Jeremy Corbyn
Jacobin
O líder do Partido Trabalhista britânico Jeremy Corbyn dirige-se a funcionários das Nações Unidas para os direitos humanos e cooperação internacional em Genebra, Suíça. (Crédito: Reuters) |
Tradução / O líder do Partido Trabalhista britânico, Jeremy Corbyn, se dirigiu às autoridades das Nações Unidas em Genebra nesta sexta-feira em um discurso que descreve sua visão para um internacionalismo do século XXI.
O discurso, previsto para marcar o Dia Internacional dos Direitos Humanos, examinou as raízes da desigualdade econômica global, a crise climática em curso e o impacto da guerra em todo o mundo. Essas "ameaças a nossa humanidade comum", disse Corbyn, só podem ser superadas com "um sistema global baseado em regras, que se aplique a todos e funcione para os muitos, não só para os poucos."
Citando os falecidos líderes socialistas Salvador Allende e Thomas Sankara, Corbyn oferece um roteiro para uma ordem mundial fundamentalmente diferente, baseada na cooperação e na solidariedade.
A seguir, o discurso de Corbyn, na íntegra.
Um Novo Internacionalismo
Citando os falecidos líderes socialistas Salvador Allende e Thomas Sankara, Corbyn oferece um roteiro para uma ordem mundial fundamentalmente diferente, baseada na cooperação e na solidariedade.
A seguir, o discurso de Corbyn, na íntegra.
Um Novo Internacionalismo
Obrigado pelo convite para falar aqui, nesse cenário histórico do Palais des Nations em Genebra, cidade de refúgio e de filosofia desde o tempo de Rousseau. Quartel-general antes da II Guerra Mundial da malsucedida Liga das Nações, que hoje abriga a ONU. É especial privilégio falar aqui, porque os estatutos de nosso Partido incluem um compromisso de apoiar a ONU. Uma promessa de "garantir a paz, a liberdade, a democracia, a segurança econômica e a proteção ao meio ambiente para todos."
Gostaria de usar essa oportunidade no Dia Internacional dos Direitos Humanos para considerar as maiores ameaças que pesam contra nossa humanidade comum, e por que os estados precisam jogar seu peso a favor de cooperação internacional e direitos humanos genuínos – individuais e coletivos, sociais e econômicos, legais e constitucionais, em casa e no exterior – se é que realmente desejamos superar aquelas ameaças. Meu próprio país vê-se hoje numa encruzilhada. A decisão do povo britânico, de sair da União Europeia, tomada no referendum, ano passado, significa que temos de repensar nosso lugar no mundo.
Alguns querem usar o Brexit para fazer da Grã-Bretanha um mundo fechado, rejeitar o resto do mundo, todos os demais países vistos como concorrentes a temer. Outros querem usar o Brexit para pôr motores a jato nas incertezas e desigualdades do nosso atual sistema econômico, convertendo a Grã-Bretanha em paraíso fiscal desregulado, com salários super achatados, direitos reduzidos e cortes nos serviços públicos, em corrida destrutiva para o fundo. Meu partido propõe futuro completamente diferente para quando já estivermos fora da UE, construído a partir das melhores tradições internacionalistas do movimento trabalhista e do nosso país. Queremos ver relações próximas e de cooperação com nossos vizinhos europeus, fora da UE, baseadas em solidariedade e em ganho mútuo e comércio justo, além de amplo internacionalismo proativo em todo o planeta.
Muito nos orgulhamos de a Grã-Bretanha ser signatária original da Convenção Europeia de Direitos Humanos e de nossa Lei de Direitos Humanos de 1998, consagrada em nossa legislação. Assim, nosso Partido Trabalhista continuará a trabalhar com outros estados europeus e partidos e movimentos progressistas, mediante o Conselho da Europa, para assegurar que o nosso e outros países cumpram as obrigações internacionais, e que o trabalho do Conselho de Direitos Humanos da ONU ajude a garantir que países como os nossos cumpram os compromissos assumidos – como a legislação para os portadores de necessidades especiais, item no qual o relatório desse ano mostrou que temos falhado.
A cooperação internacional, a solidariedade entre os países, a ação coletiva são valores que estamos determinados a preservar em nossa política exterior. Esses valores darão consistência a tudo que o próximo governo trabalhista faça no cenário mundial, servindo-se da diplomacia para expandir um sistema progressista, baseado na lei, que assegure justiça e segurança para todos. Devem ser valores genuinamente universais e aplicar-se ao forte e ao fraco, se é que se espera que conquistem o apoio e a confiança mundiais. Não podem ser valores que só sirvam para disciplinar o fraco, enquanto o forte faz o que bem entenda, ou rapidamente aqueles valores serão desacreditados como ferramenta de poder, não como prática da justiça.
Por isso devemos assegurar que os poderosos compreendam e respeitem as regras internacionais e a lei internacional. Se não o fizermos, os ideais da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 continuarão a não passar de sonho, e a realidade e as regras internacionais continuarão a ser vista como cardápio que tudo mistura para bem atender aos interesses das potências globais que mandam em tudo. Devemos, com máxima urgência, trabalhar com outros países para fazer avançar a causa dos direitos humanos, e fazer frente às quatro maiores ameaças inter-relacionadas que nossa humanidade comum hoje enfrenta.
Primeira, a crescente concentração de riqueza e poder gerados e armazenados sem qualquer transparência por e em mãos de uma reduzida elite empresarial, sistema que muitos chamam de liberalismo, e que só fez acentuar gravemente a desigualdade, a marginalização, a insegurança e a ira em todo o mundo.
Segunda, a mudança climática, que está criando instabilidade, alimentando conflitos em todo o mundo e ameaçando todos os nossos futuros.
Terceira, os números sem precedentes de seres humanos obrigados a fugir de conflitos, de perseguições, de abusos contra seus direitos humanos, das fraturas que dilaceram as sociedades e dos desastres climáticos.
E por fim, o uso de ação e intervenção militar unilateral, em lugar da diplomacia e das negociações, para resolver disputas e 'trocar' governos eleitos.
