Créditos: Gaz/Flickr. |
Tradução / A imprensa e mídia globais mostrou imagens de uma Venezuela em chamas. Ônibus queimando, demonstrações de raiva, prédios públicos cercados. Mas essas imagens não são explicadas ou colocadas em um contexto e, com isso, as pessoas assumem que não passa de um motim, uma rebelião jovem contra a crise como as na Grécia e Espanha.
A realidade é muito diferente e mais complexa. O país, no fim das contas, é uma sociedade que declarou guerra ao neoliberalismo 15 anos atrás.
Caracas, onde essa série de eventos se iniciou, é uma cidade dividida. Sua parte leste é de classe média e próspera; ao oeste sua população é mais pobre. A divisão política reflete exatamente a divisão social. Leopoldo López, que tem sido o líder dessa nova fase violenta da oposição ao governo de Nicolas Maduro, foi prefeito de um dos distritos do leste.
Junto com outra proeminente anti-chavista de direita, Maria Corina Machado, López havia emitido uma chamada para uma reunião pública, no último domingo, afim de exigir a queda do governo. O Dia da Juventude, 12 de fevereiro, foi munição suficiente para levar os estudantes às ruas.
A maioria das barricadas queimadas foi construída em áreas da classe média. E os estudantes que as construíram vieram tanto de Universidades particulares quanto de estatais, que excluíram amplamente os estudantes pobres. Não havia quase nada acontecendo nas áreas mais pobres no oeste do país.
Ultimamente, o caráter classista dos protestos se fez claro. O novo sistema de ônibus do governo que oferece viagens boas e baratas, foi atacado. 50 deles só na sexta. A Universidade Bolivariana, que oferece maior educação para aqueles excluídos do sistema universitário, foi sitiada na sexta – mesmo com a fracasso dos protestos em destruí-la. Em diversos locais, médicos cubanos que dirigem o sistema de saúde "Barrio Adentro," foram atacados. Em um curioso acontecimento, uma escultura do arquiteto comunista Fruto Vivas, localizada na cidade de Barquisimeto, está sendo defendida por Chavistas depois de uma ameaça da oposição de destruí-la.
Maduro e seu gabinete responderam aos acontecimentos denunciando o teor violento crescente nas confrontações organizadas por fascistas e apoiadas pelos EUA. Existem, certamente, extremistas envolvidos e comprometidos em desestabilizar a situação. Dentre eles estão os paramilitares ligados ao tráfico de drogas, os quais a presença aumentou muito neste pais demasiadamente armado.
Mas por que a direita escolheu este momento em particular para tomar as ruas? Em parte, é uma resposta ao que parece ser uma fraqueza do governo Maduro, e especialmente do próprio presidente. Não é segredo que por trás dessa fachada de unidade governamental existe uma luta pelo poder entre os muito ricos e os grupos de influência dentro do governo – luta essa que se intensificou meses antes da morte de Chávez.
A presença militar no governo cresceu dramaticamente, e são amplamente controlados pelo grupo de Diosdado Cabello. O líder da corporação de petróleo e vice-presidente de economia, Rafael Rodriguez, tem um enorme poder econômico nas mãos.
Ao mesmo tempo, existe uma luta pelo poder dentro da direita. Todos os lideres proeminentes, incluindo Leopoldo López, Cristina Machado e Capriles, vêm das partes mais ricas da burguesia. Mas estão competindo. López e Machado estão em busca de um tipo de “golpe leve”: desestabilização econômica somada a uma mobilização contínua nas ruas para aprofundar as fraquezas do governo.
Capriles, no entanto, hesitava em apoiar os protestos, argumentava sobre um “governo de unidade nacional,” o qual Maduro aparentava legitimar. Há algumas semanas atrás, Maduro conversou com um dos capitalistas mais ricos do país, Mendoza, e outros setores da burguesia expressaram seu apoio para com o presidente. E essa estratégia tem o apoio de figuras importantes dentro e à margem do governo.
Contra esse passado, a posição do governo chavista tem sido de pedir "paz" – o slogan ecoou pelo enorme número de venezuelanos que se mobilizaram atrás de Maduro. O canto "eles nunca voltarão" é muito significante. Eles reconhecem nos lideres da agitação as mesmas pessoas que implementaram os devastadores programas econômicos antes de Chávez nos anos 90 e quem tentou destruir seu governo duas vezes. Ao mesmo tempo, a tal ‘paz’ ainda tem que ser decidida. Ela significa abranger os problemas reais que as pessoas sofrem, e criar um calço entre uma classe media ansiosa e os auto-proclamados lideres da burguesia? Ou será alcançado por consenso com outros setores da mesma classe, talvez representados por Caprilles, que não tem nenhum compromisso com o socialismo?
