Tradução / Uma ontologia do presente é uma operação de ficção científica, na qual um cosmonauta pousa em um planeta cheio de seres alienígenas sencientes, inteligentes. Ele tenta entender seus hábitos peculiares: Por exemplo, seus filósofos estão obcecados com numerologia e o ser do um e do dois, enquanto seus romancistas escrevem complexas narrativas sobre a impossibilidade de se narrar qualquer coisa; seus políticos, enquanto isso, todos provenientes das classes mais abastadas, publicamente debatem a questão de se fazer mais dinheiro reduzindo os gastos com os pobres. É um mundo que não precisa de um efeito-V Brechtiano uma vez que já é objetivamente estranhado. O cosmonauta, abandonado por um incontável período nesse planeta graças a tecnologia defeituosa (incompreensibilidade de teoria de conjuntos ou matemas, ignorância de programas de computadores ou digitalidade, insensibilidade para com Hip-Hop, Twitter ou Bitcoins), se pergunta como alguém poderia entender o que é por definição radicalmente outro; até ele encontrar um velho sábio economista alienígena que lhe explica que não apenas são as raças de ambos os planetas relacionadas, mas que esse é de fato apenas um estágio posterior de seu próprio sistema sócio-econômico (capitalismo), o qual ele foi ensinado a pensar como dois estágios, ao passo que ele aqui encontrou um terceiro estágio, ambos diferentes e o mesmo. Ah! Ele exclama, agora finalmente eu entendo: Isso é dialética! Agora posso escrever meu relatório.
Qualquer ontologia do presente precisa ser tanto uma análise ideológica como uma descrição fenomenológica; e como um abordagem da lógica cultural de um modo de produção, ou mesmo de um de seus estágios — como o nosso momento da pós-modernidade, capitalismo tardio, globalização, é — precisa ser histórico também (e comparatista historicamente e economicamente). Isso parece complicado, e parece ser mais fácil dizer o que dita abordagem não deve ser: Não deve ser, para começar, ser estruturalmente ou filosoficamente neutra, no sentido da influente descrição de temporalidades históricas de Kosselek. Mas também não deve ser psicológica, no sentido de critica cultural, que é projetada para extrair julgamentos moralizadores na diagnose do "nosso tempo", seja esse tempo nacional ou universal, como nas denunciações da assim chamada cultura do narcisismo, a geração-eu, o "homem da organização" de um quem-sabe estágio anterior de institucionalização e burocratização capitalista, ou a cultura de consumo e consumismo do nosso próprio tempo, estigmatizada como um vício ou bulimia social. Todas essas características são sem dúvidas válidas como esboços impressionistas; mas de um lado, elas tematizam características reificadas de uma totalidade social muito mais complicada, e por outro, demandam interpretação funcional a fim de ser apreendida de uma perspectiva ideológica.
Portanto estou ansioso que a exposição de temporalidade que quero oferecer aqui não seja interpretada como mais uma critica moralizante ou psicologizante da nossa cultura; e também que as temáticas filosóficas que eu estou trabalhando aqui — aquelas de tempo e temporalidade — não sejam em si mesmas reificadas no nível fundamental de como uma cultura funciona. De fato, a própria palavra cultura apresenta um perigo, conquanto ela pressupõe algum espaço separado ou semi-autônomo na totalidade social que pode ser examinado por si só e então de algum jeito reconectado com outros espaços, tal como o econômico (Na verdade, tal como o "espaço" mesmo). A vantagem de um conceito como "modo de produção" era que ele sugeria que todas essas tematizações eram meramente aspectos ou abordagens divergentes e alternativas de uma totalidade social que nunca pode ser inteiramente representada; ou, melhor ainda, a qual a descrição e a análise sempre solicita um aviso sobre os dilemas da representação como tal. No entanto, é claro, o próprio termo "modo de produção" foi ele mesmo criticado como sendo "produtivista", uma censura que, qualquer sejam as más-interpretações ou má-fé que pode refletir, tem o mérito de nos lembrar que a reificação linguistica como um processo inevitável jamais pode ser definitivamente superada, e que um dos nossos problemas fundamentais enquanto intelectuais é aquele da re-descrição em uma nova linguagem que não obstante aponta sua relação e parentesco com uma tradição específica, nesse caso o Marxismo.
Portanto minhas reflexões sobre temporalidade aqui convidam a todos os tipos de mal-entendidos, não menos em compartilhar características com slogans que foram influentes em outras situações nacionais também. Na França, por exemplo, o conceito de presentismo, le présentisme, se tornou muito difundido desde sua cunhagem por François Hartog; enquanto na Alemanha, a noção de brusquidão e "momento extático" do presente de Karl Heinz Bohrer, um bom grau mais estético e filosófico que cultural, é sem dúvida um pensamento correlato, que deve ser colocado em perspectiva pela consciência que a Alemanha Ocidental (eu ainda a chamo assim) é socialmente um bom grau mais conversadora desenvolvimentalmente que a França ou os Estados Unidos [1]. Muito mais sutil do que qualquer um desses slogans são as análises de Jean François Lyotard, cuja concepção de pós-modernismo — a superação da narração histórica por jogos de linguagem efêmeros — já havia movido na direção de um conceito de presentismo. Seu último trabalho sobre o sublime afiou esse foco de um modo ainda mais interessante: Pois ele propôs adicionar temporalidade à descrição de Kant do sublime e o descrever como um presente de choque, que precipita postura de espera ou antecipação que nada segue [2]. Essa é uma pertinente formalização de desilusão revolucionária — em vários sentidos Lyotard se tornou o próprio filósofo e teórico de tal desilusão — e certamente tem sua relevância para o nosso próprio momento; mas também ilustra o tipo de efeito ideológico que a tematização — nesse caso, a insistência na temporalidade — pode produzir.
Mas como os termos pós-modernismo e pós-modernidade tenham sido abundantemente criticados ao longo dos anos, e tenham possivelmente, na rápida obsolescência da cultura intelectual hoje, vindo a parecer antiquados e desatualizados, eu preciso dizer algumas coisas sobre seu lugar no meu próprio trabalho e porque eu ainda sinto que eles são indispensáveis.
Pós-modernidade e Globalização
Minhas teorias sobre pós-modernidade foram primeiro desenvolvidas na China, onde eu lecionei por um semestre na Universidade de Pequim em 1985; Naquele momento, ficou claro que em todas artes ocorrera um desvio para longe da tradição modernista, a qual havia se tornado uma ortodoxia no mundo das artes e na universidade, portanto perdendo seu poder inovador e de fato subversivo. Isso não é dizer que a arte mais nova — na arquitetura, na musica, na literatura, nas artes visuais — não procurou ser menos séria, menos ambiciosa socialmente e politicamente, mais acessível e divertida; resumindo, para seus críticos modernistas, mais frívola e trivial, ainda mais comercial, que a variedade mais velha. Aquele movimento — da arte que se seguiu após o fim do modernismo — é agora passado antigo; mais ainda é aquele estilo geral, nas artes, ao qual as pessoas se referem quando dizem que o pós-modernismo está morto e enterrado. Existe agora, certamente, algo chamado de filosofia pós-moderna (voltaremos a isso) e ainda, como um gênero singular, o "romance pós-moderno"; mas as artes desde então têm se tornado muito mais políticas; e enquanto a palavra pós-modernismo designava um estilo artístico como tal, certamente tornou-se antiquada nos trintas anos desde que eu usei o termo pela primeira vez.
Contudo, eu logo fiquei ciente que a palavra que eu deveria ter usado não era pós-modernismo mas sim pós-modernidade: Pois eu não tinha em mente um estilo, mas um período histórico, no qual todos os tipos de coisas, de economia até política, das artes até a tecnologia, da vida cotidiana até as relações-internacionais, haviam mudado para valer. Modernidade, no sentido de modernização e progresso, ou telos, havia agora acabado definitivamente; e o que eu tentei fazer, ao lado de muitos outros, trabalhando com diferentes terminologias sem dúvida, foi explorar o formato do novo período histórico que havia começado a surgir por volta de 1980.
Mas após o meu trabalho inicial a respeito daquilo que eu agora chamaria de pós-modernidade, uma nova palavra começou a aparecer, e me dei conta que esse novo termo era o que faltava na minha descrição original. A palavra, simultaneamente com a nova realidade, era globalização; e comecei a perceber que era a globalização que formava, como era, sub-estrutura da pós-modernidade, e constituía a base econômica na qual, em sentido amplo, a pós-modernidade era a superestrutura. A hipótese, naquele momento, era de que a globalização era um novo estágio do capitalismo, um terceiro estágio, que sucedeu a partir daquele segundo estágio do capitalismo identificado por Lenin como o estágio de monopólio e imperialismo — e que, enquanto seguia sendo capitalismo, tinha diferenças estruturais fundamentais do estágio que o havia precedido, mesmo se apenas porque agora o capitalismo operava em escala global, sem paralelos na história. Você vai ter entendido que a cultura daquele período anterior do estágio imperialista era, segundo a minha teoria, o que chamamos de modernidade; e que pós-modernidade então tornou-se o novo tipo de cultura global correspondente à globalização.
Enquanto isso, parecia evidente que essa nova expansão do capitalismo não poderia ter sido possível sem a degeneração e subsequente desaparição do sistema Soviético, e a abdicação dos partidos socialistas que o acompanhavam, deixando a porta aberta para um capitalismo desregulado sem oposições ou fiscalização eficiente. Ao mesmo tempo, o projeto político, social e econômico da modernização, que havia dominado durante o século vinte, organizando em torno da construção de industria pesada, não podia mais ser o objetivo e o ideal de uma produção baseada em informação e tecnologia de computação. Um novo tipo de produção está emergindo, a qual as possibilidades últimas não podemos ainda entender; e com sorte a interrogação da cultura da pós-modernidade, tomando a palavra cultura no sentido mais amplo, vai ser de algum uso na exploração desse novo momento no qual todos nós vivemos.
Tempo Presente
Nas minhas primeiras descrições do pós-moderno (as quais eu não repudio de forma alguma), eu descrevo a transição do moderno para o pós-moderno nos termos de uma crescente predominância do espaço sobre o tempo. Os clássicos do modernismo eram obcecados, num sentido profundo e produtivo, com o tempo como tal, o tempo profundo, com memória, com duração (or a durée Bergsoniana), até com o eterno alvorecer-até-o-crepúsculo do Bloomsday de Joyce. Eu sugeri que com a nova primazia nas artes, e a da geografia na economia, o novo dominante da pós-modernidade era para ser encontrado no próprio espaço, o temporal afundando a uma figura subordinada do espaço como tal. Mas essa alegação talvez paradoxal me obriga a retornar ao tempo e temporalidade, para dizer como o tempo subordinado ao espaço pode aparentar, e o que uma temporalidade espacial pode ocasionar.
Em um ensaio anterior, chamado "O Fim da Temporalidade", eu esbocei em algo como a experiência da cultura popular ou de massas, não tanto a abolição do tempo por completo, mas um encolhimento para o presente. Usando filmes de ação contemporâneos como sintoma, eu apontei que atualmente eles são reduzidos a explosivos presentes de tempo, com o pretenso enredo agora pouco mais do que um filler ou uma desculpa, uma fio no qual se alinham essas pérolas que são o exclusivo centro do nosso interesse: Naquele ponto o trailer ou preview é muitas vezes suficiente, já que oferece os pontos altos dos filmes que não são nada além de pontos altos [3]. Aqui, de todo modo, eu gostaria de tratar desse fenômeno — que eu chamo de redução ao presente ou redução ao corpo — mais seriamente, ou pelo menos mais filosoficamente; e eu proponho caracterizar esses desenvolvimentos temporais como eles aparecem no domínio da estética e do gosto, naquele da economia, naqueles de conceitos e fenomenologia social, e finalmente naquele da política em si mesma.
Mas primeiro eu devo advertir sobre todos os campos que eu mencionei, que correspondem às várias disciplinas acadêmicas, todas as quais me parecem estar antiquadas perante as novas circunstâncias da pós-modernidade e globalização. No meu trabalho anterior sobre o pós-modernismo, eu identifiquei um fenômeno que chamei de pastiche, sugerindo que ele havia se tornado uma das principais modalidades do pós-modernismo nas artes: A simulação do passado e seus estilos mortos, um pouco como o Pierre Menard de Borges copiando Dom Quixote palavra por palavra três séculos depois ou aquelas fotografias de Sherrie Levine que oferecem copias idênticas de fotografias famosas de mestres do passado como obras novas. Para um tipo de última volta do parafuso, o pastiche pós-moderno se extende para o próprio modernismo, e alguns poucos artistas parecem retornar à religião da arte para produzir obras cuja estética ainda é aquela do período moderno — sobretudo, penso eu, cineastas como Sokurov, Gherman, Elice, Tarr e outros; os pastiches literários do moderno é muito menos interessante.
Mas muito mais importante, na minha opinião, é a regressão à teoria modernista na modalidade de tal pastiche; e aqui a renovação torna-se a própria ideia do moderno em si. Pois no grosso da pós-modernidade, é um fato estatístico que mais do que nunca comentadores políticos e culturais se voltaram ao ideal de modernidade como algo que o ocidente pode oferecer com sucesso às partes sub-desenvolvidas do mundo (eufemisticamente chamadas de "mercados emergentes") em um momento que a própria modernização é claramente tão obsoleta quanto os dinossauros. Pois modernização, oferecida igualmente pelos americanos e soviéticos em seus programas de ajuda estrangeira, era pressuposta na indústria pesada e que tem pouca relevância em uma era que a produção, profundamente modificada por tecnologia de informação e realocação, foi submetida ao seu próprio giro pós-moderno.
Então espero que nós possamos evitar os agora antiquados debates sobre modernidade e em particular sobre arte moderna, que geraram novos renascimentos, na modalidade do pastiche, naquela sub-disciplina da filosofia chamada estética, ela própria praticamente extinta na era em que o genuíno modernismo nas artes foi anunciada e desenvolvida. Há duas formas de se apreender o significado da estética como um termo disciplinar: Ou como a ciência do belo ou como o sistema das belas-artes. O belo, que conseguiu ser uma categoria subversiva no fim do século dezenove — a era do cortiço industrial, nas mão de Ruskin e Morris, Oscar Wilde, os simbolistas e os decadentes, o fin de siécle — na minha opinião, na era das imagens, perdeu todo o poder seja como efeito ou como ideal. Já o sistema das belas-artes implodiu na pós-modernidade, as artes dobrando-se umas sobre as outras em novas simbioses, uma completamente nova des-diferenciação da cultura que tornam problemático o próprio conceito de arte como atividade universal, como veremos; meu título é portanto claramente irônico. Se o dilema se uma velha estética assenta-se sobre a história e a na historicidade das artes modernas, aquela do presente é problematizada pela própria singularidade. Isso é então por onde eu quero começar, antes de revisar uma série de outros tópicos — o econômico, o social, o político — sob a luz proporcionada por uma nova concepção de pós-modernidade que leva em conta igualmente globalização e singularidade.
1. O Domínio da Estética
Para um observador distante como eu, duas características da arte moderna são particularmente impressionantes e sintomáticas. A primeira é precisamente a des-diferenciação das várias artes e mídias que há pouco mencionei, pois hoje, nas galerias e museus, confrontamos interessantes e inimitáveis combinações de fotografia, performance, video, escultura, que já não podem mais ser classificadas com os velhos termos genéricos, como pintura, e que de fato refletem a volatilização do objeto artístico, a desaparição da primazia da pintura a óleo ou pintura de cavalete, que Lucy Lippard e outros teorizaram décadas atrás [4]. Podemos dizer que, assim como a espécie pintura a óleo desapareceu, também o próprio gênero universal da arte se desintegrou, deixando em seu lugar as inclassificáveis combinações que confrontamos em um espaço institucional o que por si só já confere a elas o status de arte.
Mas precisamos lembrar que com a transformação do próprio museu em um espaço popular e de cultura de massas, visitado por multidões entusiásticas e anunciando suas próximas exibições como atrações comerciais, esses novos tipos de objetos artísticos estão bem longe de atrair a hostilidade que famosamente saudou as velhas obras do período moderno. Por outro lado, parece provável que apenas poucos deles sejam concedidos o status clássico das mais canonizadas obras daquele período, e isso em virtude de suas próprias estruturas: Como abordar o Tubarão Morto de Demien Hirst da mesma forma que se aborda uma trágica imagem de Max Ernst ou a Guernicade Picasso? E aqui eu não pretendo comparar as qualidades desses trabalhos ou suas respectivas "grandiosidade", para usar uma palavra canônica, mas sim a estrutura da nossa própria percepção estética, nossa receptividade do objeto bizarro que nos confronta e a respeito do qual a palavra padrão "conceitual" não nos diz muito. Um aquário imaginário com um tubarão de verdade dentro? O paradoxo do assassino assassinado? Um vislumbre distópico de um mundo em que todas as espécies vivas desapareceram, preservadas apenas em um museu estéril que recorda a descrição de Edward Glover do mundo do recém-nascido como um lavatório público bombardeado e um necrotério.
Mas na verdade esse objeto de Hirst acaba sendo um tipo de colagem: Eu identifico ao menos três elementos diferentes elementos que estão aqui justapostos, não na modalidade de sucessão, lado a lado, mas sim aquele da superposição. Você tem o próprio tubarão morto, mas o aquário é um objeto separado — com efeito, o posicionamento do feroz predador em uma aquário domesticado já é um tipo de afirmação espirituosa [witty]. No entanto, devemos também registrar o nome a presença de um terceiro componente, nomeadamente o "título", "The Physical Impossibility of Death in the Mind of Someone Living". Isso pretende ser alegórico, o sentido da obra, em que uma coisa repousa "impossivelmente" dentro de outra. Mas eu acho, assim como com as projeções de Jenny Holzer, que essa pretensiosa frase filosófica ou afirmação não é exterior à obra mas interior a ela, como um outro item incorporado no objeto, um tipo de pastiche dos lemas ou subscritos das antigas pinturas, como se a câmera pudesse se recuar uma certa distância do quadro a fim de incluir subtextos dentro dele.
Isso me habilita afirmar, não meramente que tais obras pós-modernas são colagens, em simultaneidade; mas ainda mais, que elas são formas abreviadas e concentradas do tipo de arte que quero tomar como paradigmática da prática artística pós-moderna, nomeadamente a instalação. O tubarão de Hirst é completamente tanto uma instalação quanto qualquer uma das obras de, digamos, Robert Gober, cujo belo trabalho examinei em outro lugar, em um "texto" que inclui uma moldura de porta, um monte, uma pintura de uma tradicional paisagem americana, e um espécime emoldurado de "escrita" pós-moderna. Nenhum desses objetos é a obra de arte; a lógica desse último é relacional e presumivelmente se dá na construção do próprio espaço, onde várias dimensões e traços de Americana confrontam e questionam um ao outro [5]. Tal obra não pode-se mais dizer ter um estilo; essa era um antiga categoria modernista. Isso também sugere uma confluência dos vários ramos do sistema do antigo sistema das belas-artes, pintura, arquitetura, até mesmo planejamento espacial e decoração de interiores (eu só lamento a ausência de fotografia no meu exemplo, sendo que a transformação da fotografia de uma arte menor em uma maior é uma das características mais significativas da emergência da pós-modernidade). Então de certo modo a instalação de Goeber pode ser vista como uma alegoria não apenas da volatilização do objeto artístico singular, ou anterior obra de arte, mas também dos vários sistemas que o sustentam.