Construir uma economia social
O sistema econômico global dominante está rachado. Está produzindo um mundo no qual uns poucos muito ricos controlam 90% dos recursos globais; um mundo de insegurança sempre crescente e níveis grotescos de desigualdade dentro de cada nação e entre as nações, no qual se estima que mais de 100 bilhões de dólares sejam roubados dos países em desenvolvimento por evasão fiscal permitida a grandes empresas e empresários; um mundo no qual $1 trilhão de dólares anualmente é extraído do Sul Global mediante fluxos financeiros ilícitos. Esse é um escândalo global.
Não se pode permitir que as mais poderosas corporações internacionais sejam autorizadas a continuar ditando os modos pelos quais esse mundo é governado e para atender a quais interesses. 30 anos depois de os programas de 'ajuste estrutural' terem iniciado seu ataque implacável contra os cidadãos do mundo, e uma década depois do crash financeiro de 2008, a ortodoxia neoliberal que os concebeu está caindo aos pedaços. Nesse momento, uma crise de confiança contra um sistema econômico e uma ordem social fracassados nos dá oportunidade, dessas que só surgem uma vez em cada geração, para construir um novo consenso econômico e social, que põe em primeiro lugar e sobre todos os demais, os interesses da maioria.
Mas o sistema hoje em ruínas da elite global, e a prerrogativa de que gozou para mandar no mundo sem antagonista que o desafiasse levou alguns políticos a pregar o medo e as divisões. E a ridicularizar a cooperação internacional como se fosse capitulação nacional. A amaldiçoada proibição, do presidente Trump, de que muçulmanos entrem em seu país, e sua retórica anti-mexicanos alimentaram ódios racistas e misoginia, e fez esquecer e não ver o que seu governo – comandado por Wall Street – está realmente fazendo.
Na Grã-Bretanha, onde os salários estão realmente diminuindo para a maioria dos trabalhadores ao longo da última década, enquanto empresas e milionários são presenteados com bilhões em cortes nos impostos, nossa primeira-ministra segue via menos extrema, mas que também visa a distrair as atenções e impedir que o povo veja os fracassos do governo dela e sua agenda real. A primeira-ministra ameaça rasgar a Lei de Direitos Humanos, que garante todos os direitos civis e políticos de nosso povo, mas realmente sempre beneficiou todos, em nosso país. E ela tem dito e repetido que "quem se veja como cidadão do mundo, é cidadão de lugar nenhum".
Há uma alternativa a essa ordem falida e daninha. Não se pode mais permitir que as maiores empresas e os maiores bancos do mundo continuem a escrever as leis e a comandar o sistema, só eles, sem oposição. A economia mundial pode e deve prover o bem comum, para a maioria dos povos. Mas isso exigirá mudança real e fundamentalmente estrutural, num nível internacional.
A ONU tem papel crucialmente importante como pivô de mudanças, promovendo um novo consenso e base comum a todos construída de solidariedade, respeito aos direitos humanos e à lei e à cooperação internacionais. Aí está incluída uma plataforma da qual líderes democráticos possam dizer a verdade ao poder até hoje dispensado de prestar contas aos cidadãos.
Um desses momentos aconteceu dia 4/12/1972, quando o presidente Salvador Allende do Chile, eleito apesar de violenta oposição e interferência dos EUA, subiu ao púlpito da Assembleia Geral da ONU em New York. Dali conclamou o mundo a agir contra a ameaça que advém das empresas transnacionais que não respondem à autoridade de estado algum, de parlamento algum ou de qualquer organização que represente o interesse comum dos muitos. Nove meses depois, Allende foi assassinado no golpe chefiado pelo general Augusto Pinochet, que deu início a 17 anos de ditadura brutal e converteu o Chile num laboratório para o fundamentalismo dos mercados desregulados.
Mas 44 anos depois, por todo o mundo, as pessoas levantam-se e dizem basta ao poder desembestado das empresas multinacionais, para burlar impostos, roubar terras e recursos dos pobres e arrancar o coração das forças organizadas dos trabalhadores e comunidades. Eis porque assumo aqui e hoje, ante os senhores e senhoras, que o próximo governo Trabalhista na Grã-Bretanha ativamente apoiará os esforços do Concelho de Direitos Humanos da ONU para criar tratado que real e efetivamente regule as empresas transnacionais e as obrigue, nos termos de lei internacional de direitos humanos. Essa lei deve realmente aplicar-se a todas as atividades das grandes empresas, de suas subsidiárias e de seus fornecedores. A impunidade a favor de empresas que violam os direitos humanos ou destroem o meio ambiente – como é o caso nos conflitos em torno da exploração de minérios que devasta a República Popular do Congo – tem de ter fim.
Por tempo demasiado o desenvolvimento foi orientado pelo dogma sem qualquer fundamento na realidade de que mercados 'livres' e empresas multinacionais desobrigadas de prestar conta a Estados e a eleitores seriam as chaves para resolver todos os problemas globais.
Agora, sob o próximo Governo Trabalhista na Grã-Bretanha, o Departamento de Desenvolvimento Internacional terá a dupla missão não só de erradicar a miséria, mas, também, de reduzir a desigualdade em todo o mundo. Para alcançar esse objetivo, temos de agir contra o escândalo global da evasão de impostos, desvio dos lucros e sub e super faturamento – que são meios para assaltar e roubar os países mais pobres e de extrair fundos indispensáveis aos nossos serviços públicos.
Só na África, estima-se que 35 bilhões de dólares desapareçam só na evasão de impostos; e 50 bilhões em fluxos financeiros ilícitos, quantias que excedem em muito os 30 bilhões de dólares que entram no continente como ajuda. Como os Paradise and Panama Papers mostraram, os super-ricos e poderosos não podem ser deixados à solta para que se autorregulem. Empresas multinacionais têm de ser legalmente forçadas a gerar balanços por país, e os países dos Sul Global precisam de apoio agora, para reaverem os bilhões que continuam a ser roubados de seus povos.
Assim sendo o próximo governo Trabalhista na Grã-Bretanha trabalhará com as autoridades fiscais nos países em desenvolvimento, como a Zâmbia fez com a NORAD – agência norueguesa de ajuda –, para ajudar o próprio país a pôr fim ao saque continuado.