A direita venezuelana não é estranha à violência. Em 11 de abril de 2002, lançou um golpe contra Chávez e assumiu o poder. Contata a mídia e exige o assassinato de chavistas tendo em vista o que seriam capazes de fazer. O golpe teve apoio de setores do exército, da igreja, da federação dos funcionários, da embaixada dos EUA e da Organização corrupta do sindicato nacional. Mas falhou devido o levante da massa pobre da população a favor de Chávez e que o trouxeram de volta.
Nove meses depois, a tentativa de destruir a indústria de petróleo e, com isso, a economia como um todo, foi frustrada novamente pela mobilização em massa da maioria dos Venezuelanos – as mesmas pessoas que levaram Chávez ao poder.
A situação presente é uma repetição de Abril? Entre 2002 e 2014, a direita falhou em expulsar Chávez; e o apoio ao então presidente subiu consistentemente até sua morte. Depois disso, seu sucessor Maduro, ganhou as eleições em Abril de 2013. Mas dessa vez, o candidato direitista Henrique Capriles Radonski chegou aos 250,000 votos de diferença, a menos de 1% de ganhar.
Foi uma expressão clara da frustração e raiva crescentes dentre os simpatizantes de Chávez. Em 2012 viram a inflação chegar a 50% e o nível aumentou inexoravelmente pelo ano passado. Atualmente, a cesta básica custa 30% a mais do que o salário mínimo – e isso se os produtos básicos forem encontrados na prateleiras vazias das lojas e mercados. A escassez é explicada, parcialmente, pela especulação por parte dos capitalistas – como aconteceu no Chile em 1972 – e também pelos aumentos nos custos dos importados, que fazem parte de uma proporção crescente do que é consumido no país. E não me refiro à objetos de luxo, mas sim comida, tecnologia básica e até gasolina.
Tudo isso é expressão de uma crise econômica vigorosamente negada pelo governo Maduro, mas óbvio para toda a população. A inflação é causada pela decadência da moeda venezuelana, o bolivar. A verdade é que a produção de qualquer coisa sem ser petróleo levou a uma parada virtual. A indústria de carros emprega 80,000 trabalhadores, só que, desde o inicio de 2014, produziu apenas 200 veículos – o que seria produzido normalmente em um dia.
Como é possível que um país com uma das maiores reservas de petróleo do mundo (e possivelmente de gás também) esteja agora endividado com a China e impossibilitado de financiar o desenvolvimento industrial que Chávez prometeu em seu primeiro plano econômico?
A resposta é mais política que econômica: corrupção em uma escala inimaginável combinada com a ineficiência e total ausência de estratégias econômicas. Nas últimas semanas, houve muitas denuncias públicas de especuladores e contrabandistas se apropriando de petróleo e quase de todo o resto existente na fronteira Colombiana. Além disso, houveram relatos da descoberta de milhares de containeres com comida apodrecida. Mas tudo isso já é de conhecimento comum por anos. É também sabido do envolvimento de setores do Estado e governo em todos esses fatos.
Chávez prometeu poder popular e o investimento da riqueza petrolífera do país em novos programas sociais. E de fato, seus programas de saúde e educação foram fontes de muito orgulho e garantia de um apoio garantido dentre a maioria dos Venezuelanos. Atualmente, esses fundos estão se esvaindo enquanto a renda do petróleo é usada para o pagamento de importações.
O que emergiu no país é uma nova classe burocrática que são, eles mesmos, os especuladores e donos dessa nova e fracassada economia. Atualmente, com o crescimento da violência, eles são vistos declamando discursos furiosos contra corrupção e usando a camisa vermelha e o boné do chavismo.
Mas os bilhões de dólares que desapareceram nos últimos anos e a riqueza acumulada pelos Chavistas são os sinais claros de que seus interesses prevaleceram. As promessas de controle pelas comunidades, vindo de baixo, de um socialismo que beneficiasse toda população, provaram-se vazias.
A direita esperava negociar com essa desilusão. Porém, a falha da direita em mobilizar uma parcela da classe trabalhadora é testemunho da lealdade que a população tem para com o governo chavista ou até mesmo com o próprio Chávez.
A solução não está nas alianças com os oponentes do chavismo, nem em convidar multinacionais como a Samsung para aproveitar a produção barata do seu equipamento no país. O que pode salvar o projeto bolivariano e a esperança que inspirou tantos é: a remoção dos burocratas e especuladores e a reconstrução do poder popular com base no socialismo genuíno – participativo, democrático e exemplar em recusar os valores e métodos do capitalismo que já foi desmascarado pela juventude revolucionária da Grécia, Espanha e Oriente Médio.