Até agora eu negligenciei mencionar outra característica significante, nomeadamente que na verdade essa não é exatamente uma instalação de Goeber mas sim uma colaboração, na qual vários artistas pós-modernos contribuíram com um componente. Portanto é também um comentário do lugar da coletividade no mundo contemporâneo: Foi-se a solidariedade vanguardista que presidiu sobre muitas exposições no passado. Sua relação um com o outro não apenas implica na morte daquela vanguarda e suas ambições quasi-políticas, mas parecem re-encenar a distância e a indiferença de um ao outro dos itens em algum tipo de exibição de museu. E de fato, acredito que há uma maneira em que a instalação como forma é um tipo de replicação da forma do novo museu na qual se aloja, cujas transformações foram discutidas por muitos escritores, não menos importante Braudillard, destacando o inesperado apelo mass-appeal dessas instituições, como espaços coletivos e entretenimento de massa, com ingressos e filas, em novas construções nas quais o arquiteto tem algo do glamour de estrela do rock, e cujas exibições e eventos culturais são o equivalente de musicais ou filmes avidamente aguardados. Nessa nova configuração, até as pinturas de clássicos como Van Gogh ou Picasso ganham um novo lustro; não aquele de suas origens, mas sim a novidade de nomes de marca amplamente divulgados.
Curadores e Conceitos
Tudo o que sugere que a vanguarda em nosso tempo foi substituída por um novo tipo de figura. Relembrando o modo como, para historiadores da cultura, a figura do maestro [conductor] no século dezenove, como o carismático diretor de uma emergente coletividade de músicos de todos os tipos, pode-se dizer emblematizar a emergência da moderna política do ditador, então também podemos isolar dessas práticas do novo tipo de museu a emblemática figura do curador, que agora se torna o demiurgo dessas flutuantes e dissolventes constelações de estranhos objetos que ainda chamamos de arte. Já que eu fui frequentemente acusado de depreciar a filosofia em benefício daquele inclassificável novo tipo de escrita e pensamento chamada teoria, eu provavelmente tenho algum tipo de obrigação moral de sugerir que o quê substituiu a filosofia no nosso tempo, nomeadamente a teoria, é também possivelmente um tipo de prática curatorial, selecionando peças nomeadas de nossas várias fontes teóricas e filosóficas e colocando-as todas juntas em um tipo de instalação conceitual, na qual nos maravilhamos com o espaço intelectual momentaneamente assim produzido. (O princípio é válido para cursos acadêmicos também; e contrastaria antigos e fixados cânones ou listas de clássicos com novos, ad hoc cânones descartáveis. Na filosofia, por exemplo, pode-se contrastar listas de grandes filósofos com com coleções de referências teóricas socadas juntas em livros como Anti-Édipo, Império, ou Border as Method de Mazzadra e Neilson, cada qual que esgotaria um rico semestre senão todo um currículo. Se eu fosse um curador literário convidado, eu bem poderia colocar um seminário de Flaubert com todas as suas leituras favoritas, de O Asno de Ouro até Voltaire, senão de seus leitores favoritos, como Joyce.)
Mas há um lado sórdido do curador ainda a ser mencionado, que pode ser facilmente apreendido se olharmos para as instalações, e na verdade exibições inteiras nos novos museus pós-modernos, como tendo seus distantes e mais primitivos ancestrais nos acontecimentos dos anos 60 — fenômeno artístico igualmente espacial, igualmente efêmero. A diferença jaz não apenas na ausência de humanos da instalação e, salvo o curador, dos novos museus como tal. Jaz na respectiva presença da própria instituição: Tudo é subsumido sob ela, de fato o curador pode ser entendido como sua incorporação. Na pós-modernidade nós não mais existimos num mundo de escala humana: Instituições certamente, em certo sentido, se tornaram autônomas, mas por outro lado elas certamente transcenderam as dimensões de qualquer indivíduo, seja mestre ou servo; algo que também pode ser apreendido se recordarmos da dimensão da globalização na qual as instituições existem hoje, os museus certamente incluídos. Mas essas instituições não podem mais ser concebidas na linha de máquinas ou da fabrica, ou nos termos do que se costumava chamar de "o estado": Tecnologia de comunicação nos requerem que os pensemos como instituições informacionais, possivelmente, ou imensas construções no ciberespaço.
Porém, a lembrança dos acontecimento sugerem ainda outra característica da nova arte, e das instalações em particular, e também explica o porque dessas novas "obras", se é que ainda podemos chama-las assim, são, em todo o caso, não mais objetos, seja lá o que forem. Mas agora podemos ver um pouco melhor o que realmente são: Não são objetos porque são de fato eventos. A instalação e suas produções afins são feitas, não para a posteridade, sequer para a coleção permanente, mas sim para o agora e para uma temporalidade que pode ser bastante diferente daquela do antigo tipo modernista. Isso é de fato o porque de ter-se tornado apropriado falar dela não como uma obra ou um estilo, nem como uma expressão de algo mais profundo, mas sim como uma estratégia (ou receita) — uma estratégia para produzir um evento, uma receita para eventos. (Saltando brevemente para política, não podemos as grandes demonstrações de massa — os flash mobs — como o equivalente desses eventos, um bocado diferente das antigas conspirações revolucionárias? Sintomas de uma temporalidade diferente, no lugar dos sinais de emergência de algo como o povo, ou mesmo da democracia direta...)
Uma última observação antes de dizer que tipo de evento esses acontecimentos artísticos pós-modernos podem ser. Eu mencionei tecnologia há pouco: Eu devo acrescentar que na nossa era pós-moderna nós não apenas usamos a tecnologia, nós a consumimos, e consumimos o seu valor de troca, seu preço, junto com os seus sobretons puramente simbólicos. Exatamente como no período anterior, o automóvel era consumido tanto pelo seu valor libidinal e seus sobretons simbólicos quanto pelo seu valor de uso prático, portanto hoje, mas de forma muito mais complexa, o computador e a internet e suas ramificações — Já bem integradas em fantasias políticas Utópicas — substituíram um antigo consumo artístico e cultural, o qual tanto modificaram como suplantaram. Nós agora consumimos a própria forma de comunicação junto com seu conteúdo.
Mas essa distinção — entre forma e conteúdo — agora me traz ao essencial do que eu queria observar sobre a arte hoje, em que não é apenas uma era pós-moderna como também teórica. O grande escritor de ficção cientifica Stanislaw Lem certa vez compôs uma série de críticas de livros imaginários do futuro, que nem ele nem ninguém mais jamais escreveria. Era um gesto profético, e demonstrava que se poderia consumir a ideia de um livro de forma tão prazerosa quanto o próprio livro.
Como então caracterizar o espírito das novas obras? Eu quero voltar àquela velha categoria da crítica de arte que invocava a inspiração, o Einfall, a "ideia" para uma obra, e adapta-la a essa nova produção para a qual a "ideia" é um tipo de descoberta técnica, ou talvez uma invenção no sentido das engenhocas de inventores doidos, solitários ou obsessivos. Arte hoje é gerada por uma única ideia brilhante que, combinando forma e conteúdo, pode ser repetida ad infinitum até que o nome do artista assume um tipo de conteúdo próprio. Assim o artista chinês Xu Bing concebeu a ideia de inventar conjecturas de linhas e pinceladas que parecem verdadeiros caracteres chineses mas eram completamente sem significado: Podemos pensar em palavras nonsense, ou mesmo no Zaum futurista ou na linguagem inventada de Khlebnikov, mas ainda esses fenômenos ocidentais realmente não tem equivalente para a dimensão visual do sistema chinês.
Isso foi portanto uma notável concepção ou Einfall, a descoberta de um gênio, como queira— Contanto que seja entendida que não constitui nem uma inovação formal, nem a elaboração de um sistema; nem é auto-referencial no sentido modernista, nem estético no sentido de alterar ou estranhar a percepção ou intensifica-la. Me contaram que o título original de Xu Bing — "Leaves from Heaven" — tem sua ressonância na tradição chinesa e pode ser tomado, ainda mais que mera alusão, como um comentário integral a respeito desta. Do mesmo modo, a maior parte do pós-modernismo pode ser apreendido como um comentário sobre o modernismo, como uma tradição formal comentando sobre a outra: simulacro de significados não incompatível com a análise que proponho.
Deixe-me dar outro exemplo, um literário dessa vez. Como um exemplo particular e inesperado de tal obra, vou destacar Remainder de Tom MacCarthy, uma narrativa na qual um homem cujo passado foi obliterado contrata pessoas para reconstruir nos mínimos detalhes fragmentos do que ele acredita serem memórias; talvez os fragmentos sejam ainda o pano de fundo dos eventos que ele esqueceu — porém aqui eles se tornam, junto com sua reconstrução, eventos por si próprios. Então aqui temos o evento pós-moderno ou o não-evento comentando os eventos narrativos de outra, modernista, era; e no processo ilustrando a tese sobre temporalidade que pretendo promover aqui, a noção de singularidade é puro presente, sem passado ou futuro.
One-Offs
Permitam-me dizer duas coisas mais. Ambos essas obras são eventos formais de uso único irrepetíveis (em seus próprios presentes puros, por assim dizer). Eles não envolvem a invenção de uma forma que pode ser usada de novo e de novo, como um romance naturalista por exemplo. Nem há alguma garantia de que seu qualquer coisa tão boa ou mesmo que valha à pena (Não se intende nenhuma censura a ambos esses ilustres artistas): O ponto sendo que essas obras não são em nenhum estilo pessoal, nem são blocos de construção de toda uma obra [oeuvre]. O dicionário nos diz que a palavra "artifício" significa "qualquer pequeno dispositivo usado por um mágico em um truque performático" [6]: Portanto essa não é a melhor caracterização também, mesmo que é a invenção de uso único de um dispositivo que impressiona alguém nessas obras. É, no entanto, um dispositivo de uso único que deve ser jogado fora assim que o truque — uma singularidade — foi realizado.
Deixe-me tentar uma fórmula diferente, inspirada nas observações anteriores a respeito do consumo de tecnologia. Quero sugerir que, em muito do mesmo modo, aqui a forma da obra se tornou conteúdo; e o que consumimos nessas obras é a própria forma: em Remainder muito explicitamente a construção da obra em si virtualmente ex nihilo. Mas, novamente, a especificidade desses eventos de uso único não é capturada adequadamente se nós os re-assimilamos a esses textos modernos que chamei de "auto-referenciais", que eram de algum jeito "sobre" si mesmos. Talvez possamos sugerir que no texto modernista o esforço é assemelhar forma e conteúdo tão completamente que não podemos realmente distinguir um do outro; enquanto nos pós-modernos uma separação absoluta precisa ser alcançada antes que forma possa mesclar-se no conteúdo.
A questão é se podemos chamar essa arte "conceitual" sentido mais velho e portanto mais tradicional? Eu entendo arte conceitual como a produção de objetos físicos que flexionam categorias mentais ao colocá-las umas contra as outras. Porém essas categorias, se pudermos expressá-las dessa forma ou não, são de alguma maneira formas universais, como as categorias de Kant ou os momentos de Hegel; e objetos conceituais são portanto um pouco como antinomias ou paradoxos ou koans no domínio filosófico-verbal — ocasiões para a prática meditativa.
Neo-conceitualismo pós-moderno não é de forma alguma assim: com Xu Bing e a produção artística pós-moderna pela qual eu o julgo paradigmático, me parece que a situação é completamente diferente. Seus "textos" são como se estivessem encharcados de teoria — são teóricos tanto quanto são visuais — mas não ilustram uma ideia; nem colocam uma contradição através de seus ritmos, nem forçam a mente a seguir os olhos inexoravelmente através de um paradoxo ou antinomia, na ginástica de algum exercício conceitual. Um conceito está lá, mas é singular; e essa arte conceitual — se é isso que é — é nominalista ao invés de universal. Hoje em dia portanto nós consumimos, não a obra, mas a ideia da obra, como nas críticas de livros imaginários de Lem; e a própria obra, se ainda podemos chamá-la assim, é uma mistura de teoria e singularidade. Não é material — nós a consumimos como ideia e não como presença sensória — e não é sujeito à ideia de universalismo estético, conquanto cada um desses artefatos reinventa a própria ideia de arte em uma forma nova e não-universalizável, então é nesse sentido mesmo duvidoso se devemos de todo usar o termo geral arte para tais eventos-singularidades.
Um Interlúdio Culinário
Eu não esqueci que prometi traçar algumas analogias e, de fato, relacionamentos entre esse novo tipo de arte e outras práticas contemporâneas, como o novo tipo de economia pós-moderna. Mas não posso resistir inserir aqui um tipo diferente de evento estético pós-moderno: Será breve, como as porções são em todo o caso tão pequenas. Me refiro à cozinha pós-moderna, como exemplificada no restaurante (agora fechado) El Bulli de Ferran Adrià, no que é as vezes chamado (ele não gosta do termo) "cozinha molecular". Os trinta e cinco pratos que formam uma refeição no El Bulli são todos de aparência estranha (ou se eles parecem familiar você se chocará ao experimentá-los). Não são mais objetos naturais, ou talvez eu deva dizer não são mais objetos realistas: Por sua vez, são abstrações do natural — o gosto do aspargo por exemplo, ou beringela ou do caqui, foi separado do corpo do seu recipiente natural e encarnado em uma nova textura e forma: Não apenas na famosa espuma (cujo auge no El Bulli se extende a um período mais antigo, acredito), mas nos pequenos formatos de caviar, ou bolas de melão, líquidos, esponjas, dobras e similares. Enquanto a nova forma é importante em si e para si, e cada novo item é gravado e registrado — não apenas por uma receita escrita e então computadorizada, apesar de achar que elas nunca são cozinhadas de novo depois daquela temporada — mas por fotografia: É a imagem que é preservada, e você consome a imagem, junto com a ideia: e de fato se consome a conjunção de elementos, no que é, assim como a arte pós-moderna, um evento único.
As velhas comidas, seja no realismo da cozinha clássica ou no modernismo da nova [nouvelle] variedade, eram ainda classificáveis sob os grandes universais frutos do mar, carne, vegetais, temperos e similares. Os experimentos no El Bulli — esses lanches de astronautas, como foram chamados — não são meros exercícios tecnológicos ou científicos, em que os limites da transformação de objetos naturais é testada, tal como aqueles do sistema gustativo humano. Também são experimentos de linguagem, na qual a relação entre palavra e coisa é examinada, e aquela entre o universal e o particular. Ou talvez seja na verdade a relação entre pensamento e linguagem em si que está sob escrutínio aqui, e a capacidade do universal de controlar os nossos sistemas de nomeação. Em todo o caso, os pratos de Ferran Adrià apresentam o problema da singularidade de uma maneira dramática, reproduzíveis como são. Emergem de um esquema de nomenclatura e classificação que durou milhares de anos, para confrontar-nos uma originalidade que também é um evento; Desse modo apresentam problemas filosóficos que parecem ser novos, estranhos sintomas de uma inesperada mutação histórica.
2. O Domínio da Economia.
Esses sintomas agora demandam ser inventariados mais profundamente; nem é esse ou aquele preconceito dogmático que leva a assumir que alguma mudança realmente fundamental ou estrutural necessariamente deixa alguma marca visível na economia como tal, qualquer outros níveis de vida social isso pode poupar — e deixando de lado toda a questão socio-metafísica de últimas causes e consequências ou de "determinante em última instância". De fato, me parece mais e mais óbvio que nenhuma descrição do pós-moderno pode omitir a centralidade da economia pós-moderna, que pode ser sucintamente caracterizada como o deslocamento da produção industrial antiquada pelo capital financeiro.
Sigo Giovanni Arrighi ao ver a emergência de um estágio de capital financeiro como um processo cíclico: Como Fernand Braudel memoravelmente colocou, "chegando ao estágio de expansão financeiro", todo o desenvolvimento capitalista "em certo sentido anuncia sua maturidade"; capital financeiro "é um sinal do outono". Os três estágios cíclicos de Arrighi podem ser resumidos como: A implementação de capitalismo em uma nova região; seu desenvolvimento e a gradual saturação do mercado regional; o recurso desesperado de um capital que não mais encontra investimento produtivo para especulação e o lucro "fictício" do mercado de ações. Mas a história de Arrighi é uma que segue os saltos descontínuos do capital, como uma praga, do centro para o futuro centro: Genoa, Holanda, Inglaterra e finalmente os Estados Unidos. Com a globalização essa busca por novos territórios pareceria ter chegado a um fim, e portando para uma crise quase terminal.
De qualquer modo, e por mais simplista que seja essa "narrativa linear" e seu resultado tão previsível, pode-se pelo menos afirmar que o nosso próprio momento de capital financeiro envolve um novo tipo de abstração. De fato Marx analisou o capitalismo industrial como um processo de abstração no qual o produto útil é convertido no valor abstrato da forma-mercadoria, na qual tipos concretos de habilidades e trabalho foram transformados em "trabalho abstrato". Mas agora, com o assim chamado capitalismo acionista, a firma familiar torna-se valor no mercado de ações, a natureza do produto é apagada em função de sua profitabilidade, e as fichas daquele assim chamado capital fictício são trocadas na acumulação de diferentes tipos de capitais, o qual só pode ser pensado como capital elevado ao segundo grau. Esse desenvolvimento tem seus sintomas culturais, que são talvez mais instanciações dramáticas que o gênero financeiro mais arcano. Assim, a abstração da arte moderna pode-se dizer ter refletido a abstração de primeiro-grau da própria forma-mercadoria, visto que os objetos perderam seu intrínseco valor de uso e foram substituídos por um novo tipo de moeda social: modernistas espiritualistas disputavam com modernistas materialistas para renderizar os "mistérios teológicos" (nos termos de Marx) desse novo mundo-objeto.
Mas com a virada especulativa, algo como o realismo voltou à arte: é o realismo da imagem, contudo, o realismo da fotografia e da assim chamada "sociedade do espetáculo". Isso é agora abstração de segundo grau ainda mais complexa, na qual apenas o simulacro das coisas pode ser chamado a tomar seu lugar e oferecer sua aparência. De onde, há um e mesmo tempo, na teoria, a proliferação de especulação semiótica também, e uma miríade de conceitos de signos, o simulacro, a imagem, a sociedade-espetacular, imaterialidades de todos os tipos, incluindo também as principais ideologias de linguagem e comunicação. Poucas dessas, porém, anteciparam a reflexão de seus próprios meandros no reino que o capitalismo financeiro logo ofereceria.
