István Mészáros
Monthly Review
Dedicado à memória e legado do presidente Hugo Chávez
Monthly Review
Volume 65, Issue 09 (February) |
Dedicado à memória e legado do presidente Hugo Chávez
I.
Tradução / A necessidade da criação e atuação bem sucedida de uma Nova Internacional é dolorosamente óbvia e urgente, nos dias de hoje. Os inimigos de uma ordem social de reprodutividade historicamente sustentável, que ocupam ainda, no momento presente, a posição dominante em nosso mundo cada vez mais ameaçado, não hesitam por um momento em explorar, no interesse do seu projeto destrutivo, com o máximo de cinismo e hipocrisia, os órgãos existentes de tomada de decisão e de formação de opinião, na comunidade internacional, do Conselho de Segurança das Nações Unidas à grande multiplicidade de órgãos da imprensa nacional e internacional e outros meios de comunicação sob seu domínio material direto. Isto tem sido repetidamente sublinhado pelo modo como são "justificadas" as suas guerras ilegais no Médio Oriente e em outros lugares, com uma vasta rede de organismos internacionais e recursos organizacionais à sua disposição. Ao mesmo tempo, os adeptos da muito necessária alternativa socialista estão fragmentados e divididos entre si, em vez de conjugarem internacionalmente a sua força com vista a uma confrontação vitoriosa com os seus adversários.
In reality the enemies of socialism are attempting to recolonize the world in the name of their preposterous inhuman ideology which targets even with the most violent means the countries of the so-called “axis of evil,” in former U.S. President George W. Bush’s belligerent rhetoric—not shirking from the open advocacy of “liberal imperialism” (in the words of Robert Cooper, British Labour Prime Minister Tony Blair’s “guru” and high-ranking diplomat, subsequently special adviser to the EU’s Foreign Affairs Chief, Xavier Solana).
This is how one of the most influential British Sunday newspapers, The Observer, introduces Cooper, the author of an aggressive and highly publicized war-mongering propaganda manifesto:
Senior British Diplomat Robert Cooper helped to shape British Prime Minister Tony Blair’s calls for a new internationalism and a new doctrine of humanitarian intervention which would place limits on state sovereignty. Cooper’s call for a new liberal imperialism and admission of the need for double standard in foreign policy have outraged the left but the essay [popularized by The Observer] offers a rare and candid unofficial insight into the thinking behind British strategy on Afghanistan, Iraq and beyond.1
In fact Cooper’s article offers a characteristic ideological rationalization not only of the pernicious “thinking behind British strategy on Afghanistan and Iraq” but also about the thinking at the roots of overwhelmingly dominant global hegemonic U.S. imperialism which recklessly plays with fire—potentially even with nuclear fire. Here are the main points of Robert Cooper’s appallingly pretentious jargon-regurgitating article which—on account of its arrogant advocacy of “the need for colonialism” and for a “sovereignty-limiting humanitarian intervention” by renewed imperialist “internationalism”—must be tellingly propagandized and promoted with reverence in the bourgeois press:
The fact that the intellectual standard of such “strategic thinking” is at the level of a charlatan’s feverish projections makes absolutely no difference to its eager propagandists. For the pernicious interests of aggressive imperialist domination must elevate all self-proclaimed “visions” of this kind (boastingly named a “real vision” by its author) to the height of universally commended “democratic” wisdom. At the same time the hostile propaganda tenets advocated in them must be declared to constitute the unchallengeable manifestation of “human rights and cosmopolitan values.” This is just like former President Bill Clinton’s grotesque but equally aggressive decree which arrogantly proclaimed that “there is only one necessary nation, the United States of America.”
Understandably, of course, the same naked imperialist spirit was embodied in then-U.S. Deputy Secretary of State Richard Armitage’s crudely voiced threat, as reported (in a live television interview broadcast in Washington in 2006) by none other than Pakistan’s head of state at the time, General Musharraf, who received the threat. According to Armitage, Pakistan would be “bombed back to the Stone Age” (no doubt through the good services of the required destructive power of nuclear weapons) unless Musharraf’s Government fully obeyed the orders of the United States in relation to the ongoing war in Afghanistan.
In the same way, another high-ranking “strategic thinker” of the U.S. administration, Thomas Barnett—the Senior Strategic Researcher at the U.S. Naval War College in Newport, Rhode Island—pontificates in his book, in the words of one insightful reviewer, that:
Moreover, the brutal implications of this “freedom-extending strategic vision” are spelled out in this openly cynical and aggressive way in an article written by the same Thomas Barnett to Esquire magazine: “What does this new approach mean for this nation and the world over the long run? Let me be very clear about this: The boys are never coming home. America is not leaving the Middle East until the Middle East joins the world. It’s that simple. No exit means, no exit strategy.”4
Naturally, it is totally irrelevant with regard to the customary cynicism and hypocrisy with which the justifications of war and of actual war crimes are served up for public consumption, which one of the two political parties forms the government in the United States at the time. The presidents and presidential candidates as a rule solemnly declare, in righteously claimed conformity to international law, that in their war enterprises there could not be any question of pressing for “regime change,” while knowing only too well that precisely regime change—in the interest of the global hegemonic imperialism of their state—is the true objective of their constantly renewed war adventures.
A blatantly obvious example in this respect was the case of Democratic presidential candidate and former vice president Al Gore who assured his electoral audience in 2002, with unctuous hypocrisy, that he supported without any reservation the planned war against Iraq because such a war would not mean “regime change” but only “disarming a regime which possessed weapons of mass destruction.” The pretended “weapons of mass destruction,” as we all know, did not exist in Iraq at all, but the cynically denied objective of “regime change” was ruthlessly asserted by the war waged on that country, causing the death of hundreds of thousands of people.
No one should be surprised, therefore, that the same utterly cynical and hypocritical policies are being forced upon international decision-making bodies in our own days by Western presidents and prime ministers just as the ones painfully witnessed in the past. The deceitfully justified war against Libya is an obvious example in this respect. The Presidents and Prime Minister of the Western “democracies” seem to presume, fully in tune with their cynically proclaimed “double standard in foreign policy,” that they can always impose on the population of their countries and on the rest of the world the now experienced degradation of international law and politics in virtue of their present-day domination of the established power relations and the corresponding organs of international decision making and public opinion.
II.
Na verdade, os inimigos do socialismo - que põem em perigo a própria sobrevivência da humanidade no nosso planeta, com suas aventuras guerreiras imprudentes - estão tentando anular progresso histórico que foi realizado até o presente momento. Eles fazem isso para perpetuar o seu denominado "imperialismo liberal" e a dominação total sobre os países militarmente menos poderosos, pela ameaça de "desencadeamento da morte e destruição". E eles estão empenhados em perseguir esses objetivos, não já sob a forma dos anteriormente invocados "ataques preventivos" (“preventive strikes”), mas pelo meio, totalmente arbitrário, dos agora abertamente defendidos "ataques antecipativos" (“pre-emptive strikes”), destinados a ser desferidos contra quem quer que lhes dê no alvedrio atacar, em nome de "direitos humanos e dos valores cosmopolitas" e da pretensa "expansão da democracia e da liberdade" a instalar por intermédio destas suas "intervenções humanitárias".
Esta é uma flagrante tentativa de reverter o curso do desenvolvimento histórico, no século passado, que demonstrou o carácter contraditório e a destrutiva insustentabilidade da expansão do capital monopolista imperialista em nosso planeta - esgotado até aos seus limites – que compromete mesmo as condições mais elementares da nossa sobrevivência ecológica, com a utilização criminalmente esbanjadora dos recursos materiais e humanos e com a destruição errática da própria natureza. Além disso, enquanto em fases anteriores do desenvolvimento capitalista, a ordem reprodutiva estabelecida podia reconstituir sua normalidade operacional por meio das crises conjunturais e da liquidação periódica, a elas associada, de capitais não rentáveis, nas últimas quatro a cinco décadas do seu desenvolvimento, o sistema do capital, agora incorrigivelmente esbanjador, afundou-se numa cada vez mais profunda crise estrutural.
Assim, o aumento da destrutividade que testemunhamos, em todos os lados, não é de forma alguma uma coincidência histórica passageira, nem é uma aberração corrigível da responsabilidade de alguns formuladores de políticas equivocados e seus "conselheiros visionários". Pelo contrário, ela é o corolário fatídico do nosso tempo, decorrente inevitável da profunda crise estrutural da nossa ordem social reprodutiva historicamente insustentável.
É por isso que as personificações económicas e políticas do sistema do capital têm de recorrer à imposição de uma cada vez maior devastação, tanto no domínio da vida material - na economia destrutivamente produtiva e no mundo aventureiro/fraudulento da finança, bem como através da exploração até ao ponto de não retorno dos recursos naturais vitais do planeta e do irresponsável extermínio de incontáveis espécies vivas necessárias à manutenção do equilíbrio ecológico na natureza - como no campo militar, catastroficamente esbanjador. Fazem tudo isso na vã esperança de resolver (ou, pelo menos, manter indefinidamente sob controlo) a crise estrutural do sistema estabelecido.
No entanto, a verdade sóbria na questão é que a única maneira viável de resolver com sucesso, de uma forma durável, a crise estrutural prolongada da nossa perigosa ordem produtiva é a instituição e o funcionamento, historicamente sustentável, de uma ordem social reprodutiva radicalmente diferente. Pela primeira vez, um sistema produtivo universalmente abrangente atinge os limites estruturalmente determinados da sua viabilidade histórica. Isso é claramente demonstrado pelo seu desperdício e destrutividade acrescidos, em todos os planos de intercâmbio societal. Conforme evidenciado pelo "capital globalizado" no nosso tempo, não pode haver outra maneira de superar as determinações estruturais potencialmente destrutivas do planeta de um tal sistema, que não seja a adoção de uma estrutura fundamentalmente diferente de reprodução social metabólica. É que a crise estrutural aprofundada de uma ordem reprodutiva societal abrangente exige, inevitavelmente, a instituição de uma mudança estrutural adequada.
Durante a longa fase ascendente do desenvolvimento histórico do capital, o necessário processo de expansão e acumulação do capital podia ser exercido quase sem perturbações. Este estado de coisas começou a mudar significativamente com o início da fase descendente do desenvolvimento na Europa, um par de décadas antes de meados do século XIX. Nessa altura, o antagonista do capital pela hegemonia, o trabalho, apareceu no palco da história, com as suas próprias exigências como sujeito ativo de uma ordem alternativa qualitativamente diferente de reprodução social metabólica, começando a fazer valer os seus créditos sob a forma de ação organizada.
A formação inicial e organização desse movimento coincidiu com a erupção de uma grande crise económica e social e com os levantes revolucionários que se seguiram, na década de 1840, em diferentes partes da Europa. Este processo foi necessariamente associado a uma vital articulação internacional das exigências do trabalho para o estabelecimento de uma ordem de reprodução social hegemónica alternativa, desse momento em diante. Tal foi claramente enunciado no Manifesto do Partido Comunista, escrito por Karl Marx e Friedrich Engels a pedido de seus companheiros da Liga Comunista fundada em 1847. É que a ordem de reprodução do capital estruturalmente estabelecida, tendendo irresistivelmente para uma extensão e integração global, só poderia ser superada com êxito através da alternativa, igualmente hegemónica a nível global, da "nova forma histórica" baseada no trabalho. Os jovens Marx e Engels caracterizaram assim as cada vez mais graves crises da sua época, no Manifesto do Partido Comunista:
No entanto, a Liga Comunista, para quem este manifesto visionário foi escrito, não poderia sobreviver por muito tempo. Devido à violenta perseguição a que foi sujeita e à prisão de seus adeptos deficientemente organizados na Alemanha, teve de ser dissolvida pelos seus membros remanescentes em 1852, cinco anos após a sua fundação. Compreensivelmente, portanto, tornou-se óbvio que só uma poderosa organização internacional da classe trabalhadora poderia fazer face à investida da ordem dominante, que era de se esperar também no futuro. Assim, a necessidade de um tal movimento internacional, dotado de uma organização sustentável e da correspondente orientação estratégica combativa, apareceu na agenda histórica no início dos anos 1850, tendo permanecido desde esse tempo o desafio inevitável para sucessivas gerações de antagonistas da hegemonia do capital.
