A universalização do emprego é a melhor maneira de democratizar a economia e retomar a centralidade dos trabalhadores nos locais de trabalho.
Women march for jobs in New York, 1933. Library of Congress |
Tradução / A Renda Básica Universal (RBU) - Universal Basic Income (UBI) - que equivale ao pagamento de uma quantia fixa para todos os cidadãos por parte do governo – tem ganhado apelo nos debates políticos ao longo dos EUA. Andy Stern, ex-presidente do Sindicato Internacional dos Trabalhadores do Setor de Serviços (Service Employees International Union), crê que a RBU poderá se tornar uma forma de contrabalançar o impacto decorrente da supressão de empregos pelo avanço tecnológico, que ele acredita ter potencial de "gerar empregos, porém sem rendimentos suficientes”. Pela direita, Charles Murray – do Instituto Empresarial dos EUA (American Enterprise Institute) – afirma que devemos "substituir todo o aparato burocrático de serviço social do governo” pela RBU.
Outros pesos pesados concordam que essa discussão é válida. Um vídeo recente de Robert Reich sugere que o governo forneça um pagamento mínimo para cada um dos cidadãos. Já o ex-presidente [dos EUA] Barack Obama afirmou - em entrevista para o Wired – que os EUA terão que debater a RBU e programas similares “dentro dos próximos dez ou vinte anos”.
O crescente interesse tem razão de ser: a RBU poderia garantir o sustento de trabalhadores que perderam seus empregos em função do progresso tecnológico. Um estudo bastante conhecido afirma que 47% de todos os empregos existentes hoje correm sério risco de serem extintos em função da automação. Os atuais programas de seguro social já são insuficientes. A matriz dos programas existentes – tais como seguro desemprego, restituição de imposto de renda, e o Programa de Assistência Nutricional Suplementar (Supplemental Nutrition Assistance Program) – tem ajudado muitos cidadãos dos EUA. Entretanto, mais de 43 milhões de estadunidenses ainda vivem abaixo da linha da pobreza. As crianças estão entre as mais vulneráveis, com cerca da metade vivendo na linha de pobreza ou próximo dela.
A RBU representa uma forma de lutar contra o crescente empobrecimento da população. Mas outra intervenção em potencial – o Programa Federal de Garantia do Emprego (PFGE) - Federal Job Guarantee – pode se converter em uma alternativa mais promissora.
O PFGE não é uma ideia nova. Ele tem sido debatido nos EUA ao menos desde quando o ex-governador populista, Huey Long, implementou o Plano “Compartilhe Nossa Riqueza” (Share Our Wealth Plan). Em 1934, ele argumentou que os EUA deveriam oferecer empregos públicos para garantir “emprego a todos”. Este clamor teve apelo junto a políticos desde Roosevelt através de sua “Declaração de Direitos Econômicos” até George McGovern durante sua campanha presidencial de 1972. Martin Luther King também defendeu a garantia do emprego, solicitando “emprego para todos que necessitam de trabalho” imediatamente. King considerou a “garantia anual de renda em níveis básicos para manutenção das necessidades básicas vitais” como sendo a segunda melhor alternativa.
A seguir apresentaremos cinco razões pelas quais concordamos com ele.
1. A garantia de emprego significaria uma quantidade menor de estadunidenses pobres.
A garantia do emprego pode reduzir a pobreza mais rapidamente e fornecer maiores benefícios que a RBU. Para fornecer uma renda básica minimamente suficiente, defendemos que o PFGE deve pagar um salário mínimo mensal de, ao menos, US$ 1.916,67 (equivalente ao limiar da linha da pobreza para uma família de quatro pessoas), podendo chegar até um valor médio de US$ 2.958,33 por mês. Isso poderia eliminar o fenômeno da “pobreza” em famílias cujos trabalhadores trabalham em tempo integral. Além do salário, os trabalhadores do PFGE teriam o direito a receber um seguro-saúde e aposentadorias da mesma forma que todos os demais servidores públicos civis e ocupantes de cargos eletivos nos EUA recebem.