Seguranças Fictícias
Uma única ilustração pode ser dada aqui, embora central e significativa, e é a estranha, de fato única, mutação do tradicional investimento em seguro no que hoje é chamado de derivativo. Isso realmente é uma verdadeira mutação, a transformação do velho mercado de futuros — um remanescente do setor agrícola ainda mais arcaico que a industria pesada — em algo não apenas mais rico e estranho mas também incompreensível. Derivativos há muito são, talvez, as mais visíveis (e escandalosas) inovações do capitalismo financeiro, atraindo ainda mais atenção desde o crash de 2008 o qual, para muitas pessoas, eles foram ao menos uma causa parcial. Outras novidades — como negociações de alta frequência — foram assunto de debates mais recentes e certamente tem uma influência fundamental na temporalidade do capitalismo tardio. Mas o derivativo é um objeto tão peculiar (ou "instrumento financeiro" como tais produtos são chamados) que retribui atenção como um objeto paradigmático por si mesmo.
Não é possível projetar um conceito do derivativo, por razões que logo emergirão; cada exemplo do derivativo será portando não-exemplar e diferente de qualquer outro. E talvez ainda um modelo simplificado de um dos melhores livros sobre o assunto pode nos dar um sentido disso, simultaneamente com sua indissolúvel relação com a globalização. Os autores imaginam uma corporação americana contratando para prover dez milhões de celulares para uma subsidiária brasileira de uma firma sul-africana [6]. A arquitetura interna do dispositivo será produzida por uma empresa alemã-italiana, seu revestimento por um manufatureiro mexicano e uma firma japonesa providenciará outros componentes. Temos aqui pelo menos seis moedas diferentes, suas taxas de câmbio em fluxo perpétuo, como é a norma padrão na globalização hoje. O risco de uma imprevista variação nessas taxas de câmbio será então subscrito por um tipo de seguro — um que combina talvez seis ou sete contratos de seguro diferentes; e é esse pacote inteiro que faz "instrumento financeiro" que é esse derivativo único em questão. Obviamente a situação (e o "instrumento") na realidade sempre será muito mais complicado. Mas o que é claro é que, mesmo tomando os antiquados mercados de futuros sobre cultivos como um ancestral simplificado e primitivo, não poderá jamais haver um outro derivativo como esse, em sua estrutura e requerimentos. De fato, é mais um único evento que um contrato — algo com uma estrutura estável e um status jurídico. Enquanto isso, como esses autores apontam, isso só pode ser inspecionado e analisado após o fato, sendo assim, para o conhecimento, esse "evento" só existe no passado. Os autores concluem, pessimisticamente, que não se poderá jamais existir uma genuína regulação para esse tipo de transação já que cada uma é radicalmente diferente: em outras palavras, não se pode realmente ter leis para moderar a dinâmica desse tipo de instrumento; o qual uma autoridade como Warren Buffett chamou de o equivalente financeiro da bomba nuclear.
O derivativo é, de outra perspectiva, simplesmente uma nova forma de crédito e, portanto, simplesmente uma nova e mais complicada forma daquilo que Marx chamou de "capital fictício": Isto é, dinheiro bancário que não pode ser inteiramente convertido em dinheiro real (por isso o desastre dos assim chamados "pânicos bancários") e que representa um "reclamação de capital" ou "reclamação de dinheiro" ao invés de dinheiro e capital realmente. E ainda não é de tudo surreal, sendo que "a acumulação dessas reivindicações surgem da acumulação real".
O que é confuso aqui não é a meramente a coisa em si mas também a palavra "ficção" (ou "fictício"), que compartilha com outros termos, como o imaginário, o mistério ontológico de algo que ao mesmo tempo é e não é: Isto é, compartilha o mistério do futuro, e iremos examinar as dimensões temporais do problema em um instante. Basta dizer que, se o derivativo compartilha a peculiaridade filosófica de todas as formas de crédito, entretanto representa algo como o salto dialético de quantidade para qualidade, e uma transformação tão central para o sistema — e tão momentoso em suas consequências — a ser considerada como um fenômeno historicamente novo por si próprio, seja lá qual for sua genealogia.
Mas antes de refletir sobre essa dimensão temporal do derivativo, vale a pena demorar um momento mais em suas funções como um locus de incomensurabilidades, de fato, como o próprio link entre realidades em um mundo de diferenciações incalculavelmente numerosas e complexas. No nosso próprio exemplo ("fictício"), múltiplas nacionalidades e processos de trabalho, múltiplas tecnologias, incomparáveis formas de trabalho vivo e modos de vida, para não falar das múltiplas moedas as quais nós enfatizamos primariamente (tal como o valor internacional de cada uma dessas moedas é uma função de todas essas outras dimensões) — uma serie de realidades completamente distintas e não-relacionadas são momentaneamente trazidas em relação uma com a outra no derivativo. Diferença relaciona, como coloquei em outro lugar: o derivativo é o próprio paradigma da heterogeneidade, mesmo a heterogeneidade no coração daquele processo homogêneo que chamados de capitalismo. De fato, não estou longe de acreditar que o incrível sucesso do termo heterogeneidade no nosso tempo deriva justamente dessas amálgamas, na qual diferentes dimensões — dimensões não apenas quantitativamente distintas mas qualitativamente incomensuráveis: diferentes espaços, diferentes populações, diferentes processos de produção (manual, intelectual ou imaterial), diferentes tecnologias, diferentes histórias — são trazidos em relação um com o outro, contudo fugazmente.
O real, nos convencemos, se tornou radicalmente heterogêneo, senão incomensurável. Mas então ao mesmo tempo devemos lutar para nos livrarmos da enganadora homogeneidade do pensamento também — devemos cuspir em Hegel, como uma feminista italiana famosamente disse — e devemos declarar guerra, seguindo a formula de Lyotard, não somente contra a totalidade mas contra a própria homogeneidade, como se fosse o paradigma do idealismo como tal. Mas há um aviso a ser adicionado aqui: e está contido no próprio fatídico termo de Marx, subsunção. Subsunção significa tornar heterogeneidades em homogeneidades, subsumindo-as em abstrações (que são idealismos por definição), standardizando a multiplicidade e tornando-o naquela coisa terrível que era para ter sido evitada a todo o custo, nomeadamente o Um como tal.
Mas a subsunção não é apenas um vício do pensamento, é real. É o capital que absorve as heterogeneidades e as faz parte de si mesmo, que totaliza o mundo e faz dele Um. A única coisa que não pode subsumir, aparentemente, é a própria entidade humana, para a qual os atraentes termos teóricos "excesso" e "restante" são reservados. (Mas não é o esforço final do "pós-humano" absorver esse restante indivisível?)
Futuros Efêmeros
Ainda, acima e além disso como fosse a heterogeneidade sincrônica, que a subsunção tenta dominar e controlar em uma homogeneidade de maior nível de complexidade, há a temporal a ser considerada, particularmente sob a luz de sua posição paradoxal no presente projeto. Pois eu estive argumentando que no coração de toda descrição da pós-modernidade ou capitalismo tardio há de ser encontrado o fenômeno historicamente estranho e único da volatilização da temporalidade, uma dissolução de ambos o passado e o futuro, um tipo de aprisionamento contemporâneo no presente — redução ao corpo, como eu chamei em outro lugar — uma perda existencial e coletiva da historicidade de tal modo que o futuro desvanece como impensável ou inimaginável, enquanto o passado se torna uma imagem empoeirada ou filmes hollywoodianos de atores de perucas e similares. Claramente, esse é um diagnóstico político como também existencial ou fenomenológico, já que é entendido para indiciar nossa atual paralisia política e inabilidade de imaginar, quanto mais organizar, o futuro e a mudança futura.
E a ilustração ou símbolo ou alegoria para tudo isso acontece de ser justamente o derivativo, aquele dos velhos mercados de futuros que de fato envolviam apostas no futuro, o futuro da carne, algodão e grãos. Então mesmo que o derivativo talvez seja mais complexo, no sentido de que eles parecem apostas sobre apostas ao invés de apostas sobre safras reais, não há uma dimensão de futuridade neles que contradiz e refuta esse diagnóstico temporal e até mesmo político? É obvio que a desconstrução da pós-modernidade em termos de um dominante de espaço sobre o tempo não pode nunca, pelos seres temporais que somos, significar a completa abolição da temporalidade, não obstante o quão melodramaticamente eu encenei nossa atual situação temporal no ensaio mencionado acima. Nós temos que aqui, portanto, realizar uma investigação no status do tempo em um regime de espacialidade; e isso significará não a temporalidade reificada ou espacializada de Bergson, mas sim algo perto da abolição, ou ao menos repressão, da historicidade.
Mas, de qualquer modo, o que é historicidade, ou verdadeira futuridade? Podemos ter certeza que não é ruinosa ansiedade sobre um futuro distópico — essas fantasias precisam ser lidadas em um outro ramo de psicopatologia social. Nem envolve este ou aquele credo religioso ou milenar de uma redenção futura. Ainda assim, existem várias visões existenciais do futuro em competição no nosso atual sistema social. O empresário e o economista tentam se apropriar do futuro por meio de múltiplos cenários construído de uma combinação de motivações e tendências humanas e institucionais: Isso é uma futuridade de curto-prazo, organizadas em volta de categorias de sucesso e fracasso que não me parecem particularmente relevantes para maiores coletividades humanas. Para Heidegger, em contraste, história e futura é largamente uma questão de missão geracional, um chamado ou vocação de uma específica nova geração em dada nação: Essa pode não ser uma noção particularmente relevante hoje, mas sua própria ausência é reveladora (e tem muito à ver com o desaparecimento de avant-gardes ou vanguardas, artísticas ou políticas). Eu mesmo sinto que, para o momento e na no nossa atual situação histórica, um senso de história só pode ser despertado por uma visão utópica para além do horizonte do nosso atual sistema globalizado, que aparenta ser muito complexo para ser representado no pensamento. Por mais que seja assim, parece claro que uma genuína historicidade pode ser detectada por sua capacidade de energizar ações coletivas e que sua ausência é traída por apatia e cinismo, parálise e depressão.
Vamos pensar, portanto, senão dialéticamente, então pelo menos psicanáliticamente; e pensar em futuridades pós-modernas como compensações para um tempo presente paralisado por suas protensões e retenções (para usar a linguagem de Husserl) e incapaz de de projetar programas vigorosos para ação e práxis por suas próprias forças. Aqui pertencem, sem dúvida, qualquer número de fantasias culturais e obsessões, que merecem atenção por si próprios. Mas os futuros dos derivativos — de fato, os futuros do capital financeiro geralmente pego naquele ciclo vicioso pelo qual o capitalismo não pode existir ao menos que continue a crescer e acumular, a expandir e produzir capital sempre novo de suas operações — são excepcionais por sua singularidade: futuros que são efêmeros, efeitos únicos muito como o texto pós-moderno; futuros que são, cada um deles, eventos ao invés de dimensões completamente novas ou elementos, como alguém falaria dos elementos naturais como água e ar. Todos os futuros são fictícios, sem dúvidas, no sentido que nós usamos a palavra, ao mesmo tempo que são inexoravelmente e constitutivamente imprevisíveis, inantecipáveis e contigentes em sua própria imprevisibilidade. Mas a atual obsessão dos economistas com "riscos" nos alertam de ansiedades historicamente novas, que podem ser mais manejáveis se pensadas em termos de regimes de valor.
De fato, é para essa área geral do compasso que Capitalism with Derivatives de Dick Bryan e Michael Rafferty — um livro interessante e ultimamente delirante — nos direciona [7]. O contexto é o mundo sistema financeiro mundial como tal, até agora estabilizado por várias moedas nacionais hegemônicas (A libra Britânica e depois o dólar americano) e sua relação constitutiva com o ouro como um padrão universalmente aceito (ou forma de "truste", como as pessoas do risco gostam de falar). A história do fim daquela era na dissolução do acordo de Bretton Woods por Nixon é bem conhecida, e miticamente inaugura um período no qual o valor flutua livremente porém de forma ordenada, devido ao "truste" no Estados Unidos e o seu poder hegemônico. Mas o que nós hoje chamamos de globalização traz uma modificação daquela estabilidade, mesmo que apenas devido ao alargamento do seu contexto para uma escala realmente global, o que significa a re-entrada de outras moedas rivais, o euro e o renminbi chinês, após o fim da guerra fria. As desregulações de Tatcher-Reagan, economia pós-moderna ou neo-liberalismo, não são tanto a causa da "instabilidade" do valor e sua "flutuação" mais agitada como são uma reação a eles por parte dos grandes negócios.
Essa é a situação na qual Bryan e Rafferty tem uma proposição espantosa: nomeadamente, que no atual sistema de "taxas de câmbio variáveis e as vezes voláteis", derivativos "desempenharam um papel que é paralelo àquele desempenhado pelo ouro no século dezenove" [8]. Em um sistema de moedas nacionais relativizadas cada derivativo, como uma única e momentaneamente definitiva combinação dos valores dessas moedas, agem como um novo padrão de valor e portanto como um novo Absoluto. É um pouco como a ideia de Malabranche sobre o ser do universo: Somente Deus pode mantê-lo no ser e deve, portanto, reinventá-lo a cada instante. Essa é a conclusão lógica definitiva do paradoxo do derivativo: Não que cada derivativo é um novo começo, mas que cada derivativo é um novo presente de tempo. Ele não produz nenhum futuro de si mesmo, apenas um outro e diferente presente. O mundo do capital financeiro é esse presente perpétuo — mas não é uma continuidade; é uma série de eventos singulares.
Nós podemos retornar à nossa ilustração anterior, na medida que o texto pós-moderno — para nós um termo mais neutro que obra — ou o efeito artístico efeito-singularidade pós-moderno, se preferir, é do mesmo tipo único que aquele instrumento de uso único chamado derivativo. Ambos são pelo menos parcialmente o resultado da situação da globalização, na qual múltiplos determinantes em constante transformação, em diferentes taxas de velocidade, doravante tornam problemática qualquer estrutura estável, a menos que seja simplesmente um pastiche de formas do passado. O mercado financeiro mundial é espelhado no mercado mundial de arte, escancarado pelo fim do modernismo e seu cânone eurocêntrico de obras-primas, ao lado com a teleologia implícita ou explícita que o informou. Agora, certamente, tudo e qualquer coisa é possível, mas apenas sob a condição que abrace efemeridade e consinta existir por um breve período, como um evento ao invés de um objeto durável.
3. O Domínio das Idéias.
Mas agora é hora de dizer o que esse misterioso termo "singularidade" realmente significa, o que é e onde pode ser encontrado. Acredito que no turbilhão dos debates atuais podemos identificar e isolar pelo menos três usos (ou talvez quatro). Primeiro vem o uso científico da palavra, o qual não me é claro se singularidade designa algo além das leis físicas que conhecemos ou algo anômalo que ainda não foi explicado por cientistas (mas que vai eventualmente cair em uma alargada lei científica de algum tipo, ainda a ser teorizada). O que é útil aqui é a noção de um evento-singularidade, como um buraco negro que, tal como nas dinâmicas financeiras do derivativo que nós há pouco delineamos, encontra-se na fronteira entre algum tipo de evento irrepetível no tempo e uma única estrutura que pode se reunir apenas uma vez, mas que não obstante é um fenômeno suscetível à análise científica.
Na ficção científica isso logo se torna a ambiguidade dominante, mas ao invés de buracos negros ou as partículas sub-atômicas dos físicos, é ligada a computadores e inteligência artificial. Aqui a singularidade é apresentada como um salto ou mutação evolucionária de algum tipo, algo que pode ser distópico ou utópico dependendo do contexto. Ray Kurzweil se tornou famoso pela sua predição de uma singularidade muito específica, nomeadamente a data na qual, como no filme O Exterminador do Futuro, a inteligência artificial vai alcançar a agência humana e ultrapassá-la, e nós entraremos em uma nova era, cujos esforços heróicos foram gravados em diversos filmes e series de TV. Esse tipo de singularidade é a epítome do retorno dos reprimidos, de um futuro que não somos mais capazes de imaginar mas que insiste em marcar sua iminência com torturante ansiedade. Singularidade distópica seria a emergência de uma espécie mecânica que transcende o humano e sua inteligência (e malignidade) como nas séries Exterminador do Futuro ou Battlestar Galactica. Utópico seria a emergência do pós-humano na até então espécie humana, um tipo de mutação do humano em um novo híbrido ou tipo de andróide de inteligência sobre-humana dentro da nossa própria natureza humana. Mas devo notar o que Kate Kayles apontou — nomeadamente que, de acordo com os termos nos quais eu descrevi derivativos, nós já alcançamos o futuro, na medida que somente computadores podem conceber formações tão complexas, que nenhuma inteligência humana individual poderia possivelmente abarcar e que portanto não seria possível antes da emergência de tal tecnologia de informação [9].
Enquanto isso, também é válido identificar nessas visões uma modernidade residual, no sentido que o modernismo nas artes, como também na política, já tinha postulado uma mutação na vida humana e anteviu esta vindoura imensa revolução mental e física. Teleologias visionárias, o modernismo do make-it-new, transcendências radicais do passado e da tradição, da emergência de novas formas de percepção e de experiência — mesmo, nas políticas de vanguarda, a emergência de novos tipos de humanos — todas as características marcaram o utopianismo do moderno; e como eu disse, pesadelos pós-modernos e pós-humanos podem simplesmente ser o retorno dos reprimidos dessa agora asfixiada temporalidade e historicidade: Visões de um vindouro tempo de problemas tem sua relação dialética com uma política anarquista do Agora, do momento intemporal. Ambas são certamente preferíveis às certezas presunçosas e auto-satisfeitas sobre o fim da história atualmente destiladas pelos nossos ideólogos.
Razão Cínica?
Chegamos finalmente (ou ao menos em terceiro lugar) à ideia de singularidade na filosofia, e por extensão na teoria social e política. Aqui encaramos um embaraço de riquezas já que hoje há tantos reclamantes que hasteiam a bandeira da assim chamada filosofia pós-moderna. Eu mesmo quero insistir que a presente análise não é filosofia como tal, como não é exatamente um ato de aliança com o pós-moderno: Novamente, quero descrever sintomas históricos ao invés de minhas próprias posições; e quero documentar a proposição que atualmente entramos, não uma nova era, mas certamente um novo e terceiro, globalizado, estágio do capitalismo como tal.
Então as posições filosóficas pós-modernas que quero sublinhar não devem ser entendidas como minha própria inclinação filosófica, apesar de que na medida que estas constituem a doxa ou opiniões mais difundidas do momento presente, eu certamente não estou imune de sua influência ou atração, não mais do que qualquer outro que participe ativamente da vida e cultura desse período. Filosofia pós-moderna é geralmente associada com dois princípios fundamentais, nomeadamente anti-fundacionalismo e anti-essencialismo. Essas podem ser caracterizadas como, respectivamente, repúdio de metafísica, isto é, de qualquer sistema definitivo de significado na natureza ou no universo; e como a luta contra qualquer ideia normativa de natureza humana. (Talvez construtivismo e um certo historicismo podem ser adicionados a esses dois princípios.) É geralmente identificada por seus adversários — a maioria destes modernistas, mesmo quando têm inclinações espiritualistas — como relativismo.