III.
Naturalmente, as "crises mais omnilaterais e mais poderosas" previstas no Manifesto do Partido Comunista continuaram a afirmar-se nas partes mais desenvolvidas da Europa capitalista, incluindo a França e a Inglaterra. Assim, houve uma grande tentação para generalizar sobre as hipóteses de uma transformação revolucionária a partir dessa base. De fato, algumas declarações do próprio Marx, no meio da crise financeira que se desenrolou na segunda metade da década de 1850, apontavam nessa direção.
No entanto, como uma reavaliação autocrítica das perspectivas de desenvolvimento histórico a mais longo prazo, podemos ler estas palavras numa das mais seminalmente importantes cartas de Marx a Engels:
Neste espírito maduramente crítico, duas questões fundamentais tiveram que ser claramente definidas em relação à orientação estratégica do movimento emancipatório da classe trabalhadora: um movimento que, à luz da experiência histórica dolorosa do seu passado recente (sofrida com a derrota do Liga Comunista), teve de ser reconstituído com a mais ampla base possível, compatível com o seu carácter combativo, vitalmente necessário.
A primeira questão a este respeito foi o intransigente objetivo global do próprio movimento socialista organizado, visando a superação radical do sistema reprodutivo do capital na sua integralidade, em aberto contraste com a tendência sindicalista espontânea de se preocupar apenas com as melhorias salariais – tendência aliás completamente legítima, face a maximalismos sectários, mas longe de ser exclusiva. Este ponto foi sublinhado com ênfase, em um importante discurso proferido por Marx em 1865, diante de um público operário da recentemente criada "Associação Internacional dos Trabalhadores", nestes termos:
Neste sentido, o primeiro e global objetivo estratégico do movimento de massas organizado tinha que ser a instituição de uma mudança estrutural radical no modo estabelecido de reprodução social como um todo. Isto teve de ser alcançado não simplesmente através da melhoria mais ou menos temporária e potencialmente divisória nas condições materiais e culturais de existência dos membros da classe trabalhadora, em alguns países ou regiões particulares. Essa abordagem só poderá conduzir a uma luta contra os efeitos da ofensiva do capital sobre o padrão de vida dos trabalhadores, deixando as suas essenciais fundações causais intocadas no seu lugar.
O segundo princípio estratégico fundamental era igualmente importante, dizendo respeito à necessidade de uma orientação completamente internacional e à solidariedade dentro do próprio quadro organizacional. É que o sucesso duradouro dos objetivos emancipatórios prosseguidos - definidos como a "abolição última do sistema de salários" contra o poder global do capital - dependia realmente da capacidade do trabalho opor a sua própria ação internacional militante, conscientemente coordenada, ao poder do seu adversário de classe, em todos os lugares. Caso contrário, os êxitos parciais obtidos em algumas áreas limitadas poderiam ser, mais cedo ou mais tarde, revertidos e até mesmo anulados pelo poder do capital internacional, tendente à sua extensão e integração globais.
A Associação Internacional dos Trabalhadores, que se tornou conhecida na história da classe trabalhadora como a Primeira Internacional, foi fundada em 1864 no espírito destes objetivos estratégicos fundamentais, estreitamente interligados. Esta organização manteve-se em existência com sucesso - em comparação com a relativa curta duração e muito menor influência da Liga Comunista - por uma década inteira. No entanto, a contínua ascendência histórica do capital no "terreno muito maior" referido por Marx, em sua carta a Engels anteriormente citada, também militou contra esta muito mais ampla organização internacional dos trabalhadores. Na verdade, como prenunciado pelo aviso de Marx, a revolução da Comuna de Paris em 1871 foi "esmagada no pequeno canto europeu do mundo", reprimida com sangue pelas brutais forças de classe da ordem dominante, que tornou, assim, absolutamente claro que todas as tentativas de transformação revolucionária da sociedade devem esperar a mesma resposta selvática que os partidários da Comuna tiveram de sofrer em França.
Esta dimensão da relação de forças internacional entre a ascendência mundial do capital, continuamente favorecida pelo imperialismo, e uma organização do trabalho em grande desvantagem, foi uma das razões principais por que a absolutamente necessária orientação estratégica internacional do movimento operário teve que sofrer uma grande derrota histórica, com o fim da Primeira Internacional. Essa orientação dos acontecimentos contrária ao avanço do movimento internacional da classe operária era ainda mais problemática, diante do fato de que, em termos históricos mais gerais, o sistema do capital, em meados do século XIX, já havia entrado na fase descendente do seu desenvolvimento como um sistema produtivo.
Em sua fase ascendente, o sistema do capital estava afirmando com sucesso suas realizações produtivas com base no seu dinamismo interno expansionista, ainda sem o imperativo monopolístico-imperialista de assegurar uma dominação militar do mundo pelos países capitalistas mais avançados. No entanto, com a circunstância historicamente irreversível da entrada na fase produtiva descendente, o sistema do capital tornou-se inseparável de uma necessidade cada vez mais intensa de expansão militarista-monopolista e sobrecarga do seu quadro estrutural, tendendo, em devido tempo, no plano produtivo interno, para a criação e funcionamento criminosamente esbanjador de uma "indústria armamentista permanente", juntamente com as guerras que lhe estão necessariamente associadas.
Na verdade, bem antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial, Rosa Luxemburgo identificara claramente a natureza deste fatídico desenvolvimento monopolístico-imperialista, no plano destrutivamente produtivo, escrevendo em seu livro sobre A Acumulação do Capital, a respeito do papel da enorme produção militarista, que: "O próprio capital, em última análise, controla este movimento automático e rítmico de produção militarista, por intermédio da legislatura e de uma imprensa cuja função é moldar a chamada «opinião pública». É por isso que esta província particular da acumulação capitalista parece, à primeira vista, capaz de uma expansão infinita" (4).
Por outro lado, a utilização cada vez mais esbanjadora da energia e de recursos materiais estratégicos vitais, transporta consigo, não só uma cada vez mais destrutiva articulação das determinações estruturais autoafirmativas do capital no plano militar – nunca propriamente questionado, e muito menos regulado, por uma legislatura manipulada -, mas também uma invasão cada vez mais destrutiva do capital em expansão sobre a natureza. Ironicamente, mas sem qualquer surpresa, este desenvolvimento histórico regressivo do sistema do capital, enquanto tal, também trouxe consigo algumas consequências amargamente negativas para a organização internacional do trabalho.
Na verdade, esta nova articulação do sistema do capital, no último terço do século XIX, com sua fase monopolista-imperialista inseparável de sua totalmente afirmada ascendência global, abriu uma nova modalidade (mais antagonística e, em última análise, insustentável) de dinamismo expansionista para o benefício exclusivo de um mero punhado de países imperialistas privilegiados, adiando, deste modo, o "momento da verdade" que nos trará inevitavelmente a crise estrutural do sistema em nosso próprio tempo. Este tipo de desenvolvimento monopolista-imperialista deu inevitavelmente um grande impulso à possibilidade de expansão e acumulação de capital militarista, não importa quão grande fosse o preço a pagar, no momento oportuno, em mais intensa destruição trazida pela nova dinâmica expansionista. Com efeito, o dinamismo monopolista de suporte militar teve que assumir a forma de duas devastadoras guerras globais - bem como, na segunda metade do século XX, a ameaça de aniquilação total da humanidade implícita em uma potencial Terceira Guerra Mundial, juntamente com o perigoso curso de destruição da natureza que se tornou evidente e inegável, mesmo para os mais encarniçados apologistas.
Mas voltando ao desenvolvimento do trabalho, na época da Primeira Internacional, o segundo principal fator histórico que trazia consigo uma grande desvantagem para a inicialmente prevista constituição de um antagonista histórico ao capital, na forma de um movimento de massas internacional - com as suas tentações e ilusões suportadas pela existência de uma essencial solidariedade combativa socialista entre as componentes nacionais do movimento -, foi o surgimento, em alguns dos mais bem sucedidos países monopolistas imperialistas, dos partidos políticos eleitoralmente mais influentes da classe trabalhadora.
A prova documental mais dolorosa e reveladora a este respeito é a Crítica do Programa de Gotha de Marx, que antecipou profeticamente as consequências profundamente negativas decorrentes da reorientação oportunista do movimento social-democrata alemão, no momento da unificação dos esquerdistas "eisenachianos" com os pior do que acomodatícios social-democratas "lassallianos". É que os lassallianos, nas palavras suspeitosas que Marx expressou precocemente, estavam "provavelmente em entendimento secreto com Bismarck”, o "Chanceler de Ferro" imperialista da Alemanha (5). Esse "entendimento" nada sagrado foi com efeito evidenciado, meio século depois, pelas provas gravemente acusatórias que se encontram na correspondência de Lassalle com Bismarck, publicada apenas em 1928.
Como resulta desta correspondência, Lassalle enviou a Bismarck os estatutos da Associação Geral dos Trabalhadores Alemães, uma organização que ele secretamente manipulava, acrescentando-lhes estes comentários traiçoeiros:
Sem saber nada de tangível sobre este projeto secreto de Lassalle para vender a organização trabalhista social-democrata à (aspirante e atuante como imperialista, portanto, desejosa de apoio na classe trabalhadora) ditadura do seu inimigo de classe - prontamente endossada e até mesmo idealizada por Lassalle – Marx, no entanto, encarou a manobra de unificação social-democrata com a maior desconfiança. Sua devastadora Crítica do Programa de Gotha – que por razões internas do partido se manteve fechada a sete chaves pela liderança partidária unificada, durante dezasseis anos, só sendo publicada muito depois da morte de Marx, em resultado da intratável insistência de Engels – indicava, da maneira mais clara possível, o caráter fatídico do ilusório beco sem saída eleitoral em que embarcou o movimento social-democrata no final dos anos 1870. Engels também apontou, na mesma época da amarga disputa sobre o Programa de Gotha, em sua correspondência de 1875 com August Bebel, que a unificação oportunista das duas alas do futuro partido social-democrata trazia consigo implicações de longo alcance, segundo as quais "o princípio de que o movimento dos trabalhadores é um movimento internacional é, para todos os efeitos, completamente desautorizado" (7).
A clamorosa confirmação desse diagnóstico justificadamente condenatório de Marx e Engels foi tragicamente fornecida, pela própria social-democracia alemã, com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, quando o partido alinhou sem qualquer reserva com a aventura imperialista desastrosa do país. Além disso, apesar de todos os sucessivos desenvolvimentos históricos posteriores, incluindo o colapso da República social-democrata de Weimar e o catastrófico revanchismo de Hitler - apoiado eleitoralmente pela maioria da população alemã - que arrastou a Alemanha para a ainda mais destrutiva Segunda Guerra Mundial, a social-democracia nunca mais pôde desvincular-se da sua cobertura nacionalista, impondo as suas próprias algemas ao movimento operário internacional sob sua influência eleitoral continuada.
IV.
Desta forma, as primeiras tentativas que visaram o estabelecimento de uma organização internacional do trabalho combativa terminaram em grave decepção histórica.
Os problemas internos da Primeira Internacional - apesar do fato de ter estado ainda sob a liderança intelectual e política incansavelmente dedicada de Marx - se tornaram cada vez mais pronunciados nos últimos anos da década de 1860. Como resultado, em 1872 Marx foi obrigado a transferir seu centro de organização para Nova Iorque, na esperança, em breve desmentida, de preservar a sua existência e a sua firme orientação internacionalista.
No entanto, a força centrífuga desorientadora dos movimentos nacionais e a cada vez maior inclinação ao imperialismo dos Estados-nações capitalistas a que essas organizações particulares estavam ligadas, provaram no final ser demais para poderem ser resistidas. Esta tendência foi, naturalmente, gravemente afetada pela brutal repressão militar da Comuna de Paris em 1871, para a qual o chanceler Otto von Bismarck contribuiu diretamente, da maneira mais cruel. No meio da luta da Comuna pela sobrevivência, ele lançou, para lutar contra os communards, prisioneiros de guerra franceses capturados pelo seu exército, fornecendo assim uma devastadora prova, política e militar, da solidariedade de classe burguesa. E ele também não se ficou por aí. Na verdade, durante os anos de 1871-1872, o chanceler Bismarck estava trabalhando na criação de um quadro de acção internacional contra o movimento revolucionário da classe operária. Em outubro 1873, os seus esforços foram implementados com sucesso através da formação da Liga dos Três Imperadores, incluindo a Alemanha, a Rússia e a Áustria-Hungria, com o objetivo consciente unificador de tomar medidas comuns, em caso de uma "perturbação europeia" causada pela classe trabalhadora em qualquer país em particular. Esta foi a maneira como Bismarck "realizou" o plano traiçoeiro de Lassalle sobre uma "ditadura militar a ser instituída e exercida no interesse da classe trabalhadora", em conjunto com a monarquia, essa digna "representante natural da ditadura social".
