Marta Arretche
Refiro-me ao impacto do desempenho dos futuros prefeitos sobre a aprovação dos atuais governadores e do presidente.
Os fatos são arquiconhecidos, mas peço licença para tornar a eles. Em março de 2013, prefeitos recém-empossados enfrentaram protestos detonados pelo aumento da tarifa de ônibus.
Em várias capitais, estes protestos converteram-se nas maiores manifestações de rua desde o impeachment de Collor, detonadas pela violência da repressão das polícias estaduais.
A estratégia dos prefeitos é velha conhecida dos manuais de ciência política: impor perdas na lua de mel de início de governo, diluir os ressentimentos ao longo do mandato, deixando os benefícios para seu final.
Não deu certo. O eleitor resolveu discutir a relação já no primeiro semestre. O litígio arrastou todos os governantes.
Em março de 2013, o Datafolha registrava que a presidente Dilma contava com 65% de ótimo/bom. Despencou para 30% em junho. Pela mesma fonte, o governador Alckmin caiu de 52% de ótimo/bom em junho para 38% em julho.
Se o objeto do conflito era basicamente local, por que as jornadas de junho afetaram tão brutalmente as taxas de aprovação da presidente? Afinal, a União não tem autoridade para decidir sobre as tarifas de transporte, nem tem comando sobre as polícias militares.
O fato é que o eleitor não parece distinguir "quem faz o quê". Estudos sobre o comportamento político de massa nos EUA e Canadá revelam o mesmo fenômeno, que não parece estar ligado à ignorância do eleitor.
Em vez disso, indicam uma percepção difusa do real funcionamento das federações modernas. Não funcionam como bolos de camadas (layer-cake federalism), nos quais as funções de cada nível de governo estão claramente definidas, de modo que o eleitor possa fazer claramente atribuições de responsabilidade.
A gestão das políticas opera como bolos de mármore (marble-cake federalism), marcada pelo imbricamento. No nosso caso, o governo municipal oferece serviços de saúde, mas o hospital tende a ser construído com recursos federais e pode ser gerido pelo governo estadual.
As escolas podem ser municipais, mas depender de recursos estaduais e federais. A oferta do livro da escola estadual ou municipal é administrada pelo governo federal.
Frustrado em suas expectativas, o eleitor dirige sua insatisfação para todos os níveis de governo. Em um mecanismo mental de encurtamento da informação, dirige sua ira para o governante com maior visibilidade.
Não sabemos quanto tempo durará a lua de mel do eleitor com os novos prefeitos. Mas ela pode ser encurtada se tornar as cidades brasileiras mais habitáveis não estiver incluída no rol de reformas urgentes.
Folha de S.Paulo
Por paradoxal que possa parecer, a popularidade do presidente da República e dos governadores poderá ser afetada pelas escolhas dos eleitores nestas próximas eleições. Não me refiro à influência dos primeiros sobre o resultado eleitoral, que é objeto de muita controvérsia.
Manifestantes no protesto O Grito dos Excluidos contra o governo Temer em Brasilia. (Foto: Iano Machado/UOL). |
Por paradoxal que possa parecer, a popularidade do presidente da República e dos governadores poderá ser afetada pelas escolhas dos eleitores nestas próximas eleições. Não me refiro à influência dos primeiros sobre o resultado eleitoral, que é objeto de muita controvérsia.
Refiro-me ao impacto do desempenho dos futuros prefeitos sobre a aprovação dos atuais governadores e do presidente.
Os fatos são arquiconhecidos, mas peço licença para tornar a eles. Em março de 2013, prefeitos recém-empossados enfrentaram protestos detonados pelo aumento da tarifa de ônibus.
Em várias capitais, estes protestos converteram-se nas maiores manifestações de rua desde o impeachment de Collor, detonadas pela violência da repressão das polícias estaduais.
A estratégia dos prefeitos é velha conhecida dos manuais de ciência política: impor perdas na lua de mel de início de governo, diluir os ressentimentos ao longo do mandato, deixando os benefícios para seu final.
Não deu certo. O eleitor resolveu discutir a relação já no primeiro semestre. O litígio arrastou todos os governantes.
Em março de 2013, o Datafolha registrava que a presidente Dilma contava com 65% de ótimo/bom. Despencou para 30% em junho. Pela mesma fonte, o governador Alckmin caiu de 52% de ótimo/bom em junho para 38% em julho.
Se o objeto do conflito era basicamente local, por que as jornadas de junho afetaram tão brutalmente as taxas de aprovação da presidente? Afinal, a União não tem autoridade para decidir sobre as tarifas de transporte, nem tem comando sobre as polícias militares.
O fato é que o eleitor não parece distinguir "quem faz o quê". Estudos sobre o comportamento político de massa nos EUA e Canadá revelam o mesmo fenômeno, que não parece estar ligado à ignorância do eleitor.
Em vez disso, indicam uma percepção difusa do real funcionamento das federações modernas. Não funcionam como bolos de camadas (layer-cake federalism), nos quais as funções de cada nível de governo estão claramente definidas, de modo que o eleitor possa fazer claramente atribuições de responsabilidade.
A gestão das políticas opera como bolos de mármore (marble-cake federalism), marcada pelo imbricamento. No nosso caso, o governo municipal oferece serviços de saúde, mas o hospital tende a ser construído com recursos federais e pode ser gerido pelo governo estadual.
As escolas podem ser municipais, mas depender de recursos estaduais e federais. A oferta do livro da escola estadual ou municipal é administrada pelo governo federal.
Frustrado em suas expectativas, o eleitor dirige sua insatisfação para todos os níveis de governo. Em um mecanismo mental de encurtamento da informação, dirige sua ira para o governante com maior visibilidade.
Não sabemos quanto tempo durará a lua de mel do eleitor com os novos prefeitos. Mas ela pode ser encurtada se tornar as cidades brasileiras mais habitáveis não estiver incluída no rol de reformas urgentes.
Sobre a autora
Professora do Departamento de Ciência Política da USP, cursou doutorado na área no MIT (Massachussets Institute of Technology). Diretora do Centro de Estudos da Metrópole, também da USP, é especializada em estudos sobre desigualdade social.
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