Agora, em certo sentido muitos dos modernistas também acreditavam nessas coisas (a maioria deles, por exemplo, já podem ser encontrados no existencialismo sartreano). Mas na maioria os modernistas tendem a expressar tais princípios em sotaques de angústia ou pathos. O grito de guerra de Nietzsche sobre a morte de Deus era sua palavra de ordem, ao lado de várias lamentações sobre o desencanto do mundo e vários relatos puramente psicológicos de alienação e dominação da natureza. O que distingue a filosofia pós-moderna, na minha opinião, é o desaparecimento da angústia e pathos. Ninguém mais parece sentir falta de Deus, e alienação numa sociedade de consumo não parece ser um prospecto particularmente doloroso ou estressante. A metafísica desapareceu completamente; e se a devastação do mundo natural é ainda mais severa e óbvia que no período anterior, ecologistas realmente sérios — do tipo radical e ativista — fazem algo politicamente e praticamente à respeito, sem nenhum espanto filosófico em face de tais depredações por parte de corporações e governos, na medida em que o último só está vivendo os seus instintos inatos. Em outras palavras, agora ninguém está surpreendido com as operações do capitalismo globalizado: algo que uma antiga filosofia acadêmica nunca se preocupou em mencionar, mas que os pós-modernos tem por garantido, algo que bem pode ser chamado de Razão Cínica. Mesmo o aumento da miséria e o retorno da pobreza e desemprego em uma escala mundial massiva, escassamente são motivos de assombro para qualquer um, tão claramente eles são o resultado do nosso próprio sistema político e econômico e não dos pecados da humanidade ou da fatalidade da vida na Terra. Nós estamos, em outras palavras, tão completamente submergidos no mundo humano, naquilo que Heidegger chama de ontico, que nós temos pouco tempo para aquilo que ele gostava de chamar de questão do Ser.
Mas agora precisamos nos perguntar sobre o lugar da singularidade nisso tudo, e eu vou argumentar que isto deve ser encontrado no debate filosófico sobre universais, algo que melhor pode ser ilustrado socialmente e politicamente. A mais dramática instanciação prática do debate sobre universais pode ser encontrado nas áreas do feminismo e preferência de gênero, pois para afirmar os direitos universais para as mulheres é também necessário desafiar culturas em que um status de subordinação da mulher é prescrito. Tais culturas atribuem uma essência subordinada à mulher e são portanto essencialistas das maneiras mais fundamentais. No entanto, o problema filosófico jaz precisamente aqui, no fato de que a doutrina dos direitos humanos universais é ela mesma uma doutrina de universais e portanto implicitamente essencialista. Sempre nos surpreendemos, nos Estados Unidos, quando mulheres de outras culturas repudiam o feminismo americano, ele próprio um acessório da política externa americana, como uma questão puramente cultural e um componente intrínseco do imperialismo americano e opressão; é um debate que subitamente revive e inflama todos os antigos debates sobre modernidade e progresso histórico. Mas é um processo dialético, no qual novas culturas de revolta instituem novas normas culturais que, por sua vez opressivas e hegemônicas, elas próprias invocam o mesmo tipo de luta travada contra os antigos universais. A afirmação por esses novos coletivos de sua própria excepcionalidade e singularidade, que frequentemente aparentam tomar a forma de revival religioso, deste modo minando o próprio ideal de singularidade, que é por conseguinte reduzido a uma questão puramente individual.
Entretanto, essa luta social e política ainda retém sua forma filosófica. Pois a questão dos universais, que também é a questão não de particulares mas de singularidades, estava no seio da velha controvérsia medieval à respeito do nominalismo: e o último afirmou que universais eram pouco mais palavras e abstrações verbais, flatus vocis, que não tinham relevância para o mundo de coisas e itens verdadeiramente individuais, um mundo de singularidades. Singularidade, em outras palavras, propõe algo único que resiste o geral e o universalizante (quanto mais o totalizante); nesse sentido, o conceito de singularidade é ele mesmo singular, pois não pode ter um conteúdo geral e é meramente uma designação para aquilo que resiste à subsunção em categorias abstratas e universais. A própria palavra carrega consigo o perene grito dos existencialistas contra o sistema e a feroz resistência dos anarquistas contra o estado.
A luta contra universais é portanto a luta contra normas hegemônicas e valores institucionais, quer culturais ou judiciais. Pois a posição pós-moderna pode ser resumida na convicção de que universais são inevitavelmente normativos, e portanto opressivos e compulsórios para indivíduos e minorias; em outras palavras, são essências e implicita ou explicitamente sempre afirmam a norma da qual todas os desvios podem ser mensurados e o indivíduo ou coletivo fora dos padrões identificado e condenado. E denunciar tais normas tornam-se um problema político ardente, como nas políticas das identidades e nas políticas de grupos secessionistas e culturas marginais e oprimidas. Pois no limite a norma hegemônica pode alcançar ideais de limpeza étnica e genocídio. Tal é sua ambiguidade, no entanto, que afirmação cultural ou nacional pode também constituir um protesto contra o imperialismo, standardização e a deteriorização da autonomia nacional sob a globalização.
Portanto devemos agora insistir na ambivalência dialética desses problemas filosóficos, dos debates sobre nominalismo e universais, ou da singularidade e da norma. Pois para ninguém menos que um pensador como Adorno, o termo nominalismo era uma reprovação e uma critica, o diagnóstico de tudo aquilo sufocante no capitalismo tardio: nominalismo para ele incluía impiricismo e positivismo e a gradual extinção do negativo e do dialético — nomeava uma ordem social tão absoluta que nenhum pensamento crítico, quanto mais resistência política, poderia acontecer em seu seio: a versão de um filósofo, sem dúvida, de uma distopia pós-moderna. A teoria de Adorno pode ser vista como uma teoria dialética da pós-modernidade (não são suas palavras!) na qual as contradições fundamentais entre a totalidade e o singular jamais podem ser resolvidas.
Mas seria um erro pensar tais contradições filosóficas como autônomas, ou realizando-se em um domínio em que elas pudessem ser resolvidas por um pensamento ainda vigoroso: Elas tem sua própria semi-autonomia, como Althusser gostava de dizer, mas elas também são, acima e além de sua lógica interna, sintomas de um sistema sócio-econômico, capitalismo, em seu desenvolvimento e evolução interna, cujas contradições (irrepresentáveis) elas expressam. Contradições filosóficas, entretanto, não podem ser resolvidas filosoficamente.
4. Subjetividade e Política.
Já para as contradições da cultura pós-moderna ou subjetividade pós-moderna, é provavelmente desnecessário, sob a luz da volumosa literatura à seu respeito, aprofundar nelas em qualquer medida. As fortunas do sujeito individual começam a declinar no estruturalismo (junto com o próprio individualismo social), através dos vários estágios em que o "sujeito centrado" foi completamente denunciado, até que chegamos à bem conhecida "morte do sujeito", comparável no nosso tempo somente com a morte de Deus de Nietzsche (o filósofo dionisíaco de fato havia nos avisado que nós não seriámos capazes de completar o último até que nós tivéssemos lidado com o próprio sujeito gramático).
Eu argumentei aqui que é mais produtivo apreender esse desenvolvimento nos termos da morte da historicidade; ou para ser mais preciso, o enfraquecimento da nossa experiência fenomenologia do passado e futuro, a redução da nossa temporalidade ao presente do nosso corpo. O fim do sujeito burguês tem sido tradicionalmente enquadrado nos termos do crescimento dos monopólios, o fim da clássica livre iniciativa e a proliferação daquilo que uma vez conhecemos como "homem organizacional". O diagnóstico refletia a crescente fragilidade do antigo individualismo burguês, sua deterioração sob condições de instituições de larga escala e o declínio da competição capitalista que trouxe o individualismo à existência em primeiro lugar, como um ego aquisitivo agressivo e uma poderosa identidade Édipa. Todas as características que atribui à algumas subjetividades propriamente pós-modernas deviam ter sido entendidas nos termos desse processo — a redução ao presente, o corpo como uma última realidade para sobreviver à exaustão da cultura burguesa, a mutabilidade do afeto substituindo as posturas auto-confiantes de um anterior sistema emocional.
Hoje não falamos mais de monopólios mas de corporações transnacionais, e os nossos robber barons (barão ladrão) se tornaram os grandes financistas e banqueiros, eles próprios des-individualizados pelas instituições massivas que administram. É por isso, na medida que o nosso sistema se torna ainda mais abstrato, é apropriado substituir um diagnóstico mais abstrato, nomeadamente o deslocamento do tempo pelo espaço como um dominante sistêmico, e a obliteração da temporalidade tradicional por essas múltiplas formas de espacialização que chamamos de globalização. Esse é o quadro que no qual agora podemos analisar as fortunas da singularidade como uma experiência cultural e psicológica, antes de passar à sua última realização na política hoje.
Mas globalização tem sido muito frequentemente sido analisada negativamente como a irresistível propagação do capitalismo e financialização em todo o mundo, a implacável dissolução de todas as remanescentes produções e agricultura pré-capitalistas ou mesmo capitalistas-primitivas, o sistemático "fechamento" de todas essas realidades e experiências que até então haviam escapado a comodificação e reificação. Isso é para omitir o lado jubilatório da descrição da chegada do mercado mundial nas primeiras páginas do Manifesto de Marx. De fato, também podemos ver a globalização, ou esse terceiro estágio do capitalismo, como o outro lado ou face daquele imenso movimento de descolonização e liberação que aconteceu em todo o mundo nos anos 60. Os dois primeiros estágios do capitalismo, o período das industrias nacionais e mercados, seguido por aquele do imperialismo e aquisição de colonias, o desenvolvimento de uma apropriada economia mundial colonial — esses dois primeiros momentos foram caracterizados pela construção de alteridades em escala mundial. Primeiro, os vários estados-nação organizaram suas populações em grupos nacionais concorrentes, que só podiam sentir suas identidades através da xenofobia e do ódio do inimigo nacional; que só podiam definir sua identidade pela oposição ao seu número oposto. Mas esses nacionalismos rapidamente tomaram formas não-nacionais como, particularmente na Europa, várias minorias e falantes de outras línguas evoluíram seus próprios projetos nacionais.
Então, no gradual crescimento que não deve ser confundido com a posterior globalização, os sistemas de imperialismo começaram a colonizar o mundo nos termos das alteridades dos seus sujeitos colonizados. Alteridade racial, e um eurocentrico e americocentrico desprezo para as assim-chamadas culturas subdesenvolvidas ou subalternas, particionando pessoas "modernas" daqueles que ainda eram pré-modernos e separando culturas avançadas ou dominantes dos dominados. Com esse momento do imperialismo e modernidade, um sistema mundial de alteridade foi implantado.
Será claro, então, que com a descolonização tudo foi gradualmente varrido: aqueles outros subalternos — que não podiam falar por si mesmos, quanto mais governar a si mesmos — agora pela primeira vez, como Sartre famosamente colocou, podiam falar com sua própria voz e reivindicar sua liberdade existencial. Agora, subitamente, o sujeito burguês é reduzido à equalidade com todos esses antigos outros e um novo tipo de anonimidade reina toda a sociedade mundial como um todo. Essa é uma boa anonimidade, que pode ser oposta com alguma uma satisfação ética para o burguês individualismo cuja a desaparição nós até então saudamos com sentimentos mistos. Bilhões de pessoas agora existem, e não apenas os milhões da sua própria nação e sua própria linguagem.
Como poderia a cultura e a subjetividade não serem transformadas, quando abertas às vicissitudes dessa mais vasta paisagem e população que é a própria globalização? Não mais protegido pela família ou região, nem mesmo pela própria nação e sua identidade nacional, a emergência do sujeito vulnerável num mundo de bilhões de anônimos iguais é destinada a trazer ainda mais mudanças momentosas na realidade humana. A experiência da singularidade é, nesse nível, a própria expressão dessa destituição subjetiva, comumente remediada pela regressão a antigos grupos ou estruturas religiosas, ou a invenção de tradições étnicas pseudo-tradicionais, com resultados indo desde genocídio até hobbies de luxo. Essa dialética, entre egoismo e pseudo-coletividade, carrega consigo ao menos um momento de verdade, a radical diferenciação — qualitativa, ontológica e metodológica — entre a análise da experiência individual e aquela de grupos ou coletivos. Ambas análises dividem o dilema de trabalharem com um objeto imaginário, cuja unidade é impossível e cuja teimosa resistência demanda, por um lado, uma nova ética, e por outro uma nova política. Projetar qualquer uma dessas duas tarefas é utópico; recusa-las é frívolo e niilista. Mas é o dilema político que devemos confrontar na conclusão.
Eu toquei na preponderância do espaço sobre o tempo no capitalismo tardio. A conclusão política a se tirar desse desenvolvimento é simples: Que no nosso tempo, toda a política é sobre território; da mais nobre governança até as menores manobras de vantagem local. A política pós-moderna é essencialmente sobre apropriação de terras, tanto em escala local como global. Esteja você pensando no conflito da Palestina ou na gentrificação e zoneamento nas pequenas cidades americanas, é aquela coisa peculiar e imaginária que nós chamados de propriedade privada ou terra que está em jogo. Essa terra não apenas é objeto de luta entre classes, entre ricos e pobres; ela define sua própria existência e a separação entre eles. Capitalismo começou com o cercamento e ocupação dos impérios Asteca e Inca; e está terminando com o cercamento e despossessão, com o desabrigo num nível tanto individual quanto coletivo e com o desemprego ditado pela austeridade e terceirização, o abandono de fábricas e rustbelts. Esteja você pensando nos assentamentos ou campo de refugiados, alguns deles durando o tempo de uma vida, ou na política de matérias primas e extração; esteja você pensando na despossessão de camponeses para dar lugar a parques industriais, ou em ecologia e na destruição das florestas tropicais; esteja você pensando nas legalidades abstratas do federalismo, cidadania e imigração, ou das políticas da renovação urbana e no crescimento de bidonvilles, favelas e distritos, para não falar dos grandes movimentos dos sem-terra e do Occupy — tudo hoje é sobre terra. A longo prazo, todas essas lutas resultam da comodificação da terra e da revolução verde em todas as suas formas: A dissolução das ultimas remanescências do feudalismo e seu campesinato, sua substituição pela agricultura industria e agronegócio e a transformação dos camponeses em trabalhadores rurais, ao lado de seu eventual destino como exército de reserva dos desempregados agriculturais.
Espaço e terra: Essa suposta reversão ao modo de produção feudal é então espelhada nos experimentos de teóricos econômicos com o retorno às doutrinas de renda em conexão com o contemporâneo capital financeiro. Mas o feudalismo não incluía o tipo de aceleração temporal no seio da redução ao presente de hoje. Como o último pode ser apreendido como espacialização, ao invés de, como alguns sugeriram, a virtual abolição do espaço (na verdade, o espaço que eles tem em mente é o espaço entre as várias bolsas de valores), é um problema representacional crucial para a apreensão da pós-modernidade e capitalismo tardio e em parte alguma mais urgente do que nos cálculos de suas possibilidades politicas.
Pois essas tem sido essencialmente espaciais também, como testemunha o sucesso daquela nova palavra o, em última instância, inominável fato de manifestação coletiva e personificação grupal — multitude. Não apenas o Tiananmen e os vários veludos ou "revoluções" coloridas no leste, mas Seattle, Wisconsin, Praça Tahrir, Occupy, foram todos eventos espaciais, distinguidos da inicial, eufórica, "ilusão lírica" das antigas revoluções (como também das antigas guerras) pelo dispositivo central de organização, o celular, e pelas novas tecnologias de informação. Não basta dizer que eles eram assembleias "guarda-chuva", na qual esquerda e direita, moderados e extremistas, utópicos, liberais e maníacos, participaram: mas também que, diferente das revoluções tradicionais, eles funcionaram como mediadores da desaparição — as operações destrutivas que, por uma hegeliana astúcia da história, limpam o terreno para novos e inesperados desenvolvimentos (Então Manfredo Tafuri em seu maior ceticismo interpretou as grandes realizações críticas e negativas da modernidade — Marx, Freud e Nietzsche — essencialmente como demolidores que pavimentaram o caminho para o capitalismo tardio; eu acho que Pasolini tinha um sentimento algo similar à respeito de 68).
Eu espero que não seja muito formalmente pessimista comparar flash mobs politicamente históricos com a "crise-relâmpago" da bolsa de valores em 6 de Maio de 2010, na qual um trilhão de dólares desapareceram em alguns instantes, apenas para serem magicamente recuperados alguns minutos depois. Certamente seu ritmo seguiu a trajetória clássica descrita por Toni Negri: A crise da velha ordem, a abertura de um ilimitável "poder constituinte", seguido do endurecimento do cimento, a impressão de uma nova "constituição", o colocar-se no lugar de um doravante eterno "poder constitucional" como tal [10]. A eminentemente justificada crítica à esquerda do governo representativo — contra o qual esses flash mobs são primeiramente e principalmente uma repreensão — não parece deixar muito espaço conceitual para uma nova solução; enquanto as "praças" míticas de tais revoltas elas mesmas aparentam doravante meramente prover uma nova forma para outros tipos de manipulação ao invés daquelas de venalidade e corrupção governamental. O Espaço separa tanto quanto une: A Comuna de Paris não foi capaz de arrastar as terras essencialmente agriculturais de Versalhes em sua órbita revolucionária. É a redução pós-moderna ao presente da multitude revolucionária pouco mais que uma temporalidade televisiva, sua matéria prima rapidamente exaurida, sua futura programação sujeita aos Nielsen ratings (medidor de audiência) que ela mesma fabrica? Ou pode a nova temporalidade ser feita a se revelar como o novo Jubileu, o momento do perdão de todas as dívidas e o novo começo absoluto? Talvez o Syriza e Podemos tenham algumas novas respostas a essas questões.
Notas:
[1] François Hartog, Régimes d'historicité: Présentisme et expérience du Temps, Paris 2003; Karl Heinz Bohrer, Plötzlichkeit, Frankfurt 1981. Ver também, para um relato cultural-crítico, Douglas Rushkoff, Present Shock, Nova Iorque, 2013.
[2] —Veja "The Sublime and the Avant-Garde", em Jean-François Lyotard, The Inhuman, Stanford 1991.
[3] "The End of Temporality", Critical Inquiry, vol. 29, no. 4, Verão 2009; agora publicado em Ideologies of Theory, Londres e Nova York, 2009.
[4] Lucy Lippard, Six Years: The Dematerialization of the Art Object from 1966 to 1972, Berkeley 1973.