Não é de surpreender, portanto, que a Primeira Internacional se tenha desintegrado, em resultado da intensificação das pressões e das contradições prevalecentes entre as suas partes constituintes, em grande medida graças ao impulso significativo recebido pelo capital no último terço do século XIX, com a abertura da sua fase de desenvolvimento monopolista-imperialista. Infelizmente, nesse sentido, a experiência da Primeira Internacional, apesar da heróica dedicação de seus partidários combativos, mostrou ser prematura, em termos históricos, nas condições em que, na maior parte do mundo, o desenvolvimento da sociedade burguesa ainda estava em ascensão. Esta circunstância ajudou a superar as grandes crises financeiras das décadas de 1850 e 1860, redefinindo a relação de forças, para um período histórico bastante longo, em favor de um capital perversamente expansionista, independentemente de quão problemática – na verdade, muito pior do que problemática, face às suas guerras globais subsequentes e à sua invasão destrutiva da natureza - essa ascendência haveria de se vir a revelar.
Naturalmente, a social-democrata Segunda Internacional, que mais tarde surgiu a partir da unificação dos eisenachianos com os lassallianos, não podia se aproximar sequer, ainda que remotamente, do previsto ideal de uma organização internacional combativa da classe trabalhadora. Além disso, ficou demonstrada a fatídica inadequação dessa organização, para a esperada afirmação de uma alternativa trabalhista à hegemonia do capital, logo no início da Primeira Guerra Mundial, com a sua capitulação total a interesses de classe imperialistas da ordem dominante.
À luz desta amarga experiência da implosão capitulacionista da Segunda Internacional, foi constituída a Terceira Internacional, sob a orientação de Lénine, após a Primeira Guerra Mundial. Por algum tempo ela prometeu uma reorientação estratégica radical do movimento socialista internacional. No entanto, não muito tempo após a morte de Lénine, a esperança depositada na Terceira Internacional também foi totalmente traída, na medida em que esta organização se transformou em instrumento dócil das políticas de Estado estalinistas Em resultado disso, aliás, teve de ser dissolvida em devido tempo. Nem poderia a Quarta Internacional remediar com sucesso esta situação. Ela provou ser incapaz de estar à altura da conceção marxista original, da constituição de um movimento de massas combativo da classe trabalhadora internacional, apesar das expectativas do seu fundador e dos seus apoiantes. A fragmentação e a divisão muitas vezes pareceram prevalecer nas organizações políticas radicais, operando fortemente contra a esperança de um crescimento da sua influência. No que diz respeito aos partidos que estiveram associados à Terceira Internacional, o deprimente fato histórico é que precisamente alguns dos maiores de entre eles, nos países capitalistas ocidentais - como os partidos comunistas italiano e francês – transformaram-se em parceiros acomodatícios integrados no sistema parlamentar, enquanto formações políticas do tipo neoliberal, e como tal pilares da ordem estabelecida.
V.
Hoje as condições são muito diferentes, não só em sentido negativo, com a intensificação dos perigos para a sobrevivência humana, tanto no plano militar como no ecológico, mas também para melhor, embora aqui em dimensões muito mais reduzidas.
É claro, a anteriormente sublinhada destrutividade do mundo de hoje, manifesta tanto nas guerras intermináveis do imperialismo hegemónico global (idealizadas por seus apologistas "visionários", com a proclamação de que "os rapazes nunca mais voltarão para casa", pois que precisamos de um "novo imperialismo dos direitos humanos e dos valores cosmopolitas", enquanto seus líderes políticos criminosos de guerra se agraciam a si próprios com o Prêmio Nobel da Paz) como através da destruição desenfreada da natureza, representam um perigo potencialmente muito mais agudo do que alguma vez foi visto antes na história da humanidade. E, claro está, ela exige uma resposta combativa, por parte de um movimento de massas historicamente sustentável. Simultaneamente, porém, o tradicional adiamento, pelo sistema capitalista, do seu "momento da verdade" - exportando os seus problemas e contradições para o terreno anteriormente disponível dessa "muito maior parte do mundo do que o cantinho europeu" - também esgotou o seu curso histórico. Não apenas no sentido em que a destrutividade, por si própria, nunca resolveu - nunca pôde ou poderá resolver - nada por sua própria conta. Acima de tudo, acontece que qualquer sistema produtivo concebível, mesmo o mais poderoso já conhecido na história da humanidade, o sistema do capital, ao seu tempo irresistível, tem seus limites estruturais historicamente inultrapassáveis.
O "pequeno canto do mundo" de que Marx falava em 1858 não é mais um pequeno canto. Sob as condições existentes, os graves problemas de crescente saturação e autoexcedência destrutiva do sistema do capital continuam a lançar a mais escura sombra, por todos os lugares do mundo. É que a ascensão histórica do capital está agora totalmente consumada também nesse "terreno muito maior", cuja desconcertante existência Marx teve de reconhecer, em sua carta de 1858 a Engels.
Além disso, sob as novas circunstâncias históricas, também as crises econômicas se desenrolam de uma maneira muito diferente. No tempo da ascendência global do capital, as crises irrompiam com regularidade cíclica, sob a forma de "grandes tempestades" (nas palavras de Marx), seguidas por relativamente longas fases expansionistas cíclicas. Em marcado contraste, o novo padrão radicalmente diverso de hoje, com o fim da era de ascendência histórica da capital, é a frequência crescente das fases recessivas, tendendo para um continuum depressivo. E dado o caráter globalmente interligado do autoafirmativo sistema do capital, somente por meio de uma ação combativa organizacionalmente sustentada podem as forças destrutivas do capital, como ordem reprodutiva cada vez mais esbanjadora, ser derrotadas. O que contrasta visivelmente a atitude defensiva que tem sido característica do movimento socialista no passado.
Neste contexto, a constituição e intervenção bem sucedida da Nova Internacional não é apenas uma necessidade dolorosamente óbvia, mas também muito urgente, nos dias de hoje. Na verdade, a perspetiva positiva em relação a esta tarefa, é que, pela primeira vez na história, o movimento internacional combativo da classe trabalhadora – a única alternativa hegemónica viável ao capital – pode se realizar. É que alguns dos principais fatores sócio-políticos que, no passado, contribuíram de forma significativa para a força posicional da capital, forçando o trabalho a uma postura defensiva, foram bloqueados, em nosso tempo, barrando assim ao capital, na crise atual, a saída que anteriormente sempre lhe foi possível.
É importante lembrar aqui que as atrás mencionadas "investidas do capital", sublinhadas por Marx no seu discurso ao Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores, dizem respeito à questão do padrão de vida dos trabalhadores, com a sua competitividade dupla afetando diretamente o trabalho. No primeiro sentido, essa competitividade significou o confronto de trabalho com o capital para a distribuição do produto social, tendo o capital a vantagem óbvia de ser o controlador dos meios e condições de produção. Ao mesmo tempo, num segundo sentido, os trabalhadores individuais, bem como as várias seções do trabalho, tinham de ser envolvidos em uma luta competitiva entre si próprios, para tentar proteger suas condições econômicas de existência, resultando daí novamente prejuízo para a classe trabalhadora, através das divisões internas e correspondente orientação setorial, tendendo assim a perderem-se de vista os seus interesses estratégicos globais. É por isso que Marx distingue a ação tradicionalmente exercida contra as investidas do capital na distribuição do produto social, dentro do capitalismo - um tipo de ação necessariamente confinado, pelo trabalho competitivamente dividido, a um questionamento defensivo apenas dos efeitos do sistema, mas não das suas fundações causais estruturalmente determinadas - da necessidade da adoção, pelo trabalho, de uma estratégia para "usar as suas forças organizadas como uma alavanca para a emancipação final da classe operária, isto é, para a abolição última do sistema de salários".
Como todos sabemos, nenhuma das quatro internacionais do movimento operário pôde realizar a estratégia marxista de superação, mediante uma ofensiva sustentada, do quadro causal do sistema sob as circunstâncias históricas prevalecentes. Na melhor das hipóteses, a ala radical do movimento pode ter incluído alguns dos objetivos relevantes em seus manifestos, mas não pôde realizar tais objetivos, sob o domínio estrutural do sistema do capital, historicamente favorecido, no decurso da sua fase ascendente. Além disso, a ala reformista do movimento internacional da classe trabalhadora, sempre manteve as suas reivindicações dirigidas contra os efeitos das investidas do capital sobre padrão de vida e poder negocial dos trabalhadores, bem dentro de limites admissíveis pelo sistema. Deste modo acabou por ajudar o capital na saída de todas as suas crises cíclicas, em vez de fazer uma qualquer tentativa de realização do "socialismo evolutivo", conforme fora prometido com falsa ingenuidade por Edward Bernstein e suas almas gémeas na social-democracia e no trabalhismo tradicional (para não falar do “novo”). Ninguém deve esquecer que, no final, mesmo as propostas de “reforma” mais moderadas possíveis, para a realização do "socialismo evolutivo", foram completamente abandonadas.
A este respeito, a mudança histórica ocorrida no nosso tempo foi o bloqueamento do caminho para a adoção contínua da ficção reformista que prometia a realização de uma ordem socialista estruturalmente diferente por intermédio de algumas mudanças econômicas de pormenor. Em completo contraste com isto, o capital, no passado, podia induzir o movimento trabalhista reformista a interiorizar e promover ativamente a promessa totalmente irrealizável de um "socialismo evolutivo" - e seu irmão gêmeo, a chamada "via parlamentar italiana e francesa para o socialismo" - e, assim, podia mistificar e desarmar com sucesso o seu potencial adversário na classe trabalhadora. Tendo em conta esta correlação mistificadora entre a promessa ficcional reformista e a realidade brutalmente dececionante do "socialismo evolutivo" e da "via parlamentar para o socialismo", não é de todo surpreendente que os mais bem sucedidos membros ocidentais da Terceira Internacional – os partidos comunistas italiano e francês – tenham terminado o seu curso da maneira que o fizeram, aprisionando-se a si próprios numa posição regressiva indistinguível do neoliberalismo. Inevitavelmente, portanto, a dolorosa experiência regressiva "reformista" do movimento operário reabriu a questão de saber qual o curso de ação a seguir no futuro, de forma a se opor de forma estrategicamente sustentável ao agravamento das condições de vida dos trabalhadores, mesmo nos países capitalistas mais avançados, não importando quanto tempo pode ainda demorar a correção desse passado derrotista. Pois, no nosso tempo, mesmo a realização das reivindicações e objetivos mais limitados, levantados pelos representantes da classe trabalhadora, requer engajamento em formas radicais, organizacionalmente eficazes, de ação combativa, dirigidas contra o controle estrutural, pelo regime de capital, do núcleo central do próprio sistema de salários.
A segunda avenida bloqueada para o capital, agora na crise estrutural em aprofundamento, é potencialmente ainda mais grave. Trata-se da remoção da solução tradicionalmente viável de resolver os problemas crescentes do sistema do capital através de uma guerra total, como foi feito por duas vezes no decurso do século XX, com as guerras mundiais. Nada pode desbloquear esta avenida fatídica, nem mesmo o aventureirismo mais irracional defendido por apologistas do capital "visionários" do belicismo. É que a questão subjacente é uma contradição insolúvel, dentro do quadro reprodutivo do sistema do capital enquanto tal.
