Mostrando postagens com marcador Rune Møller Stahl. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Rune Møller Stahl. Mostrar todas as postagens

20 de abril de 2025

A nostalgia pelo livre comércio não é a resposta

A guerra comercial de Trump desencadeou o caos econômico em todo o mundo. Mas simplesmente voltar aos "bons velhos tempos" do livre comércio não é solução.

Rune Møller Stahl


Um guindaste descarrega contêineres de um navio cargueiro em Miami, Flórida, em 15 de abril de 2025. (Joe Raedle / Getty Images)

A guerra comercial de Donald Trump desencadeou pânico nos mercados globais, enviando ondas de choque econômicas pelas cadeias de suprimentos internacionais. Os mercados de ações estão em queda livre, as previsões de crescimento foram drasticamente revisadas para baixo e uma recessão econômica com aumento do desemprego se aproxima. Isso levou muitos a ansiarem pelos tempos mais ordeiros antes de Trump — nostalgia pela globalização liberal dos anos 2000, com livre comércio global desimpedido e uma economia mundial regida por regras previsíveis. Ian Bremmer afirma com confiança que "a globalização ajudou a tornar os Estados Unidos o país mais próspero da história" e, no New York Times, Thomas Friedman escreve que nossa época tem sido "uma das mais relativamente pacíficas e prósperas da história... devido a uma rede cada vez mais estreita de globalização e comércio".

À primeira vista, essa reação é compreensível. E há muitas razões pelas quais a guerra tarifária de Trump é contraproducente. As tarifas são uma forma de imposto paga em grande parte pelos consumidores. São um imposto fixo, que atinge mais duramente os mais pobres, que gastam uma parcela maior de sua renda em bens de consumo que estão sujeitos às novas tarifas. Se Trump cumprir sua promessa de usar a receita para financiar cortes de impostos para os ricos, esta poderá ser uma das reformas tributárias mais regressivas da história dos EUA.

Mas a nostalgia pela era do livre comércio não é um caminho a seguir, independentemente do que se pense de Trump e sua agenda. A onda de descontentamento que levou Trump à vitória está intimamente relacionada às tensões desencadeadas pela globalização econômica. A ordem mundial neoliberal, dominante desde o colapso da União Soviética, combinou livre comércio e desregulamentação financeira, levando ao aumento da desigualdade, à desindustrialização e à perda de empregos. Não é de se surpreender, portanto, que tenham sido os eleitores da classe trabalhadora nas áreas mais afetadas do Centro-Oeste americano que influenciaram a eleição de 2016 para Trump, que prometeu desafiar a globalização e os acordos de livre comércio que lhes custaram seus empregos e devastaram suas comunidades.

O caminho a seguir para sair da atual guerra comercial não deve ser simplesmente um retorno ao "business as usual" — foi isso que nos trouxe até aqui.

Os problemas do livre comércio

Quando falamos em livre comércio global, é importante entender que o livre comércio não é o resultado natural das forças de mercado. Pelo contrário, o regime de comércio global é o resultado de políticas estatais ativas moldadas pelos atores mais poderosos do mundo. No século XIX, a Grã-Bretanha abriu mercados em todo o mundo com canhoneiras. Na China, impérios europeus travaram duas guerras sangrentas — conhecidas como Guerras do Ópio — para impedir que os chineses impedissem a livre exportação de ópio através de suas fronteiras.

O regime comercial atual foi moldado durante a chamada Rodada Uruguai, na década de 1980, culminando na criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1995. É um produto do domínio unipolar americano após a queda do Muro de Berlim. Esse regime se concentrou na redução de tarifas, mas também em impedir que os países implementassem outras formas de regulamentação — as chamadas barreiras técnicas ao comércio, como normas ambientais ou condições de trabalho. Sindicatos no Ocidente alertam desde a década de 1990 sobre ameaças aos empregos domésticos, enquanto os países em desenvolvimento alertam contra a privação das medidas de proteção que as nações ricas de hoje usaram em seus estágios iniciais de desenvolvimento.