A título de comparação, muitas das propostas relativas à RBU prometem algo como US$ 833,33 por mês para cada cidadão (a título de exemplo, clique aqui para conhecer a proposta de Charles Murray). Por outro lado, esta proposta poderia romper a relação entre trabalho e dinheiro. Mas se isso é levado a cabo, teríamos algo próximo da metade da quantia ofertada em comparação ao PFGE, inclusive, desconsiderando os benefícios que podem salvar vidas, como o seguro saúde.
2. Os robôs não tomaram conta de tudo ainda. Portanto, ainda dependemos de trabalhadores.
Os temores de que vivemos na iminência de uma automação total são exagerados: há uma pequena evidência de que as companhias estão substituindo humanos por robôs em grande escala. De acordo com Dean Baker,
Não há dúvidas de que oportunidades de emprego bem pagas e estáveis estão cada vez mais raras, mas nós não devemos culpar os robôs. Os postos de trabalho não estão sendo extintos em função da automação, mas sim por outros trabalhadores – aqueles que recebem menores salários e que trabalham em condições precárias. Ainda assim, a tecnologia e a globalização semeiam o medo dentre os trabalhadores estadunidenses.
E isso ocorre não por um processo natural, ou um desafio para o qual não estão preparados, mas porque a relação de forças ao longo das últimas décadas tem pesado dramaticamente em favor do capital. Tampouco a tecnologia e a globalização implicam necessariamente em impactos negativos nos empregos da classe trabalhadora – mas, certamente eles podem ter impactos. Já é hora de ajustar as regras, e garantir que cada trabalhador tenha seu direito a um trabalho digno garantido. Um PFGE poderia resolver este problema, ao passo que a proposta de RBU apenas seria capaz de tratar de um problema colateral.
3. Um PFGE seria capaz de construir uma economia inclusiva.
De acordo com o senso comum, as pessoas não gostam de trabalhar. Aulas introdutórias de economia costumam demonstrar a inutilidade do trabalho, em oposição ao lazer. Posto isso, o trabalho não é sempre divertido, e diversos trabalhos são de fato perigosos e sujeitam os trabalhadores a condições precárias. Entretanto, a RBU ignora o fato de que o emprego tem a capacidade de empoderar estruturalmente ao nível da produção além das dimensões positivas intrínsecas a ele.
Isso nos leva a um debate candente na esquerda. Mas por ora, não há dúvidas de que as pessoas desejam trabalhar, mas elas querem bons empregos que as propiciem flexibilidade e oportunidade. Elas desejam contribuir, servir a um propósito, contribuírem com a economia e, acima de tudo, com a sociedade. Ainda assim, o setor privado segue a manter milhões de pessoas sem trabalho, mesmo nos períodos de forte atividade econômica.
Os ambientes de trabalho são sociais, locais onde gastamos uma grande parcela de tempo interagindo com outras pessoas. Além do estresse associado à limitação de recursos materiais, a solidão que aflige a maioria dos desempregados agrava problemas de saúde mental. O emprego – especialmente aquele que garante benefícios sociais adicionais como pausas coletivas para refeições – eleva o bem estar e a produtividade dos trabalhadores. O PFGE pode dar aos trabalhadores empregos com benefícios sociais – dando trabalhos dignos a todos que os desejam.
O PFGE poderia funcionar também como uma forma de estabelecer efetivamente um salário mínimo, posto que os empregadores do setor privado terão de oferecer salários e benefícios no mínimo iguais aos fornecidos pelo PFGE para conseguirem atrair trabalhadores. Os aumentos recentes no salário mínimo têm sido amplamente apoiados pela opinião pública, a exemplo da campanha “lute por $15/h”, comprovando que a maioria dos estadunidenses crê que os trabalhadores merecem um salário digno. A luta pela elevação do salário mínimo é um passo importante para assegurar que os trabalhadores serão recompensados com salários que garantam as condições de subsistência de forma satisfatória, e não nos deixa esquecer de que o salário mínimo efetivo nos EUA sem a RBU e sem o PFGE é zero. E isso precisa mudar.
