético e por muitas de suas políticas e ações, desde o tratamento de Sakharov e outros “dissidentes” em um nível, até à invasão do Afeganistão em outro. Mas é, entretanto, uma luta à qual não se deve esquivar, a bem da paz, dos direitos humanos e do avanço socialista.
Sobre os autores
Marcel Liebman era um marxista belga.
Ralph Miliband era um proeminente sociólogo marxista e autor de numerosos livros sobre socialismo e política, incluindo Parliamentary Socialism (Socialismo Parlamentar) e O Estado na Sociedade Capitalista.
Já indicamos a seletividade que trazem à sua defesa dos direitos humanos e liberdades políticas, e a indulgência que estão dispostos a conceder aos regimes mais repressivos, desde que não sejam “comunistas”. Pode-se indicar, ademais, que seja entre estes mesmos defensores da liberdade e direitos humanos nos regimes comunistas que é de se encontrar os mais dedicados advogados da restrição de liberdades cívicas e políticas em seus próprios países, e os mais ardentes partidários de políticas intervencionistas destinadas a escorar regimes tirânicos.
Há, contudo, algo mais a ser indicado sobre as maneiras pelas quais os anticomunistas consideram os direitos humanos, bastante à parte da seletividade com que sua preocupação por estes direitos é em geral manifestada. Que é o significado extremamente circunscrito que atribuem aos direitos humanos.
Estes direitos são considerados –com muita justiça– violados quando as pessoas são privadas da chance de exercer direitos cívicos e políticos elementares, e são perseguidas por sua oposição ao seu regime ou governo. Mas os direitos humanos também são violados, e violados de maneira horrível, quando se nega a homens, mulheres e crianças as necessidades elementares da vida, como o são no “Terceiro Mundo”, e não apenas no “Terceiro Mundo”. Fome, doença induzida pela miséria, a falta de água limpa, morte prematura, são grandes violações de direitos humanos.
Mas estas não são as violações que os defensores anticomunistas dos direitos humanos estão muito propensos a atacar, ou mesmo a reconhecer. Pelo contrário, seu anticomunismo leva-os a aquiescer, e até dar apoio, à ordem social que seja responsável por estas violações, e a opor-se aos movimentos que procurem desfazer o status quo. Estes cruzados pretendem que lutam pelos direitos humanos; mas sua cruzada na verdade acarreta o apoio a tudo que contribua para a negação de tais direitos.
Na cruzada anticomunista, também mostramos antes, o bicho-papão de uma ameaça militar soviética de dimensões mundiais cumpre uma parte absolutamente essencial. Pois serve para legitimar iniciativas intervencionistas americanas e de outros, em toda parte do mundo, contra movimentos revolucionários e até reformistas, sob o princípio de que estes movimentos, se lhes for permitido crescer e ter êxito, estejam fadados a “deixar os russos entrar”, que devam produzir um “efeito dominó”, e que devam inevitavelmente ameaçar interesses econômicos e estratégicos vitais do Ocidente.
Tudo é permissível a fim de prevenir que isto aconteça, inclusive o massacre em operações militares de um número enorme de homens, mulheres e crianças.
O bicho-papão soviético tem também um importante papel, bastante peculiar, em legitimar a corrida armamentista. Nada mais talvez pudesse persuadir as populações de países capitalistas a apoiar o gasto, o desperdício e os riscos dessa corrida. Os armamentos em si não rendem guerras. Mas a necessidade de justificar a corrida armamentista gera campanhas de propaganda anticomunista que contribuem a um clima internacional tenso e carregado; nesse clima, a confrontação entre os Estados Unidos e a União Soviética torna-se mais provável e mais perigosa.
O perigo de uma tal confrontação já é alto, em qualquer caso. Pois num mundo em agitação com o desafio ao status quo, a insistência anticomunista de que qualquer desafio semelhante deva ser contraposto pelos Estados Unidos e estar sujeito à intervenção americana significa, para todos os efeitos, que evitar uma confrontação entre as “superpotências” depende da aquiescência da União Soviética à intervenção americana, onde quer que possa ocorrer. Esta não é uma base segura sobre a qual se assente a manutenção da paz.
O anticomunismo tem de ser combatido. A luta contra ele se torna muito mais difícil pela natureza do regime soviético e por muitas de suas políticas e ações, desde o tratamento de Sakharov e outros “dissidentes” em um nível, até à invasão do Afeganistão em outro. Mas é, entretanto, uma luta à qual não se deve esquivar, a bem da paz, dos direitos humanos e do avanço socialista.
Sobre os autores
Marcel Liebman era um marxista belga.
Ralph Miliband era um proeminente sociólogo marxista e autor de numerosos livros sobre socialismo e política, incluindo Parliamentary Socialism (Socialismo Parlamentar) e O Estado na Sociedade Capitalista.
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