[5] Postmodernism: Or, the Cultural Logic of Late Capitalism, Londres 1991, pgs. 161–72.
[6] Edward LiPuma e Benjamin Lee, Financial Derivatives and the Globalization of Risk, Durham, nc 2004. Eu sou endividado a Rob Tally por essa referência.
[7] Dick Bryan e Michael Rafferty, Capitalism with Derivatives, Londres 2006.
[8] Bryan e Rafferty, Capitalism with Derivatives, pg. 133.
[9] N. Katherine Hayles, How We Became Posthuman: Virtual Bodies in Cybernetics, Literature and Informatics, Chicago 1999.
[10] Antonio Negri, Insurgencies: Constituent Power and the Modern State, Minneapolis 1999.
Qualquer ontologia do presente precisa ser tanto uma análise ideológica como uma descrição fenomenológica; e como um abordagem da lógica cultural de um modo de produção, ou mesmo de um de seus estágios — como o nosso momento da pós-modernidade, capitalismo tardio, globalização, é — precisa ser histórico também (e comparatista historicamente e economicamente). Isso parece complicado, e parece ser mais fácil dizer o que dita abordagem não deve ser: Não deve ser, para começar, ser estruturalmente ou filosoficamente neutra, no sentido da influente descrição de temporalidades históricas de Kosselek. Mas também não deve ser psicológica, no sentido de critica cultural, que é projetada para extrair julgamentos moralizadores na diagnose do "nosso tempo", seja esse tempo nacional ou universal, como nas denunciações da assim chamada cultura do narcisismo, a geração-eu, o "homem da organização" de um quem-sabe estágio anterior de institucionalização e burocratização capitalista, ou a cultura de consumo e consumismo do nosso próprio tempo, estigmatizada como um vício ou bulimia social. Todas essas características são sem dúvidas válidas como esboços impressionistas; mas de um lado, elas tematizam características reificadas de uma totalidade social muito mais complicada, e por outro, demandam interpretação funcional a fim de ser apreendida de uma perspectiva ideológica.
Portanto estou ansioso que a exposição de temporalidade que quero oferecer aqui não seja interpretada como mais uma critica moralizante ou psicologizante da nossa cultura; e também que as temáticas filosóficas que eu estou trabalhando aqui — aquelas de tempo e temporalidade — não sejam em si mesmas reificadas no nível fundamental de como uma cultura funciona. De fato, a própria palavra cultura apresenta um perigo, conquanto ela pressupõe algum espaço separado ou semi-autônomo na totalidade social que pode ser examinado por si só e então de algum jeito reconectado com outros espaços, tal como o econômico (Na verdade, tal como o "espaço" mesmo). A vantagem de um conceito como "modo de produção" era que ele sugeria que todas essas tematizações eram meramente aspectos ou abordagens divergentes e alternativas de uma totalidade social que nunca pode ser inteiramente representada; ou, melhor ainda, a qual a descrição e a análise sempre solicita um aviso sobre os dilemas da representação como tal. No entanto, é claro, o próprio termo "modo de produção" foi ele mesmo criticado como sendo "produtivista", uma censura que, qualquer sejam as más-interpretações ou má-fé que pode refletir, tem o mérito de nos lembrar que a reificação linguistica como um processo inevitável jamais pode ser definitivamente superada, e que um dos nossos problemas fundamentais enquanto intelectuais é aquele da re-descrição em uma nova linguagem que não obstante aponta sua relação e parentesco com uma tradição específica, nesse caso o Marxismo.
Portanto minhas reflexões sobre temporalidade aqui convidam a todos os tipos de mal-entendidos, não menos em compartilhar características com slogans que foram influentes em outras situações nacionais também. Na França, por exemplo, o conceito de presentismo, le présentisme, se tornou muito difundido desde sua cunhagem por François Hartog; enquanto na Alemanha, a noção de brusquidão e "momento extático" do presente de Karl Heinz Bohrer, um bom grau mais estético e filosófico que cultural, é sem dúvida um pensamento correlato, que deve ser colocado em perspectiva pela consciência que a Alemanha Ocidental (eu ainda a chamo assim) é socialmente um bom grau mais conversadora desenvolvimentalmente que a França ou os Estados Unidos [1]. Muito mais sutil do que qualquer um desses slogans são as análises de Jean François Lyotard, cuja concepção de pós-modernismo — a superação da narração histórica por jogos de linguagem efêmeros — já havia movido na direção de um conceito de presentismo. Seu último trabalho sobre o sublime afiou esse foco de um modo ainda mais interessante: Pois ele propôs adicionar temporalidade à descrição de Kant do sublime e o descrever como um presente de choque, que precipita postura de espera ou antecipação que nada segue [2]. Essa é uma pertinente formalização de desilusão revolucionária — em vários sentidos Lyotard se tornou o próprio filósofo e teórico de tal desilusão — e certamente tem sua relevância para o nosso próprio momento; mas também ilustra o tipo de efeito ideológico que a tematização — nesse caso, a insistência na temporalidade — pode produzir.
Mas como os termos pós-modernismo e pós-modernidade tenham sido abundantemente criticados ao longo dos anos, e tenham possivelmente, na rápida obsolescência da cultura intelectual hoje, vindo a parecer antiquados e desatualizados, eu preciso dizer algumas coisas sobre seu lugar no meu próprio trabalho e porque eu ainda sinto que eles são indispensáveis.
Pós-modernidade e Globalização
Minhas teorias sobre pós-modernidade foram primeiro desenvolvidas na China, onde eu lecionei por um semestre na Universidade de Pequim em 1985; Naquele momento, ficou claro que em todas artes ocorrera um desvio para longe da tradição modernista, a qual havia se tornado uma ortodoxia no mundo das artes e na universidade, portanto perdendo seu poder inovador e de fato subversivo. Isso não é dizer que a arte mais nova — na arquitetura, na musica, na literatura, nas artes visuais — não procurou ser menos séria, menos ambiciosa socialmente e politicamente, mais acessível e divertida; resumindo, para seus críticos modernistas, mais frívola e trivial, ainda mais comercial, que a variedade mais velha. Aquele movimento — da arte que se seguiu após o fim do modernismo — é agora passado antigo; mais ainda é aquele estilo geral, nas artes, ao qual as pessoas se referem quando dizem que o pós-modernismo está morto e enterrado. Existe agora, certamente, algo chamado de filosofia pós-moderna (voltaremos a isso) e ainda, como um gênero singular, o "romance pós-moderno"; mas as artes desde então têm se tornado muito mais políticas; e enquanto a palavra pós-modernismo designava um estilo artístico como tal, certamente tornou-se antiquada nos trintas anos desde que eu usei o termo pela primeira vez.
Contudo, eu logo fiquei ciente que a palavra que eu deveria ter usado não era pós-modernismo mas sim pós-modernidade: Pois eu não tinha em mente um estilo, mas um período histórico, no qual todos os tipos de coisas, de economia até política, das artes até a tecnologia, da vida cotidiana até as relações-internacionais, haviam mudado para valer. Modernidade, no sentido de modernização e progresso, ou telos, havia agora acabado definitivamente; e o que eu tentei fazer, ao lado de muitos outros, trabalhando com diferentes terminologias sem dúvida, foi explorar o formato do novo período histórico que havia começado a surgir por volta de 1980.
Mas após o meu trabalho inicial a respeito daquilo que eu agora chamaria de pós-modernidade, uma nova palavra começou a aparecer, e me dei conta que esse novo termo era o que faltava na minha descrição original. A palavra, simultaneamente com a nova realidade, era globalização; e comecei a perceber que era a globalização que formava, como era, sub-estrutura da pós-modernidade, e constituía a base econômica na qual, em sentido amplo, a pós-modernidade era a superestrutura. A hipótese, naquele momento, era de que a globalização era um novo estágio do capitalismo, um terceiro estágio, que sucedeu a partir daquele segundo estágio do capitalismo identificado por Lenin como o estágio de monopólio e imperialismo — e que, enquanto seguia sendo capitalismo, tinha diferenças estruturais fundamentais do estágio que o havia precedido, mesmo se apenas porque agora o capitalismo operava em escala global, sem paralelos na história. Você vai ter entendido que a cultura daquele período anterior do estágio imperialista era, segundo a minha teoria, o que chamamos de modernidade; e que pós-modernidade então tornou-se o novo tipo de cultura global correspondente à globalização.
Enquanto isso, parecia evidente que essa nova expansão do capitalismo não poderia ter sido possível sem a degeneração e subsequente desaparição do sistema Soviético, e a abdicação dos partidos socialistas que o acompanhavam, deixando a porta aberta para um capitalismo desregulado sem oposições ou fiscalização eficiente. Ao mesmo tempo, o projeto político, social e econômico da modernização, que havia dominado durante o século vinte, organizando em torno da construção de industria pesada, não podia mais ser o objetivo e o ideal de uma produção baseada em informação e tecnologia de computação. Um novo tipo de produção está emergindo, a qual as possibilidades últimas não podemos ainda entender; e com sorte a interrogação da cultura da pós-modernidade, tomando a palavra cultura no sentido mais amplo, vai ser de algum uso na exploração desse novo momento no qual todos nós vivemos.
Tempo Presente
Nas minhas primeiras descrições do pós-moderno (as quais eu não repudio de forma alguma), eu descrevo a transição do moderno para o pós-moderno nos termos de uma crescente predominância do espaço sobre o tempo. Os clássicos do modernismo eram obcecados, num sentido profundo e produtivo, com o tempo como tal, o tempo profundo, com memória, com duração (or a durée Bergsoniana), até com o eterno alvorecer-até-o-crepúsculo do Bloomsday de Joyce. Eu sugeri que com a nova primazia nas artes, e a da geografia na economia, o novo dominante da pós-modernidade era para ser encontrado no próprio espaço, o temporal afundando a uma figura subordinada do espaço como tal. Mas essa alegação talvez paradoxal me obriga a retornar ao tempo e temporalidade, para dizer como o tempo subordinado ao espaço pode aparentar, e o que uma temporalidade espacial pode ocasionar.
Em um ensaio anterior, chamado "O Fim da Temporalidade", eu esbocei em algo como a experiência da cultura popular ou de massas, não tanto a abolição do tempo por completo, mas um encolhimento para o presente. Usando filmes de ação contemporâneos como sintoma, eu apontei que atualmente eles são reduzidos a explosivos presentes de tempo, com o pretenso enredo agora pouco mais do que um filler ou uma desculpa, uma fio no qual se alinham essas pérolas que são o exclusivo centro do nosso interesse: Naquele ponto o trailer ou preview é muitas vezes suficiente, já que oferece os pontos altos dos filmes que não são nada além de pontos altos [3]. Aqui, de todo modo, eu gostaria de tratar desse fenômeno — que eu chamo de redução ao presente ou redução ao corpo — mais seriamente, ou pelo menos mais filosoficamente; e eu proponho caracterizar esses desenvolvimentos temporais como eles aparecem no domínio da estética e do gosto, naquele da economia, naqueles de conceitos e fenomenologia social, e finalmente naquele da política em si mesma.
Mas primeiro eu devo advertir sobre todos os campos que eu mencionei, que correspondem às várias disciplinas acadêmicas, todas as quais me parecem estar antiquadas perante as novas circunstâncias da pós-modernidade e globalização. No meu trabalho anterior sobre o pós-modernismo, eu identifiquei um fenômeno que chamei de pastiche, sugerindo que ele havia se tornado uma das principais modalidades do pós-modernismo nas artes: A simulação do passado e seus estilos mortos, um pouco como o Pierre Menard de Borges copiando Dom Quixote palavra por palavra três séculos depois ou aquelas fotografias de Sherrie Levine que oferecem copias idênticas de fotografias famosas de mestres do passado como obras novas. Para um tipo de última volta do parafuso, o pastiche pós-moderno se extende para o próprio modernismo, e alguns poucos artistas parecem retornar à religião da arte para produzir obras cuja estética ainda é aquela do período moderno — sobretudo, penso eu, cineastas como Sokurov, Gherman, Elice, Tarr e outros; os pastiches literários do moderno é muito menos interessante.
Mas muito mais importante, na minha opinião, é a regressão à teoria modernista na modalidade de tal pastiche; e aqui a renovação torna-se a própria ideia do moderno em si. Pois no grosso da pós-modernidade, é um fato estatístico que mais do que nunca comentadores políticos e culturais se voltaram ao ideal de modernidade como algo que o ocidente pode oferecer com sucesso às partes sub-desenvolvidas do mundo (eufemisticamente chamadas de "mercados emergentes") em um momento que a própria modernização é claramente tão obsoleta quanto os dinossauros. Pois modernização, oferecida igualmente pelos americanos e soviéticos em seus programas de ajuda estrangeira, era pressuposta na indústria pesada e que tem pouca relevância em uma era que a produção, profundamente modificada por tecnologia de informação e realocação, foi submetida ao seu próprio giro pós-moderno.
Então espero que nós possamos evitar os agora antiquados debates sobre modernidade e em particular sobre arte moderna, que geraram novos renascimentos, na modalidade do pastiche, naquela sub-disciplina da filosofia chamada estética, ela própria praticamente extinta na era em que o genuíno modernismo nas artes foi anunciada e desenvolvida. Há duas formas de se apreender o significado da estética como um termo disciplinar: Ou como a ciência do belo ou como o sistema das belas-artes. O belo, que conseguiu ser uma categoria subversiva no fim do século dezenove — a era do cortiço industrial, nas mão de Ruskin e Morris, Oscar Wilde, os simbolistas e os decadentes, o fin de siécle — na minha opinião, na era das imagens, perdeu todo o poder seja como efeito ou como ideal. Já o sistema das belas-artes implodiu na pós-modernidade, as artes dobrando-se umas sobre as outras em novas simbioses, uma completamente nova des-diferenciação da cultura que tornam problemático o próprio conceito de arte como atividade universal, como veremos; meu título é portanto claramente irônico. Se o dilema se uma velha estética assenta-se sobre a história e a na historicidade das artes modernas, aquela do presente é problematizada pela própria singularidade. Isso é então por onde eu quero começar, antes de revisar uma série de outros tópicos — o econômico, o social, o político — sob a luz proporcionada por uma nova concepção de pós-modernidade que leva em conta igualmente globalização e singularidade.
1. O Domínio da Estética
Para um observador distante como eu, duas características da arte moderna são particularmente impressionantes e sintomáticas. A primeira é precisamente a des-diferenciação das várias artes e mídias que há pouco mencionei, pois hoje, nas galerias e museus, confrontamos interessantes e inimitáveis combinações de fotografia, performance, video, escultura, que já não podem mais ser classificadas com os velhos termos genéricos, como pintura, e que de fato refletem a volatilização do objeto artístico, a desaparição da primazia da pintura a óleo ou pintura de cavalete, que Lucy Lippard e outros teorizaram décadas atrás [4]. Podemos dizer que, assim como a espécie pintura a óleo desapareceu, também o próprio gênero universal da arte se desintegrou, deixando em seu lugar as inclassificáveis combinações que confrontamos em um espaço institucional o que por si só já confere a elas o status de arte.
Mas precisamos lembrar que com a transformação do próprio museu em um espaço popular e de cultura de massas, visitado por multidões entusiásticas e anunciando suas próximas exibições como atrações comerciais, esses novos tipos de objetos artísticos estão bem longe de atrair a hostilidade que famosamente saudou as velhas obras do período moderno. Por outro lado, parece provável que apenas poucos deles sejam concedidos o status clássico das mais canonizadas obras daquele período, e isso em virtude de suas próprias estruturas: Como abordar o Tubarão Morto de Demien Hirst da mesma forma que se aborda uma trágica imagem de Max Ernst ou a Guernicade Picasso? E aqui eu não pretendo comparar as qualidades desses trabalhos ou suas respectivas "grandiosidade", para usar uma palavra canônica, mas sim a estrutura da nossa própria percepção estética, nossa receptividade do objeto bizarro que nos confronta e a respeito do qual a palavra padrão "conceitual" não nos diz muito. Um aquário imaginário com um tubarão de verdade dentro? O paradoxo do assassino assassinado? Um vislumbre distópico de um mundo em que todas as espécies vivas desapareceram, preservadas apenas em um museu estéril que recorda a descrição de Edward Glover do mundo do recém-nascido como um lavatório público bombardeado e um necrotério.
Mas na verdade esse objeto de Hirst acaba sendo um tipo de colagem: Eu identifico ao menos três elementos diferentes elementos que estão aqui justapostos, não na modalidade de sucessão, lado a lado, mas sim aquele da superposição. Você tem o próprio tubarão morto, mas o aquário é um objeto separado — com efeito, o posicionamento do feroz predador em uma aquário domesticado já é um tipo de afirmação espirituosa [witty]. No entanto, devemos também registrar o nome a presença de um terceiro componente, nomeadamente o "título", "The Physical Impossibility of Death in the Mind of Someone Living". Isso pretende ser alegórico, o sentido da obra, em que uma coisa repousa "impossivelmente" dentro de outra. Mas eu acho, assim como com as projeções de Jenny Holzer, que essa pretensiosa frase filosófica ou afirmação não é exterior à obra mas interior a ela, como um outro item incorporado no objeto, um tipo de pastiche dos lemas ou subscritos das antigas pinturas, como se a câmera pudesse se recuar uma certa distância do quadro a fim de incluir subtextos dentro dele.
Isso me habilita afirmar, não meramente que tais obras pós-modernas são colagens, em simultaneidade; mas ainda mais, que elas são formas abreviadas e concentradas do tipo de arte que quero tomar como paradigmática da prática artística pós-moderna, nomeadamente a instalação. O tubarão de Hirst é completamente tanto uma instalação quanto qualquer uma das obras de, digamos, Robert Gober, cujo belo trabalho examinei em outro lugar, em um "texto" que inclui uma moldura de porta, um monte, uma pintura de uma tradicional paisagem americana, e um espécime emoldurado de "escrita" pós-moderna. Nenhum desses objetos é a obra de arte; a lógica desse último é relacional e presumivelmente se dá na construção do próprio espaço, onde várias dimensões e traços de Americana confrontam e questionam um ao outro [5]. Tal obra não pode-se mais dizer ter um estilo; essa era um antiga categoria modernista. Isso também sugere uma confluência dos vários ramos do sistema do antigo sistema das belas-artes, pintura, arquitetura, até mesmo planejamento espacial e decoração de interiores (eu só lamento a ausência de fotografia no meu exemplo, sendo que a transformação da fotografia de uma arte menor em uma maior é uma das características mais significativas da emergência da pós-modernidade). Então de certo modo a instalação de Goeber pode ser vista como uma alegoria não apenas da volatilização do objeto artístico singular, ou anterior obra de arte, mas também dos vários sistemas que o sustentam.