É esse regime que, nos últimos quarenta anos, beneficiou amplamente as grandes corporações nos Estados Unidos e no Ocidente, que poderiam economizar salários e evitar regulamentações transferindo a produção para países do Sul Global. Alguns países asiáticos utilizaram a globalização das cadeias de produção para fortalecer seus próprios setores industriais e alcançar o desenvolvimento econômico. Na década de 2000, a China, em especial, combinou um forte planejamento estatal com regras de livre comércio e conseguiu ascender na cadeia de valor global em direção a uma produção tecnológica mais avançada e de maior valor.

Vantagens comparativas

A teoria por trás dos benefícios do livre comércio remonta ao economista do século XIX David Ricardo, cuja teoria da vantagem comparativa ainda domina o pensamento dominante sobre comércio. A ideia é que os países — independentemente do desenvolvimento econômico — podem se beneficiar da especialização nas áreas em que são relativamente melhores. Isso significa que o País A, mais pobre e com destaque apenas em alguns setores, ainda pode se beneficiar do comércio com o País B, muito mais rico, mesmo que B seja mais competitivo em todos os setores.

Mas a ideia de ganho mútuo só existiu no papel. Na prática, a especialização em vantagens comparativas imediatas significou que os países periféricos foram mantidos dependentes da produção de commodities voláteis. O economista Ha-Joon Chang demonstrou que os países que conseguiram usar o comércio para impulsionar o desenvolvimento econômico — como sua Coreia do Sul natal — usaram ativamente a intervenção estatal para mudar suas vantagens comparativas. Se a Coreia do Sul tivesse seguido a teoria de Ricardo dogmaticamente, hoje não teria gigantes industriais como Samsung e Hyundai. Em vez disso, sua economia ainda seria dominada por arroz e peixe.

Mas com a globalização financeira, qualquer política que desafiasse os poderosos interesses do capital era punida instantaneamente pelo mercado. Isso levou à competição salarial entre os trabalhadores, já que as empresas podiam facilmente se realocar para regiões com salários mais baixos. Também levou à competição tributária, com os países cortando impostos para atrair investimentos. Os resultados são claros: crescente desigualdade em todo o mundo, à medida que os salários perdem para o capital. Nos países ricos, a terceirização atingiu mais duramente a classe trabalhadora, e em países em desenvolvimento, como China e Índia, os benefícios do alto crescimento foram principalmente para os empresários. Essa corrida para o fundo do poço na tributação também sobrecarregou os sistemas de bem-estar social em todo o mundo.

Os verdadeiros desafios do comércio global

Para a esquerda, a questão-chave na política comercial não é a movimentação de mercadorias através das fronteiras, mas a mobilidade irrestrita do capital. Desde a década de 1980, a liberalização dos fluxos financeiros e das redes de produção permitiu que as empresas se deslocassem com facilidade, usando a ameaça de saída para disciplinar a mão de obra e restringir a tomada de decisões democráticas. Essa mobilidade tornou-se uma característica estrutural da economia global, que distorce decisivamente as relações de poder em favor do capital.

O comércio, nesse contexto, exerceu uma função disciplinadora. Não apenas facilitou as trocas; remodelou o terreno da política interna, limitando o espaço em que os Estados podem atuar. O medo da fuga de capitais minou a negociação coletiva, corroeu as bases tributárias e forçou os Estados a uma corrida para o fundo do poço em termos de salários, regulamentação e provisão social. A retórica da competitividade substituiu questões de justiça, e a política econômica foi reduzida ao que é tolerável para os mercados.

O que muitas vezes passa despercebido nos apelos para "trazer de volta" a indústria é que os ganhos sociais das economias industriais de meados do século foram resultado de fortes instituições trabalhistas, não apenas da atividade industrial. Sem altos níveis de sindicalização e organização política, é improvável que o retorno da indústria manufatureira proporcione melhores condições para a classe trabalhadora.

O verdadeiro desafio não é restaurar uma era perdida de globalização, nem recuar para trás das fronteiras nacionais. Uma discussão séria sobre comércio global na esquerda deve, em vez disso, começar com a ambição de transformar as regras globais para que o comércio não sirva mais como um mecanismo de coerção para o capital.

