Keith A. Spencer
Jacobin
Astrônomo Asaph Hall Jr. no Observatório Naval dos EUA em 1924. Biblioteca do Congresso. |
Tradução / Você já viu um alien? Os cientistas também não, mas isso não os impedem de especular que extraterrestres imperialistas podem estar a caminho.
Com a excessão de inconclusivo bip em 1977, nunca detectamos um sinal de inteligência alienígena. Após ter varrido nosso sistema solar com sondas e encontrado apenas o vazio, rastreadores de sinais extraterrestres (ET) agora inspecionam a galáxia na faixa das ondas de rádio do espectro eletromagnético, onde fótons podem percorrer distâncias interestelares e ainda chegar ilesos à Terra.
O mais proeminente e bem financiado esforço organizado na pesquisa das faixas de radio é liderado pelo Instituto SETI (Search for Extraterrestrial Intelligence), uma fundação privada sem fins lucrativos que empresta tempo de radiotelescópios ou examina o céu usando seu próprio conjunto de antenas.
Ainda que o SETI tenha pesquisado ativamente por 40 anos, existiram poucas tentativas de enviar nossos próprios sinais de rádio destinados a mundos presumivelmente habitados. Isso nos coloca um enigma: porque os humanos têm expectativas que os aliens decidam nos mandar sinais de “alôs” se nós mesmos não fazemos isso? Essa ideia, de que devemos enviar mensagens além de apenas esperar por elas, é conhecida como “SETI Ativo”.
Como Douglas Vakoch, do Instituto SETI, explicou ao Slate mês passado:
“No passado, sempre acreditamos que qualquer civilização extraterrestre com a capacidade de nos detectar iria automaticamente tomar a iniciativa de fazer contato, nos enviando um sinal potente de modo a sabermos que eles existem... Mas podem existir civilizações por aí que se recusam a revelar sua existência a menos que nós deixemos claro que queremos fazer contato.”
Em fevereiro deste ano, em um simpósio da Convenção da Associação Americana para o Avanço da Ciência, em San Jose, Vakoch propôs que deixemos de apenas escutar e comecemos a falar também. As palavras de Vakoch desencadearam uma disputa que culminou em uma carta aberta alertando sobre os riscos do SETI Ativo, assinada em sua maioria por cientistas mas também pelo CEO da Tesla/SpaceX Elon Musk, pelo escritor de ciência George Dyson, e pelo autor de ficção científica Paul Davies.
Essa não foi a primeira vez que cientistas soaram os alarmes em relação ao SETI Ativo. O físico Stephen Hawking argumentou contra a tentativa de fazer contato com ETs, em uma profecia aparentemente plagiada do roteiro do filme Independence Day:
Precisamos apenas olhar para nós mesmos para ver como a vida inteligente pode se transformar em algo que não queremos conhecer. Imagino que eles possam existir em naves imensas, uma vez que já usaram todos os recursos de seu planeta de origem. Tais aliens desenvolvidos podem talvez ter se tornado nômades, buscando conquistar e colonizar quaisquer planetas que possam alcançar.
Voltando a 2006, um editorial surgiu nas paginas da revista Nature sustentando que, ainda que as chances sejam “remotas”, enviar mensagens aos aliens representam “perigos pequenos, mas reais”, incluindo a possibilidade de “especialistas ‘das forças especiais’ alienígenas trabalhando de modo a explorar” a psicologia humana com base nas informações de nossas mensagens de rádio.
Vamos dar um passo atrás e considerar esses alertas, feitos de forma sincera por esse grupo de cientistas, engenheiros e homens de negócio. Estariam suas premissas e previsões sobre vida alienígena assentadas na lógica e na ciência?
Se observarmos a forma como o neoliberalismo moldou nosso pensamento e nossa cultura, temores sobre ETs se encaixam perfeitamente. Eles alegam que aliens podem ser potenciais competidores por recursos – presumivelmente, tendo deixado seus planetas de origem para explorar, extrair, e escravizar, seguindo um padrão não muito diferente dos desdobramentos ao longo dos 400 anos de capitalismo global.
Aliens podem ser imperialistas, deixando seus planetas para colonizar e moldar a humanidade à sua própria lógica social e política – como os projetos coloniais americanos no Iraque, Afeganistão, e um dúzia de outros países ao longo do século passado.