Esta é uma contradição manifesta, por um lado, através da implacável concentração e centralização do capital em curso a uma escala global, e, por outro, através da incapacidade estruturalmente imposta de o sistema vigente produzir a estabilização política necessária em uma escala global correspondente. Mesmo as intervenções militares mais agressivas do imperialismo mundialmente hegemônico - no presente, o dos Estados Unidos da América - estão condenadas ao fracasso em diferentes partes do planeta. O poder destruidor das guerras limitadas, ainda que recorrentes, está muito longe de ser suficiente para impor, em toda parte, de forma duradoura, o domínio incontestável de um único hegemon imperialista e do seu "governo global" - a única coisa que poderia convir à lógica do capital hoje em dia. Só a alternativa hegemónica socialista pode mostrar um caminho para sair desta contradição destrutiva. Ou seja, uma alternativa histórica organizacionalmente viável que respeite plenamente a complementaridade dialética do nacional e do internacional, em nosso próprio tempo histórico.
Assim, a questão da ofensiva autoafirmativa do capital foi radicalmente alterada, nas circunstâncias actuais, em seus termos objetivos de referência. Por agora, devido à consumação irreversível da fase histórica ascendente do sistema do capital, sem mais terrenos remanescentes para invadir e dominar, em nosso planeta limitado, o imperativo autoexpansionista do sistema do capital ameaça diretamente de destruição o substrato natural da própria existência humana, numa vã tentativa de compensar a perda de novos domínios conquistáveis. Assim, as apostas históricos a ser decididas entre capital e trabalho tornaram-se agora - e assim permanecerão também no futuro - tudo ou nada, removendo assim por completo a já limitada racionalidade da postura defensiva do trabalho, até aqui muitas vezes inevitável. É que salvar da destruição as condições elementares da existência da humanidade não pode ser entendido como uma concessão a ser extraída do capital, cada vez mais destrutivo no seu controle do processo social metabólico. Esperar isso equivaleria à maior irracionalidade e à máxima contradição em termos.
VI.
A postura defensiva do passado tem de ser remetida para onde ela pertence: isto é, irremediavelmente para o passado, de forma a que seja substituída pela sua alternativa historicamente sustentável. É que a negação efetiva do sistema mundial do capital só é concebível por meio de uma intervenção organizada estrategicamente viável e consciente, numa adequada configuração global. Isso só é possível através da constituição e funcionamento combativo de um tipo de estrutura organizativa internacional, que seja adequado para superar – por meio dos seus princípios de prática operacional historicamente viáveis e uma coerência cooperativa sem falhas – a defensividade crónica e as divisões internas paralisantes típicas do movimento operário no passado. Não será a "Quinta" ou a "Sexta Internacional" - ao definir-se dessa forma inevitavelmente reabriria velhas feridas e controvérsias recriminatórias desnecessárias - mas A Nova Internacional, empenhada na negação revolucionária da presente ordem destrutiva do capital e na constituição de um modo radicalmente diferente de intercâmbio social metabólico entre os seus membros. Por outras palavras, A Nova Internacional, por meio deste seu nome, indicaria que não só a defensividade, mas também as infelizes recriminações divisórias do passado, têm de ser remetidas para o passado.
Por conseguinte, a Nova Internacional enfrentaria, com determinação positiva consciente, os agora inevitáveis desafios históricos que estabelecem como base organizativa necessária a igualdade substantiva das suas partes constitutivas - sejam elas organizações políticas estrategicamente articuladas ou movimentos sociais não comprometidos. Isto significaria constituir, em um terreno muito mais seguro do que foi possível no passado, o modo de ação historicamente sustentável, através do qual a vital transformação socialista das nossas sociedades seria realizada no futuro.
Sem a adopção de uma perspectiva internacional socialista viável, o movimento operário, como alternativa hegemônica do capital, não poderá adquirir a sua tão necessária força. A este respeito, deve ser empreendida uma reconsideração da história das passadas internacionais que seja positivamente virada para o futuro. Compreensivelmente, é claro, a submissa Segunda Internacional perdeu totalmente a sua relevância e não nos deve preocupar mais. No entanto, ainda hoje, a avaliação adequada dos esforços internacionais radicais historicamente sustentáveis continua a ser para nós uma questão importante, precisamente em relação com o futuro. Não podemos ignorar, a este respeito, o pesado fardo de fraturas internas sobre a ala radical do movimento socialista, como essas fraturas surgiram no decorrer do século passado e continuam dolorosamente a exercer a sua influência divisória até hoje. Ninguém deve negar que, em devido tempo, todas essas fraturas devem ser superadas no interesse da alternativa hegemónica global à ordem existente constituída pelo trabalho socialista, mesmo que isso possa levar ainda algum tempo a conseguir. O que é absolutamente certo, porém, é que a tarefa de superar essas fraturas só pode ser realizada em uma estrutura organizativa internacional partilhada de forma positiva.
Em termos das necessárias prioridades estratégicas a ser alcançadas, uma articulação organizacional coesa e viável e o reforço do quadro positivamente orientado de acção internacional socialista ocupam hoje os lugares mais proeminentes. O sucesso é inconcebível sem o confronto desafiante e combativo com a crescente agressividade do capital, por parte da classe trabalhadora organizada, em lugar das fraquezas defensivas do passado. Pois que sob as condições de aprofundamento da crise estrutural do sistema do capital, já se pode presenciar a intensificação da agressividade autoritária do capital contra o trabalho, que só pode vir a piorar no futuro. A fragmentação e a divisão sempre tenderam a impor ao trabalho a postura defensiva e o seu corolário, a dominação do trabalho pelo seu adversário de classe. Isso estava longe de ser acidental. Afinal, as classes dominantes do império romano já tinham inventado e praticado com sucesso, muito tempo antes do surgimento do capitalismo, a sabedoria do divide et impera: divide para dominar.
No que respeita ao quadro internacional coesivo de acção, a adopção de princípios orientadores organizacionalmente viáveis é de uma grande importância. Pois que, no passado, o pressuposto da necessidade programática de uma unidade doutrinal, nas internacionais radicais, provou ser, em muitos aspectos, prejudicial para o seu desejado avanço. Carregou geralmente consigo os inconvenientes da constante divisão e da fragmentação recorrente, em lugar da força coesiva.
Reter esta exigência de unidade doutrinária, como o princípio de orientação pré-definido do quadro organizacional, seria igualmente prejudicial para o desenvolvimento da Nova Internacional. É que as circunstâncias históricas e sociais são necessariamente diferentes, em um ambiente globalmente variado, exigindo a adopção de significativamente diferentes determinações organizativas, de acordo com as condições sociais e políticas específicas e com as correspondentes alavancas estratégicas.
Naturalmente, é um requisito autoevidente que todos aqueles que organizacionalmente pertençam à Nova Internacional se definem pela sua identificação com o amplo princípio geral e o objetivo emancipatório fundamental de uma transformação socialista da sociedade. No entanto, abraçar o amplo princípio geral e o objectivo estratégico da transformação socialista da ordem social do capital, não significa qualquer prescrição doutrinária quanto aos modos particulares de instituir as medidas práticas e os modos de ação que levem à realização desse objectivo global adoptado. A nova abordagem aqui prevista, nesse sentido, está em nítido contraste com os termos em que as exigências anteriormente colocadas de unidade doutrinária foram como regra explicitadas, em detrimento do sucesso esperado. Em contraste com isso, seria muito mais viável no futuro permitir que a avaliação dos méritos relativos dos diferentes modos e meios seja decidida em sentido positivo pela efetiva realização (ou não) das tarefas adoptadas pelas partes componentes e unidades organizacionais particulares, na sua prática social e política combativamente prosseguida, de acordo com circunstâncias sociais e históricas inevitavelmente diferentes. Este modo de operação seria, em seus resultados, cooperativamente cumulativo e coesionador, em lugar de fragmentador. É esse o caminho a seguir nas condições desafiadoras do nosso tempo. A criação e o funcionamento combativo da Nova Internacional seria o quadro organizacional mais adequado para responder a um tal desafio.
Notas:
(1) Karl Marx e Friedrich Engels, Manifesto of the Communist Party, in Selected Works, vol. 1 (London: Lawrence and Wishart, 1958), pp. 37-40. [NOTA DO EDITOR] Para esta edição em língua portuguesa, utilizamos a tradução das passagens correspondentes feita sob a direção de José Barata-Moura em Manifesto do Partido Comunista, Edições Avante!, Lisboa, 1997 (2ª edição). Foram igualmente sublinhadas a itálico as passagens escolhidas para esse efeito pelo autor István Mészáros (IM).
(2) Marx para Engels, a 8 de outubro de 1858, in Marx e Engels, Selected Correspondence (Moscow: Progress Publisher, 1975), pp. 103–4. Sublinhados do autor IM.
(3) Marx, Value, Price and Profit, comunicação endereçada ao Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores (a “Primeira Internacional”) em Junho de 1865, citada em Marx e Engels, Selected Works, vol. 1, p. 447. . [NOTA DO EDITOR] Para esta edição em língua portuguesa, utilizamos a tradução da passagem correspondente (na verdade, o ultimo parágrafo) de Salário, Preço e Lucro, Marx e Engels, Obras Escolhidas em Três Tomos, Edições Avante!, Lisboa, Edições Progresso, Moscovo, 1983, Tomo II, p. 78. Foram igualmente sublinhadas a itálico as passagens escolhidas para esse efeito pelo autor IM.
(4) Rosa Luxemburg, The Accumulation of Capital (London: Routledge, 1963), p. 466.
(5) Marx para Engels, 18 de fevereiro de 1865, in Marx and Engels, Selected Correspondence, pp. 153–155.
(6) Ferdinand Lassalle, “Carta para Bismarck” de 8 de Junho de 1863. Na sua versão original em língua alemã pode lida no Marxists Internet Archive. Sublinhados de István Mészáros.
(7) Engels, “Carta para August Bebel”, 18-28 de março de 1875, in Marx and Engels, Selected Correspondence, pp. 272–77.
Tradução / A necessidade da criação e atuação bem sucedida de uma Nova Internacional é dolorosamente óbvia e urgente, nos dias de hoje. Os inimigos de uma ordem social de reprodutividade historicamente sustentável, que ocupam ainda, no momento presente, a posição dominante em nosso mundo cada vez mais ameaçado, não hesitam por um momento em explorar, no interesse do seu projeto destrutivo, com o máximo de cinismo e hipocrisia, os órgãos existentes de tomada de decisão e de formação de opinião, na comunidade internacional, do Conselho de Segurança das Nações Unidas à grande multiplicidade de órgãos da imprensa nacional e internacional e outros meios de comunicação sob seu domínio material direto. Isto tem sido repetidamente sublinhado pelo modo como são "justificadas" as suas guerras ilegais no Médio Oriente e em outros lugares, com uma vasta rede de organismos internacionais e recursos organizacionais à sua disposição. Ao mesmo tempo, os adeptos da muito necessária alternativa socialista estão fragmentados e divididos entre si, em vez de conjugarem internacionalmente a sua força com vista a uma confrontação vitoriosa com os seus adversários.
In reality the enemies of socialism are attempting to recolonize the world in the name of their preposterous inhuman ideology which targets even with the most violent means the countries of the so-called “axis of evil,” in former U.S. President George W. Bush’s belligerent rhetoric—not shirking from the open advocacy of “liberal imperialism” (in the words of Robert Cooper, British Labour Prime Minister Tony Blair’s “guru” and high-ranking diplomat, subsequently special adviser to the EU’s Foreign Affairs Chief, Xavier Solana).