Por fim, muitos argumentam que uma “falta de capacitação” explica o porquê de alguns trabalhadores seguirem desempregados. Ao passo que rejeitamos essa narrativa, acreditamos que um PFGE bem concebido deve abranger programas de treinamento para capacitar os trabalhadores e lhes permitir mobilidade social ascendente no mundo do trabalho.
Todos estes elementos agirão no sentido de construir uma economia inclusiva que fornecerá bons empregos a todos. Por sua vez, a RBU subsidia [indiretamente] empregos ruins, garantindo baixos salários aos trabalhadores, desprovidos de benefícios adicionais.
4. Os empregos gerados no âmbito do PFGE poderiam fornecer bens e serviços socialmente úteis.
Durante a Grande Depressão, a Administração de Progresso do Trabalho (Work Progress Administration - WPA) e o Corpo de Conservação Civil (Civilian Conservation Corps - CCC) se constituíram em programas públicos de empregos concebidos para colocar os desempregados estadunidenses de volta ao mercado de trabalho depois que a taxa de desemprego atingiu 25%. Tais programas, implementados durante o governo Roosevelt, promoveram benefícios sociais e serviços que atingiram toda a sociedade dos EUA. Alguns de nossos parques nacionais – Zion, Glacier e Shenandoah – receberam contribuições significativas a partir dos empregados dos programas federais de emprego. A Estrada-Parque Blue Ridge foi resultado de um programa de construção de infraestruturas financiado pelo governo federal.
Um novo PFGE seria capaz de promover projetos de obras públicas igualmente ousados e necessários.
A Sociedade Estadunidense de Engenheiros Civis (American Society of Civil Engineers) qualificou a infraestrutura dos EUA com uma baixa nota (D+), estimando uma necessidade de investimentos da ordem de US$ 3,6 trilhões. Essa carência de investimentos tem reduzido a criação de postos de trabalho, aumentando os custos de venda, e reduzido a renda das famílias dos EUA. Sem dúvidas, essas foram escolhas de governo. Ao invés disso, o governo poderia ter contratado trabalhadores para a manutenção de pontes, rodovias e de linhas de transmissão de energia. Nesse sentido, Bill MkKibben nos convoca a “declarar guerra” contra o aquecimento global. Sendo as mudanças climáticas a maior ameaça para o nosso bem estar, medidas ousadas são necessárias. O PFGE teria a capacidade de contribuir nesse sentido. O Professor do Instituto de Pesquisas de Política Econômica Robert Pollin clama pelo aceleramento da transição para uma economia limpa, que teria a capacidade de criar milhões de novos trabalhos. Pollin e seus pares projetam como seria esse novo “New Deal Verde”, e estimam que uma transição para uma economia verde poderia representar investimentos anuais da ordem de US$ 200 bilhões, provocando a queda de “40% das emissões dos EUA dentro dos próximos 20 anos, ao passo que teria o potencial de criar 2,7 milhões de empregos”. Em certa medida, isso seria consequência da necessidade de utilização intensiva de mão-de-obra em investimentos para promoção da eficiência energética e demais investimentos “verdes”.
Outros serviços, quando combinados a um PFGE, seriam capazes de aliviar o orçamento de dezenas de milhares de famílias nos EUA anualmente. De acordo com o Instituto de Política Econômica, por exemplo, serviços gratuitos de educação e de cuidados com crianças fornecidos por trabalhadores do PFGE poderiam poupar uma média anual de US$ 22.631 do orçamento de famílias americanas gastos em locais caros, como ocorre na capital Washington, ao passo que no Arkansas a economia giraria em torno de US$ 5.995 anuais.