Sábado marca o Dia Internacional Anticorrupção. Corrupção não é coisa que aconteça "por aí". O governo britânico desempenhou papel central em vários processos que viabilizam a corrupção que mina a democracia e viola direitos humanos. É questão global, que exige resposta global. Quando o povo é mantido na miséria, enquanto autoridades guiam fundos públicos para paraísos fiscais, aí está a corrupção, e governo Trabalhista trabalhará com decisão na questão dos paraísos fiscais: introduzindo padrões estritos de transparência nos serviços da Coroa e em territórios de além-mar, incluindo registro público de proprietários, diretores, diretores, principais acionistas e proprietários interessados de todas as empresas e trusts.
Justiça efetiva nas questões climáticas
Mudança climática é a segunda grande ameaça que pesa contra nossa humanidade comum. Nosso planeta está ameaçado. O aquecimento global é inegável; o número de catástrofes naturais quadruplicou desde 1970.
Furacões como os que recentemente atingiram o Caribe são hoje maiores porque absorvem umidade dos mares cuja temperatura é hoje mais alta. A mudança climática aquece os mares, principalmente por efeito de emissões feitas pelos países mais ricos. E mesmo assim, os países que menos poluem, quase sempre nações em desenvolvimento, são os que mais padecem quando acontecem as tragédias que a mudança climática desencadeia – com danos ao meio ambiente que alimentam a insegurança e a deslocalização de populações. Temos de nos levantar em solidariedade a esses países. Há dois meses, prometi ao primeiro-ministro de Antigua e Barbuda, Gaston Browne, que usaria essa plataforma para enunciar claramente essa mensagem.
A comunidade internacional tem de mobilizar recursos, e os maiores poluidores devem respondem pela carga maior. Assim, peço aos governos nos países que mais poluem, incluindo o Reino Unido:
Primeiro, que ampliem a capacidade para responder a desastres em todo o mundo. Nossas Forças Armadas, algumas das quais são as mais bem treinadas e de mais altas capacidades em todo o mundo, devem poder pôr a própria experiência a serviço de emergências humanitárias. A Itália está entre as primeiras que já trabalha para converter sua Marinha em força multitarefa mais versátil.
Segundo, que prevejam os custos da degradação do meio ambiente em seu planejamento financeiro, como os Trabalhistas prometeram fazer com o Gabinete de Responsabilidade Orçamental da Grã-Bretanha.
Terceiro, que se posicionem com firmeza na defesa dos históricos Acordos de Paris para o Clima.
E, finalmente, mas não menos importante, que tomem providências sérias e urgentes para aliviar o flagelo da dívida de vários países e cancelem dívidas impagáveis.
É indispensável agir como comunidade internacional contra a injustiça de haver países obrigados a se recuperar de crises climáticas que eles não provocaram, ao mesmo tempo em que têm de continuar a tentar pagar dívidas internacionais.
Vale lembrar as palavras de Thomas Sankara, presidente de Burkina Faso, na reunião da Organização da União Africana em 1987, poucos meses antes de ele também ser assassinato num golpe. "A dívida não pode ser paga" – disse o presidente Sankara, "primeiro porque, se não pagarmos, nossos credores não vão morrer. Mas se pagarmos... nós morreremos."
A crise do clima sempre crescente exacerba o número já sem precedentes de pessoas que fogem de conflitos e do desespero. Há hoje mais refugiados e deslocados em todo o mundo do que nunca antes, desde a 2ª Guerra Mundial. Refugiados são pessoas como nós. Mas, diferentes de nós, foram forçados pela violência, pela perseguição e pelo caos climático a deixar para trás a própria casa. Um dos mais difíceis testes morais de nosso tempo é como corresponder ao espírito e ao texto escrito da Convenção dos Refugiados de 1951. O princípio basilar desse documento era simples: proteger os refugiados. Mesmo assim, dez países, que respondem por apenas 2,5% da economia global, estão acolhendo mais da metade de todos os refugiados do mundo.
É hora de os países mais ricos do mundo avançarem e manifestarem que são parte de nossa humanidade comum. Fracasso é haver milhões de sírios deslocados dentro do próprio país ou refugiados fora de lá. Os refugiados Rohingya retornaram a Myanmar sem garantias de cidadania ou de proteção contra a violência do estado, e há refugiados mantidos em detenção sem prazo para acabar em campos de confinamento inadequados para a sobrevivência humana, em Papua Nova Guiné ou Nauru. Refugiados africanos estão sendo vendidos como escravos na Líbia destruída pela guerra. Essa realidade deve ofender nosso senso de humanidade e de solidariedade humana.
Países europeus podem, e devem, fazer mais, num momento em que o número de migrantes e refugiados mortos na tentativa de cruzar o Mediterrâneo só faz aumentar. E temos de empreender ação efetiva contra o tráfico de seres humanos. Mas sejamos bem claros: a única resposta aceitável, de longo prazo, é genuína cooperação internacional baseada em direitos humanos, que ataque as causas raízes do conflito, as perseguições e a desigualdade.
Trabalhar para a Paz
Passei quase toda a minha vida, com muitos outros, defendendo a diplomacia e o diálogo em vez de guerra e conflito, frequentemente enfrentando hostilidade. Mas continuo convencido de que esse é o único modo de garantir segurança genuína e duradoura para todos. E mesmo depois das invasões e ocupações desastrosas em anos recentes, há novamente pressão para que se opte pela força militar, 'EUA em primeiro lugar' ou 'Império 2.0' como via para a segurança global.
Sei que o povo da Grã-Bretanha não é insensível ao sofrimento dos outros nem cego ao impacto e ao revide que nos chega das temerárias guerras de nosso país em terras distantes. Guerras para mudança de regime, invasões, intervenções e ocupações no Iraque, no Afeganistão, na Líbia e na Somália fracassaram ante a própria expectativa, devastaram países e grandes regiões e fizeram da Grã-Bretanha um dos locais mais perigosos do mundo.
E ao mesmo tempo em que o governo do Reino Unido apresenta-se como defensor de alguns casos de direitos humanos, em outros se mantém silencioso – quando não é cúmplice – quando são violados. Gente demais se faz de cega ante os abusos flagrantes e em grande escala que se veem hoje no Iêmen, alimentados por armas vendidas aos sauditas por bilhões de pounds.