This is how one of the most influential British Sunday newspapers, The Observer, introduces Cooper, the author of an aggressive and highly publicized war-mongering propaganda manifesto:
Senior British Diplomat Robert Cooper helped to shape British Prime Minister Tony Blair’s calls for a new internationalism and a new doctrine of humanitarian intervention which would place limits on state sovereignty. Cooper’s call for a new liberal imperialism and admission of the need for double standard in foreign policy have outraged the left but the essay [popularized by The Observer] offers a rare and candid unofficial insight into the thinking behind British strategy on Afghanistan, Iraq and beyond.1
In fact Cooper’s article offers a characteristic ideological rationalization not only of the pernicious “thinking behind British strategy on Afghanistan and Iraq” but also about the thinking at the roots of overwhelmingly dominant global hegemonic U.S. imperialism which recklessly plays with fire—potentially even with nuclear fire. Here are the main points of Robert Cooper’s appallingly pretentious jargon-regurgitating article which—on account of its arrogant advocacy of “the need for colonialism” and for a “sovereignty-limiting humanitarian intervention” by renewed imperialist “internationalism”—must be tellingly propagandized and promoted with reverence in the bourgeois press:
While the members of the postmodern world may not represent a danger to one another, both the modern and the pre-modern zones pose threats. The challenge to the postmodern world is to get used to the idea of double standards. Among ourselves, we operate on the basis of laws and open cooperative security. But when dealing with more old-fashioned kinds of states outside the postmodern continent of Europe, we need to revert to the rougher methods of an earlier era—force, pre-emptive attack, deception, whatever is necessary to deal with those who still live in the nineteenth-century world of every state for itself. Among ourselves, we keep the law but when we operate in the jungle, we must also use the laws of the jungle. The challenge posed by the pre-modern world is a new one. The pre-modern world is a world of failed states.… It is precisely because of the death of imperialism that we are seeing the emergence of the pre-modern world. Empire and imperialism are words that have become a form of abuse in the postmodern world. Today, there are no colonial powers willing to take on the job, though the opportunities, perhaps even the need for colonization, is as great as it ever was in the nineteenth century. All the conditions for imperialism are there, but both the supply and demand for imperialism have dried up. And yet the weak still need the strong and the strong still need an orderly world. A world in which the efficient and well governed export stability and liberty, and which is open for investment and growth—all of this seems eminently desirable. What is needed then is a new kind of imperialism, one acceptable to a world of human rights and cosmopolitan values.2
The fact that the intellectual standard of such “strategic thinking” is at the level of a charlatan’s feverish projections makes absolutely no difference to its eager propagandists. For the pernicious interests of aggressive imperialist domination must elevate all self-proclaimed “visions” of this kind (boastingly named a “real vision” by its author) to the height of universally commended “democratic” wisdom. At the same time the hostile propaganda tenets advocated in them must be declared to constitute the unchallengeable manifestation of “human rights and cosmopolitan values.” This is just like former President Bill Clinton’s grotesque but equally aggressive decree which arrogantly proclaimed that “there is only one necessary nation, the United States of America.”
Understandably, of course, the same naked imperialist spirit was embodied in then-U.S. Deputy Secretary of State Richard Armitage’s crudely voiced threat, as reported (in a live television interview broadcast in Washington in 2006) by none other than Pakistan’s head of state at the time, General Musharraf, who received the threat. According to Armitage, Pakistan would be “bombed back to the Stone Age” (no doubt through the good services of the required destructive power of nuclear weapons) unless Musharraf’s Government fully obeyed the orders of the United States in relation to the ongoing war in Afghanistan.
In the same way, another high-ranking “strategic thinker” of the U.S. administration, Thomas Barnett—the Senior Strategic Researcher at the U.S. Naval War College in Newport, Rhode Island—pontificates in his book, in the words of one insightful reviewer, that:
Strategic vision in the United States needs to focus on “growing the number of states that recognize a stable set of rules regarding war and peace.” … The United States, he thinks, has a responsibility to use its tremendous power to make globalization truly global. Otherwise portions of humanity will be condemned to an outsider status that will eventually define them as enemies. And once the United States has named these enemies, it will invariably wage war on them, unleashing death and destruction…. This is not forced assimilation, Barnett claims, nor the extension of empire; instead it is the expansion of freedom.3
Moreover, the brutal implications of this “freedom-extending strategic vision” are spelled out in this openly cynical and aggressive way in an article written by the same Thomas Barnett to Esquire magazine: “What does this new approach mean for this nation and the world over the long run? Let me be very clear about this: The boys are never coming home. America is not leaving the Middle East until the Middle East joins the world. It’s that simple. No exit means, no exit strategy.”4
Naturally, it is totally irrelevant with regard to the customary cynicism and hypocrisy with which the justifications of war and of actual war crimes are served up for public consumption, which one of the two political parties forms the government in the United States at the time. The presidents and presidential candidates as a rule solemnly declare, in righteously claimed conformity to international law, that in their war enterprises there could not be any question of pressing for “regime change,” while knowing only too well that precisely regime change—in the interest of the global hegemonic imperialism of their state—is the true objective of their constantly renewed war adventures.
A blatantly obvious example in this respect was the case of Democratic presidential candidate and former vice president Al Gore who assured his electoral audience in 2002, with unctuous hypocrisy, that he supported without any reservation the planned war against Iraq because such a war would not mean “regime change” but only “disarming a regime which possessed weapons of mass destruction.” The pretended “weapons of mass destruction,” as we all know, did not exist in Iraq at all, but the cynically denied objective of “regime change” was ruthlessly asserted by the war waged on that country, causing the death of hundreds of thousands of people.
No one should be surprised, therefore, that the same utterly cynical and hypocritical policies are being forced upon international decision-making bodies in our own days by Western presidents and prime ministers just as the ones painfully witnessed in the past. The deceitfully justified war against Libya is an obvious example in this respect. The Presidents and Prime Minister of the Western “democracies” seem to presume, fully in tune with their cynically proclaimed “double standard in foreign policy,” that they can always impose on the population of their countries and on the rest of the world the now experienced degradation of international law and politics in virtue of their present-day domination of the established power relations and the corresponding organs of international decision making and public opinion.
II.
Na verdade, os inimigos do socialismo - que põem em perigo a própria sobrevivência da humanidade no nosso planeta, com suas aventuras guerreiras imprudentes - estão tentando anular progresso histórico que foi realizado até o presente momento. Eles fazem isso para perpetuar o seu denominado "imperialismo liberal" e a dominação total sobre os países militarmente menos poderosos, pela ameaça de "desencadeamento da morte e destruição". E eles estão empenhados em perseguir esses objetivos, não já sob a forma dos anteriormente invocados "ataques preventivos" (“preventive strikes”), mas pelo meio, totalmente arbitrário, dos agora abertamente defendidos "ataques antecipativos" (“pre-emptive strikes”), destinados a ser desferidos contra quem quer que lhes dê no alvedrio atacar, em nome de "direitos humanos e dos valores cosmopolitas" e da pretensa "expansão da democracia e da liberdade" a instalar por intermédio destas suas "intervenções humanitárias".
Esta é uma flagrante tentativa de reverter o curso do desenvolvimento histórico, no século passado, que demonstrou o carácter contraditório e a destrutiva insustentabilidade da expansão do capital monopolista imperialista em nosso planeta - esgotado até aos seus limites – que compromete mesmo as condições mais elementares da nossa sobrevivência ecológica, com a utilização criminalmente esbanjadora dos recursos materiais e humanos e com a destruição errática da própria natureza. Além disso, enquanto em fases anteriores do desenvolvimento capitalista, a ordem reprodutiva estabelecida podia reconstituir sua normalidade operacional por meio das crises conjunturais e da liquidação periódica, a elas associada, de capitais não rentáveis, nas últimas quatro a cinco décadas do seu desenvolvimento, o sistema do capital, agora incorrigivelmente esbanjador, afundou-se numa cada vez mais profunda crise estrutural.
Assim, o aumento da destrutividade que testemunhamos, em todos os lados, não é de forma alguma uma coincidência histórica passageira, nem é uma aberração corrigível da responsabilidade de alguns formuladores de políticas equivocados e seus "conselheiros visionários". Pelo contrário, ela é o corolário fatídico do nosso tempo, decorrente inevitável da profunda crise estrutural da nossa ordem social reprodutiva historicamente insustentável.
É por isso que as personificações económicas e políticas do sistema do capital têm de recorrer à imposição de uma cada vez maior devastação, tanto no domínio da vida material - na economia destrutivamente produtiva e no mundo aventureiro/fraudulento da finança, bem como através da exploração até ao ponto de não retorno dos recursos naturais vitais do planeta e do irresponsável extermínio de incontáveis espécies vivas necessárias à manutenção do equilíbrio ecológico na natureza - como no campo militar, catastroficamente esbanjador. Fazem tudo isso na vã esperança de resolver (ou, pelo menos, manter indefinidamente sob controlo) a crise estrutural do sistema estabelecido.
No entanto, a verdade sóbria na questão é que a única maneira viável de resolver com sucesso, de uma forma durável, a crise estrutural prolongada da nossa perigosa ordem produtiva é a instituição e o funcionamento, historicamente sustentável, de uma ordem social reprodutiva radicalmente diferente. Pela primeira vez, um sistema produtivo universalmente abrangente atinge os limites estruturalmente determinados da sua viabilidade histórica. Isso é claramente demonstrado pelo seu desperdício e destrutividade acrescidos, em todos os planos de intercâmbio societal. Conforme evidenciado pelo "capital globalizado" no nosso tempo, não pode haver outra maneira de superar as determinações estruturais potencialmente destrutivas do planeta de um tal sistema, que não seja a adoção de uma estrutura fundamentalmente diferente de reprodução social metabólica. É que a crise estrutural aprofundada de uma ordem reprodutiva societal abrangente exige, inevitavelmente, a instituição de uma mudança estrutural adequada.
Durante a longa fase ascendente do desenvolvimento histórico do capital, o necessário processo de expansão e acumulação do capital podia ser exercido quase sem perturbações. Este estado de coisas começou a mudar significativamente com o início da fase descendente do desenvolvimento na Europa, um par de décadas antes de meados do século XIX. Nessa altura, o antagonista do capital pela hegemonia, o trabalho, apareceu no palco da história, com as suas próprias exigências como sujeito ativo de uma ordem alternativa qualitativamente diferente de reprodução social metabólica, começando a fazer valer os seus créditos sob a forma de ação organizada.
A formação inicial e organização desse movimento coincidiu com a erupção de uma grande crise económica e social e com os levantes revolucionários que se seguiram, na década de 1840, em diferentes partes da Europa. Este processo foi necessariamente associado a uma vital articulação internacional das exigências do trabalho para o estabelecimento de uma ordem de reprodução social hegemónica alternativa, desse momento em diante. Tal foi claramente enunciado no Manifesto do Partido Comunista, escrito por Karl Marx e Friedrich Engels a pedido de seus companheiros da Liga Comunista fundada em 1847. É que a ordem de reprodução do capital estruturalmente estabelecida, tendendo irresistivelmente para uma extensão e integração global, só poderia ser superada com êxito através da alternativa, igualmente hegemónica a nível global, da "nova forma histórica" baseada no trabalho. Os jovens Marx e Engels caracterizaram assim as cada vez mais graves crises da sua época, no Manifesto do Partido Comunista:
“A necessidade de um escoamento sempre mais extenso para os seus produtos persegue a burguesia por todo o globo terrestre. Tem de se implantar em toda a parte, instalar-se em toda a parte, estabelecer contactos em toda a parte. A burguesia, pela sua exploração do mercado mundial, configurou de um modo cosmopolita a produção e o consumo de todos os países. Para grande pesar dos reaccionários, tirou à indústria o solo nacional onde firmava os pés. As antiquíssimas indústrias nacionais foram aniquiladas, e são ainda diariamente aniquiladas. São desalojadas por novas indústrias cuja introdução se torna uma questão vital para todas as nações civilizadas, por indústrias que já não laboram matérias-primas nativas, mas matérias-primas oriundas das zonas mais afastadas, e cujos fabricos são consumidos não só no próprio país como simultaneamente em todas as partes do mundo. Para o lugar das velhas necessidades, satisfeitas por artigos do país, entram [necessidades] novas que exigem para a sua satisfação os produtos dos países e dos climas mais longínquos. Para o lugar da velha auto-suficiência e do velho isolamento locais e nacionais, entram um intercâmbio omnilateral, uma dependência das nações umas das outras. ... Um movimento semelhante processa-se diante dos nossos olhos. As relações burguesas de produção e de intercâmbio, as relações de propriedade burguesas, a sociedade burguesa moderna que desencadeou meios tão poderosos de produção e de intercâmbio, assemelha-se ao feiticeiro que já não consegue dominar as forças subterrâneas que invocara. ... As relações burguesas tornaram-se demasiado estreitas para conterem a riqueza por elas gerada. - E como triunfa a burguesia das crises? Por um lado, pela aniquilação forçada de uma massa de forças produtivas; por outro lado, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais profunda de antigos mercados. De que modo, então? Preparando crises mais omnilaterais e mais poderosas, e diminuindo os meios de prevenir as crises.[5]
No entanto, a Liga Comunista, para quem este manifesto visionário foi escrito, não poderia sobreviver por muito tempo. Devido à violenta perseguição a que foi sujeita e à prisão de seus adeptos deficientemente organizados na Alemanha, teve de ser dissolvida pelos seus membros remanescentes em 1852, cinco anos após a sua fundação. Compreensivelmente, portanto, tornou-se óbvio que só uma poderosa organização internacional da classe trabalhadora poderia fazer face à investida da ordem dominante, que era de se esperar também no futuro. Assim, a necessidade de um tal movimento internacional, dotado de uma organização sustentável e da correspondente orientação estratégica combativa, apareceu na agenda histórica no início dos anos 1850, tendo permanecido desde esse tempo o desafio inevitável para sucessivas gerações de antagonistas da hegemonia do capital.