É certo que a RBU seria capaz de propiciar ao beneficiado tempo livre para trabalhos voluntários, cuidar de parentes doentes, ou para iniciar pequenos negócios. Além disso a RBU seria capaz de fornecer liberdade financeira para aqueles que optam por não ter um trabalho remunerado para cuidar da casa e dos familiares – algo que recai desproporcionalmente sobre as mulheres. Entretanto, o PFGE seria capaz de prover serviços de alta qualidade, como cuidados infantis e para idosos, que seriam capazes de reduzir significativamente a carga de cuidado, dando maior liberdade de escolhas ao passo que fortalece a rede de seguridade social.
5. O PFGE estabilizaria a economia.
Um PFGE nos colocaria muito mais perto de um real pleno emprego, e não do conceito neoclássico de pleno emprego que torna aceitável um certo nível de desemprego friccional. A maioria dos economistas da contemporaneidade apostam na Taxa de Desemprego que Não Acelera a Inflação (Non-accelerating inflation rate of unemployment - NAIRU) para calcular uma taxa artificial de pleno emprego que funciona como uma ferramenta para disciplinar a classe trabalhadora pelas mãos da burguesia, mas segundo Roger Farmer, esta é “uma ideia que está com seus dias contados”.
Por pleno emprego, entendemos que todos aqueles que busquem um emprego o consigam. Apostamos que se você perguntar ao estadunidense médio o que ele entende por pleno emprego, ele lhe daria uma resposta semelhante: emprego para todos. Além disso, uma ampla gama de estadunidenses lhe dirão que apoiariam um PFGE.
A RBU ainda manteria uma parcela substancial da sociedade em situação de pobreza. Como reconheceu o professor belga Philippe Van Parijs, um dos maiores defensores da RBU, mesmo um pagamento substancial através da RBU não irá necessariamente garantir uma vida decente para todos os cidadãos. O que dizer daqueles que não possuem emprego, ou daqueles que auferem salários insuficientes para retirá-los da situação de pobreza? É evidente que uma RBU atrelada a uma opção de salário capaz de retirar o trabalhador da situação de pobreza e uma forte sindicalização teriam grande capacidade de combate à pobreza. A RBU poderia eliminar a situação do salário mínimo igual a zero que persiste atualmente nos EUA, embora fosse incapaz de garantir emprego adequado para todos que desejassem trabalhar – uma falha fundamental deste programa.
Por sua vez, o PFGE é um mecanismo mais sólido de combate às desigualdades estruturais, e como exemplo podemos citar o caso do fechamento sistemático de postos de trabalho enfrentados por grupos estigmatizados que enfrentam persistente discriminação. (Note que desde 1972 o desemprego tem atingido uma média de dois dígitos para trabalhadores negros, mas o nível jamais ficou abaixo dos 7% - patamar atingido apenas em crises econômicas - considerando apenas os trabalhadores brancos).
Além disso, o PFGE terá uma forte capacidade de estabilização macroeconômica. Durante períodos de desaceleração da atividade econômica, com o PFGE será possível dinamizar a economia e contratar mais trabalhadores, ao passo que essa ação pode ser diminuída durante períodos de crescimento econômica, ao passo que os trabalhadores se deslocam dos empregos do PFGE para empregos do setor privado com maiores remunerações. Pavlina R. Tcherneva, uma das maiores estudiosas dos efeitos macroeconômicos do PFGE, argumenta que políticas como a RBU não possuem efeitos anti-cíclicos. Dessa forma, quando há uma desaceleração da atividade econômica – tal como ocorreu em 2007 – a renda básica é incapaz de prover estabilizadores automáticos capazes de impedir que a economia afunde ainda mais.
Isso é bom para a economia como um todo. Ao invés de expandir a oferta de seguro desemprego durante as crises econômicas, o PFGE poderia colocar as pessoas para trabalhar e suavizar o ciclo econômico. Os contracheques dos trabalhadores do PFGE incrementariam a demanda, a qual aceleraria o crescimento econômico. Diversos economistas concordam que a atual estagnação da atividade econômica, decorrente da demanda insuficiente, tem continuamente contribuído para um “tímido” crescimento da atividade econômica após a Grande Recessão. E essa dinâmica será mantida caso não hajam mudanças no status quo.
