Uma entrevita com
Anwar Shaikh
William Playfair bar chart, “Wheat and Labour,” 1822 / Wikimedia Commons |
Tradução / Anwar Shaikh vem ensinando economia na The New School a 42 anos. Um dos líderes mundiais da economia heterodoxa, ele argumenta que o modelo neoclássico ensinado na maioria das universidades é uma ferramenta ruim para se entender o capitalismo. Ele espera que o seu novo livro, Capitalismo: Competição, conflito e crise, possa ser a fundação para uma teoria econômica e pedagógica alternativa. Ele recentemente se sentou com a estudante da New School, Ebba Boye, para falar sobre o seu trabalho.
Porque você escreveu esse livro?
Quando eu inicialmente entrei na economia, existia um desejo de entender como o mundo funciona. Eu sou do Paquistão, eu cresci em uma parte do mundo onde a disparidade entre riquezas era enorme e o crescimento era lento. Meu pai era um diplomata que havia sido designado para vários países, então, enquanto eu crescia, observei a diversidade de povos, culturas e economias. No Kuwait, eu observei como eles tinham mais dinheiro do que era possível contar, e mesmo assim, muitos eram pobres e trabalhavam sob condições muito difíceis. Então eu pensei que a economia me ajudaria a entender isso. Mas, quando eu cheguei na economia, eu percebi que a ortodoxia não estava lidando com o mundo no qual eu estava interessado, estava lidando com um mundo de fantasia.
Então você teve que construir a sua própria teoria econômica?
A economia neoclássica (a abordagem dominante no campo, hoje) lida com um mundo de perfeição e racionalidade. A tradição neoclássica começa com premissas altamente idealizadas, e então usa essas premissas como material de construção para sua teoria. Muito da pesquisa econômica foca em mudar algumas premissas para fazer o modelo mais aplicável na realidade. Mas isso não é começar mal?
Eu queria voltar ao meu questionamento original, como o capitalismo funciona? Mas ao invés de começar com um mundo idealizado, eu comecei com observações de fato e tentei conceber um modelo coerente. Mas isso tomou tempo; estou trabalhando nisso por 35 anos e passei 15 anos escrevendo esse livro.
Você teve que começar do zero?
Não, eu não precisei. Houve muito o que se aproveitar dos economistas clássicos, Adam Smith, David Ricardo e Karl Marx. Eu também continuei alguns dos trabalhos de John Maynard Keynes, Joan Robinson, Luigi Pasinetti, Piero Sraffa e Geoffrey Harcourt. A tradição clássica começou com a observação de padrões e resultados reais. A idéia é começar de baixo para cima, do mundo real que observamos ao nosso redor, e daí construímos abstrações.
No seu livro você mostra como é desnecessário e até errado construir um modelo econômico com base na “competição perfeita”. Porque você acha que tantos dos modelos neoclássicos têm isso como premissa central?
Essa é uma coisa muito interessante. Os economistas políticos clássicos, como Smith, Ricardo e Marx, descrevem, com riqueza de detalhes, o que eu chamo de “competição real”. Relações entre capital e trabalho, entre grande e pequeno capital, e entre nações, eram todas conflituosas dentro da estrutura clássica.
Os economistas neoclássicos queriam mostrar que o sistema era harmônico e benéfico para todos. Então eles construíram uma estrutura de trabalho onde esses conflitos foram todos abolidos. Eles apresentaram o capitalismo como um sistema harmônico e ideal. Coisa que não é, evidentemente. Mas isso fornece uma fundação ideológica poderosa, ou uma justificativa, do capitalismo.
Quais são algumas das implicações políticas das teorias mostradas em seu livro?
Deixe-me começar no nível micro. Competição funciona. Ela disciplina empresas individuais, indústrias e nações. Mas também produz resultados que não são desejáveis, especialmente para aqueles que perdem. A primeira lição que temos no livro é que temos que entender o que esses resultados são, que eles representam as consequências naturais do mecanismo capitalista. Então, se nós não gostarmos desses resultados, a questão política é como lidamos com eles?
Livre mercado na teoria ortodoxa, supostamente faz com que todos estejam em melhores condições, tanto indivíduos como nações. Por causa da premissa de pleno emprego, se uma companhia ou indústria for terceirizada, os trabalhadores não sofrem nenhuma desvantagem, porque é só eles simplesmente mudarem para novos empregos. Claro que na prática, economistas ortodoxos admitem que há algumas discrepâncias nessa teoria, mas basicamente eles acreditam que todo mundo vai terminar mais feliz.
Por outro lado, na tradição clássica, o livre comércio é uma guerra, porque a competição é uma guerra. E em toda guerra temos vencedores e perdedores, e os perdedores podem ser permanentemente danificados.
Meu objetivo é mostrar que os dois lados dessa estória, as vantagens e os custos, são consequências naturais porque são intrínsecos à competição.
No nível macro, nós precisamos olhar para os padrões recorrentes no capitalismo e entender os “prosperar e falir”. Os fortes mecanismos do comportamento motivado pelo lucro (ambos) alavancam a economia para frente e também a joga em uma crise profunda.
Você foi um dos economistas heterodoxos que previram a crise econômica. O que foi no seu método que te fez ver o que estava vindo, enquanto os neoclássicos não?
Primeiramente, eu não fui assim tão preciso. Em minhas palestras eu argumentei que a crise iria nos alcançar por volta de 2008-2009, mas como nós sabemos a economia quebrou já em 2007-2008.
O problema para os neoclássicos é que eles já tinham concluído que não existia nada de “ciclos”. O mercado já era perfeito. Ciclos de crises e negócios acontecem por causa de choques aleatório, e não por causa de algo intrínseco no modelo. Muitos economistas heterodoxos, por outro lado, vão apresentar modelos onde as crises são uma parte natural e recorrente do nosso sistema econômico atual.