Sintomaticamente, os aliens são projetados como possuidores de um mesmo triunfalismo tecnológico como o Vale do Silício, igualando “avanço tecnológico” com “progresso”, mesmo quando essas duas coisas tem pouco em comum. Em sua hostilidade teórica, os aliens podem ter uma certa masculinidade que nos falta: os competidores corporativos consumados, com mais da – assim chamada – tecnologia, mais violência, e mais disposição para o uso da força.
Isso não é ciência. Isso é ideologia em sua forma mais poderosa e invisível, posando como lógica. Nesses medos, vemos um caldo de problemas específicos historicamente recentes, misturados e projetados. Os signatários ‘anti-SETI Ativo’ veem o imperialismo como universal, literalmente – isto é, estendendo-se por todo o universo.
O fato de que os aliens têm ambições imperiais é assumido com toda a naturalidade. Longe de ser um resultado histórico de uma forma específica de organização do capital da última metade do segundo milênio, tais signatários assumem que a ideologia do imperialismo capitalista é inevitável por toda a galáxia.
Mas isso não foi sempre assim. Em 1877, o astrônomo Percival Lowell observou Marte e pensou ter visto canais. “Circundando o globo e estirados de polo a polo, o sistema de canais marcianos não apenas envolve todo o mundo, mas é uma entidade organizada”, escreveu sobre as características de Marte, as quais sabemos hoje se tratar de ilusões de ótica. Suas afirmações foram precedidas pelo astrônomo Giovanni Schiaparelli, colega de Lowell, quem primeiro “descobriu” os canais, em observações a partir de seu telescópio na Itália.
Todavia, as projeções de Lowell não pararam por aí. Lowell, um rico aristocrata de Boston, educado em Harvard, e herdeiro de uma fortuna, foi tão longe a ponto de extrapolar a natureza da sociedade, cultura, e governo de Marte, tudo a partir de observações embaçadas do que chamou de sistema de canais. Observando devidamente as alvas regiões polares de Marte, propôs que os canais levavam a água dos polos congelados até o equador, talvez para propósitos agrícolas.
Lowell ainda recrutou a ajuda do sociólogo Lester Frank Ward a fim de especular sobre as características da cultura marciana, e também do zoólogo, e membro da Academia Americana de Ciência, Edward Morse a fim de garantir credibilidade às suas especulações.
O período no qual Lowell e Schiaparelli puderam supor os canais em Marte era uma época de grande agitação social, no qual as capacidades e poderes da humanidade foram expandidos de forma inimaginável. A eletrificação e os motores de combustão tinham alterado a relação do homem com as máquinas e permitiram uma prosperidade sem precedentes, e as forças imperiais ocidentais começavam a se dedicar a uma engenharia geológica em escala também inédita – o canal de Suez e a tentativa francesa no Canal do Panamá são apenas dois exemplos disso.
Enquanto isso, a Revolução Industrial conduzia trabalhadores rurais para os trabalhos fabris urbanos, gerando revolta e mal-estar por toda a Europa. Schiaparelli, que tinha se mudado da Itália para estudar astronomia em Berlim na década de 1850, viveu em uma Europa numa época em que as classes mais baixas reiteradamente descobriam as políticas radicais e as elites repetidamente tentavam sufocar tais insurreições.
Tanto Schiaparelli quanto Lowell projetavam seu próprio viés de classe, pressupostos, e circunstâncias históricas para a sociedade marciana. O abastado Lowell postulava que os marcianos viviam em uma sociedade oligárquica e elitista, na qual apenas o alienígena mais apto, tecnologicamente desenvolvido e esclarecido poderia sobreviver ao clima hostil de Marte. Lowell invocou a filosofia de Herbert Spencer, o filósofo e sociólogo conservador por quem nutria admiração, e cuja visão de mundo se ajustava perfeitamente à sua política burguesa e elitista.
Schiaparelli discordava de Lowell em relação à natureza da sociedade marciana. Depois de realizar cálculos detalhados sobre as características do sistema de irrigação marciano, Schiaparelli decidiu que a sociedade marciana com sua capacidade organizacional para a construção de canais planetários – um “paraíso hidráulico” (paradiso degli idraulici), como ele o chamava – poderia ser um “paraíso para o socialismo” (il paradiso dei socialisti). O planeta vermelho, de fato.
A ciência é entendida como universal e empírica, e os cientistas – quem, como todos nós, algumas vezes saem de seus domínios de expertise – carregam esse selo de poder para outras esferas.