Até agora eu negligenciei mencionar outra característica significante, nomeadamente que na verdade essa não é exatamente uma instalação de Goeber mas sim uma colaboração, na qual vários artistas pós-modernos contribuíram com um componente. Portanto é também um comentário do lugar da coletividade no mundo contemporâneo: Foi-se a solidariedade vanguardista que presidiu sobre muitas exposições no passado. Sua relação um com o outro não apenas implica na morte daquela vanguarda e suas ambições quasi-políticas, mas parecem re-encenar a distância e a indiferença de um ao outro dos itens em algum tipo de exibição de museu. E de fato, acredito que há uma maneira em que a instalação como forma é um tipo de replicação da forma do novo museu na qual se aloja, cujas transformações foram discutidas por muitos escritores, não menos importante Braudillard, destacando o inesperado apelo mass-appeal dessas instituições, como espaços coletivos e entretenimento de massa, com ingressos e filas, em novas construções nas quais o arquiteto tem algo do glamour de estrela do rock, e cujas exibições e eventos culturais são o equivalente de musicais ou filmes avidamente aguardados. Nessa nova configuração, até as pinturas de clássicos como Van Gogh ou Picasso ganham um novo lustro; não aquele de suas origens, mas sim a novidade de nomes de marca amplamente divulgados.
Curadores e Conceitos
Tudo o que sugere que a vanguarda em nosso tempo foi substituída por um novo tipo de figura. Relembrando o modo como, para historiadores da cultura, a figura do maestro [conductor] no século dezenove, como o carismático diretor de uma emergente coletividade de músicos de todos os tipos, pode-se dizer emblematizar a emergência da moderna política do ditador, então também podemos isolar dessas práticas do novo tipo de museu a emblemática figura do curador, que agora se torna o demiurgo dessas flutuantes e dissolventes constelações de estranhos objetos que ainda chamamos de arte. Já que eu fui frequentemente acusado de depreciar a filosofia em benefício daquele inclassificável novo tipo de escrita e pensamento chamada teoria, eu provavelmente tenho algum tipo de obrigação moral de sugerir que o quê substituiu a filosofia no nosso tempo, nomeadamente a teoria, é também possivelmente um tipo de prática curatorial, selecionando peças nomeadas de nossas várias fontes teóricas e filosóficas e colocando-as todas juntas em um tipo de instalação conceitual, na qual nos maravilhamos com o espaço intelectual momentaneamente assim produzido. (O princípio é válido para cursos acadêmicos também; e contrastaria antigos e fixados cânones ou listas de clássicos com novos, ad hoc cânones descartáveis. Na filosofia, por exemplo, pode-se contrastar listas de grandes filósofos com com coleções de referências teóricas socadas juntas em livros como Anti-Édipo, Império, ou Border as Method de Mazzadra e Neilson, cada qual que esgotaria um rico semestre senão todo um currículo. Se eu fosse um curador literário convidado, eu bem poderia colocar um seminário de Flaubert com todas as suas leituras favoritas, de O Asno de Ouro até Voltaire, senão de seus leitores favoritos, como Joyce.)
Mas há um lado sórdido do curador ainda a ser mencionado, que pode ser facilmente apreendido se olharmos para as instalações, e na verdade exibições inteiras nos novos museus pós-modernos, como tendo seus distantes e mais primitivos ancestrais nos acontecimentos dos anos 60 — fenômeno artístico igualmente espacial, igualmente efêmero. A diferença jaz não apenas na ausência de humanos da instalação e, salvo o curador, dos novos museus como tal. Jaz na respectiva presença da própria instituição: Tudo é subsumido sob ela, de fato o curador pode ser entendido como sua incorporação. Na pós-modernidade nós não mais existimos num mundo de escala humana: Instituições certamente, em certo sentido, se tornaram autônomas, mas por outro lado elas certamente transcenderam as dimensões de qualquer indivíduo, seja mestre ou servo; algo que também pode ser apreendido se recordarmos da dimensão da globalização na qual as instituições existem hoje, os museus certamente incluídos. Mas essas instituições não podem mais ser concebidas na linha de máquinas ou da fabrica, ou nos termos do que se costumava chamar de "o estado": Tecnologia de comunicação nos requerem que os pensemos como instituições informacionais, possivelmente, ou imensas construções no ciberespaço.
Porém, a lembrança dos acontecimento sugerem ainda outra característica da nova arte, e das instalações em particular, e também explica o porque dessas novas "obras", se é que ainda podemos chama-las assim, são, em todo o caso, não mais objetos, seja lá o que forem. Mas agora podemos ver um pouco melhor o que realmente são: Não são objetos porque são de fato eventos. A instalação e suas produções afins são feitas, não para a posteridade, sequer para a coleção permanente, mas sim para o agora e para uma temporalidade que pode ser bastante diferente daquela do antigo tipo modernista. Isso é de fato o porque de ter-se tornado apropriado falar dela não como uma obra ou um estilo, nem como uma expressão de algo mais profundo, mas sim como uma estratégia (ou receita) — uma estratégia para produzir um evento, uma receita para eventos. (Saltando brevemente para política, não podemos as grandes demonstrações de massa — os flash mobs — como o equivalente desses eventos, um bocado diferente das antigas conspirações revolucionárias? Sintomas de uma temporalidade diferente, no lugar dos sinais de emergência de algo como o povo, ou mesmo da democracia direta...)
Uma última observação antes de dizer que tipo de evento esses acontecimentos artísticos pós-modernos podem ser. Eu mencionei tecnologia há pouco: Eu devo acrescentar que na nossa era pós-moderna nós não apenas usamos a tecnologia, nós a consumimos, e consumimos o seu valor de troca, seu preço, junto com os seus sobretons puramente simbólicos. Exatamente como no período anterior, o automóvel era consumido tanto pelo seu valor libidinal e seus sobretons simbólicos quanto pelo seu valor de uso prático, portanto hoje, mas de forma muito mais complexa, o computador e a internet e suas ramificações — Já bem integradas em fantasias políticas Utópicas — substituíram um antigo consumo artístico e cultural, o qual tanto modificaram como suplantaram. Nós agora consumimos a própria forma de comunicação junto com seu conteúdo.
Mas essa distinção — entre forma e conteúdo — agora me traz ao essencial do que eu queria observar sobre a arte hoje, em que não é apenas uma era pós-moderna como também teórica. O grande escritor de ficção cientifica Stanislaw Lem certa vez compôs uma série de críticas de livros imaginários do futuro, que nem ele nem ninguém mais jamais escreveria. Era um gesto profético, e demonstrava que se poderia consumir a ideia de um livro de forma tão prazerosa quanto o próprio livro.
Como então caracterizar o espírito das novas obras? Eu quero voltar àquela velha categoria da crítica de arte que invocava a inspiração, o Einfall, a "ideia" para uma obra, e adapta-la a essa nova produção para a qual a "ideia" é um tipo de descoberta técnica, ou talvez uma invenção no sentido das engenhocas de inventores doidos, solitários ou obsessivos. Arte hoje é gerada por uma única ideia brilhante que, combinando forma e conteúdo, pode ser repetida ad infinitum até que o nome do artista assume um tipo de conteúdo próprio. Assim o artista chinês Xu Bing concebeu a ideia de inventar conjecturas de linhas e pinceladas que parecem verdadeiros caracteres chineses mas eram completamente sem significado: Podemos pensar em palavras nonsense, ou mesmo no Zaum futurista ou na linguagem inventada de Khlebnikov, mas ainda esses fenômenos ocidentais realmente não tem equivalente para a dimensão visual do sistema chinês.
Isso foi portanto uma notável concepção ou Einfall, a descoberta de um gênio, como queira— Contanto que seja entendida que não constitui nem uma inovação formal, nem a elaboração de um sistema; nem é auto-referencial no sentido modernista, nem estético no sentido de alterar ou estranhar a percepção ou intensifica-la. Me contaram que o título original de Xu Bing — "Leaves from Heaven" — tem sua ressonância na tradição chinesa e pode ser tomado, ainda mais que mera alusão, como um comentário integral a respeito desta. Do mesmo modo, a maior parte do pós-modernismo pode ser apreendido como um comentário sobre o modernismo, como uma tradição formal comentando sobre a outra: simulacro de significados não incompatível com a análise que proponho.
Deixe-me dar outro exemplo, um literário dessa vez. Como um exemplo particular e inesperado de tal obra, vou destacar Remainder de Tom MacCarthy, uma narrativa na qual um homem cujo passado foi obliterado contrata pessoas para reconstruir nos mínimos detalhes fragmentos do que ele acredita serem memórias; talvez os fragmentos sejam ainda o pano de fundo dos eventos que ele esqueceu — porém aqui eles se tornam, junto com sua reconstrução, eventos por si próprios. Então aqui temos o evento pós-moderno ou o não-evento comentando os eventos narrativos de outra, modernista, era; e no processo ilustrando a tese sobre temporalidade que pretendo promover aqui, a noção de singularidade é puro presente, sem passado ou futuro.
One-Offs
Permitam-me dizer duas coisas mais. Ambos essas obras são eventos formais de uso único irrepetíveis (em seus próprios presentes puros, por assim dizer). Eles não envolvem a invenção de uma forma que pode ser usada de novo e de novo, como um romance naturalista por exemplo. Nem há alguma garantia de que seu qualquer coisa tão boa ou mesmo que valha à pena (Não se intende nenhuma censura a ambos esses ilustres artistas): O ponto sendo que essas obras não são em nenhum estilo pessoal, nem são blocos de construção de toda uma obra [oeuvre]. O dicionário nos diz que a palavra "artifício" significa "qualquer pequeno dispositivo usado por um mágico em um truque performático" [6]: Portanto essa não é a melhor caracterização também, mesmo que é a invenção de uso único de um dispositivo que impressiona alguém nessas obras. É, no entanto, um dispositivo de uso único que deve ser jogado fora assim que o truque — uma singularidade — foi realizado.
Deixe-me tentar uma fórmula diferente, inspirada nas observações anteriores a respeito do consumo de tecnologia. Quero sugerir que, em muito do mesmo modo, aqui a forma da obra se tornou conteúdo; e o que consumimos nessas obras é a própria forma: em Remainder muito explicitamente a construção da obra em si virtualmente ex nihilo. Mas, novamente, a especificidade desses eventos de uso único não é capturada adequadamente se nós os re-assimilamos a esses textos modernos que chamei de "auto-referenciais", que eram de algum jeito "sobre" si mesmos. Talvez possamos sugerir que no texto modernista o esforço é assemelhar forma e conteúdo tão completamente que não podemos realmente distinguir um do outro; enquanto nos pós-modernos uma separação absoluta precisa ser alcançada antes que forma possa mesclar-se no conteúdo.
A questão é se podemos chamar essa arte "conceitual" sentido mais velho e portanto mais tradicional? Eu entendo arte conceitual como a produção de objetos físicos que flexionam categorias mentais ao colocá-las umas contra as outras. Porém essas categorias, se pudermos expressá-las dessa forma ou não, são de alguma maneira formas universais, como as categorias de Kant ou os momentos de Hegel; e objetos conceituais são portanto um pouco como antinomias ou paradoxos ou koans no domínio filosófico-verbal — ocasiões para a prática meditativa.
Neo-conceitualismo pós-moderno não é de forma alguma assim: com Xu Bing e a produção artística pós-moderna pela qual eu o julgo paradigmático, me parece que a situação é completamente diferente. Seus "textos" são como se estivessem encharcados de teoria — são teóricos tanto quanto são visuais — mas não ilustram uma ideia; nem colocam uma contradição através de seus ritmos, nem forçam a mente a seguir os olhos inexoravelmente através de um paradoxo ou antinomia, na ginástica de algum exercício conceitual. Um conceito está lá, mas é singular; e essa arte conceitual — se é isso que é — é nominalista ao invés de universal. Hoje em dia portanto nós consumimos, não a obra, mas a ideia da obra, como nas críticas de livros imaginários de Lem; e a própria obra, se ainda podemos chamá-la assim, é uma mistura de teoria e singularidade. Não é material — nós a consumimos como ideia e não como presença sensória — e não é sujeito à ideia de universalismo estético, conquanto cada um desses artefatos reinventa a própria ideia de arte em uma forma nova e não-universalizável, então é nesse sentido mesmo duvidoso se devemos de todo usar o termo geral arte para tais eventos-singularidades.
Um Interlúdio Culinário
Eu não esqueci que prometi traçar algumas analogias e, de fato, relacionamentos entre esse novo tipo de arte e outras práticas contemporâneas, como o novo tipo de economia pós-moderna. Mas não posso resistir inserir aqui um tipo diferente de evento estético pós-moderno: Será breve, como as porções são em todo o caso tão pequenas. Me refiro à cozinha pós-moderna, como exemplificada no restaurante (agora fechado) El Bulli de Ferran Adrià, no que é as vezes chamado (ele não gosta do termo) "cozinha molecular". Os trinta e cinco pratos que formam uma refeição no El Bulli são todos de aparência estranha (ou se eles parecem familiar você se chocará ao experimentá-los). Não são mais objetos naturais, ou talvez eu deva dizer não são mais objetos realistas: Por sua vez, são abstrações do natural — o gosto do aspargo por exemplo, ou beringela ou do caqui, foi separado do corpo do seu recipiente natural e encarnado em uma nova textura e forma: Não apenas na famosa espuma (cujo auge no El Bulli se extende a um período mais antigo, acredito), mas nos pequenos formatos de caviar, ou bolas de melão, líquidos, esponjas, dobras e similares. Enquanto a nova forma é importante em si e para si, e cada novo item é gravado e registrado — não apenas por uma receita escrita e então computadorizada, apesar de achar que elas nunca são cozinhadas de novo depois daquela temporada — mas por fotografia: É a imagem que é preservada, e você consome a imagem, junto com a ideia: e de fato se consome a conjunção de elementos, no que é, assim como a arte pós-moderna, um evento único.
As velhas comidas, seja no realismo da cozinha clássica ou no modernismo da nova [nouvelle] variedade, eram ainda classificáveis sob os grandes universais frutos do mar, carne, vegetais, temperos e similares. Os experimentos no El Bulli — esses lanches de astronautas, como foram chamados — não são meros exercícios tecnológicos ou científicos, em que os limites da transformação de objetos naturais é testada, tal como aqueles do sistema gustativo humano. Também são experimentos de linguagem, na qual a relação entre palavra e coisa é examinada, e aquela entre o universal e o particular. Ou talvez seja na verdade a relação entre pensamento e linguagem em si que está sob escrutínio aqui, e a capacidade do universal de controlar os nossos sistemas de nomeação. Em todo o caso, os pratos de Ferran Adrià apresentam o problema da singularidade de uma maneira dramática, reproduzíveis como são. Emergem de um esquema de nomenclatura e classificação que durou milhares de anos, para confrontar-nos uma originalidade que também é um evento; Desse modo apresentam problemas filosóficos que parecem ser novos, estranhos sintomas de uma inesperada mutação histórica.
2. O Domínio da Economia.
Esses sintomas agora demandam ser inventariados mais profundamente; nem é esse ou aquele preconceito dogmático que leva a assumir que alguma mudança realmente fundamental ou estrutural necessariamente deixa alguma marca visível na economia como tal, qualquer outros níveis de vida social isso pode poupar — e deixando de lado toda a questão socio-metafísica de últimas causes e consequências ou de "determinante em última instância". De fato, me parece mais e mais óbvio que nenhuma descrição do pós-moderno pode omitir a centralidade da economia pós-moderna, que pode ser sucintamente caracterizada como o deslocamento da produção industrial antiquada pelo capital financeiro.
Sigo Giovanni Arrighi ao ver a emergência de um estágio de capital financeiro como um processo cíclico: Como Fernand Braudel memoravelmente colocou, "chegando ao estágio de expansão financeiro", todo o desenvolvimento capitalista "em certo sentido anuncia sua maturidade"; capital financeiro "é um sinal do outono". Os três estágios cíclicos de Arrighi podem ser resumidos como: A implementação de capitalismo em uma nova região; seu desenvolvimento e a gradual saturação do mercado regional; o recurso desesperado de um capital que não mais encontra investimento produtivo para especulação e o lucro "fictício" do mercado de ações. Mas a história de Arrighi é uma que segue os saltos descontínuos do capital, como uma praga, do centro para o futuro centro: Genoa, Holanda, Inglaterra e finalmente os Estados Unidos. Com a globalização essa busca por novos territórios pareceria ter chegado a um fim, e portando para uma crise quase terminal.
De qualquer modo, e por mais simplista que seja essa "narrativa linear" e seu resultado tão previsível, pode-se pelo menos afirmar que o nosso próprio momento de capital financeiro envolve um novo tipo de abstração. De fato Marx analisou o capitalismo industrial como um processo de abstração no qual o produto útil é convertido no valor abstrato da forma-mercadoria, na qual tipos concretos de habilidades e trabalho foram transformados em "trabalho abstrato". Mas agora, com o assim chamado capitalismo acionista, a firma familiar torna-se valor no mercado de ações, a natureza do produto é apagada em função de sua profitabilidade, e as fichas daquele assim chamado capital fictício são trocadas na acumulação de diferentes tipos de capitais, o qual só pode ser pensado como capital elevado ao segundo grau. Esse desenvolvimento tem seus sintomas culturais, que são talvez mais instanciações dramáticas que o gênero financeiro mais arcano. Assim, a abstração da arte moderna pode-se dizer ter refletido a abstração de primeiro-grau da própria forma-mercadoria, visto que os objetos perderam seu intrínseco valor de uso e foram substituídos por um novo tipo de moeda social: modernistas espiritualistas disputavam com modernistas materialistas para renderizar os "mistérios teológicos" (nos termos de Marx) desse novo mundo-objeto.
Mas com a virada especulativa, algo como o realismo voltou à arte: é o realismo da imagem, contudo, o realismo da fotografia e da assim chamada "sociedade do espetáculo". Isso é agora abstração de segundo grau ainda mais complexa, na qual apenas o simulacro das coisas pode ser chamado a tomar seu lugar e oferecer sua aparência. De onde, há um e mesmo tempo, na teoria, a proliferação de especulação semiótica também, e uma miríade de conceitos de signos, o simulacro, a imagem, a sociedade-espetacular, imaterialidades de todos os tipos, incluindo também as principais ideologias de linguagem e comunicação. Poucas dessas, porém, anteciparam a reflexão de seus próprios meandros no reino que o capitalismo financeiro logo ofereceria.
Seguranças Fictícias
Uma única ilustração pode ser dada aqui, embora central e significativa, e é a estranha, de fato única, mutação do tradicional investimento em seguro no que hoje é chamado de derivativo. Isso realmente é uma verdadeira mutação, a transformação do velho mercado de futuros — um remanescente do setor agrícola ainda mais arcaico que a industria pesada — em algo não apenas mais rico e estranho mas também incompreensível. Derivativos há muito são, talvez, as mais visíveis (e escandalosas) inovações do capitalismo financeiro, atraindo ainda mais atenção desde o crash de 2008 o qual, para muitas pessoas, eles foram ao menos uma causa parcial. Outras novidades — como negociações de alta frequência — foram assunto de debates mais recentes e certamente tem uma influência fundamental na temporalidade do capitalismo tardio. Mas o derivativo é um objeto tão peculiar (ou "instrumento financeiro" como tais produtos são chamados) que retribui atenção como um objeto paradigmático por si mesmo.
