Samuel Farber
Jacobin
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Tradução / Os principais líderes da Revolução Cubana — Fidel Castro, Raúl Castro e Che Guevara — tinham estilos de liderança política diferentes. Fidel Castro, de longe o líder mais importante, foi, até se retirar por questões de saúde em 2006, um astuto e táctico político revolucionário com a intenção de consolidar o seu poder e inicialmente adverso a correr riscos que o levassem a perder o controlo da ilha por implementações prematuras de objectivos ideológicos.
O segundo em comando era o irmão mais jovem de Fidel, Raúl, que rapidamente adquiriu uma reputação pelas suas actividades repressivas assim como pela sua disciplina organizativa e competência. Raúl era um antigo membro da Juventude Socialista, o grupo de jovens do Partido Socialista Popular (PSP) cubano, porém mostrava ainda empatia pela União Soviética. Depois havia Che Guevara, cuja imagem icónica sobreviveu ao colapso da União Soviética e ao declínio do comunismo Cubano.
De alguma forma, quase cinquenta anos após a sua morte, Che emergiu como o mais importante dos três líderes. No entanto, tal como tenho referido, as políticas de Che Guevara tinham muito mais em comum com as políticas dos irmãos Castro do que os seus admiradores actuais estão dispostos a admitir.
Primeiro, compartiu com estes uma política revolucionária de cima [para baixo] que lhe permitiu reter, juntamente com os Castro, o controlo político e a iniciativa na ilha, baseado na concepção política monolítica de um tipo de socialismo imune a qualquer controlo democrático e a iniciavas a partir de baixo.
Tal como os irmãos Castro, Guevara tinha um compromisso profundo a um estado de um só partido e a uma versão extrema de vanguardismo, que por vezes lavou ao nível do absurdo. Por exemplo, a sua resposta às condições sociais e políticas que encontrou na parte oriental do Congo, quando se deu conta de não estarem reunidas quaisquer condições necessárias para uma revolução socialista — tais como a demanda por terra por parte da vasta população rural, uma classe trabalhadora (que não existia na região Katanga), e uma presença significativa imperialista que pudesse provocar um sentimento nacional de resistência — foi criar um Partido Comunista de vanguarda que iria liderar isoladamente a revolução nessa parte do país.
Tão cedo quanto os dias de luta de guerrilha na Serra Maestra, Guevara, articulava explicitamente a concepção dos líderes revolucionários cubanos, atribuindo-lhes, na revolução, um papel de apoio e subordinado à classe trabalhadora e campesina. Mais tarde, quando liderava a sua pequena força de guerrilha, na Bolívia, subordinava as necessidades e o potencial político dos militantes e trabalhadores bolivianos politicamente conscientes aos guerrilheiros das suas reduzidas forças sob o seu comando.
Mesmo quando ocasionalmente se referia à classe trabalhadora como tendo um papel na tomada do poder, fá-lo a respeito de uma putativa ideologia da classe trabalhadora do Partido Comunista, tratando a classe trabalhadora como uma abstracção ideológica. Mais tarde, após ter deixado o governo cubano para empenhar-se na luta de guerrilha, fora do país, aprofundou o seu compromisso com uma perspectiva que colocava a autonomia tecnológica e o determinismo — não a classe trabalhadora — no centro da economia socialista de uma maneira reminiscente da novela utópica, Looking Backward, de Edward Bellamy, uma novela que este muito admirava .
As idiossincrasias de Che Guevara
Mas Che Guevara era também diferente dos irmãos Castro em alguns aspectos importantes. Era um igualitário radical, uma característica que tinha raízes na sua formação boémia na Argentina. Os seus quase seis anos no poder em Cuba (1959-1965) não lhe diminuíram esta característica de todo. O mesmo caso com a sua honestidade política, particularmente em comparação com o muito manipulador Fidel Castro. Tinha também um lado profundamente ascético que o levou, por exemplo, a tentar impor, em contraste com outros líderes revolucionários, políticas puritanas durante a sua ocupação da vila Sancti Spiritus no centro de Cuba, em 1958, e considerar, numa reunião do ministério da indústria, que ele dirigia, que o desenvolvimento da “consciência” poderia inverter o progresso material em bens de consumo.
De acordo com Guevara, o povo cubano podia ser educado a construir [o socialismo], sem televisão, baseado no exemplo dos vietnamitas, que não tinham televisão e no entanto estavam a construir o socialismo.
O Internacionalismo de Guevara ou, mais precisamente, a sua vontade de expandir a revolução fora da ilha, particularmente no resto da América Latina, estava mais vincada que nos irmãos Castro. Sem embargo, estava baseada num claro ultra-vanguardismo e na substituição da classe trabalhadora e do campesinato pela “ditadura do proletariado” do Partido Comunista, levando ao estabelecimento de uma nova classe dirigente.