A abordagem de tipo 'não-vejo-o-mal', 'não-digo-o-mal', 'não-ouço-o-mal' mina a credibilidade que ainda nos reste para agir contra outros abusos de direitos humanos. A ajuda total do governo britânico ao Iêmen ano passado nem chegou a £150 milhões – menos que os lucros que fabricantes britânicos de armas auferiram da venda de armas à Arábia Saudita. O que isso diz sobre as prioridades de nosso país, ou do papel que cabe ao nosso governo no desastre anti-humanitário que devasta o Iêmen? Nossa credibilidade para falar contra a limpeza étnica criminosa contra muçulmanos Rohingya fica gravemente comprometida, quando se sabe que o governo britânico tem mantido apoio constante aos militares de Myanmar.
E nosso governo muito fala sobre acordo amplo e a solução de dois estados para o conflito Israel-Palestina, mas nada faz para usar o poder de alavancamento que tem para pôr fim à opressão e à exploração do povo palestino. 70 anos depois que a Assembleia Geral da ONU votou a favor de se criar outro estado ao lado do estado palestino, e que viria a ser Israel, e meio século desde que Israel ocupou toda a Palestina histórica, deveriam tomar a liderança de movimentos israelenses do campo da paz, como Gush Shalom e Peace Now e exigir o fim dos abusos de direitos humanos que os palestinos enfrentam todos os dias, várias vezes ao dia. A ocupação continuada e as colônias ilegais são violações da lei internacional e obstáculo na trilha da paz.
O anúncio, pelo presidente dos EUA de que seu governo reconhecerá Jerusalém como capital de Israel, incluindo os territórios ocupados da Palestina, é ameaça à paz que já recebeu muito merecida condenação internacional. A decisão é não só temerária e de provocação –, mas cria o risco de pôr a perder qualquer possibilidade de resolução política para o conflito Israel-Palestina. A fala do presidente Trump na Assembleia Geral da ONU em setembro assinala outra mais ampla ameaça à paz. O ataque que move contra o multilateralismo, direitos humanos e lei internacional deve nos preocupar muito gravemente, todos nós.
E não é hora para rejeitar o Acordo Nuclear Iraniano, conquista significativa alcançada entre o Irã e um grupo significativo de potências mundiais para reduzir tensões. O fim do acordo ameaça não só o Oriente Médio, mas também a Península Coreana. Que incentivos haverá para que Pyongyang creia que algum desarmamento lhe valerá algum proveito, quando os EUA 'desistem' de seu acordo nuclear com Teerã? Trump e Kim Jong-un ameaçam um apavorante confronto nuclear, com aqueles insultos absurdos e belicistas. Em comum com quase toda a humanidade, digo daqui àqueles dois líderes: esse jogo não é brincadeira. Afastem-se já da beira do despenhadeiro.
É lugar comum bem sabido que guerra e violência não resolvem os problemas do mundo. Violência gera violência. Em 2016, quase três quartos de todas as mortes por ação de terroristas aconteceram em cinco estados: Iraque, Afeganistão, Síria, Nigéria e Somália. É crucial nos levantarmos para dar voz às vítimas da guerra e do terrorismo, e fazer da justiça internacional uma realidade.
Cabe-nos exigir dos grandes exportadores de armas que cuidem para que todas as exportações de armas sejam consistentes, não só em termos de lei, mas também com as nossas obrigações morais. Significa que não se expeçam mais licenças para exportar armas, onde e quando haja risco de as armas serem usadas para cometer abusos contra os direitos humanos ou crimes contra a humanidade. O Reino Unido é dos grandes exportadores de armas, e temos de honrar nossas obrigações internacionais ao mesmo tempo em que pesquisamos meios para converter a produção de armas em outro tipo de indústria socialmente útil, de alto desempenho e alta tecnologia.
Eis porque considero bem-vinda a recente resolução bipartidária da Câmara de Deputados dos EUA, que faz duas coisas até aqui sem precedentes. Primeiro, se reconhece o papel dos EUA na destruição do Iêmen, incluindo o reabastecimento em voo de aviões da coalizão liderada pelos sauditas, essenciais para manter a campanha de bombardeiro; e a ajuda no processo de selecionar alvos. Segundo, a resolução deixa claro que o Congresso dos EUA não autorizou o envolvimento militar das forças armadas naquele conflito.
O Iêmen vive desesperada catástrofe humana, vítima do pior surto de cólera de toda a história. O peso da opinião pública internacional tem de ser jogado contra os que apoiem a guerra da Arábia Saudita contra o Iêmen, incluído aí o governo de Theresa May, para que assim se cumpram os compromissos morais do povo britânico sobre vendas de armas e para que se negocie um acordo urgente de cessar-fogo e fim desse conflito devastador.
Se somos sérios ao nos declarar apoiadores da paz, temos de fortalecer a cooperação internacional e os esforços de pacificação e manutenção da paz. A Grã-Bretanha tem importante papel a desempenhar, depois de ter cedido e fornecido número significativo de soldados em anos recentes, em várias guerras. Estamos determinados a não deixar escapar a oportunidade para sermos uma força benéfica na preservação e manutenção da paz, na diplomacia e no apoio aos que defendam direitos humanos.
O Partido Trabalhista compromete-se a investir para ampliar nossas capacidades diplomáticas e serviços consulares, e reintroduziremos a figura do adido conselheiro para questões de direitos humanos nas nossas embaixadas em todo o mundo. Direitos humanos e justiça estarão no centro de nossa política exterior, ao lado de um compromisso de apoiar a ONU. A ONU é plataforma excepcional para promover a ação e a cooperação internacionais. E, para ser efetiva, é preciso que os estados-membros se posicionem a favor da agenda de reformas definida pelo secretário-geral [António Manuel de Oliveira] Guterres. O mundo exige que o Conselho de Segurança da ONU responda, que se torne mais representativo e desempenhe o papel que lhe cabe, em prol da paz e da segurança.
Podemos viver em mundo mais pacífico. O desejo de ajudar a criar uma vida melhor para todos arde em nós.
