Marta Arretche
Em 1950, T. H. Marshall, um dos mais influentes sociólogos britânicos, estabeleceu um critério para julgar uma sociedade civilizada, em "Citizenship and Social Class", que foi posteriormente partilhado por intelectuais tão influentes quanto Amartya Sen, Joseph Stiglitz e John Rawls.
Uma sociedade civilizada requer que nenhum de seus membros esteja privado de segurança e um pacote básico de serviços essenciais.
Para Marshall, desigualdades de renda seriam menos cruciais do que o desigual acesso a serviços. Se este estivesse garantido como um direito, os indivíduos poderiam ter uma vida decente independentemente de sua renda, e até mesmo sob elevado desemprego.
Mais que isso, o acesso a serviços públicos teria impacto sobre a renda real, pois dois indivíduos com a mesma renda nominal têm capacidade de consumo muito distinta, a depender de quanto devam pagar por educação e saúde, por exemplo.
Hoje sabemos que o peso destes itens no orçamento das famílias tende a diminuir à medida que aumenta a renda domiciliar.
Quanto menor a renda, maior tende a ser o impacto dos serviços públicos sobre a renda disponível para gastos com consumo privado. Logo, a desigualdade de renda real é diretamente afetada pela presença (ou não) de serviços públicos.
O impacto dos serviços não se esgota aí. Afeta até mesmo a capacidade dos indivíduos obterem renda.
Em "How to Achieve Gender Equality" (2015), Claudia Goldin, da Universidade Harvard, demonstrou que indivíduos que não têm flexibilidade para a jornada de trabalho são mais do que proporcionalmente penalizados no mercado de trabalho. Pelas mesmas horas trabalhadas, ganham muito menos do que seus pares, igualmente escolarizados. As diferenças salariais entre homens e mulheres seriam em boa parte explicadas pelos compromissos domésticos das últimas.
De fato, em 2010 (dados do Censo), na cidade de São Paulo, ter seus filhos matriculados em uma creche ou pré-escola aumentava em 15 pontos percentuais a probabilidade de que mulheres pobres (com renda de 0,25 a 1 salário mínimo per capita), com idade entre 17 e 45 anos e que moravam com seus filhos e maridos, participassem do mercado de trabalho.
Em termos mais simples, para as mulheres, buscar um emprego depende de contar com um lugar para deixar seus filhos.
O (des)caminho para uma sociedade civilizada não está inscrito nas estrelas. Muito menos se resolve no prazo de um mandato. Menos ainda exclui fazer escolhas em torno de prioridades. Resulta de sucessivas escolhas em que o eleitorado elege quem será responsável pela provisão de serviços públicos.
No Brasil, são prefeitos e vereadores que tomam decisões que afetam a qualidade de nosso cotidiano. Creches, buracos nas ruas, iluminação pública, serviços de saúde básica, educação fundamental, tempo de deslocamento para o trabalho, oportunidades de lazer estão a cargo das prefeituras.
Não é só 2018 que está em jogo nas eleições deste domingo.
Sobre a autora
Professora do Departamento de Ciência Política da USP, cursou doutorado na área no MIT (Massachussets Institute of Technology). Diretora do Centro de Estudos da Metrópole, também da USP, é especializada em estudos sobre desigualdade social.
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