III.
Naturalmente, as "crises mais omnilaterais e mais poderosas" previstas no Manifesto do Partido Comunista continuaram a afirmar-se nas partes mais desenvolvidas da Europa capitalista, incluindo a França e a Inglaterra. Assim, houve uma grande tentação para generalizar sobre as hipóteses de uma transformação revolucionária a partir dessa base. De fato, algumas declarações do próprio Marx, no meio da crise financeira que se desenrolou na segunda metade da década de 1850, apontavam nessa direção.
No entanto, como uma reavaliação autocrítica das perspectivas de desenvolvimento histórico a mais longo prazo, podemos ler estas palavras numa das mais seminalmente importantes cartas de Marx a Engels:
“A tarefa histórica da sociedade burguesa é o estabelecimento do mercado mundial, pelo menos nas suas linhas fundamentais, e de uma produção que se sustente em suas bases. Uma vez que o mundo é redondo, parece que isto foi realizado com a colonização da Califórnia e da Austrália e com a abertura da China e do Japão. Para nós, a questão difícil é esta: a revolução no continente [Europeu] está iminente e assumirá de imediato um caráter socialista; não será ela necessariamente esmagada neste pequeno canto do mundo, uma vez que, sobre um terreno muito mais amplo, o desenvolvimento da sociedade burguesa está ainda em sua fase ascendente?”[6]
Neste espírito maduramente crítico, duas questões fundamentais tiveram que ser claramente definidas em relação à orientação estratégica do movimento emancipatório da classe trabalhadora: um movimento que, à luz da experiência histórica dolorosa do seu passado recente (sofrida com a derrota do Liga Comunista), teve de ser reconstituído com a mais ampla base possível, compatível com o seu carácter combativo, vitalmente necessário.
A primeira questão a este respeito foi o intransigente objetivo global do próprio movimento socialista organizado, visando a superação radical do sistema reprodutivo do capital na sua integralidade, em aberto contraste com a tendência sindicalista espontânea de se preocupar apenas com as melhorias salariais – tendência aliás completamente legítima, face a maximalismos sectários, mas longe de ser exclusiva. Este ponto foi sublinhado com ênfase, em um importante discurso proferido por Marx em 1865, diante de um público operário da recentemente criada "Associação Internacional dos Trabalhadores", nestes termos:
“Os sindicatos funcionam bem como centro de resistência contra as investidas do capital. Fracassam parcialmente por um uso não judicioso do seu poder. Fracassam geralmente por se limitarem a uma guerra de guerrilhas contra os efeitos do sistema existente, em vez de simultaneamente o tentarem mudar, em vez de usarem as suas forças organizadas como uma alavanca para a emancipação final da classe operária, isto é, para a abolição última do sistema de salários” (3).
Neste sentido, o primeiro e global objetivo estratégico do movimento de massas organizado tinha que ser a instituição de uma mudança estrutural radical no modo estabelecido de reprodução social como um todo. Isto teve de ser alcançado não simplesmente através da melhoria mais ou menos temporária e potencialmente divisória nas condições materiais e culturais de existência dos membros da classe trabalhadora, em alguns países ou regiões particulares. Essa abordagem só poderá conduzir a uma luta contra os efeitos da ofensiva do capital sobre o padrão de vida dos trabalhadores, deixando as suas essenciais fundações causais intocadas no seu lugar.
O segundo princípio estratégico fundamental era igualmente importante, dizendo respeito à necessidade de uma orientação completamente internacional e à solidariedade dentro do próprio quadro organizacional. É que o sucesso duradouro dos objetivos emancipatórios prosseguidos - definidos como a "abolição última do sistema de salários" contra o poder global do capital - dependia realmente da capacidade do trabalho opor a sua própria ação internacional militante, conscientemente coordenada, ao poder do seu adversário de classe, em todos os lugares. Caso contrário, os êxitos parciais obtidos em algumas áreas limitadas poderiam ser, mais cedo ou mais tarde, revertidos e até mesmo anulados pelo poder do capital internacional, tendente à sua extensão e integração globais.
A Associação Internacional dos Trabalhadores, que se tornou conhecida na história da classe trabalhadora como a Primeira Internacional, foi fundada em 1864 no espírito destes objetivos estratégicos fundamentais, estreitamente interligados. Esta organização manteve-se em existência com sucesso - em comparação com a relativa curta duração e muito menor influência da Liga Comunista - por uma década inteira. No entanto, a contínua ascendência histórica do capital no "terreno muito maior" referido por Marx, em sua carta a Engels anteriormente citada, também militou contra esta muito mais ampla organização internacional dos trabalhadores. Na verdade, como prenunciado pelo aviso de Marx, a revolução da Comuna de Paris em 1871 foi "esmagada no pequeno canto europeu do mundo", reprimida com sangue pelas brutais forças de classe da ordem dominante, que tornou, assim, absolutamente claro que todas as tentativas de transformação revolucionária da sociedade devem esperar a mesma resposta selvática que os partidários da Comuna tiveram de sofrer em França.
Esta dimensão da relação de forças internacional entre a ascendência mundial do capital, continuamente favorecida pelo imperialismo, e uma organização do trabalho em grande desvantagem, foi uma das razões principais por que a absolutamente necessária orientação estratégica internacional do movimento operário teve que sofrer uma grande derrota histórica, com o fim da Primeira Internacional. Essa orientação dos acontecimentos contrária ao avanço do movimento internacional da classe operária era ainda mais problemática, diante do fato de que, em termos históricos mais gerais, o sistema do capital, em meados do século XIX, já havia entrado na fase descendente do seu desenvolvimento como um sistema produtivo.
Em sua fase ascendente, o sistema do capital estava afirmando com sucesso suas realizações produtivas com base no seu dinamismo interno expansionista, ainda sem o imperativo monopolístico-imperialista de assegurar uma dominação militar do mundo pelos países capitalistas mais avançados. No entanto, com a circunstância historicamente irreversível da entrada na fase produtiva descendente, o sistema do capital tornou-se inseparável de uma necessidade cada vez mais intensa de expansão militarista-monopolista e sobrecarga do seu quadro estrutural, tendendo, em devido tempo, no plano produtivo interno, para a criação e funcionamento criminosamente esbanjador de uma "indústria armamentista permanente", juntamente com as guerras que lhe estão necessariamente associadas.
Na verdade, bem antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial, Rosa Luxemburgo identificara claramente a natureza deste fatídico desenvolvimento monopolístico-imperialista, no plano destrutivamente produtivo, escrevendo em seu livro sobre A Acumulação do Capital, a respeito do papel da enorme produção militarista, que: "O próprio capital, em última análise, controla este movimento automático e rítmico de produção militarista, por intermédio da legislatura e de uma imprensa cuja função é moldar a chamada «opinião pública». É por isso que esta província particular da acumulação capitalista parece, à primeira vista, capaz de uma expansão infinita" (4).
Por outro lado, a utilização cada vez mais esbanjadora da energia e de recursos materiais estratégicos vitais, transporta consigo, não só uma cada vez mais destrutiva articulação das determinações estruturais autoafirmativas do capital no plano militar – nunca propriamente questionado, e muito menos regulado, por uma legislatura manipulada -, mas também uma invasão cada vez mais destrutiva do capital em expansão sobre a natureza. Ironicamente, mas sem qualquer surpresa, este desenvolvimento histórico regressivo do sistema do capital, enquanto tal, também trouxe consigo algumas consequências amargamente negativas para a organização internacional do trabalho.
Na verdade, esta nova articulação do sistema do capital, no último terço do século XIX, com sua fase monopolista-imperialista inseparável de sua totalmente afirmada ascendência global, abriu uma nova modalidade (mais antagonística e, em última análise, insustentável) de dinamismo expansionista para o benefício exclusivo de um mero punhado de países imperialistas privilegiados, adiando, deste modo, o "momento da verdade" que nos trará inevitavelmente a crise estrutural do sistema em nosso próprio tempo. Este tipo de desenvolvimento monopolista-imperialista deu inevitavelmente um grande impulso à possibilidade de expansão e acumulação de capital militarista, não importa quão grande fosse o preço a pagar, no momento oportuno, em mais intensa destruição trazida pela nova dinâmica expansionista. Com efeito, o dinamismo monopolista de suporte militar teve que assumir a forma de duas devastadoras guerras globais - bem como, na segunda metade do século XX, a ameaça de aniquilação total da humanidade implícita em uma potencial Terceira Guerra Mundial, juntamente com o perigoso curso de destruição da natureza que se tornou evidente e inegável, mesmo para os mais encarniçados apologistas.
Mas voltando ao desenvolvimento do trabalho, na época da Primeira Internacional, o segundo principal fator histórico que trazia consigo uma grande desvantagem para a inicialmente prevista constituição de um antagonista histórico ao capital, na forma de um movimento de massas internacional - com as suas tentações e ilusões suportadas pela existência de uma essencial solidariedade combativa socialista entre as componentes nacionais do movimento -, foi o surgimento, em alguns dos mais bem sucedidos países monopolistas imperialistas, dos partidos políticos eleitoralmente mais influentes da classe trabalhadora.
A prova documental mais dolorosa e reveladora a este respeito é a Crítica do Programa de Gotha de Marx, que antecipou profeticamente as consequências profundamente negativas decorrentes da reorientação oportunista do movimento social-democrata alemão, no momento da unificação dos esquerdistas "eisenachianos" com os pior do que acomodatícios social-democratas "lassallianos". É que os lassallianos, nas palavras suspeitosas que Marx expressou precocemente, estavam "provavelmente em entendimento secreto com Bismarck”, o "Chanceler de Ferro" imperialista da Alemanha (5). Esse "entendimento" nada sagrado foi com efeito evidenciado, meio século depois, pelas provas gravemente acusatórias que se encontram na correspondência de Lassalle com Bismarck, publicada apenas em 1928.
Como resulta desta correspondência, Lassalle enviou a Bismarck os estatutos da Associação Geral dos Trabalhadores Alemães, uma organização que ele secretamente manipulava, acrescentando-lhes estes comentários traiçoeiros:
“Os Estatutos convencê-lo-ão claramente quão verdadeiro é que a classe trabalhadora sente uma inclinação instintiva para uma ditadura - se ela puder ser adequadamente persuadida de que a ditadura será exercida no seu interesse. E [eles vão mostrar] quanto, a despeito de todos os pontos de vista republicanos, ou precisamente por causa deles, a classe trabalhadora seria, portanto, inclinada, como eu lhe disse ainda recentemente, a olhar para a Coroa, em oposição ao egoísmo da sociedade burguesa, como o representante natural da ditadura social. Isto, se a Coroa, pelo seu lado, puder decidir-se a tomar o - certamente muito improvável - passo de definir uma linha realmente revolucionária, transformando-se de monarquia das ordens privilegiadas em uma monarquia popular, social e revolucionária” (6).
Sem saber nada de tangível sobre este projeto secreto de Lassalle para vender a organização trabalhista social-democrata à (aspirante e atuante como imperialista, portanto, desejosa de apoio na classe trabalhadora) ditadura do seu inimigo de classe - prontamente endossada e até mesmo idealizada por Lassalle – Marx, no entanto, encarou a manobra de unificação social-democrata com a maior desconfiança. Sua devastadora Crítica do Programa de Gotha – que por razões internas do partido se manteve fechada a sete chaves pela liderança partidária unificada, durante dezasseis anos, só sendo publicada muito depois da morte de Marx, em resultado da intratável insistência de Engels – indicava, da maneira mais clara possível, o caráter fatídico do ilusório beco sem saída eleitoral em que embarcou o movimento social-democrata no final dos anos 1870. Engels também apontou, na mesma época da amarga disputa sobre o Programa de Gotha, em sua correspondência de 1875 com August Bebel, que a unificação oportunista das duas alas do futuro partido social-democrata trazia consigo implicações de longo alcance, segundo as quais "o princípio de que o movimento dos trabalhadores é um movimento internacional é, para todos os efeitos, completamente desautorizado" (7).