Governos, sociedade civil, movimentos sociais e organizações internacionais podem ajudar a alcançar essa meta. Temos de redobrar nossos esforços para criar um sistema global baseado em regras, que se aplique a todos e funcione para os muitos, não só para os poucos."
Nunca mais bombardear primeiro e conversar depois.
Nunca mais padrões duplos na política externa.
Nunca mais instituições globais que se deixem usar como bodes expiatórios, na busca de obter ganhos políticos em casa.
Em vez disso tudo, solidariedade, liderança calma e cooperação. Juntos podemos:
A sobrevivência de nossa humanidade comum exige tudo isso e nada menos que isso.
Temos de reconhecer e pagar tributo aos defensores de direitos humanos em todo o mundo, que põem a vida em risco em defesa dos demais. – Que nossa voz seja a voz deles.
Obrigado.
Gostaria de usar essa oportunidade no Dia Internacional dos Direitos Humanos para considerar as maiores ameaças que pesam contra nossa humanidade comum, e por que os estados precisam jogar seu peso a favor de cooperação internacional e direitos humanos genuínos – individuais e coletivos, sociais e econômicos, legais e constitucionais, em casa e no exterior – se é que realmente desejamos superar aquelas ameaças. Meu próprio país vê-se hoje numa encruzilhada. A decisão do povo britânico, de sair da União Europeia, tomada no referendum, ano passado, significa que temos de repensar nosso lugar no mundo.
Alguns querem usar o Brexit para fazer da Grã-Bretanha um mundo fechado, rejeitar o resto do mundo, todos os demais países vistos como concorrentes a temer. Outros querem usar o Brexit para pôr motores a jato nas incertezas e desigualdades do nosso atual sistema econômico, convertendo a Grã-Bretanha em paraíso fiscal desregulado, com salários super achatados, direitos reduzidos e cortes nos serviços públicos, em corrida destrutiva para o fundo. Meu partido propõe futuro completamente diferente para quando já estivermos fora da UE, construído a partir das melhores tradições internacionalistas do movimento trabalhista e do nosso país. Queremos ver relações próximas e de cooperação com nossos vizinhos europeus, fora da UE, baseadas em solidariedade e em ganho mútuo e comércio justo, além de amplo internacionalismo proativo em todo o planeta.
Muito nos orgulhamos de a Grã-Bretanha ser signatária original da Convenção Europeia de Direitos Humanos e de nossa Lei de Direitos Humanos de 1998, consagrada em nossa legislação. Assim, nosso Partido Trabalhista continuará a trabalhar com outros estados europeus e partidos e movimentos progressistas, mediante o Conselho da Europa, para assegurar que o nosso e outros países cumpram as obrigações internacionais, e que o trabalho do Conselho de Direitos Humanos da ONU ajude a garantir que países como os nossos cumpram os compromissos assumidos – como a legislação para os portadores de necessidades especiais, item no qual o relatório desse ano mostrou que temos falhado.
A cooperação internacional, a solidariedade entre os países, a ação coletiva são valores que estamos determinados a preservar em nossa política exterior. Esses valores darão consistência a tudo que o próximo governo trabalhista faça no cenário mundial, servindo-se da diplomacia para expandir um sistema progressista, baseado na lei, que assegure justiça e segurança para todos. Devem ser valores genuinamente universais e aplicar-se ao forte e ao fraco, se é que se espera que conquistem o apoio e a confiança mundiais. Não podem ser valores que só sirvam para disciplinar o fraco, enquanto o forte faz o que bem entenda, ou rapidamente aqueles valores serão desacreditados como ferramenta de poder, não como prática da justiça.
Por isso devemos assegurar que os poderosos compreendam e respeitem as regras internacionais e a lei internacional. Se não o fizermos, os ideais da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 continuarão a não passar de sonho, e a realidade e as regras internacionais continuarão a ser vista como cardápio que tudo mistura para bem atender aos interesses das potências globais que mandam em tudo. Devemos, com máxima urgência, trabalhar com outros países para fazer avançar a causa dos direitos humanos, e fazer frente às quatro maiores ameaças inter-relacionadas que nossa humanidade comum hoje enfrenta.
Primeira, a crescente concentração de riqueza e poder gerados e armazenados sem qualquer transparência por e em mãos de uma reduzida elite empresarial, sistema que muitos chamam de liberalismo, e que só fez acentuar gravemente a desigualdade, a marginalização, a insegurança e a ira em todo o mundo.
Segunda, a mudança climática, que está criando instabilidade, alimentando conflitos em todo o mundo e ameaçando todos os nossos futuros.
Terceira, os números sem precedentes de seres humanos obrigados a fugir de conflitos, de perseguições, de abusos contra seus direitos humanos, das fraturas que dilaceram as sociedades e dos desastres climáticos.
E por fim, o uso de ação e intervenção militar unilateral, em lugar da diplomacia e das negociações, para resolver disputas e 'trocar' governos eleitos.
Construir uma economia social
O sistema econômico global dominante está rachado. Está produzindo um mundo no qual uns poucos muito ricos controlam 90% dos recursos globais; um mundo de insegurança sempre crescente e níveis grotescos de desigualdade dentro de cada nação e entre as nações, no qual se estima que mais de 100 bilhões de dólares sejam roubados dos países em desenvolvimento por evasão fiscal permitida a grandes empresas e empresários; um mundo no qual $1 trilhão de dólares anualmente é extraído do Sul Global mediante fluxos financeiros ilícitos. Esse é um escândalo global.
Não se pode permitir que as mais poderosas corporações internacionais sejam autorizadas a continuar ditando os modos pelos quais esse mundo é governado e para atender a quais interesses. 30 anos depois de os programas de 'ajuste estrutural' terem iniciado seu ataque implacável contra os cidadãos do mundo, e uma década depois do crash financeiro de 2008, a ortodoxia neoliberal que os concebeu está caindo aos pedaços. Nesse momento, uma crise de confiança contra um sistema econômico e uma ordem social fracassados nos dá oportunidade, dessas que só surgem uma vez em cada geração, para construir um novo consenso econômico e social, que põe em primeiro lugar e sobre todos os demais, os interesses da maioria.