Como é o seu modelo micro?
Ao usar modelos estocásticos, você consegue acomodar múltiplos comportamentos humanos, você não precisa se ater a um único comportamento. E se nós agregarmos esses comportamentos em níveis suficientes, nós terminamos conseguindo padrões assombrosamente estáveis, ainda que a observação dos indivíduos nos mostre que as pessoas trilham caminhos completamente diferentes. Pessoas, sendo pessoas, podem escolher passar por cima de padrões habituais. Por exemplo, trabalhadores se comportam de maneira diferente se eles estão organizados, em oposição a quando estão competindo uns com os outros. Isso também é uma parte da história social. E a economia deveria ser capaz de incluir isso desde o seu princípio. É por isso que eu digo que precisamos começar olhando para o que a antropologia tem a nos dizer, e construímos nosso modelo a partir disso. Isso pode soar complicado, mas não é. Tudo o que estamos fazendo é aceitando a complexidade do comportamento humano.
Meu argumento é que é possível criar modelos abstratos que podem ser usados para analisar a economia, usando uma estrutura de trabalho que vai se encaixar muito melhor com o conhecimento que temos de como as pessoas realmente se comportam. Não há necessidade para as premissas feitas por economistas neoclássicos.
O que você espera alcançar ao escrever esse livro?
Eu desejo criar uma fundação para um currículo alternativo. Espero que outras pessoas com a mesma motivação, face às mesmas contradições óbvias entre as fundações dos economistas ortodoxos e o mundo que eles enxergam, não precisem passar por todo o processo que eu precisei.
Quais são as suas percepções sobre como as teorias econômicas heterodoxas são recebidas pela comunidade econômica ortodoxa?
Eu acho que economistas convencionais, desde pelo menos os anos 80, têm deixado de fora todos os outros pontos de vista, ao declarar que todos os outros pontos de vista podem ser derivados de dentro de suas estruturas de trabalho. Tudo que eles precisam fazer é adicionar um número suficiente de imperfeições. Isso começou com Paul Samuelson e a tentativa de incorporar a economia Keynesiana à ortodoxia, ao dizer que os resultados Keynesianos foram devido a rigidez dos salários. Então veio a rigidez dos preços e a rigidez das taxas de juros.
Eu sempre me opus a idéia de que resultados reais pudessem ser entendidos como imperfeições. Me parece que então que você está aprisionado no interior da perfeição, e você tem sempre de voltar a mesma para ter a que recorrer. Eu queria construir um sistema que não dependeria de jeito nenhum das expressões tradicionais – sem maximização, sem a utilidade sendo a maior motivação do comportamento do consumidor, sem redução de custos como a definição de competição, sem a idéia de que somente pequenas empresas são competitivas. Porque essas não são necessárias para se argumentar sobre o funcionamento da economia.
Micro é muito importante, mas nós não precisamos dessa micro ficcional, nós precisamos de uma microeconomia real.
Muitos que criticam o campo da economia, focam no uso de modelos abstratos e suas limitações para o entendimento do mundo real. Como você usa modelos e abstrações em seu livro?
A abstração é necessária em qualquer análise. A questão é como a abstração foi criada. Se abstração é idealização, que eu defendo ser a raiz fundamental da teoria ortodoxa, então isso é muito diferente da abstração enquanto tipificação. Galileo fez uma abstração sobre o movimento dos planetas. Essa abstração foi derivada da observação. A igreja ocidental tinha outra abstração. Ela não era derivada da observação, mas de uma necessidade ideológica. E a igreja tentou deixar de fora os outros pontos de vista.
Eu sei que o que você quer mesmo é falar sobre as teorias em seu livro. Mas eu realmente quero ouvir um pouco mais sobre como é estar em um ambiente econômico heterodoxo, e como você é recebido pelos neoclássicos.
Mas é claro. Bem, quando eu estava fazendo a minha graduação havia mais comunicação entre diferentes pontos de vista. Pessoas como Paul Samuelson e muitas das outras grandes figuras da época, todos leram os originais de Keynes e Marx. Em Cambridge você poderia conversar com Maurice Dobb por um lado e então com Piero Sraffa e Nicholas Kaldor por outro. Todos eram educados no sentido Europeu, eles tinham uma ampla educação e um amplo espectro teórico.
Esse espectro se estreitou. A Chicago School e o MIT começaram a tomar a profissão. Isso aconteceu especialmente com o advento da teoria das expectativas racionais. De repente, tudo que era legítimo tinha que ser moldado de acordo com os seus termos, do contrário não era economia… Se você não construísse a sua teoria com os mesmos fundamentos dos economistas neoclássicos, você simplesmente não era reconhecido como um economista de verdade.
E o único modo que o espectro se amplia para os economistas heterodoxos é quando o capitalismo, sem se impressionar com a teoria econômica, se mostrava como um terremoto. Então esses espaços se abriam por um tempo. Talvez tenhamos uma possibilidade como esta exatamente agora?
Você tem algum conselho para jovens economistas adentrando o campo heterodoxo?
Não gaste o seu tempo reclamando sobre a economia neoclássica. Isso é uma armadilha. Basicamente já foi tudo dito. Não é o suficiente estar em oposição. Penso que a atenção ao método é importante, mas você realmente tem que ter uma visão, um plano. Suponha que você acabou de chegar de Marte e você tem que analisar o capitalismo. Como você abordaria o funcionamento do sistema? Você iria ler o que os outros já disseram, mas também precisaria de começar a construir a sua teoria de uma fundação diferente.
Sobre a entrevitadora
Head of Rethinking Economics, Norway; Economics MA from The New School
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