A clamorosa confirmação desse diagnóstico justificadamente condenatório de Marx e Engels foi tragicamente fornecida, pela própria social-democracia alemã, com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, quando o partido alinhou sem qualquer reserva com a aventura imperialista desastrosa do país. Além disso, apesar de todos os sucessivos desenvolvimentos históricos posteriores, incluindo o colapso da República social-democrata de Weimar e o catastrófico revanchismo de Hitler - apoiado eleitoralmente pela maioria da população alemã - que arrastou a Alemanha para a ainda mais destrutiva Segunda Guerra Mundial, a social-democracia nunca mais pôde desvincular-se da sua cobertura nacionalista, impondo as suas próprias algemas ao movimento operário internacional sob sua influência eleitoral continuada.
IV.
Desta forma, as primeiras tentativas que visaram o estabelecimento de uma organização internacional do trabalho combativa terminaram em grave decepção histórica.
Os problemas internos da Primeira Internacional - apesar do fato de ter estado ainda sob a liderança intelectual e política incansavelmente dedicada de Marx - se tornaram cada vez mais pronunciados nos últimos anos da década de 1860. Como resultado, em 1872 Marx foi obrigado a transferir seu centro de organização para Nova Iorque, na esperança, em breve desmentida, de preservar a sua existência e a sua firme orientação internacionalista.
No entanto, a força centrífuga desorientadora dos movimentos nacionais e a cada vez maior inclinação ao imperialismo dos Estados-nações capitalistas a que essas organizações particulares estavam ligadas, provaram no final ser demais para poderem ser resistidas. Esta tendência foi, naturalmente, gravemente afetada pela brutal repressão militar da Comuna de Paris em 1871, para a qual o chanceler Otto von Bismarck contribuiu diretamente, da maneira mais cruel. No meio da luta da Comuna pela sobrevivência, ele lançou, para lutar contra os communards, prisioneiros de guerra franceses capturados pelo seu exército, fornecendo assim uma devastadora prova, política e militar, da solidariedade de classe burguesa. E ele também não se ficou por aí. Na verdade, durante os anos de 1871-1872, o chanceler Bismarck estava trabalhando na criação de um quadro de acção internacional contra o movimento revolucionário da classe operária. Em outubro 1873, os seus esforços foram implementados com sucesso através da formação da Liga dos Três Imperadores, incluindo a Alemanha, a Rússia e a Áustria-Hungria, com o objetivo consciente unificador de tomar medidas comuns, em caso de uma "perturbação europeia" causada pela classe trabalhadora em qualquer país em particular. Esta foi a maneira como Bismarck "realizou" o plano traiçoeiro de Lassalle sobre uma "ditadura militar a ser instituída e exercida no interesse da classe trabalhadora", em conjunto com a monarquia, essa digna "representante natural da ditadura social".
Não é de surpreender, portanto, que a Primeira Internacional se tenha desintegrado, em resultado da intensificação das pressões e das contradições prevalecentes entre as suas partes constituintes, em grande medida graças ao impulso significativo recebido pelo capital no último terço do século XIX, com a abertura da sua fase de desenvolvimento monopolista-imperialista. Infelizmente, nesse sentido, a experiência da Primeira Internacional, apesar da heróica dedicação de seus partidários combativos, mostrou ser prematura, em termos históricos, nas condições em que, na maior parte do mundo, o desenvolvimento da sociedade burguesa ainda estava em ascensão. Esta circunstância ajudou a superar as grandes crises financeiras das décadas de 1850 e 1860, redefinindo a relação de forças, para um período histórico bastante longo, em favor de um capital perversamente expansionista, independentemente de quão problemática – na verdade, muito pior do que problemática, face às suas guerras globais subsequentes e à sua invasão destrutiva da natureza - essa ascendência haveria de se vir a revelar.
Naturalmente, a social-democrata Segunda Internacional, que mais tarde surgiu a partir da unificação dos eisenachianos com os lassallianos, não podia se aproximar sequer, ainda que remotamente, do previsto ideal de uma organização internacional combativa da classe trabalhadora. Além disso, ficou demonstrada a fatídica inadequação dessa organização, para a esperada afirmação de uma alternativa trabalhista à hegemonia do capital, logo no início da Primeira Guerra Mundial, com a sua capitulação total a interesses de classe imperialistas da ordem dominante.
À luz desta amarga experiência da implosão capitulacionista da Segunda Internacional, foi constituída a Terceira Internacional, sob a orientação de Lénine, após a Primeira Guerra Mundial. Por algum tempo ela prometeu uma reorientação estratégica radical do movimento socialista internacional. No entanto, não muito tempo após a morte de Lénine, a esperança depositada na Terceira Internacional também foi totalmente traída, na medida em que esta organização se transformou em instrumento dócil das políticas de Estado estalinistas Em resultado disso, aliás, teve de ser dissolvida em devido tempo. Nem poderia a Quarta Internacional remediar com sucesso esta situação. Ela provou ser incapaz de estar à altura da conceção marxista original, da constituição de um movimento de massas combativo da classe trabalhadora internacional, apesar das expectativas do seu fundador e dos seus apoiantes. A fragmentação e a divisão muitas vezes pareceram prevalecer nas organizações políticas radicais, operando fortemente contra a esperança de um crescimento da sua influência. No que diz respeito aos partidos que estiveram associados à Terceira Internacional, o deprimente fato histórico é que precisamente alguns dos maiores de entre eles, nos países capitalistas ocidentais - como os partidos comunistas italiano e francês – transformaram-se em parceiros acomodatícios integrados no sistema parlamentar, enquanto formações políticas do tipo neoliberal, e como tal pilares da ordem estabelecida.
V.
Hoje as condições são muito diferentes, não só em sentido negativo, com a intensificação dos perigos para a sobrevivência humana, tanto no plano militar como no ecológico, mas também para melhor, embora aqui em dimensões muito mais reduzidas.
É claro, a anteriormente sublinhada destrutividade do mundo de hoje, manifesta tanto nas guerras intermináveis do imperialismo hegemónico global (idealizadas por seus apologistas "visionários", com a proclamação de que "os rapazes nunca mais voltarão para casa", pois que precisamos de um "novo imperialismo dos direitos humanos e dos valores cosmopolitas", enquanto seus líderes políticos criminosos de guerra se agraciam a si próprios com o Prêmio Nobel da Paz) como através da destruição desenfreada da natureza, representam um perigo potencialmente muito mais agudo do que alguma vez foi visto antes na história da humanidade. E, claro está, ela exige uma resposta combativa, por parte de um movimento de massas historicamente sustentável. Simultaneamente, porém, o tradicional adiamento, pelo sistema capitalista, do seu "momento da verdade" - exportando os seus problemas e contradições para o terreno anteriormente disponível dessa "muito maior parte do mundo do que o cantinho europeu" - também esgotou o seu curso histórico. Não apenas no sentido em que a destrutividade, por si própria, nunca resolveu - nunca pôde ou poderá resolver - nada por sua própria conta. Acima de tudo, acontece que qualquer sistema produtivo concebível, mesmo o mais poderoso já conhecido na história da humanidade, o sistema do capital, ao seu tempo irresistível, tem seus limites estruturais historicamente inultrapassáveis.
O "pequeno canto do mundo" de que Marx falava em 1858 não é mais um pequeno canto. Sob as condições existentes, os graves problemas de crescente saturação e autoexcedência destrutiva do sistema do capital continuam a lançar a mais escura sombra, por todos os lugares do mundo. É que a ascensão histórica do capital está agora totalmente consumada também nesse "terreno muito maior", cuja desconcertante existência Marx teve de reconhecer, em sua carta de 1858 a Engels.
Além disso, sob as novas circunstâncias históricas, também as crises econômicas se desenrolam de uma maneira muito diferente. No tempo da ascendência global do capital, as crises irrompiam com regularidade cíclica, sob a forma de "grandes tempestades" (nas palavras de Marx), seguidas por relativamente longas fases expansionistas cíclicas. Em marcado contraste, o novo padrão radicalmente diverso de hoje, com o fim da era de ascendência histórica da capital, é a frequência crescente das fases recessivas, tendendo para um continuum depressivo. E dado o caráter globalmente interligado do autoafirmativo sistema do capital, somente por meio de uma ação combativa organizacionalmente sustentada podem as forças destrutivas do capital, como ordem reprodutiva cada vez mais esbanjadora, ser derrotadas. O que contrasta visivelmente a atitude defensiva que tem sido característica do movimento socialista no passado.
Neste contexto, a constituição e intervenção bem sucedida da Nova Internacional não é apenas uma necessidade dolorosamente óbvia, mas também muito urgente, nos dias de hoje. Na verdade, a perspetiva positiva em relação a esta tarefa, é que, pela primeira vez na história, o movimento internacional combativo da classe trabalhadora – a única alternativa hegemónica viável ao capital – pode se realizar. É que alguns dos principais fatores sócio-políticos que, no passado, contribuíram de forma significativa para a força posicional da capital, forçando o trabalho a uma postura defensiva, foram bloqueados, em nosso tempo, barrando assim ao capital, na crise atual, a saída que anteriormente sempre lhe foi possível.
É importante lembrar aqui que as atrás mencionadas "investidas do capital", sublinhadas por Marx no seu discurso ao Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores, dizem respeito à questão do padrão de vida dos trabalhadores, com a sua competitividade dupla afetando diretamente o trabalho. No primeiro sentido, essa competitividade significou o confronto de trabalho com o capital para a distribuição do produto social, tendo o capital a vantagem óbvia de ser o controlador dos meios e condições de produção. Ao mesmo tempo, num segundo sentido, os trabalhadores individuais, bem como as várias seções do trabalho, tinham de ser envolvidos em uma luta competitiva entre si próprios, para tentar proteger suas condições econômicas de existência, resultando daí novamente prejuízo para a classe trabalhadora, através das divisões internas e correspondente orientação setorial, tendendo assim a perderem-se de vista os seus interesses estratégicos globais. É por isso que Marx distingue a ação tradicionalmente exercida contra as investidas do capital na distribuição do produto social, dentro do capitalismo - um tipo de ação necessariamente confinado, pelo trabalho competitivamente dividido, a um questionamento defensivo apenas dos efeitos do sistema, mas não das suas fundações causais estruturalmente determinadas - da necessidade da adoção, pelo trabalho, de uma estratégia para "usar as suas forças organizadas como uma alavanca para a emancipação final da classe operária, isto é, para a abolição última do sistema de salários".
Como todos sabemos, nenhuma das quatro internacionais do movimento operário pôde realizar a estratégia marxista de superação, mediante uma ofensiva sustentada, do quadro causal do sistema sob as circunstâncias históricas prevalecentes. Na melhor das hipóteses, a ala radical do movimento pode ter incluído alguns dos objetivos relevantes em seus manifestos, mas não pôde realizar tais objetivos, sob o domínio estrutural do sistema do capital, historicamente favorecido, no decurso da sua fase ascendente. Além disso, a ala reformista do movimento internacional da classe trabalhadora, sempre manteve as suas reivindicações dirigidas contra os efeitos das investidas do capital sobre padrão de vida e poder negocial dos trabalhadores, bem dentro de limites admissíveis pelo sistema. Deste modo acabou por ajudar o capital na saída de todas as suas crises cíclicas, em vez de fazer uma qualquer tentativa de realização do "socialismo evolutivo", conforme fora prometido com falsa ingenuidade por Edward Bernstein e suas almas gémeas na social-democracia e no trabalhismo tradicional (para não falar do “novo”). Ninguém deve esquecer que, no final, mesmo as propostas de “reforma” mais moderadas possíveis, para a realização do "socialismo evolutivo", foram completamente abandonadas.