Mas o sistema hoje em ruínas da elite global, e a prerrogativa de que gozou para mandar no mundo sem antagonista que o desafiasse levou alguns políticos a pregar o medo e as divisões. E a ridicularizar a cooperação internacional como se fosse capitulação nacional. A amaldiçoada proibição, do presidente Trump, de que muçulmanos entrem em seu país, e sua retórica anti-mexicanos alimentaram ódios racistas e misoginia, e fez esquecer e não ver o que seu governo – comandado por Wall Street – está realmente fazendo.
Na Grã-Bretanha, onde os salários estão realmente diminuindo para a maioria dos trabalhadores ao longo da última década, enquanto empresas e milionários são presenteados com bilhões em cortes nos impostos, nossa primeira-ministra segue via menos extrema, mas que também visa a distrair as atenções e impedir que o povo veja os fracassos do governo dela e sua agenda real. A primeira-ministra ameaça rasgar a Lei de Direitos Humanos, que garante todos os direitos civis e políticos de nosso povo, mas realmente sempre beneficiou todos, em nosso país. E ela tem dito e repetido que "quem se veja como cidadão do mundo, é cidadão de lugar nenhum".
Há uma alternativa a essa ordem falida e daninha. Não se pode mais permitir que as maiores empresas e os maiores bancos do mundo continuem a escrever as leis e a comandar o sistema, só eles, sem oposição. A economia mundial pode e deve prover o bem comum, para a maioria dos povos. Mas isso exigirá mudança real e fundamentalmente estrutural, num nível internacional.
A ONU tem papel crucialmente importante como pivô de mudanças, promovendo um novo consenso e base comum a todos construída de solidariedade, respeito aos direitos humanos e à lei e à cooperação internacionais. Aí está incluída uma plataforma da qual líderes democráticos possam dizer a verdade ao poder até hoje dispensado de prestar contas aos cidadãos.
Um desses momentos aconteceu dia 4/12/1972, quando o presidente Salvador Allende do Chile, eleito apesar de violenta oposição e interferência dos EUA, subiu ao púlpito da Assembleia Geral da ONU em New York. Dali conclamou o mundo a agir contra a ameaça que advém das empresas transnacionais que não respondem à autoridade de estado algum, de parlamento algum ou de qualquer organização que represente o interesse comum dos muitos. Nove meses depois, Allende foi assassinado no golpe chefiado pelo general Augusto Pinochet, que deu início a 17 anos de ditadura brutal e converteu o Chile num laboratório para o fundamentalismo dos mercados desregulados.
Mas 44 anos depois, por todo o mundo, as pessoas levantam-se e dizem basta ao poder desembestado das empresas multinacionais, para burlar impostos, roubar terras e recursos dos pobres e arrancar o coração das forças organizadas dos trabalhadores e comunidades. Eis porque assumo aqui e hoje, ante os senhores e senhoras, que o próximo governo Trabalhista na Grã-Bretanha ativamente apoiará os esforços do Concelho de Direitos Humanos da ONU para criar tratado que real e efetivamente regule as empresas transnacionais e as obrigue, nos termos de lei internacional de direitos humanos. Essa lei deve realmente aplicar-se a todas as atividades das grandes empresas, de suas subsidiárias e de seus fornecedores. A impunidade a favor de empresas que violam os direitos humanos ou destroem o meio ambiente – como é o caso nos conflitos em torno da exploração de minérios que devasta a República Popular do Congo – tem de ter fim.
Por tempo demasiado o desenvolvimento foi orientado pelo dogma sem qualquer fundamento na realidade de que mercados 'livres' e empresas multinacionais desobrigadas de prestar conta a Estados e a eleitores seriam as chaves para resolver todos os problemas globais.
Agora, sob o próximo Governo Trabalhista na Grã-Bretanha, o Departamento de Desenvolvimento Internacional terá a dupla missão não só de erradicar a miséria, mas, também, de reduzir a desigualdade em todo o mundo. Para alcançar esse objetivo, temos de agir contra o escândalo global da evasão de impostos, desvio dos lucros e sub e super faturamento – que são meios para assaltar e roubar os países mais pobres e de extrair fundos indispensáveis aos nossos serviços públicos.
Só na África, estima-se que 35 bilhões de dólares desapareçam só na evasão de impostos; e 50 bilhões em fluxos financeiros ilícitos, quantias que excedem em muito os 30 bilhões de dólares que entram no continente como ajuda. Como os Paradise and Panama Papers mostraram, os super-ricos e poderosos não podem ser deixados à solta para que se autorregulem. Empresas multinacionais têm de ser legalmente forçadas a gerar balanços por país, e os países dos Sul Global precisam de apoio agora, para reaverem os bilhões que continuam a ser roubados de seus povos.
Assim sendo o próximo governo Trabalhista na Grã-Bretanha trabalhará com as autoridades fiscais nos países em desenvolvimento, como a Zâmbia fez com a NORAD – agência norueguesa de ajuda –, para ajudar o próprio país a pôr fim ao saque continuado.
Sábado marca o Dia Internacional Anticorrupção. Corrupção não é coisa que aconteça "por aí". O governo britânico desempenhou papel central em vários processos que viabilizam a corrupção que mina a democracia e viola direitos humanos. É questão global, que exige resposta global. Quando o povo é mantido na miséria, enquanto autoridades guiam fundos públicos para paraísos fiscais, aí está a corrupção, e governo Trabalhista trabalhará com decisão na questão dos paraísos fiscais: introduzindo padrões estritos de transparência nos serviços da Coroa e em territórios de além-mar, incluindo registro público de proprietários, diretores, diretores, principais acionistas e proprietários interessados de todas as empresas e trusts.
Justiça efetiva nas questões climáticas
Mudança climática é a segunda grande ameaça que pesa contra nossa humanidade comum. Nosso planeta está ameaçado. O aquecimento global é inegável; o número de catástrofes naturais quadruplicou desde 1970.