Colaborador

Rune Møller Stahl é professor assistente de economia política na Copenhagen Business School e ex-assessor político do grupo parlamentar da Aliança Vermelha-Verde.

4 de agosto de 2015

O que torna a Escandinávia diferente?

O que explica os fortes estados de bem-estar dos países nórdicos? Dica: não é homogeneidade branca.

Rune Møller Stahl e Andreas Møller Mulvad


Um comício de massas em Oslo antes das eleições gerais de 1936. Partido Trabalhista Norueguês/Flickr

Tradução / Há uma razão pela qual os estados de bem-estar social escandinavos seguem sendo motivo de inveja de muitos ao redor do mundo. Mesmo após décadas de tentativas de reformá-los pelo projeto neoliberal, a Escandinávia exibe uma divisão igualitária de rendimentos relativamente elevados, grandes programas de bem-estar social financiados por impostos, sindicados poderosos e taxas de desempregos relativamente baixas.

Os manuais neoliberais nos contam que o único caminho para a prosperidade social é por meio de baixos níveis de tributação, negócios desregulamentados e mercados de trabalho selvagemente competitivos. No entanto, apesar de não cumprir as métricas da variedade anglo-americana do capitalismo, os países escandinavos teimosamente continuam a prosperar, e regularmente aparecem no topo dos índices globais de felicidade e qualidade de vida.

Não é nenhuma surpresa, assim, encontrar neoliberais e conservadores dedicando energia intelectual considerável em deslegitimar o “Modelo Nórdico” de bem-estar público.

No começo do ano, o Instituto de Assuntos Econômicos, um think thank neoliberal britânico, dedicou um livro interno à “não-excepcionalidade” escandinava. O objetivo era dar uma explicação satisfatória à história de sucesso dos estados de bem-estar social nórdicos, argumentando à velha moda Hayekiana que o sucesso dos países nórdicos precede a era de bem-estar público, e que qualquer coisa de excepcional e bem-sucedido sobre tal modelo desapareceu desde então.

Entrementes nos EUA, onde a campanha de Bernie Sanders pôs a ideia da social-democracia nórdica no centro do debate político, Kevin Williamson, da National Review, adotou a estratégia oposta. Em um par de artigos recentes ele reconhece a excepcionalidade da experiência nórdica e admite que os países nórdicos têm sido de fato relativamente bem-sucedidos até recentemente. Mas, em um estranho enredo, Williamson também racializa a experiência nórdica, vinculando o sucesso das políticas social-democratas à alegada brancura e homogeneidade dos países nórdicos, minando assim sua credibilidade como fonte de inspiração para os progressistas norte-americanos comprometidos com o anti-racismo.

O “Consenso Nórdico”

Em um artigo publicado em julho na National Review, Williamson chama Sanders de “nacional socialista” e denuncia seu uso da retórica do “Nós e Eles” como não-escandinava. Williamson interpreta a vontade de Sanders de lançar luz sobre conflitos de interesses frente o poder popular como sendo supostamente o “polo oposto” de como se faz política na Escandinávia – onde a política é “guiada pelo consenso” – e onde essa “conformidade” constitui “uma força estabilizadora e moderadora da política, permitindo emergir um sutil e sofisticado e notavelmente amplo acordo social que contém as disputas políticas”.

A política escandinava é muito menos partidária e mais pró-coalisão que nos EUA, com a representação proporcional efetivamente negando a qualquer partido uma maioria parlamentar absoluta. Mas não devemos confundir uma conjuntura histórica contingente do século vinte, de relativa civilidade política, como uma essência supra-histórica da cultura política nórdica.

Hoje o estado de bem-estar social universal e o mercado de trabalho regulado e igualitário são tão populares entre os eleitores que mesmo políticos liberais ou conservadores querendo desmontá-lo têm de concorrer como defensores do bem-estar público se quiserem evitar o suicídio eleitoral. Mas essa situação não emergiu das brumas da história. É o produto de décadas de lutas de organizações de trabalhadores e outros movimentos populares através do século passado.