Roland Denis, um líder ativista venezuelano, resumiu a questão assim: "Ou transformamos este momento em uma oportunidade criativa para reativar nosso desejo coletivo de revolução, ou podemos começar a dizer adeus à história que vivemos nos últimos 25 anos."
Caracas, onde essa série de eventos se iniciou, é uma cidade dividida. Sua parte leste é de classe média e próspera; ao oeste sua população é mais pobre. A divisão política reflete exatamente a divisão social. Leopoldo López, que tem sido o líder dessa nova fase violenta da oposição ao governo de Nicolas Maduro, foi prefeito de um dos distritos do leste.
Junto com outra proeminente anti-chavista de direita, Maria Corina Machado, López havia emitido uma chamada para uma reunião pública, no último domingo, afim de exigir a queda do governo. O Dia da Juventude, 12 de fevereiro, foi munição suficiente para levar os estudantes às ruas.
A maioria das barricadas queimadas foi construída em áreas da classe média. E os estudantes que as construíram vieram tanto de Universidades particulares quanto de estatais, que excluíram amplamente os estudantes pobres. Não havia quase nada acontecendo nas áreas mais pobres no oeste do país.
Ultimamente, o caráter classista dos protestos se fez claro. O novo sistema de ônibus do governo que oferece viagens boas e baratas, foi atacado. 50 deles só na sexta. A Universidade Bolivariana, que oferece maior educação para aqueles excluídos do sistema universitário, foi sitiada na sexta – mesmo com a fracasso dos protestos em destruí-la. Em diversos locais, médicos cubanos que dirigem o sistema de saúde "Barrio Adentro," foram atacados. Em um curioso acontecimento, uma escultura do arquiteto comunista Fruto Vivas, localizada na cidade de Barquisimeto, está sendo defendida por Chavistas depois de uma ameaça da oposição de destruí-la.
Maduro e seu gabinete responderam aos acontecimentos denunciando o teor violento crescente nas confrontações organizadas por fascistas e apoiadas pelos EUA. Existem, certamente, extremistas envolvidos e comprometidos em desestabilizar a situação. Dentre eles estão os paramilitares ligados ao tráfico de drogas, os quais a presença aumentou muito neste pais demasiadamente armado.
Mas por que a direita escolheu este momento em particular para tomar as ruas? Em parte, é uma resposta ao que parece ser uma fraqueza do governo Maduro, e especialmente do próprio presidente. Não é segredo que por trás dessa fachada de unidade governamental existe uma luta pelo poder entre os muito ricos e os grupos de influência dentro do governo – luta essa que se intensificou meses antes da morte de Chávez.
A presença militar no governo cresceu dramaticamente, e são amplamente controlados pelo grupo de Diosdado Cabello. O líder da corporação de petróleo e vice-presidente de economia, Rafael Rodriguez, tem um enorme poder econômico nas mãos.
Ao mesmo tempo, existe uma luta pelo poder dentro da direita. Todos os lideres proeminentes, incluindo Leopoldo López, Cristina Machado e Capriles, vêm das partes mais ricas da burguesia. Mas estão competindo. López e Machado estão em busca de um tipo de “golpe leve”: desestabilização econômica somada a uma mobilização contínua nas ruas para aprofundar as fraquezas do governo.
Capriles, no entanto, hesitava em apoiar os protestos, argumentava sobre um “governo de unidade nacional,” o qual Maduro aparentava legitimar. Há algumas semanas atrás, Maduro conversou com um dos capitalistas mais ricos do país, Mendoza, e outros setores da burguesia expressaram seu apoio para com o presidente. E essa estratégia tem o apoio de figuras importantes dentro e à margem do governo.
Contra esse passado, a posição do governo chavista tem sido de pedir "paz" – o slogan ecoou pelo enorme número de venezuelanos que se mobilizaram atrás de Maduro. O canto "eles nunca voltarão" é muito significante. Eles reconhecem nos lideres da agitação as mesmas pessoas que implementaram os devastadores programas econômicos antes de Chávez nos anos 90 e quem tentou destruir seu governo duas vezes. Ao mesmo tempo, a tal ‘paz’ ainda tem que ser decidida. Ela significa abranger os problemas reais que as pessoas sofrem, e criar um calço entre uma classe media ansiosa e os auto-proclamados lideres da burguesia? Ou será alcançado por consenso com outros setores da mesma classe, talvez representados por Caprilles, que não tem nenhum compromisso com o socialismo?
A direita venezuelana não é estranha à violência. Em 11 de abril de 2002, lançou um golpe contra Chávez e assumiu o poder. Contata a mídia e exige o assassinato de chavistas tendo em vista o que seriam capazes de fazer. O golpe teve apoio de setores do exército, da igreja, da federação dos funcionários, da embaixada dos EUA e da Organização corrupta do sindicato nacional. Mas falhou devido o levante da massa pobre da população a favor de Chávez e que o trouxeram de volta.