A este respeito, a mudança histórica ocorrida no nosso tempo foi o bloqueamento do caminho para a adoção contínua da ficção reformista que prometia a realização de uma ordem socialista estruturalmente diferente por intermédio de algumas mudanças econômicas de pormenor. Em completo contraste com isto, o capital, no passado, podia induzir o movimento trabalhista reformista a interiorizar e promover ativamente a promessa totalmente irrealizável de um "socialismo evolutivo" - e seu irmão gêmeo, a chamada "via parlamentar italiana e francesa para o socialismo" - e, assim, podia mistificar e desarmar com sucesso o seu potencial adversário na classe trabalhadora. Tendo em conta esta correlação mistificadora entre a promessa ficcional reformista e a realidade brutalmente dececionante do "socialismo evolutivo" e da "via parlamentar para o socialismo", não é de todo surpreendente que os mais bem sucedidos membros ocidentais da Terceira Internacional – os partidos comunistas italiano e francês – tenham terminado o seu curso da maneira que o fizeram, aprisionando-se a si próprios numa posição regressiva indistinguível do neoliberalismo. Inevitavelmente, portanto, a dolorosa experiência regressiva "reformista" do movimento operário reabriu a questão de saber qual o curso de ação a seguir no futuro, de forma a se opor de forma estrategicamente sustentável ao agravamento das condições de vida dos trabalhadores, mesmo nos países capitalistas mais avançados, não importando quanto tempo pode ainda demorar a correção desse passado derrotista. Pois, no nosso tempo, mesmo a realização das reivindicações e objetivos mais limitados, levantados pelos representantes da classe trabalhadora, requer engajamento em formas radicais, organizacionalmente eficazes, de ação combativa, dirigidas contra o controle estrutural, pelo regime de capital, do núcleo central do próprio sistema de salários.
A segunda avenida bloqueada para o capital, agora na crise estrutural em aprofundamento, é potencialmente ainda mais grave. Trata-se da remoção da solução tradicionalmente viável de resolver os problemas crescentes do sistema do capital através de uma guerra total, como foi feito por duas vezes no decurso do século XX, com as guerras mundiais. Nada pode desbloquear esta avenida fatídica, nem mesmo o aventureirismo mais irracional defendido por apologistas do capital "visionários" do belicismo. É que a questão subjacente é uma contradição insolúvel, dentro do quadro reprodutivo do sistema do capital enquanto tal.
Esta é uma contradição manifesta, por um lado, através da implacável concentração e centralização do capital em curso a uma escala global, e, por outro, através da incapacidade estruturalmente imposta de o sistema vigente produzir a estabilização política necessária em uma escala global correspondente. Mesmo as intervenções militares mais agressivas do imperialismo mundialmente hegemônico - no presente, o dos Estados Unidos da América - estão condenadas ao fracasso em diferentes partes do planeta. O poder destruidor das guerras limitadas, ainda que recorrentes, está muito longe de ser suficiente para impor, em toda parte, de forma duradoura, o domínio incontestável de um único hegemon imperialista e do seu "governo global" - a única coisa que poderia convir à lógica do capital hoje em dia. Só a alternativa hegemónica socialista pode mostrar um caminho para sair desta contradição destrutiva. Ou seja, uma alternativa histórica organizacionalmente viável que respeite plenamente a complementaridade dialética do nacional e do internacional, em nosso próprio tempo histórico.
Assim, a questão da ofensiva autoafirmativa do capital foi radicalmente alterada, nas circunstâncias actuais, em seus termos objetivos de referência. Por agora, devido à consumação irreversível da fase histórica ascendente do sistema do capital, sem mais terrenos remanescentes para invadir e dominar, em nosso planeta limitado, o imperativo autoexpansionista do sistema do capital ameaça diretamente de destruição o substrato natural da própria existência humana, numa vã tentativa de compensar a perda de novos domínios conquistáveis. Assim, as apostas históricos a ser decididas entre capital e trabalho tornaram-se agora - e assim permanecerão também no futuro - tudo ou nada, removendo assim por completo a já limitada racionalidade da postura defensiva do trabalho, até aqui muitas vezes inevitável. É que salvar da destruição as condições elementares da existência da humanidade não pode ser entendido como uma concessão a ser extraída do capital, cada vez mais destrutivo no seu controle do processo social metabólico. Esperar isso equivaleria à maior irracionalidade e à máxima contradição em termos.
VI.
A postura defensiva do passado tem de ser remetida para onde ela pertence: isto é, irremediavelmente para o passado, de forma a que seja substituída pela sua alternativa historicamente sustentável. É que a negação efetiva do sistema mundial do capital só é concebível por meio de uma intervenção organizada estrategicamente viável e consciente, numa adequada configuração global. Isso só é possível através da constituição e funcionamento combativo de um tipo de estrutura organizativa internacional, que seja adequado para superar – por meio dos seus princípios de prática operacional historicamente viáveis e uma coerência cooperativa sem falhas – a defensividade crónica e as divisões internas paralisantes típicas do movimento operário no passado. Não será a "Quinta" ou a "Sexta Internacional" - ao definir-se dessa forma inevitavelmente reabriria velhas feridas e controvérsias recriminatórias desnecessárias - mas A Nova Internacional, empenhada na negação revolucionária da presente ordem destrutiva do capital e na constituição de um modo radicalmente diferente de intercâmbio social metabólico entre os seus membros. Por outras palavras, A Nova Internacional, por meio deste seu nome, indicaria que não só a defensividade, mas também as infelizes recriminações divisórias do passado, têm de ser remetidas para o passado.
Por conseguinte, a Nova Internacional enfrentaria, com determinação positiva consciente, os agora inevitáveis desafios históricos que estabelecem como base organizativa necessária a igualdade substantiva das suas partes constitutivas - sejam elas organizações políticas estrategicamente articuladas ou movimentos sociais não comprometidos. Isto significaria constituir, em um terreno muito mais seguro do que foi possível no passado, o modo de ação historicamente sustentável, através do qual a vital transformação socialista das nossas sociedades seria realizada no futuro.
Sem a adopção de uma perspectiva internacional socialista viável, o movimento operário, como alternativa hegemônica do capital, não poderá adquirir a sua tão necessária força. A este respeito, deve ser empreendida uma reconsideração da história das passadas internacionais que seja positivamente virada para o futuro. Compreensivelmente, é claro, a submissa Segunda Internacional perdeu totalmente a sua relevância e não nos deve preocupar mais. No entanto, ainda hoje, a avaliação adequada dos esforços internacionais radicais historicamente sustentáveis continua a ser para nós uma questão importante, precisamente em relação com o futuro. Não podemos ignorar, a este respeito, o pesado fardo de fraturas internas sobre a ala radical do movimento socialista, como essas fraturas surgiram no decorrer do século passado e continuam dolorosamente a exercer a sua influência divisória até hoje. Ninguém deve negar que, em devido tempo, todas essas fraturas devem ser superadas no interesse da alternativa hegemónica global à ordem existente constituída pelo trabalho socialista, mesmo que isso possa levar ainda algum tempo a conseguir. O que é absolutamente certo, porém, é que a tarefa de superar essas fraturas só pode ser realizada em uma estrutura organizativa internacional partilhada de forma positiva.
Em termos das necessárias prioridades estratégicas a ser alcançadas, uma articulação organizacional coesa e viável e o reforço do quadro positivamente orientado de acção internacional socialista ocupam hoje os lugares mais proeminentes. O sucesso é inconcebível sem o confronto desafiante e combativo com a crescente agressividade do capital, por parte da classe trabalhadora organizada, em lugar das fraquezas defensivas do passado. Pois que sob as condições de aprofundamento da crise estrutural do sistema do capital, já se pode presenciar a intensificação da agressividade autoritária do capital contra o trabalho, que só pode vir a piorar no futuro. A fragmentação e a divisão sempre tenderam a impor ao trabalho a postura defensiva e o seu corolário, a dominação do trabalho pelo seu adversário de classe. Isso estava longe de ser acidental. Afinal, as classes dominantes do império romano já tinham inventado e praticado com sucesso, muito tempo antes do surgimento do capitalismo, a sabedoria do divide et impera: divide para dominar.
No que respeita ao quadro internacional coesivo de acção, a adopção de princípios orientadores organizacionalmente viáveis é de uma grande importância. Pois que, no passado, o pressuposto da necessidade programática de uma unidade doutrinal, nas internacionais radicais, provou ser, em muitos aspectos, prejudicial para o seu desejado avanço. Carregou geralmente consigo os inconvenientes da constante divisão e da fragmentação recorrente, em lugar da força coesiva.
Reter esta exigência de unidade doutrinária, como o princípio de orientação pré-definido do quadro organizacional, seria igualmente prejudicial para o desenvolvimento da Nova Internacional. É que as circunstâncias históricas e sociais são necessariamente diferentes, em um ambiente globalmente variado, exigindo a adopção de significativamente diferentes determinações organizativas, de acordo com as condições sociais e políticas específicas e com as correspondentes alavancas estratégicas.
Naturalmente, é um requisito autoevidente que todos aqueles que organizacionalmente pertençam à Nova Internacional se definem pela sua identificação com o amplo princípio geral e o objetivo emancipatório fundamental de uma transformação socialista da sociedade. No entanto, abraçar o amplo princípio geral e o objectivo estratégico da transformação socialista da ordem social do capital, não significa qualquer prescrição doutrinária quanto aos modos particulares de instituir as medidas práticas e os modos de ação que levem à realização desse objectivo global adoptado. A nova abordagem aqui prevista, nesse sentido, está em nítido contraste com os termos em que as exigências anteriormente colocadas de unidade doutrinária foram como regra explicitadas, em detrimento do sucesso esperado. Em contraste com isso, seria muito mais viável no futuro permitir que a avaliação dos méritos relativos dos diferentes modos e meios seja decidida em sentido positivo pela efetiva realização (ou não) das tarefas adoptadas pelas partes componentes e unidades organizacionais particulares, na sua prática social e política combativamente prosseguida, de acordo com circunstâncias sociais e históricas inevitavelmente diferentes. Este modo de operação seria, em seus resultados, cooperativamente cumulativo e coesionador, em lugar de fragmentador. É esse o caminho a seguir nas condições desafiadoras do nosso tempo. A criação e o funcionamento combativo da Nova Internacional seria o quadro organizacional mais adequado para responder a um tal desafio.
Notas:
(1) Karl Marx e Friedrich Engels, Manifesto of the Communist Party, in Selected Works, vol. 1 (London: Lawrence and Wishart, 1958), pp. 37-40. [NOTA DO EDITOR] Para esta edição em língua portuguesa, utilizamos a tradução das passagens correspondentes feita sob a direção de José Barata-Moura em Manifesto do Partido Comunista, Edições Avante!, Lisboa, 1997 (2ª edição). Foram igualmente sublinhadas a itálico as passagens escolhidas para esse efeito pelo autor István Mészáros (IM).
(2) Marx para Engels, a 8 de outubro de 1858, in Marx e Engels, Selected Correspondence (Moscow: Progress Publisher, 1975), pp. 103–4. Sublinhados do autor IM.
(3) Marx, Value, Price and Profit, comunicação endereçada ao Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores (a “Primeira Internacional”) em Junho de 1865, citada em Marx e Engels, Selected Works, vol. 1, p. 447. . [NOTA DO EDITOR] Para esta edição em língua portuguesa, utilizamos a tradução da passagem correspondente (na verdade, o ultimo parágrafo) de Salário, Preço e Lucro, Marx e Engels, Obras Escolhidas em Três Tomos, Edições Avante!, Lisboa, Edições Progresso, Moscovo, 1983, Tomo II, p. 78. Foram igualmente sublinhadas a itálico as passagens escolhidas para esse efeito pelo autor IM.
(4) Rosa Luxemburg, The Accumulation of Capital (London: Routledge, 1963), p. 466.
(5) Marx para Engels, 18 de fevereiro de 1865, in Marx and Engels, Selected Correspondence, pp. 153–155.
(6) Ferdinand Lassalle, “Carta para Bismarck” de 8 de Junho de 1863. Na sua versão original em língua alemã pode lida no Marxists Internet Archive. Sublinhados de István Mészáros.
(7) Engels, “Carta para August Bebel”, 18-28 de março de 1875, in Marx and Engels, Selected Correspondence, pp. 272–77.
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