O estado de bem-estar social-democrático enfrentou duros desafios históricos – tanto da esquerda, diante de movimentos comunistas e da nova esquerda, quanto da direita, de empresas organizadas, como a poderosa organização patronal sueca SAF, e movimentos anti-impostos ao estilo Tea Party, que apareceram na década de 70 na Noruega e na Dinamarca.

Simplificando, o "Consenso Nórdico" nunca foi tão abrangente quanto Williamson nos faz acreditar.

Privilégio social-democrático?

Pouco depois do ensaio “nacional socialista”, Williamson publicou outro artigo intitulado “O Mais Branco dos Privilégio”. Nele, ele executa uma surpreendente peça de pseudo-psicanálise daqueles na esquerda estadunidense que apontam o estado de bem-estar social escandinavo como fonte de inspiração política.

Progressistas podem dizer que eles querem adorar modelos institucionais de bem-estar público universal como a Escandinávia, mas o que eles realmente pretendem, Williamson nos informa – com uma forte dose de suspeita hermenêutica – é que eles não gostam de diversidade étnica. “’Nós gostaríamos de tornar os EUA mais como a Noruega ou a Finlândia’ é, entre outras coisas, uma forma de dizer ‘Nós gostaríamos de tornar os EUA mais como uma sociedade virtualmente toda branca”.

Essa acusação parece tão mais estranha considerando ter sido Williamson ele próprio que apenas dois dias antes relembrou-nos que é conservador – não progressista – quem teoriza a homogeneidade étnico-cultural como a chave para o sucesso político-econômico: “Que o sucesso os estados de bem-estar social da Europa Ocidental, e em particular quanto ao estados escandinavo, é enraizado na homogeneidade cultura e étnica é uma crítica conservadora de longa data dos esquemas ao estilo de Bernie de recriação do modelo dinamarquês no Texas e no Texas e no Mississipi”.

Em todo caso, a premissa da tentativa disfarçada de Weilliamson de racializar a história de sucesso escandinava é falha. Williamson escreve que as “nações da Europa do Norte” eram até recentemente “etnicamente homogêneas, majoritariamente brancas, hostis à imigração, nacionalistas, e francamente racistas em muito de sua política doméstica”.

As primeiras duas observações – homogêneas e brancas – são obviamente verdadeira, mas mundanamente apenas. De qualquer forma, as alegações subsequentes põe Williamson numa fria. Talvez semi-percebendo ser simplesmente falso descrever diretamente seu alvo presente, os países nórdicos, como particularmente racistas, xenofóbicos ou nacionalistas comparados a outros países, na Europa e ao redor do mundo, Williamson opta por uma mais ampla e vaga descrição como “Europa do Norte”.

A Escandinávia não é excepcional pelos padrões europeus quando se trata de racismo e nacionalismo, e pode-se encontrar prontamente exemplos tanto de hostilidade para com imigrantes, quanto nacionalismo chauvinista e políticas racistas na história dos países nórdicos.

Por exemplo, como a maior parte dos países europeus, o antissemitismo era grave nos países nórdicos antes da II Guerra Mundial, e a febre nacionalista varreu todos países nórdicos no século 19, como fez ao redor de todo o mundo.

Do mesmo modo, à extensão limitada da qual os países nórdicos tiveram uma história colonial, há inclusive uma história de racismo institucional (à la Bélgica, Alemanha, Espanha, Portugal, Reino Unido, Holanda, França, EUA, etc) que sobrevive a´te os tempos contemporâneos. O péssimo tratamento dado pelas autoridades dinamarquesas às populações indígenas de Greenland é um caso a apontar no período pós-II Guerra.

Mais Williamson falha em provar, primeiro, que os países nórdicos – seja falando sobre política de estado ou sentimento popular – realmente tem um histórico consistentemente pior que outros países (incluindo os EUA), e, segundo, que o racismo desempenhou qualquer papel no estabelecimento dos estados de bem-estar social nórdicos ao longo do século vinte. Sua tentativa de comprovar a alegação de uma xenofobia nórdica intrínseca é limitada a um seletivo rol de fatos sobre a história imigratória sueca, presumivelmente a verdade mais medonha que ele conseguiu encontrar. Numa análise mais de perto, todas acusações parecem derivar de um único artigo do antropólogo Charles Westin, e nenhuma delas parece respaldar realmente a insinuação de Williamson quanto a um racismo institucional sueco.