Nove meses depois, a tentativa de destruir a indústria de petróleo e, com isso, a economia como um todo, foi frustrada novamente pela mobilização em massa da maioria dos Venezuelanos – as mesmas pessoas que levaram Chávez ao poder.
A situação presente é uma repetição de Abril? Entre 2002 e 2014, a direita falhou em expulsar Chávez; e o apoio ao então presidente subiu consistentemente até sua morte. Depois disso, seu sucessor Maduro, ganhou as eleições em Abril de 2013. Mas dessa vez, o candidato direitista Henrique Capriles Radonski chegou aos 250,000 votos de diferença, a menos de 1% de ganhar.
Foi uma expressão clara da frustração e raiva crescentes dentre os simpatizantes de Chávez. Em 2012 viram a inflação chegar a 50% e o nível aumentou inexoravelmente pelo ano passado. Atualmente, a cesta básica custa 30% a mais do que o salário mínimo – e isso se os produtos básicos forem encontrados na prateleiras vazias das lojas e mercados. A escassez é explicada, parcialmente, pela especulação por parte dos capitalistas – como aconteceu no Chile em 1972 – e também pelos aumentos nos custos dos importados, que fazem parte de uma proporção crescente do que é consumido no país. E não me refiro à objetos de luxo, mas sim comida, tecnologia básica e até gasolina.
Tudo isso é expressão de uma crise econômica vigorosamente negada pelo governo Maduro, mas óbvio para toda a população. A inflação é causada pela decadência da moeda venezuelana, o bolivar. A verdade é que a produção de qualquer coisa sem ser petróleo levou a uma parada virtual. A indústria de carros emprega 80,000 trabalhadores, só que, desde o inicio de 2014, produziu apenas 200 veículos – o que seria produzido normalmente em um dia.
Como é possível que um país com uma das maiores reservas de petróleo do mundo (e possivelmente de gás também) esteja agora endividado com a China e impossibilitado de financiar o desenvolvimento industrial que Chávez prometeu em seu primeiro plano econômico?
A resposta é mais política que econômica: corrupção em uma escala inimaginável combinada com a ineficiência e total ausência de estratégias econômicas. Nas últimas semanas, houve muitas denuncias públicas de especuladores e contrabandistas se apropriando de petróleo e quase de todo o resto existente na fronteira Colombiana. Além disso, houveram relatos da descoberta de milhares de containeres com comida apodrecida. Mas tudo isso já é de conhecimento comum por anos. É também sabido do envolvimento de setores do Estado e governo em todos esses fatos.
Chávez prometeu poder popular e o investimento da riqueza petrolífera do país em novos programas sociais. E de fato, seus programas de saúde e educação foram fontes de muito orgulho e garantia de um apoio garantido dentre a maioria dos Venezuelanos. Atualmente, esses fundos estão se esvaindo enquanto a renda do petróleo é usada para o pagamento de importações.
O que emergiu no país é uma nova classe burocrática que são, eles mesmos, os especuladores e donos dessa nova e fracassada economia. Atualmente, com o crescimento da violência, eles são vistos declamando discursos furiosos contra corrupção e usando a camisa vermelha e o boné do chavismo.
Mas os bilhões de dólares que desapareceram nos últimos anos e a riqueza acumulada pelos Chavistas são os sinais claros de que seus interesses prevaleceram. As promessas de controle pelas comunidades, vindo de baixo, de um socialismo que beneficiasse toda população, provaram-se vazias.
A direita esperava negociar com essa desilusão. Porém, a falha da direita em mobilizar uma parcela da classe trabalhadora é testemunho da lealdade que a população tem para com o governo chavista ou até mesmo com o próprio Chávez.
A solução não está nas alianças com os oponentes do chavismo, nem em convidar multinacionais como a Samsung para aproveitar a produção barata do seu equipamento no país. O que pode salvar o projeto bolivariano e a esperança que inspirou tantos é: a remoção dos burocratas e especuladores e a reconstrução do poder popular com base no socialismo genuíno – participativo, democrático e exemplar em recusar os valores e métodos do capitalismo que já foi desmascarado pela juventude revolucionária da Grécia, Espanha e Oriente Médio.
Roland Denis, um líder ativista venezuelano, resumiu a questão assim: "Ou transformamos este momento em uma oportunidade criativa para reativar nosso desejo coletivo de revolução, ou podemos começar a dizer adeus à história que vivemos nos últimos 25 anos."
Nenhum comentário:
Postar um comentário