Não é possível projetar um conceito do derivativo, por razões que logo emergirão; cada exemplo do derivativo será portando não-exemplar e diferente de qualquer outro. E talvez ainda um modelo simplificado de um dos melhores livros sobre o assunto pode nos dar um sentido disso, simultaneamente com sua indissolúvel relação com a globalização. Os autores imaginam uma corporação americana contratando para prover dez milhões de celulares para uma subsidiária brasileira de uma firma sul-africana [6]. A arquitetura interna do dispositivo será produzida por uma empresa alemã-italiana, seu revestimento por um manufatureiro mexicano e uma firma japonesa providenciará outros componentes. Temos aqui pelo menos seis moedas diferentes, suas taxas de câmbio em fluxo perpétuo, como é a norma padrão na globalização hoje. O risco de uma imprevista variação nessas taxas de câmbio será então subscrito por um tipo de seguro — um que combina talvez seis ou sete contratos de seguro diferentes; e é esse pacote inteiro que faz "instrumento financeiro" que é esse derivativo único em questão. Obviamente a situação (e o "instrumento") na realidade sempre será muito mais complicado. Mas o que é claro é que, mesmo tomando os antiquados mercados de futuros sobre cultivos como um ancestral simplificado e primitivo, não poderá jamais haver um outro derivativo como esse, em sua estrutura e requerimentos. De fato, é mais um único evento que um contrato — algo com uma estrutura estável e um status jurídico. Enquanto isso, como esses autores apontam, isso só pode ser inspecionado e analisado após o fato, sendo assim, para o conhecimento, esse "evento" só existe no passado. Os autores concluem, pessimisticamente, que não se poderá jamais existir uma genuína regulação para esse tipo de transação já que cada uma é radicalmente diferente: em outras palavras, não se pode realmente ter leis para moderar a dinâmica desse tipo de instrumento; o qual uma autoridade como Warren Buffett chamou de o equivalente financeiro da bomba nuclear.
O derivativo é, de outra perspectiva, simplesmente uma nova forma de crédito e, portanto, simplesmente uma nova e mais complicada forma daquilo que Marx chamou de "capital fictício": Isto é, dinheiro bancário que não pode ser inteiramente convertido em dinheiro real (por isso o desastre dos assim chamados "pânicos bancários") e que representa um "reclamação de capital" ou "reclamação de dinheiro" ao invés de dinheiro e capital realmente. E ainda não é de tudo surreal, sendo que "a acumulação dessas reivindicações surgem da acumulação real".
O que é confuso aqui não é a meramente a coisa em si mas também a palavra "ficção" (ou "fictício"), que compartilha com outros termos, como o imaginário, o mistério ontológico de algo que ao mesmo tempo é e não é: Isto é, compartilha o mistério do futuro, e iremos examinar as dimensões temporais do problema em um instante. Basta dizer que, se o derivativo compartilha a peculiaridade filosófica de todas as formas de crédito, entretanto representa algo como o salto dialético de quantidade para qualidade, e uma transformação tão central para o sistema — e tão momentoso em suas consequências — a ser considerada como um fenômeno historicamente novo por si próprio, seja lá qual for sua genealogia.
Mas antes de refletir sobre essa dimensão temporal do derivativo, vale a pena demorar um momento mais em suas funções como um locus de incomensurabilidades, de fato, como o próprio link entre realidades em um mundo de diferenciações incalculavelmente numerosas e complexas. No nosso próprio exemplo ("fictício"), múltiplas nacionalidades e processos de trabalho, múltiplas tecnologias, incomparáveis formas de trabalho vivo e modos de vida, para não falar das múltiplas moedas as quais nós enfatizamos primariamente (tal como o valor internacional de cada uma dessas moedas é uma função de todas essas outras dimensões) — uma serie de realidades completamente distintas e não-relacionadas são momentaneamente trazidas em relação uma com a outra no derivativo. Diferença relaciona, como coloquei em outro lugar: o derivativo é o próprio paradigma da heterogeneidade, mesmo a heterogeneidade no coração daquele processo homogêneo que chamados de capitalismo. De fato, não estou longe de acreditar que o incrível sucesso do termo heterogeneidade no nosso tempo deriva justamente dessas amálgamas, na qual diferentes dimensões — dimensões não apenas quantitativamente distintas mas qualitativamente incomensuráveis: diferentes espaços, diferentes populações, diferentes processos de produção (manual, intelectual ou imaterial), diferentes tecnologias, diferentes histórias — são trazidos em relação um com o outro, contudo fugazmente.
O real, nos convencemos, se tornou radicalmente heterogêneo, senão incomensurável. Mas então ao mesmo tempo devemos lutar para nos livrarmos da enganadora homogeneidade do pensamento também — devemos cuspir em Hegel, como uma feminista italiana famosamente disse — e devemos declarar guerra, seguindo a formula de Lyotard, não somente contra a totalidade mas contra a própria homogeneidade, como se fosse o paradigma do idealismo como tal. Mas há um aviso a ser adicionado aqui: e está contido no próprio fatídico termo de Marx, subsunção. Subsunção significa tornar heterogeneidades em homogeneidades, subsumindo-as em abstrações (que são idealismos por definição), standardizando a multiplicidade e tornando-o naquela coisa terrível que era para ter sido evitada a todo o custo, nomeadamente o Um como tal.
Mas a subsunção não é apenas um vício do pensamento, é real. É o capital que absorve as heterogeneidades e as faz parte de si mesmo, que totaliza o mundo e faz dele Um. A única coisa que não pode subsumir, aparentemente, é a própria entidade humana, para a qual os atraentes termos teóricos "excesso" e "restante" são reservados. (Mas não é o esforço final do "pós-humano" absorver esse restante indivisível?)
Futuros Efêmeros
Ainda, acima e além disso como fosse a heterogeneidade sincrônica, que a subsunção tenta dominar e controlar em uma homogeneidade de maior nível de complexidade, há a temporal a ser considerada, particularmente sob a luz de sua posição paradoxal no presente projeto. Pois eu estive argumentando que no coração de toda descrição da pós-modernidade ou capitalismo tardio há de ser encontrado o fenômeno historicamente estranho e único da volatilização da temporalidade, uma dissolução de ambos o passado e o futuro, um tipo de aprisionamento contemporâneo no presente — redução ao corpo, como eu chamei em outro lugar — uma perda existencial e coletiva da historicidade de tal modo que o futuro desvanece como impensável ou inimaginável, enquanto o passado se torna uma imagem empoeirada ou filmes hollywoodianos de atores de perucas e similares. Claramente, esse é um diagnóstico político como também existencial ou fenomenológico, já que é entendido para indiciar nossa atual paralisia política e inabilidade de imaginar, quanto mais organizar, o futuro e a mudança futura.
E a ilustração ou símbolo ou alegoria para tudo isso acontece de ser justamente o derivativo, aquele dos velhos mercados de futuros que de fato envolviam apostas no futuro, o futuro da carne, algodão e grãos. Então mesmo que o derivativo talvez seja mais complexo, no sentido de que eles parecem apostas sobre apostas ao invés de apostas sobre safras reais, não há uma dimensão de futuridade neles que contradiz e refuta esse diagnóstico temporal e até mesmo político? É obvio que a desconstrução da pós-modernidade em termos de um dominante de espaço sobre o tempo não pode nunca, pelos seres temporais que somos, significar a completa abolição da temporalidade, não obstante o quão melodramaticamente eu encenei nossa atual situação temporal no ensaio mencionado acima. Nós temos que aqui, portanto, realizar uma investigação no status do tempo em um regime de espacialidade; e isso significará não a temporalidade reificada ou espacializada de Bergson, mas sim algo perto da abolição, ou ao menos repressão, da historicidade.
Mas, de qualquer modo, o que é historicidade, ou verdadeira futuridade? Podemos ter certeza que não é ruinosa ansiedade sobre um futuro distópico — essas fantasias precisam ser lidadas em um outro ramo de psicopatologia social. Nem envolve este ou aquele credo religioso ou milenar de uma redenção futura. Ainda assim, existem várias visões existenciais do futuro em competição no nosso atual sistema social. O empresário e o economista tentam se apropriar do futuro por meio de múltiplos cenários construído de uma combinação de motivações e tendências humanas e institucionais: Isso é uma futuridade de curto-prazo, organizadas em volta de categorias de sucesso e fracasso que não me parecem particularmente relevantes para maiores coletividades humanas. Para Heidegger, em contraste, história e futura é largamente uma questão de missão geracional, um chamado ou vocação de uma específica nova geração em dada nação: Essa pode não ser uma noção particularmente relevante hoje, mas sua própria ausência é reveladora (e tem muito à ver com o desaparecimento de avant-gardes ou vanguardas, artísticas ou políticas). Eu mesmo sinto que, para o momento e na no nossa atual situação histórica, um senso de história só pode ser despertado por uma visão utópica para além do horizonte do nosso atual sistema globalizado, que aparenta ser muito complexo para ser representado no pensamento. Por mais que seja assim, parece claro que uma genuína historicidade pode ser detectada por sua capacidade de energizar ações coletivas e que sua ausência é traída por apatia e cinismo, parálise e depressão.
Vamos pensar, portanto, senão dialéticamente, então pelo menos psicanáliticamente; e pensar em futuridades pós-modernas como compensações para um tempo presente paralisado por suas protensões e retenções (para usar a linguagem de Husserl) e incapaz de de projetar programas vigorosos para ação e práxis por suas próprias forças. Aqui pertencem, sem dúvida, qualquer número de fantasias culturais e obsessões, que merecem atenção por si próprios. Mas os futuros dos derivativos — de fato, os futuros do capital financeiro geralmente pego naquele ciclo vicioso pelo qual o capitalismo não pode existir ao menos que continue a crescer e acumular, a expandir e produzir capital sempre novo de suas operações — são excepcionais por sua singularidade: futuros que são efêmeros, efeitos únicos muito como o texto pós-moderno; futuros que são, cada um deles, eventos ao invés de dimensões completamente novas ou elementos, como alguém falaria dos elementos naturais como água e ar. Todos os futuros são fictícios, sem dúvidas, no sentido que nós usamos a palavra, ao mesmo tempo que são inexoravelmente e constitutivamente imprevisíveis, inantecipáveis e contigentes em sua própria imprevisibilidade. Mas a atual obsessão dos economistas com "riscos" nos alertam de ansiedades historicamente novas, que podem ser mais manejáveis se pensadas em termos de regimes de valor.
De fato, é para essa área geral do compasso que Capitalism with Derivatives de Dick Bryan e Michael Rafferty — um livro interessante e ultimamente delirante — nos direciona [7]. O contexto é o mundo sistema financeiro mundial como tal, até agora estabilizado por várias moedas nacionais hegemônicas (A libra Britânica e depois o dólar americano) e sua relação constitutiva com o ouro como um padrão universalmente aceito (ou forma de "truste", como as pessoas do risco gostam de falar). A história do fim daquela era na dissolução do acordo de Bretton Woods por Nixon é bem conhecida, e miticamente inaugura um período no qual o valor flutua livremente porém de forma ordenada, devido ao "truste" no Estados Unidos e o seu poder hegemônico. Mas o que nós hoje chamamos de globalização traz uma modificação daquela estabilidade, mesmo que apenas devido ao alargamento do seu contexto para uma escala realmente global, o que significa a re-entrada de outras moedas rivais, o euro e o renminbi chinês, após o fim da guerra fria. As desregulações de Tatcher-Reagan, economia pós-moderna ou neo-liberalismo, não são tanto a causa da "instabilidade" do valor e sua "flutuação" mais agitada como são uma reação a eles por parte dos grandes negócios.
Essa é a situação na qual Bryan e Rafferty tem uma proposição espantosa: nomeadamente, que no atual sistema de "taxas de câmbio variáveis e as vezes voláteis", derivativos "desempenharam um papel que é paralelo àquele desempenhado pelo ouro no século dezenove" [8]. Em um sistema de moedas nacionais relativizadas cada derivativo, como uma única e momentaneamente definitiva combinação dos valores dessas moedas, agem como um novo padrão de valor e portanto como um novo Absoluto. É um pouco como a ideia de Malabranche sobre o ser do universo: Somente Deus pode mantê-lo no ser e deve, portanto, reinventá-lo a cada instante. Essa é a conclusão lógica definitiva do paradoxo do derivativo: Não que cada derivativo é um novo começo, mas que cada derivativo é um novo presente de tempo. Ele não produz nenhum futuro de si mesmo, apenas um outro e diferente presente. O mundo do capital financeiro é esse presente perpétuo — mas não é uma continuidade; é uma série de eventos singulares.
Nós podemos retornar à nossa ilustração anterior, na medida que o texto pós-moderno — para nós um termo mais neutro que obra — ou o efeito artístico efeito-singularidade pós-moderno, se preferir, é do mesmo tipo único que aquele instrumento de uso único chamado derivativo. Ambos são pelo menos parcialmente o resultado da situação da globalização, na qual múltiplos determinantes em constante transformação, em diferentes taxas de velocidade, doravante tornam problemática qualquer estrutura estável, a menos que seja simplesmente um pastiche de formas do passado. O mercado financeiro mundial é espelhado no mercado mundial de arte, escancarado pelo fim do modernismo e seu cânone eurocêntrico de obras-primas, ao lado com a teleologia implícita ou explícita que o informou. Agora, certamente, tudo e qualquer coisa é possível, mas apenas sob a condição que abrace efemeridade e consinta existir por um breve período, como um evento ao invés de um objeto durável.
3. O Domínio das Idéias.
Mas agora é hora de dizer o que esse misterioso termo "singularidade" realmente significa, o que é e onde pode ser encontrado. Acredito que no turbilhão dos debates atuais podemos identificar e isolar pelo menos três usos (ou talvez quatro). Primeiro vem o uso científico da palavra, o qual não me é claro se singularidade designa algo além das leis físicas que conhecemos ou algo anômalo que ainda não foi explicado por cientistas (mas que vai eventualmente cair em uma alargada lei científica de algum tipo, ainda a ser teorizada). O que é útil aqui é a noção de um evento-singularidade, como um buraco negro que, tal como nas dinâmicas financeiras do derivativo que nós há pouco delineamos, encontra-se na fronteira entre algum tipo de evento irrepetível no tempo e uma única estrutura que pode se reunir apenas uma vez, mas que não obstante é um fenômeno suscetível à análise científica.
Na ficção científica isso logo se torna a ambiguidade dominante, mas ao invés de buracos negros ou as partículas sub-atômicas dos físicos, é ligada a computadores e inteligência artificial. Aqui a singularidade é apresentada como um salto ou mutação evolucionária de algum tipo, algo que pode ser distópico ou utópico dependendo do contexto. Ray Kurzweil se tornou famoso pela sua predição de uma singularidade muito específica, nomeadamente a data na qual, como no filme O Exterminador do Futuro, a inteligência artificial vai alcançar a agência humana e ultrapassá-la, e nós entraremos em uma nova era, cujos esforços heróicos foram gravados em diversos filmes e series de TV. Esse tipo de singularidade é a epítome do retorno dos reprimidos, de um futuro que não somos mais capazes de imaginar mas que insiste em marcar sua iminência com torturante ansiedade. Singularidade distópica seria a emergência de uma espécie mecânica que transcende o humano e sua inteligência (e malignidade) como nas séries Exterminador do Futuro ou Battlestar Galactica. Utópico seria a emergência do pós-humano na até então espécie humana, um tipo de mutação do humano em um novo híbrido ou tipo de andróide de inteligência sobre-humana dentro da nossa própria natureza humana. Mas devo notar o que Kate Kayles apontou — nomeadamente que, de acordo com os termos nos quais eu descrevi derivativos, nós já alcançamos o futuro, na medida que somente computadores podem conceber formações tão complexas, que nenhuma inteligência humana individual poderia possivelmente abarcar e que portanto não seria possível antes da emergência de tal tecnologia de informação [9].
Enquanto isso, também é válido identificar nessas visões uma modernidade residual, no sentido que o modernismo nas artes, como também na política, já tinha postulado uma mutação na vida humana e anteviu esta vindoura imensa revolução mental e física. Teleologias visionárias, o modernismo do make-it-new, transcendências radicais do passado e da tradição, da emergência de novas formas de percepção e de experiência — mesmo, nas políticas de vanguarda, a emergência de novos tipos de humanos — todas as características marcaram o utopianismo do moderno; e como eu disse, pesadelos pós-modernos e pós-humanos podem simplesmente ser o retorno dos reprimidos dessa agora asfixiada temporalidade e historicidade: Visões de um vindouro tempo de problemas tem sua relação dialética com uma política anarquista do Agora, do momento intemporal. Ambas são certamente preferíveis às certezas presunçosas e auto-satisfeitas sobre o fim da história atualmente destiladas pelos nossos ideólogos.
Razão Cínica?
Chegamos finalmente (ou ao menos em terceiro lugar) à ideia de singularidade na filosofia, e por extensão na teoria social e política. Aqui encaramos um embaraço de riquezas já que hoje há tantos reclamantes que hasteiam a bandeira da assim chamada filosofia pós-moderna. Eu mesmo quero insistir que a presente análise não é filosofia como tal, como não é exatamente um ato de aliança com o pós-moderno: Novamente, quero descrever sintomas históricos ao invés de minhas próprias posições; e quero documentar a proposição que atualmente entramos, não uma nova era, mas certamente um novo e terceiro, globalizado, estágio do capitalismo como tal.
Então as posições filosóficas pós-modernas que quero sublinhar não devem ser entendidas como minha própria inclinação filosófica, apesar de que na medida que estas constituem a doxa ou opiniões mais difundidas do momento presente, eu certamente não estou imune de sua influência ou atração, não mais do que qualquer outro que participe ativamente da vida e cultura desse período. Filosofia pós-moderna é geralmente associada com dois princípios fundamentais, nomeadamente anti-fundacionalismo e anti-essencialismo. Essas podem ser caracterizadas como, respectivamente, repúdio de metafísica, isto é, de qualquer sistema definitivo de significado na natureza ou no universo; e como a luta contra qualquer ideia normativa de natureza humana. (Talvez construtivismo e um certo historicismo podem ser adicionados a esses dois princípios.) É geralmente identificada por seus adversários — a maioria destes modernistas, mesmo quando têm inclinações espiritualistas — como relativismo.