Furacões como os que recentemente atingiram o Caribe são hoje maiores porque absorvem umidade dos mares cuja temperatura é hoje mais alta. A mudança climática aquece os mares, principalmente por efeito de emissões feitas pelos países mais ricos. E mesmo assim, os países que menos poluem, quase sempre nações em desenvolvimento, são os que mais padecem quando acontecem as tragédias que a mudança climática desencadeia – com danos ao meio ambiente que alimentam a insegurança e a deslocalização de populações. Temos de nos levantar em solidariedade a esses países. Há dois meses, prometi ao primeiro-ministro de Antigua e Barbuda, Gaston Browne, que usaria essa plataforma para enunciar claramente essa mensagem.
A comunidade internacional tem de mobilizar recursos, e os maiores poluidores devem respondem pela carga maior. Assim, peço aos governos nos países que mais poluem, incluindo o Reino Unido:
Primeiro, que ampliem a capacidade para responder a desastres em todo o mundo. Nossas Forças Armadas, algumas das quais são as mais bem treinadas e de mais altas capacidades em todo o mundo, devem poder pôr a própria experiência a serviço de emergências humanitárias. A Itália está entre as primeiras que já trabalha para converter sua Marinha em força multitarefa mais versátil.
Segundo, que prevejam os custos da degradação do meio ambiente em seu planejamento financeiro, como os Trabalhistas prometeram fazer com o Gabinete de Responsabilidade Orçamental da Grã-Bretanha.
Terceiro, que se posicionem com firmeza na defesa dos históricos Acordos de Paris para o Clima.
E, finalmente, mas não menos importante, que tomem providências sérias e urgentes para aliviar o flagelo da dívida de vários países e cancelem dívidas impagáveis.
É indispensável agir como comunidade internacional contra a injustiça de haver países obrigados a se recuperar de crises climáticas que eles não provocaram, ao mesmo tempo em que têm de continuar a tentar pagar dívidas internacionais.
Vale lembrar as palavras de Thomas Sankara, presidente de Burkina Faso, na reunião da Organização da União Africana em 1987, poucos meses antes de ele também ser assassinato num golpe. "A dívida não pode ser paga" – disse o presidente Sankara, "primeiro porque, se não pagarmos, nossos credores não vão morrer. Mas se pagarmos... nós morreremos."
A crise do clima sempre crescente exacerba o número já sem precedentes de pessoas que fogem de conflitos e do desespero. Há hoje mais refugiados e deslocados em todo o mundo do que nunca antes, desde a 2ª Guerra Mundial. Refugiados são pessoas como nós. Mas, diferentes de nós, foram forçados pela violência, pela perseguição e pelo caos climático a deixar para trás a própria casa. Um dos mais difíceis testes morais de nosso tempo é como corresponder ao espírito e ao texto escrito da Convenção dos Refugiados de 1951. O princípio basilar desse documento era simples: proteger os refugiados. Mesmo assim, dez países, que respondem por apenas 2,5% da economia global, estão acolhendo mais da metade de todos os refugiados do mundo.
É hora de os países mais ricos do mundo avançarem e manifestarem que são parte de nossa humanidade comum. Fracasso é haver milhões de sírios deslocados dentro do próprio país ou refugiados fora de lá. Os refugiados Rohingya retornaram a Myanmar sem garantias de cidadania ou de proteção contra a violência do estado, e há refugiados mantidos em detenção sem prazo para acabar em campos de confinamento inadequados para a sobrevivência humana, em Papua Nova Guiné ou Nauru. Refugiados africanos estão sendo vendidos como escravos na Líbia destruída pela guerra. Essa realidade deve ofender nosso senso de humanidade e de solidariedade humana.
Países europeus podem, e devem, fazer mais, num momento em que o número de migrantes e refugiados mortos na tentativa de cruzar o Mediterrâneo só faz aumentar. E temos de empreender ação efetiva contra o tráfico de seres humanos. Mas sejamos bem claros: a única resposta aceitável, de longo prazo, é genuína cooperação internacional baseada em direitos humanos, que ataque as causas raízes do conflito, as perseguições e a desigualdade.
Trabalhar para a Paz
Passei quase toda a minha vida, com muitos outros, defendendo a diplomacia e o diálogo em vez de guerra e conflito, frequentemente enfrentando hostilidade. Mas continuo convencido de que esse é o único modo de garantir segurança genuína e duradoura para todos. E mesmo depois das invasões e ocupações desastrosas em anos recentes, há novamente pressão para que se opte pela força militar, 'EUA em primeiro lugar' ou 'Império 2.0' como via para a segurança global.
Sei que o povo da Grã-Bretanha não é insensível ao sofrimento dos outros nem cego ao impacto e ao revide que nos chega das temerárias guerras de nosso país em terras distantes. Guerras para mudança de regime, invasões, intervenções e ocupações no Iraque, no Afeganistão, na Líbia e na Somália fracassaram ante a própria expectativa, devastaram países e grandes regiões e fizeram da Grã-Bretanha um dos locais mais perigosos do mundo.
E ao mesmo tempo em que o governo do Reino Unido apresenta-se como defensor de alguns casos de direitos humanos, em outros se mantém silencioso – quando não é cúmplice – quando são violados. Gente demais se faz de cega ante os abusos flagrantes e em grande escala que se veem hoje no Iêmen, alimentados por armas vendidas aos sauditas por bilhões de pounds.
A abordagem de tipo 'não-vejo-o-mal', 'não-digo-o-mal', 'não-ouço-o-mal' mina a credibilidade que ainda nos reste para agir contra outros abusos de direitos humanos. A ajuda total do governo britânico ao Iêmen ano passado nem chegou a £150 milhões – menos que os lucros que fabricantes britânicos de armas auferiram da venda de armas à Arábia Saudita. O que isso diz sobre as prioridades de nosso país, ou do papel que cabe ao nosso governo no desastre anti-humanitário que devasta o Iêmen? Nossa credibilidade para falar contra a limpeza étnica criminosa contra muçulmanos Rohingya fica gravemente comprometida, quando se sabe que o governo britânico tem mantido apoio constante aos militares de Myanmar.