O igualitarismo e internacionalismo de Che estava também ligado ao voluntarismo que se expressava a si mesmo tanto na política como na política económica através dos seus sublinhados sobre os incentivos morais e na criação de um “Homem Novo” que seria totalmente dedicado à sociedade e alheio às suas satisfações pessoais.
As características políticas e pessoais de Guevara – a sua honestidade política e o seu radicalismo igualitário — talvez o tivessem feito mais capaz de ser um comunista oposicionista do que um dirigente comunista a longo termo, que teria que lidar com o crescimento da desigualdade e a corrupção que acompanhou a Revolução Cubana.
Apesar de que o seu igualitarismo, honestidade e ascetismo o pudessem ter ajudado a construir e consolidar a Revolução Comunista Cubana, o sistema que ele ajudou a construir iria quase de certeza virar-se contra os seus valores mais elementares.
Max Weber famosamente arguia que a ética ascética puritana teve um papel essencial no desenvolvimento original do capitalismo, mas isso mais tarde, depois
do ascetismo se comprometer em remodelar o mundo e a desenvolver os seus ideais pelo mundo, os bens materiais ganharam um crescente e finalmente poder inexorável sobre a vida dos homens como em nenhum outro período anterior da história. Hoje o espírito ascético religioso — de forma definitiva, quem sabe? — escapou da jaula. Mas o capitalismo vitorioso, uma vez que se apoia em fundações mecânicas, já não precisa do seu suporte. O mesmo pode também ser aplicado ao Comunismo que Guevara ajudou a construir em Cuba.
O objetivo comum
Não obstante as diferenças que Guevara tinha com os irmãos Castro e os comunistas cubanos pró-Moscovo, este partilhava com eles, até mesmo ao fim, o mesmo projecto para derrubar o capitalismo e construir uma nova sociedade socialista. Este projecto que compartiam estava fundado na criação de um novo sistema de classes baseado em um colectivismo estatal, um modelo de propriedade no qual o estado detém e controla a economia e a burocracia política central “detém” o estado. A pertença à classe dirigente é determinada pela ocupação de um lugar na burocracia que está no centro do poder numa sociedade e que une o poder político ao económico.
Tais sociedades burocráticas são caracterizadas pela produção de valores de uso que satisfazem as necessidades sociais determinadas pela classe dirigente. Neste sistema, a maior parte do excedente não é apropriado pela empresa individual que produziu o excedente, nem tampouco é obtido primariamente pelo mercado.
Em vez disso, é apropriado pelo estado para a economia como um todo. O estado apropria o excedente através dos seus mecanismos de planeamento e controlo — determinando o quê, quanto e onde os bens são produzidos. O excedente não vai financiar primariamente os salários e privilégios dos burocratas (não mais do que os lucros vão financiar principalmente os consumos privados da classe capitalista), ainda que os oficiais do estado possam de facto desfrutar de alguns privilégios especiais.
Vai primeiramente financiar a acumulação e investimento, defesa e outras formas de despesas assim decididas pela burocracia tal como fazem os capitalistas e o capitalismo de mercado sob o capitalismo.
Existe uma contradição determinante neste sistema social entre a necessidade de planeamento e a ausência de liberdade política essencial para a eficiência e precisão do planeamento. Sem liberdade política não há autenticidade de respostas, informação verdadeira e iniciativa independente a partir de baixo que torna possível os planos económicos serem bem desenvolvidos. Os rebeldes anti-burocráticos e revolucionários que possam ter sido inspirados pelo espírito revolucionário intransigente representado por Guevara podem apenas atingir os seus objectivos através de um processo que traz no mesmo saco políticas socialistas, democracia e revolução.
Socialismo: porque a verdadeira libertação da classe trabalhadora apenas pode ser alcançada quando tanto a economia como a política estejam sobre o controlo dos homens e mulheres que através do seu trabalho façam a existência social possível. Democracia: porque a regra da maioria e o respeito pelos direitos das minorias e liberdades civis é a única maneira da classe trabalhadora poder, de facto, e não apenas em teoria, controlar o seu destino. Revolução: porque nem mesmo as reformas mais bem-vindas e autênticas podem trazer uma verdadeira emancipação e libertação. Em qualquer caso, a resistência dos poderosos à mudança social radical faz com que seja provável tornar a revolução tanto inadiável como desejável.
Republished from Haymarket Books.
Samuel Farber was born and raised in Cuba and is the author of numerous books and articles dealing with that country. He is a member of Jewish Voice for Peace and supports BDS.
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