Agora, em certo sentido muitos dos modernistas também acreditavam nessas coisas (a maioria deles, por exemplo, já podem ser encontrados no existencialismo sartreano). Mas na maioria os modernistas tendem a expressar tais princípios em sotaques de angústia ou pathos. O grito de guerra de Nietzsche sobre a morte de Deus era sua palavra de ordem, ao lado de várias lamentações sobre o desencanto do mundo e vários relatos puramente psicológicos de alienação e dominação da natureza. O que distingue a filosofia pós-moderna, na minha opinião, é o desaparecimento da angústia e pathos. Ninguém mais parece sentir falta de Deus, e alienação numa sociedade de consumo não parece ser um prospecto particularmente doloroso ou estressante. A metafísica desapareceu completamente; e se a devastação do mundo natural é ainda mais severa e óbvia que no período anterior, ecologistas realmente sérios — do tipo radical e ativista — fazem algo politicamente e praticamente à respeito, sem nenhum espanto filosófico em face de tais depredações por parte de corporações e governos, na medida em que o último só está vivendo os seus instintos inatos. Em outras palavras, agora ninguém está surpreendido com as operações do capitalismo globalizado: algo que uma antiga filosofia acadêmica nunca se preocupou em mencionar, mas que os pós-modernos tem por garantido, algo que bem pode ser chamado de Razão Cínica. Mesmo o aumento da miséria e o retorno da pobreza e desemprego em uma escala mundial massiva, escassamente são motivos de assombro para qualquer um, tão claramente eles são o resultado do nosso próprio sistema político e econômico e não dos pecados da humanidade ou da fatalidade da vida na Terra. Nós estamos, em outras palavras, tão completamente submergidos no mundo humano, naquilo que Heidegger chama de ontico, que nós temos pouco tempo para aquilo que ele gostava de chamar de questão do Ser.
Mas agora precisamos nos perguntar sobre o lugar da singularidade nisso tudo, e eu vou argumentar que isto deve ser encontrado no debate filosófico sobre universais, algo que melhor pode ser ilustrado socialmente e politicamente. A mais dramática instanciação prática do debate sobre universais pode ser encontrado nas áreas do feminismo e preferência de gênero, pois para afirmar os direitos universais para as mulheres é também necessário desafiar culturas em que um status de subordinação da mulher é prescrito. Tais culturas atribuem uma essência subordinada à mulher e são portanto essencialistas das maneiras mais fundamentais. No entanto, o problema filosófico jaz precisamente aqui, no fato de que a doutrina dos direitos humanos universais é ela mesma uma doutrina de universais e portanto implicitamente essencialista. Sempre nos surpreendemos, nos Estados Unidos, quando mulheres de outras culturas repudiam o feminismo americano, ele próprio um acessório da política externa americana, como uma questão puramente cultural e um componente intrínseco do imperialismo americano e opressão; é um debate que subitamente revive e inflama todos os antigos debates sobre modernidade e progresso histórico. Mas é um processo dialético, no qual novas culturas de revolta instituem novas normas culturais que, por sua vez opressivas e hegemônicas, elas próprias invocam o mesmo tipo de luta travada contra os antigos universais. A afirmação por esses novos coletivos de sua própria excepcionalidade e singularidade, que frequentemente aparentam tomar a forma de revival religioso, deste modo minando o próprio ideal de singularidade, que é por conseguinte reduzido a uma questão puramente individual.
Entretanto, essa luta social e política ainda retém sua forma filosófica. Pois a questão dos universais, que também é a questão não de particulares mas de singularidades, estava no seio da velha controvérsia medieval à respeito do nominalismo: e o último afirmou que universais eram pouco mais palavras e abstrações verbais, flatus vocis, que não tinham relevância para o mundo de coisas e itens verdadeiramente individuais, um mundo de singularidades. Singularidade, em outras palavras, propõe algo único que resiste o geral e o universalizante (quanto mais o totalizante); nesse sentido, o conceito de singularidade é ele mesmo singular, pois não pode ter um conteúdo geral e é meramente uma designação para aquilo que resiste à subsunção em categorias abstratas e universais. A própria palavra carrega consigo o perene grito dos existencialistas contra o sistema e a feroz resistência dos anarquistas contra o estado.
A luta contra universais é portanto a luta contra normas hegemônicas e valores institucionais, quer culturais ou judiciais. Pois a posição pós-moderna pode ser resumida na convicção de que universais são inevitavelmente normativos, e portanto opressivos e compulsórios para indivíduos e minorias; em outras palavras, são essências e implicita ou explicitamente sempre afirmam a norma da qual todas os desvios podem ser mensurados e o indivíduo ou coletivo fora dos padrões identificado e condenado. E denunciar tais normas tornam-se um problema político ardente, como nas políticas das identidades e nas políticas de grupos secessionistas e culturas marginais e oprimidas. Pois no limite a norma hegemônica pode alcançar ideais de limpeza étnica e genocídio. Tal é sua ambiguidade, no entanto, que afirmação cultural ou nacional pode também constituir um protesto contra o imperialismo, standardização e a deteriorização da autonomia nacional sob a globalização.
Portanto devemos agora insistir na ambivalência dialética desses problemas filosóficos, dos debates sobre nominalismo e universais, ou da singularidade e da norma. Pois para ninguém menos que um pensador como Adorno, o termo nominalismo era uma reprovação e uma critica, o diagnóstico de tudo aquilo sufocante no capitalismo tardio: nominalismo para ele incluía impiricismo e positivismo e a gradual extinção do negativo e do dialético — nomeava uma ordem social tão absoluta que nenhum pensamento crítico, quanto mais resistência política, poderia acontecer em seu seio: a versão de um filósofo, sem dúvida, de uma distopia pós-moderna. A teoria de Adorno pode ser vista como uma teoria dialética da pós-modernidade (não são suas palavras!) na qual as contradições fundamentais entre a totalidade e o singular jamais podem ser resolvidas.
Mas seria um erro pensar tais contradições filosóficas como autônomas, ou realizando-se em um domínio em que elas pudessem ser resolvidas por um pensamento ainda vigoroso: Elas tem sua própria semi-autonomia, como Althusser gostava de dizer, mas elas também são, acima e além de sua lógica interna, sintomas de um sistema sócio-econômico, capitalismo, em seu desenvolvimento e evolução interna, cujas contradições (irrepresentáveis) elas expressam. Contradições filosóficas, entretanto, não podem ser resolvidas filosoficamente.
4. Subjetividade e Política.
Já para as contradições da cultura pós-moderna ou subjetividade pós-moderna, é provavelmente desnecessário, sob a luz da volumosa literatura à seu respeito, aprofundar nelas em qualquer medida. As fortunas do sujeito individual começam a declinar no estruturalismo (junto com o próprio individualismo social), através dos vários estágios em que o "sujeito centrado" foi completamente denunciado, até que chegamos à bem conhecida "morte do sujeito", comparável no nosso tempo somente com a morte de Deus de Nietzsche (o filósofo dionisíaco de fato havia nos avisado que nós não seriámos capazes de completar o último até que nós tivéssemos lidado com o próprio sujeito gramático).
Eu argumentei aqui que é mais produtivo apreender esse desenvolvimento nos termos da morte da historicidade; ou para ser mais preciso, o enfraquecimento da nossa experiência fenomenologia do passado e futuro, a redução da nossa temporalidade ao presente do nosso corpo. O fim do sujeito burguês tem sido tradicionalmente enquadrado nos termos do crescimento dos monopólios, o fim da clássica livre iniciativa e a proliferação daquilo que uma vez conhecemos como "homem organizacional". O diagnóstico refletia a crescente fragilidade do antigo individualismo burguês, sua deterioração sob condições de instituições de larga escala e o declínio da competição capitalista que trouxe o individualismo à existência em primeiro lugar, como um ego aquisitivo agressivo e uma poderosa identidade Édipa. Todas as características que atribui à algumas subjetividades propriamente pós-modernas deviam ter sido entendidas nos termos desse processo — a redução ao presente, o corpo como uma última realidade para sobreviver à exaustão da cultura burguesa, a mutabilidade do afeto substituindo as posturas auto-confiantes de um anterior sistema emocional.
Hoje não falamos mais de monopólios mas de corporações transnacionais, e os nossos robber barons (barão ladrão) se tornaram os grandes financistas e banqueiros, eles próprios des-individualizados pelas instituições massivas que administram. É por isso, na medida que o nosso sistema se torna ainda mais abstrato, é apropriado substituir um diagnóstico mais abstrato, nomeadamente o deslocamento do tempo pelo espaço como um dominante sistêmico, e a obliteração da temporalidade tradicional por essas múltiplas formas de espacialização que chamamos de globalização. Esse é o quadro que no qual agora podemos analisar as fortunas da singularidade como uma experiência cultural e psicológica, antes de passar à sua última realização na política hoje.
Mas globalização tem sido muito frequentemente sido analisada negativamente como a irresistível propagação do capitalismo e financialização em todo o mundo, a implacável dissolução de todas as remanescentes produções e agricultura pré-capitalistas ou mesmo capitalistas-primitivas, o sistemático "fechamento" de todas essas realidades e experiências que até então haviam escapado a comodificação e reificação. Isso é para omitir o lado jubilatório da descrição da chegada do mercado mundial nas primeiras páginas do Manifesto de Marx. De fato, também podemos ver a globalização, ou esse terceiro estágio do capitalismo, como o outro lado ou face daquele imenso movimento de descolonização e liberação que aconteceu em todo o mundo nos anos 60. Os dois primeiros estágios do capitalismo, o período das industrias nacionais e mercados, seguido por aquele do imperialismo e aquisição de colonias, o desenvolvimento de uma apropriada economia mundial colonial — esses dois primeiros momentos foram caracterizados pela construção de alteridades em escala mundial. Primeiro, os vários estados-nação organizaram suas populações em grupos nacionais concorrentes, que só podiam sentir suas identidades através da xenofobia e do ódio do inimigo nacional; que só podiam definir sua identidade pela oposição ao seu número oposto. Mas esses nacionalismos rapidamente tomaram formas não-nacionais como, particularmente na Europa, várias minorias e falantes de outras línguas evoluíram seus próprios projetos nacionais.
Então, no gradual crescimento que não deve ser confundido com a posterior globalização, os sistemas de imperialismo começaram a colonizar o mundo nos termos das alteridades dos seus sujeitos colonizados. Alteridade racial, e um eurocentrico e americocentrico desprezo para as assim-chamadas culturas subdesenvolvidas ou subalternas, particionando pessoas "modernas" daqueles que ainda eram pré-modernos e separando culturas avançadas ou dominantes dos dominados. Com esse momento do imperialismo e modernidade, um sistema mundial de alteridade foi implantado.
Será claro, então, que com a descolonização tudo foi gradualmente varrido: aqueles outros subalternos — que não podiam falar por si mesmos, quanto mais governar a si mesmos — agora pela primeira vez, como Sartre famosamente colocou, podiam falar com sua própria voz e reivindicar sua liberdade existencial. Agora, subitamente, o sujeito burguês é reduzido à equalidade com todos esses antigos outros e um novo tipo de anonimidade reina toda a sociedade mundial como um todo. Essa é uma boa anonimidade, que pode ser oposta com alguma uma satisfação ética para o burguês individualismo cuja a desaparição nós até então saudamos com sentimentos mistos. Bilhões de pessoas agora existem, e não apenas os milhões da sua própria nação e sua própria linguagem.
Como poderia a cultura e a subjetividade não serem transformadas, quando abertas às vicissitudes dessa mais vasta paisagem e população que é a própria globalização? Não mais protegido pela família ou região, nem mesmo pela própria nação e sua identidade nacional, a emergência do sujeito vulnerável num mundo de bilhões de anônimos iguais é destinada a trazer ainda mais mudanças momentosas na realidade humana. A experiência da singularidade é, nesse nível, a própria expressão dessa destituição subjetiva, comumente remediada pela regressão a antigos grupos ou estruturas religiosas, ou a invenção de tradições étnicas pseudo-tradicionais, com resultados indo desde genocídio até hobbies de luxo. Essa dialética, entre egoismo e pseudo-coletividade, carrega consigo ao menos um momento de verdade, a radical diferenciação — qualitativa, ontológica e metodológica — entre a análise da experiência individual e aquela de grupos ou coletivos. Ambas análises dividem o dilema de trabalharem com um objeto imaginário, cuja unidade é impossível e cuja teimosa resistência demanda, por um lado, uma nova ética, e por outro uma nova política. Projetar qualquer uma dessas duas tarefas é utópico; recusa-las é frívolo e niilista. Mas é o dilema político que devemos confrontar na conclusão.
Eu toquei na preponderância do espaço sobre o tempo no capitalismo tardio. A conclusão política a se tirar desse desenvolvimento é simples: Que no nosso tempo, toda a política é sobre território; da mais nobre governança até as menores manobras de vantagem local. A política pós-moderna é essencialmente sobre apropriação de terras, tanto em escala local como global. Esteja você pensando no conflito da Palestina ou na gentrificação e zoneamento nas pequenas cidades americanas, é aquela coisa peculiar e imaginária que nós chamados de propriedade privada ou terra que está em jogo. Essa terra não apenas é objeto de luta entre classes, entre ricos e pobres; ela define sua própria existência e a separação entre eles. Capitalismo começou com o cercamento e ocupação dos impérios Asteca e Inca; e está terminando com o cercamento e despossessão, com o desabrigo num nível tanto individual quanto coletivo e com o desemprego ditado pela austeridade e terceirização, o abandono de fábricas e rustbelts. Esteja você pensando nos assentamentos ou campo de refugiados, alguns deles durando o tempo de uma vida, ou na política de matérias primas e extração; esteja você pensando na despossessão de camponeses para dar lugar a parques industriais, ou em ecologia e na destruição das florestas tropicais; esteja você pensando nas legalidades abstratas do federalismo, cidadania e imigração, ou das políticas da renovação urbana e no crescimento de bidonvilles, favelas e distritos, para não falar dos grandes movimentos dos sem-terra e do Occupy — tudo hoje é sobre terra. A longo prazo, todas essas lutas resultam da comodificação da terra e da revolução verde em todas as suas formas: A dissolução das ultimas remanescências do feudalismo e seu campesinato, sua substituição pela agricultura industria e agronegócio e a transformação dos camponeses em trabalhadores rurais, ao lado de seu eventual destino como exército de reserva dos desempregados agriculturais.
Espaço e terra: Essa suposta reversão ao modo de produção feudal é então espelhada nos experimentos de teóricos econômicos com o retorno às doutrinas de renda em conexão com o contemporâneo capital financeiro. Mas o feudalismo não incluía o tipo de aceleração temporal no seio da redução ao presente de hoje. Como o último pode ser apreendido como espacialização, ao invés de, como alguns sugeriram, a virtual abolição do espaço (na verdade, o espaço que eles tem em mente é o espaço entre as várias bolsas de valores), é um problema representacional crucial para a apreensão da pós-modernidade e capitalismo tardio e em parte alguma mais urgente do que nos cálculos de suas possibilidades politicas.
Pois essas tem sido essencialmente espaciais também, como testemunha o sucesso daquela nova palavra o, em última instância, inominável fato de manifestação coletiva e personificação grupal — multitude. Não apenas o Tiananmen e os vários veludos ou "revoluções" coloridas no leste, mas Seattle, Wisconsin, Praça Tahrir, Occupy, foram todos eventos espaciais, distinguidos da inicial, eufórica, "ilusão lírica" das antigas revoluções (como também das antigas guerras) pelo dispositivo central de organização, o celular, e pelas novas tecnologias de informação. Não basta dizer que eles eram assembleias "guarda-chuva", na qual esquerda e direita, moderados e extremistas, utópicos, liberais e maníacos, participaram: mas também que, diferente das revoluções tradicionais, eles funcionaram como mediadores da desaparição — as operações destrutivas que, por uma hegeliana astúcia da história, limpam o terreno para novos e inesperados desenvolvimentos (Então Manfredo Tafuri em seu maior ceticismo interpretou as grandes realizações críticas e negativas da modernidade — Marx, Freud e Nietzsche — essencialmente como demolidores que pavimentaram o caminho para o capitalismo tardio; eu acho que Pasolini tinha um sentimento algo similar à respeito de 68).
Eu espero que não seja muito formalmente pessimista comparar flash mobs politicamente históricos com a "crise-relâmpago" da bolsa de valores em 6 de Maio de 2010, na qual um trilhão de dólares desapareceram em alguns instantes, apenas para serem magicamente recuperados alguns minutos depois. Certamente seu ritmo seguiu a trajetória clássica descrita por Toni Negri: A crise da velha ordem, a abertura de um ilimitável "poder constituinte", seguido do endurecimento do cimento, a impressão de uma nova "constituição", o colocar-se no lugar de um doravante eterno "poder constitucional" como tal [10]. A eminentemente justificada crítica à esquerda do governo representativo — contra o qual esses flash mobs são primeiramente e principalmente uma repreensão — não parece deixar muito espaço conceitual para uma nova solução; enquanto as "praças" míticas de tais revoltas elas mesmas aparentam doravante meramente prover uma nova forma para outros tipos de manipulação ao invés daquelas de venalidade e corrupção governamental. O Espaço separa tanto quanto une: A Comuna de Paris não foi capaz de arrastar as terras essencialmente agriculturais de Versalhes em sua órbita revolucionária. É a redução pós-moderna ao presente da multitude revolucionária pouco mais que uma temporalidade televisiva, sua matéria prima rapidamente exaurida, sua futura programação sujeita aos Nielsen ratings (medidor de audiência) que ela mesma fabrica? Ou pode a nova temporalidade ser feita a se revelar como o novo Jubileu, o momento do perdão de todas as dívidas e o novo começo absoluto? Talvez o Syriza e Podemos tenham algumas novas respostas a essas questões.
Notas:
[1] François Hartog, Régimes d'historicité: Présentisme et expérience du Temps, Paris 2003; Karl Heinz Bohrer, Plötzlichkeit, Frankfurt 1981. Ver também, para um relato cultural-crítico, Douglas Rushkoff, Present Shock, Nova Iorque, 2013.
[2] —Veja "The Sublime and the Avant-Garde", em Jean-François Lyotard, The Inhuman, Stanford 1991.
[3] "The End of Temporality", Critical Inquiry, vol. 29, no. 4, Verão 2009; agora publicado em Ideologies of Theory, Londres e Nova York, 2009.
[4] Lucy Lippard, Six Years: The Dematerialization of the Art Object from 1966 to 1972, Berkeley 1973.
[5] Postmodernism: Or, the Cultural Logic of Late Capitalism, Londres 1991, pgs. 161–72.
[6] Edward LiPuma e Benjamin Lee, Financial Derivatives and the Globalization of Risk, Durham, nc 2004. Eu sou endividado a Rob Tally por essa referência.
[7] Dick Bryan e Michael Rafferty, Capitalism with Derivatives, Londres 2006.
[8] Bryan e Rafferty, Capitalism with Derivatives, pg. 133.
[9] N. Katherine Hayles, How We Became Posthuman: Virtual Bodies in Cybernetics, Literature and Informatics, Chicago 1999.
[10] Antonio Negri, Insurgencies: Constituent Power and the Modern State, Minneapolis 1999.
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