Assim, em 2015, um grupo de cientistas e CEOs, sem nenhuma evidencia empírica sobre qualquer cultura alienígena, pode fazer, descaradamente, afirmações tendenciosas sobre aliens, e serem levados a sério – quando na verdade eles veem a si mesmos como os aliens. Na verdade, suas crenças têm pouco a ver com ciência e tudo a ver com a sociedade na qual foram criados e com sua posição elevada nela.
Temer os ETs como invasores colonialistas pressupõe que os aliens não têm cultura e histórias próprias – eles são apenas uma horda imperial anônima. Andrea Smith escreveu sobre “a lógica radical do Orientalismo” que tacha “certos povos e nações como inferiores e como ameaça constante ao bem-estar do império”. Certos grupos raciais e étnicos, ela escreve, serão vistos como “civilizados”, mesmo quando são “imaginados como ameaça externa permanente ao império”. Troque “povo” por “aliens” e você começará a ver paralelos orientalistas na forma como os aliens são concebidos.
Para muitos cientistas, a ideia de que uma civilização alienígena deve ser do tipo imperial-capitalista representa o poder do capitalismo como formador social. Postulando-se como universal, ele transmite certas convicções sobre os humanos (e agora sobre os aliens): que eles são competitivos, violentos, fundamentalmente egoístas, aspirando ao poder à custa dos outros – quando de fato, essas não são sequer características humanas. Essas são características supostas pelo nosso sistema econômico e pela forma peculiar com que ele busca controlar as pessoas, visando moldá-las em trabalhadores e consumidores conformados.
A ideia de que os humanos possuem características inerentes é conhecida como “determinismo biológico” – noção na qual as características que observamos em nós mesmos são naturais, produtos de nossa biologia, e não de situações históricas e culturais que vivemos. Por exemplo, alguém pode ver um mendigo dormindo na calçada e assumir que ele falhou na vida por conta de seus genes, ou dizer que aquela mulher é incapaz de ser uma cientista séria por causa do seu sexo, ou que todos os homens devem ser dotados de agressividade por conta de sua biologia.
Racismo e sexismo fluem livremente se você adota o determinismo biológico como certeza, e os conservadores frequentemente usam o determinismo biológico como reduto para seus argumentos – apesar do fato de que os antropólogos são praticamente unanimes em afirmar que tal determinismo biológico é uma mentira escandalosa. “Todas as culturas têm sexo, agressões, etc., mas ‘se’ e ‘como’ ele é expresso está subordinado a uma ordem cultural”, escreveu o antropólogo Marshall Sahlins. Na trupe anti-SETI Ativo, vemos uma forma mutante disso: o determinismo astrobiológico.
Se você acha que as preocupações dos cientistas são antropocêntricas, determinísticas, e absurdas, você está certo. É improdutivo argumentar sobre as ambições culturais e imperiais de alienígenas nunca contatados. Sem saber nada sobre eles, não é possível conjecturar cientificamente sobre sua cultura – e caso isso seja feito, não estaremos fazendo ciência. Estaremos antropomorfizando.
Se queremos especular sobre o futuro, vale a pena questionar nossa própria cultura – a única cultura de uma vida inteligente sobre a qual temos conhecimento – que tipo de civilização humana duraria milhões de anos, o bastante para entrar em contato com outra vida inteligente? Provavelmente não a capitalista. Sedenta por energia, competitiva, xenófoba, oprimindo povos e devastando o planeta na busca de recursos e riquezas para apenas uma pequena minoria – este não é um modelo de longo prazo. Nós iremos nos extinguir daqui há um ou dois séculos se continuarmos nesse caminho.
Se quisermos nos manter firmes na esperança de encontrar outras civilizações, seria de nosso interesse sobreviver tempo o bastante para essa descoberta. A Via Láctea tem 150.000 anos luz de diâmetro; levaria centenas, milhares, ou mesmo dezenas de milhares de anos para estabelecer uma conversação de mão dupla. Uma civilização capaz desse feito é estável, pacífica, que evita a guerra e a escassez através da cooperação, provendo seus cidadãos, enquanto mantém uma curiosidade cientifica sobre o universo – e investindo na curiosidade só por curiosidade.
Neste momento, não é aí que nos encontramos. Nosso sistema social e econômico devastou o planeta e drenou o dinheiro das ciências que não estão diretamente sob o interesse do capital, e desencorajou inclusive os pensamentos sobre um sistema econômico e social alternativo. É nosso dever imaginar essa civilização – tornar-nos o planeta vermelho – antes de começar a imaginar aliens.
Nenhum comentário:
Postar um comentário