Nos foram dados três pedaços de informação. Primeiro, que a maioria dos trabalhadores imigrantes vindo para a Suécia por muitos anos são de outros países escandinavos, porque as confederações sindicais se preocupavam com “o trabalho barato estrangeiro”. Lançando luz sobre esse fato, Williamson simplesmente expõe sua má-fé ideológica ao identificar qualquer oposição pelo controle da entrada de mão de obra do mercado de trabalho nacional, qualquer que seja sua motivação, como “Buchananitismo” por definição.

Ainda sim, a posição da confederação sindical sueca, a LO, era evidentemente motivada não por xenofobia. Ao contrário, o propósito era defender as condições de vida de qualquer trabalhador na Suécia, sem distinção de raça, étnica ou cidadania. Como Westin escreve (mas Williamson convenientemente esquece de adicionar), “[A LO] concordou que importar trabalho mais barato não seria permitido e que trabalhadores estrangeiros deveriam desfrutar dos mesmos níveis salariais e direitos que os suecos, incluindo acesso a benefícios para desempregados”.

Em segundo lugar, nos é dito que muitos judeus foram rejeitados quando buscando refúgio na Suécia entre 1930 e 1940 devido ao antissemitismo prevalecente. O que Williamson não conta é que esse cenário mudou drasticamente durante a guerra em si, quando um grande número de judeus da Noruega e da Dinamarca (juntamente com membros dos movimentos de resistência à ocupação alemã) escaparam para a Suécia. Aqui, de novo, Westin é informativo: “No começo houve alguma relutância em aceitar esses estrangeiros mas, sendo justo, logo eles eram aceitos generalizadamente e mesmo bem-vindos”.

Em terceiro lugar, nos é dito que “a moderna palavra sueca para “imigrante” não significa “pessoa estrangeira” mas “pessoa não-nórdica na Suécia”. Esse fato não é tão palatável, mas aqui também Williamson se esquece de nos contar a história inteira – desta vez sobre as tentativas ativas do estão sueco de combater esses infeliz pensamento habitual.

Como Westin escreve, “hoje, autoridades evitam o termos “imigrante”, usando ao invés disso “pessoa de origem migrante” no discurso oficial. Uma política de gestão da diversidade foi introduzida alguns anos atrás a fim de contrarias tendências de exclusão social e estereotipagem. Foram fortalecidas, inclusive, as prévias leis de combate à discriminação étnica, antes mais fracas”.

Em suma, o caso de Williamson apresentando o modelo nórdico como inerentemente racista é fraco na melhor das hipóteses. É certamente verdade que os países nórdicos hoje em dia contam com consideráveis movimentos populistas de direita dominados por sentimentos xenofóbicos, mas isso é igualmente verdadeiro para a maior parte do continente europeu.

De fato, se o estado de bem-estar social ao modo nórdico é particularmente compatível como e conduz ao racismo, como se poderia explicar o similar crescimento do populismo xenofóbico de direita na França, na Suíça, no Reino Unido, todos países com sistemas sociais distintivamente diferentes? É verdade que ainda não vemos fortes movimentos anti-racistas e anti-discriminação na Escandinávia análogos ao Movimento pelos Direitos Civis nos EUA. Mas por outro lado, seria sofrível encontrar exemplos na moderna história nórdica de equivalentes ao racismo organizado desde a base da Ku Klux Klan ou o racismo institucionalizado de Jim Crow.

Não estamos sugerindo que as populações nórdica sejam inerentemente menos racistas que outras. Estamos meramente dizendo que Williamson falha em provar que há algo intrinsecamente racista ou nacionalista acerca da experiência nórdica. Nem ao menos os estados de bem-estar social nórdicos do século vinte têm na exclusão étnica uma chave principal do seu funcionamento; ao contrário, são baseados em princípios universais de habilitação-pela-cidadania, e não em princípios internos exclusivos baseados em raça e cultura.