E nosso governo muito fala sobre acordo amplo e a solução de dois estados para o conflito Israel-Palestina, mas nada faz para usar o poder de alavancamento que tem para pôr fim à opressão e à exploração do povo palestino. 70 anos depois que a Assembleia Geral da ONU votou a favor de se criar outro estado ao lado do estado palestino, e que viria a ser Israel, e meio século desde que Israel ocupou toda a Palestina histórica, deveriam tomar a liderança de movimentos israelenses do campo da paz, como Gush Shalom e Peace Now e exigir o fim dos abusos de direitos humanos que os palestinos enfrentam todos os dias, várias vezes ao dia. A ocupação continuada e as colônias ilegais são violações da lei internacional e obstáculo na trilha da paz.
O anúncio, pelo presidente dos EUA de que seu governo reconhecerá Jerusalém como capital de Israel, incluindo os territórios ocupados da Palestina, é ameaça à paz que já recebeu muito merecida condenação internacional. A decisão é não só temerária e de provocação –, mas cria o risco de pôr a perder qualquer possibilidade de resolução política para o conflito Israel-Palestina. A fala do presidente Trump na Assembleia Geral da ONU em setembro assinala outra mais ampla ameaça à paz. O ataque que move contra o multilateralismo, direitos humanos e lei internacional deve nos preocupar muito gravemente, todos nós.
E não é hora para rejeitar o Acordo Nuclear Iraniano, conquista significativa alcançada entre o Irã e um grupo significativo de potências mundiais para reduzir tensões. O fim do acordo ameaça não só o Oriente Médio, mas também a Península Coreana. Que incentivos haverá para que Pyongyang creia que algum desarmamento lhe valerá algum proveito, quando os EUA 'desistem' de seu acordo nuclear com Teerã? Trump e Kim Jong-un ameaçam um apavorante confronto nuclear, com aqueles insultos absurdos e belicistas. Em comum com quase toda a humanidade, digo daqui àqueles dois líderes: esse jogo não é brincadeira. Afastem-se já da beira do despenhadeiro.
É lugar comum bem sabido que guerra e violência não resolvem os problemas do mundo. Violência gera violência. Em 2016, quase três quartos de todas as mortes por ação de terroristas aconteceram em cinco estados: Iraque, Afeganistão, Síria, Nigéria e Somália. É crucial nos levantarmos para dar voz às vítimas da guerra e do terrorismo, e fazer da justiça internacional uma realidade.
Cabe-nos exigir dos grandes exportadores de armas que cuidem para que todas as exportações de armas sejam consistentes, não só em termos de lei, mas também com as nossas obrigações morais. Significa que não se expeçam mais licenças para exportar armas, onde e quando haja risco de as armas serem usadas para cometer abusos contra os direitos humanos ou crimes contra a humanidade. O Reino Unido é dos grandes exportadores de armas, e temos de honrar nossas obrigações internacionais ao mesmo tempo em que pesquisamos meios para converter a produção de armas em outro tipo de indústria socialmente útil, de alto desempenho e alta tecnologia.
Eis porque considero bem-vinda a recente resolução bipartidária da Câmara de Deputados dos EUA, que faz duas coisas até aqui sem precedentes. Primeiro, se reconhece o papel dos EUA na destruição do Iêmen, incluindo o reabastecimento em voo de aviões da coalizão liderada pelos sauditas, essenciais para manter a campanha de bombardeiro; e a ajuda no processo de selecionar alvos. Segundo, a resolução deixa claro que o Congresso dos EUA não autorizou o envolvimento militar das forças armadas naquele conflito.
O Iêmen vive desesperada catástrofe humana, vítima do pior surto de cólera de toda a história. O peso da opinião pública internacional tem de ser jogado contra os que apoiem a guerra da Arábia Saudita contra o Iêmen, incluído aí o governo de Theresa May, para que assim se cumpram os compromissos morais do povo britânico sobre vendas de armas e para que se negocie um acordo urgente de cessar-fogo e fim desse conflito devastador.
Se somos sérios ao nos declarar apoiadores da paz, temos de fortalecer a cooperação internacional e os esforços de pacificação e manutenção da paz. A Grã-Bretanha tem importante papel a desempenhar, depois de ter cedido e fornecido número significativo de soldados em anos recentes, em várias guerras. Estamos determinados a não deixar escapar a oportunidade para sermos uma força benéfica na preservação e manutenção da paz, na diplomacia e no apoio aos que defendam direitos humanos.
O Partido Trabalhista compromete-se a investir para ampliar nossas capacidades diplomáticas e serviços consulares, e reintroduziremos a figura do adido conselheiro para questões de direitos humanos nas nossas embaixadas em todo o mundo. Direitos humanos e justiça estarão no centro de nossa política exterior, ao lado de um compromisso de apoiar a ONU. A ONU é plataforma excepcional para promover a ação e a cooperação internacionais. E, para ser efetiva, é preciso que os estados-membros se posicionem a favor da agenda de reformas definida pelo secretário-geral [António Manuel de Oliveira] Guterres. O mundo exige que o Conselho de Segurança da ONU responda, que se torne mais representativo e desempenhe o papel que lhe cabe, em prol da paz e da segurança.
Podemos viver em mundo mais pacífico. O desejo de ajudar a criar uma vida melhor para todos arde em nós.
Governos, sociedade civil, movimentos sociais e organizações internacionais podem ajudar a alcançar essa meta. Temos de redobrar nossos esforços para criar um sistema global baseado em regras, que se aplique a todos e funcione para os muitos, não só para os poucos."
Nunca mais bombardear primeiro e conversar depois.
Nunca mais padrões duplos na política externa.
Nunca mais instituições globais que se deixem usar como bodes expiatórios, na busca de obter ganhos políticos em casa.
Em vez disso tudo, solidariedade, liderança calma e cooperação. Juntos podemos:
- Construir um novo sistema social e econômico, que leve no centro os direitos humanos e a justiça.
- Criar e fazer cumprir uma justiça climática, e um melhor modo de vivermos juntos nesse planeta.
- Reconhecer a humanidade dos refugiados e oferecer-lhes guarida segura.
- Trabalhar pela paz, pela segurança e pelo entendimento.
A sobrevivência de nossa humanidade comum exige tudo isso e nada menos que isso.
Temos de reconhecer e pagar tributo aos defensores de direitos humanos em todo o mundo, que põem a vida em risco em defesa dos demais. – Que nossa voz seja a voz deles.
Obrigado.
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