Excepcionalidade escandinava

Se a “homogeneidade branca” não é a variável chave, como deveríamos explicar então a excepcionalidade escandinava? O primeiro passo é perceber que muitos aspectos do desenvolvimento do estado de bem-estar social escandinavo não são tão excepcionais – são variantes de uma experiência geral da Europa ocidental.

O moderno estado nórdico esteve na afortunada posição de se desenvolver na proximidade geográfica imediata os países centrais do sistema capitalistas mundial, ao mesmo tempo que mantendo independência política. Essa serendipitia circunstância histórica implicou que os países nórdicos lucrassem, direta ou indiretamente, primeiro dos fluxos comerciais do precoce capitalismo mercantil e depois do industrialismo e do colonialismo.

No primeiro momento eles se desenvolveram através de lucrativas trocas em commodities primárias – bens agricultáveis processados na Dinamarca, madeira e minério da Suécia – mas do fim do século dezenove em diante eles lograram se industrializar. Como resultado, os países nórdicos, como o resto do noroeste da Europa, se tornaram comparativamente ricos e bem organizados.

A Escandinávia inclusive não esteve sozinha no desenvolvimento de amplos sistemas de bem-estar social no século vinte. Através da Europa Ocidental, o centro de um compromisso social entorno da construção da instituição de bem-estar universais emergiu na alvorada do século vinte pari passu com a ascensão dos movimentos de trabalhadores organizados.

No rescaldo da II Guerra Mundial, as elites europeias, cautelosa com uma classe trabalhadora radicalizada e a ascensão do Comunismo Soviético, viram-se na necessidade de estabelecer compromissos com o trabalho a fim de manter o sistema capitalista. Isso resultou no rápido crescimento do salário real e na construção de instituições bem-estar e toda a Europa Ocidental controlada pelo EUA, ajudada através do Plano Marshall e generosos acesso ao mercado estadunidense.

Aqui, novamente, se conformou à tendência geral da Europa Ocidental. Mas esse novo modelo de capitalismo social tomou uma forma mais radical aqui que em outros lugares. Sob a hegemonia de fortes partidos social-democratas, a redistribuição e o bem-estar em áreas como saúde, educação, transporte e moradia atingiram uma extensão não vista em qualquer lugar da Europa.

Isso foi em grande medida o produto de um movimento sindical unicamente forte, politicamente empoderado por robustas alianças com partidos social-democratas. O trabalho logrou atingir hegemonia política forjando alianças com outros movimentos populares em apoio da igualdade e da democratização, mais notavelmente os movimentos corporativos de base camponesa e os movimentos de mulheres após os anos 70.

O estado de bem-estar social escandinavo provavelmente atingiu seu ápice nos anos 70 e 80, quando a desigualdade esteve sob os mais baixos índices registrados em economias capitalistas. Ademais, a Dinamarca e a Suécia observaram disseminado apoio sindical a programas de democracia econômica, que através de fundos salariais gradualmente assumiriam a propriedade dos meios de produção.

Porém, esse foi também o momento em que o modelo nórdico começou a mostrar suas primeiras fissuras.

O projeto social-democrata nunca deu conta de contestar com sucesso o poder do capital privado. Quando a pressão da competição internacional e a integração econômica europeia estreitaram o espaço para políticas nacionais e deslocaram o terreno político decisivamente em favor dos negócios, o compromisso social sustentando o “modelo nórdico de bem-estar social” começou a desfiar.

Nessa conjuntura, o modelo nórdico se provou frágil, e a Escandinávia não foi imune à onda neoliberal que varreu o globo após a queda do Muro de Berlim. Desde os anos 90 mesmo os partidos social-democratas nórdicos têm amplamente se adaptado em um novo consenso político em torno de privatizações, desregulamentação e redução de direitos sociais e benefícios. Como consequência, o sistema social da Escandinávia está gradualmente se aproximando da média europeia.

A ascensão da direita

É em um contexto de deterioração do estado de bem-estar social que se pode entender a forma específica que o populismo de direita assumiu na Escandinávia.

Williamson está realmente certo quando ele aponta para o “chauvinismo do bem-estar social” enquanto um mal-estar contemporâneo no clima político nórdico, mas ele falha em entender as causas desse fenômeno. A ascensão dos “Finlandeses Verdadeiros”, o Partido Progressista Norueguês, o Partido do Povo Dinamarquês e os Democratas Suecos é um produto de particularidades nacionais. Mas em comum a cada um desses grupos está o apoio crucial que extraem de frações significativa da classe trabalhadora que, desde os anos 80, se tornaram desenraizadas das suas vidas relativamente seguras como consequência da desindustrialização e a redução de gastos com o bem-estar social.

Para além disso, o enfraquecimento do movimento sindical na era neoliberal produziu uma um ciclo de desdobramentos negativos que cortou os fundos laços – na infraestrutura da sociedade civil – entre o movimento sindical, os Social-democratas, e valores de solidariedade consolidados e públicos da classe trabalhadora.

Em seu livro sobre o crescimento do Partido Progressista, o autor e pesquisador norueguês Margnus Marsdal descreve como eleitores tradicionais da social-democracia entre a classe trabalhadora eram incapazes de se identificar com um partido social-democrata que parecia absorvido com tecnocracia acadêmica e completamente desligado das preocupações dos eleitores trabalhadores de “de colarinho azul”. Com os partidos dominantes advogando o mesmo tipo de política econômica, esses eleitores em vez disso se tornaram ao problema da imigração quando decidindo sua lealdade política.

A peculiaridade histórica do populismo xenofóbico e de direita varrendo agora os países nórdicos e o resto do norte da Europa é sua co-articulação com a defesa do estado de bem-estar social em desmoronamento. Conforme decai a proteção social, algumas pessoas vêm erroneamente a interpretar dois efeitos da globalização e da reestruturação do capital – imigração massiva e deterioração dos serviços de bem-estar social – como sendo causalmente relacionados.

É precisamente por causa de os estados de bem-estar social nórdicos serem universais, e não etnicamente exclusivos, que dois problemas analiticamente distintos se tornaram justapostos na política nórdica contemporânea: de um lado, manter o estado de bem-estar social sob a pressão da globalização neoliberal; de outro lado, regular a transformação da sociedade de monoétnica para multiétnica.

O casamento entre duas formas de nostalgia indutoras de segurança – étnico-cultural e material – é o chauvinismo de bem-estar social em suma. Mas esse chauvinismo do bem-estar social não é uma continuação lógica do estado de bem-estar social nórdico. Na verdade, é um triste desvio infeccioso disso, produzido pelo desespero popular depois de mais de três décadas de reformas neoliberais.

Lições da experiência nórdica

Isso não significa que não haja inspirações a serem absorvidas dos sistemas sociais escandinavos para os progressistas estrangeiros. Desde educação gratuita financiada pelos impostos até cuidado infantil subsidiado e generosos benefícios para desempregados, há diversos programas que continuam entre os mais progressistas do planeta.

Mas enquanto absorvendo dessas inspirações políticas, é importante notar que a excepcionalidade escandinavo não é a baseado em um dado rol de instituições e política prontas para serem implementadas por iluminados tecnocratas. Os planos institucionais dos países nórdicos foram produzidos por um forte movimento sindical em aliança com outras forças populares. Quando essa base começou a erodir, como aconteceu na Escandinávia de 1980 em diante, o mesmo o fizeram as instituições de bem-estar social.

A única forma de atingir “níveis escandinavos” de redistribuição e proteção social é começar construindo um poderoso movimento popular capaz de fazer avançar esta agenda.

Um bem-sucedido movimento nos EUA por um estado de bem-estar social abrangente em um país multiétnico daria não apenas uma excelente resposta ao determinismo cultura explícito ou implícito como também seria uma importante fonte de inspiração para os progressistas europeus na procura de ferramentas efetivas para enfrente o chauvinismo do bem-estar social.

O guia essencial da Jacobin

A Jacobin tem divulgado conteúdo socialista em ritmo acelerado desde 2010. Eis aqui um guia prático para algumas das obras mais importantes ...