Por último, como um programa mais barato, o PFGE teria mais facilidade de aprovação por um governo de esquerda. Algumas estimativas apontam que a renda básica poderia custar facilmente mais de US$ 3 trilhões anuais, ao passo que outros falam em algo próximo de US$ 2,7 trilhões. O PFGE, por sua vez, custaria muito menos. Ainda que sob uma perspectiva conservadora, estimamos que 15 milhões de desempregados necessitam de empregos, de modo que o financiamento do PFGE demandaria investimentos anuais da ordem de US$ 750 bilhões.
Queremos construir uma economia inclusiva. O PFGE construirá uma economia que servirá à classe trabalhadora de uma maneira mais eficiente e efetiva que a RBU.
Os benefícios serão distribuídos de forma ampla e imediata. O PFGE afetará diretamente os desempregados – combatendo um dos principais indicadores de pobreza. Através da oferta universal de empregos, o PFGE também será uma ferramenta de combate à discriminação sistemática contra ex-detentos, veteranos de guerra e alguns grupos étnicos. Para além disso, garantia de emprego permitirá que os trabalhadores tenham maior autonomia no setor privado. Assim, essa seria uma ação que permitiria a revigoração do movimento trabalhista, estimulando esforços de sindicalização para melhorar as condições de trabalho. Tais benefícios resultarão em empregos federais capazes de levar seus beneficiários e suas respectivas famílias a superar a situação de pobreza. Já a RBU é incapaz de garantir isso.
O PFGE não garantiria justica apenas àqueles que desejam um emprego, mas também seria capaz de ajudar a superar injustas barreiras históricas que mantiveram amplos segmentos da sociedade excluídos da força de trabalho.
Finalmente, o PFGE poderia atuar no sentido de reverter a tendência de aumento das desigualdades para toda a classe trabalhadora. Através do aumento da capacidade de barganha dos trabalhadores e da eliminação da ameaça de desemprego de uma vez por todas, o PFGE poderia devolver aos trabalhadores o poder que lhes pertence.
Outros pesos pesados concordam que essa discussão é válida. Um vídeo recente de Robert Reich sugere que o governo forneça um pagamento mínimo para cada um dos cidadãos. Já o ex-presidente [dos EUA] Barack Obama afirmou - em entrevista para o Wired – que os EUA terão que debater a RBU e programas similares “dentro dos próximos dez ou vinte anos”.
O crescente interesse tem razão de ser: a RBU poderia garantir o sustento de trabalhadores que perderam seus empregos em função do progresso tecnológico. Um estudo bastante conhecido afirma que 47% de todos os empregos existentes hoje correm sério risco de serem extintos em função da automação. Os atuais programas de seguro social já são insuficientes. A matriz dos programas existentes – tais como seguro desemprego, restituição de imposto de renda, e o Programa de Assistência Nutricional Suplementar (Supplemental Nutrition Assistance Program) – tem ajudado muitos cidadãos dos EUA. Entretanto, mais de 43 milhões de estadunidenses ainda vivem abaixo da linha da pobreza. As crianças estão entre as mais vulneráveis, com cerca da metade vivendo na linha de pobreza ou próximo dela.
A RBU representa uma forma de lutar contra o crescente empobrecimento da população. Mas outra intervenção em potencial – o Programa Federal de Garantia do Emprego (PFGE) - Federal Job Guarantee – pode se converter em uma alternativa mais promissora.
O PFGE não é uma ideia nova. Ele tem sido debatido nos EUA ao menos desde quando o ex-governador populista, Huey Long, implementou o Plano “Compartilhe Nossa Riqueza” (Share Our Wealth Plan). Em 1934, ele argumentou que os EUA deveriam oferecer empregos públicos para garantir “emprego a todos”. Este clamor teve apelo junto a políticos desde Roosevelt através de sua “Declaração de Direitos Econômicos” até George McGovern durante sua campanha presidencial de 1972. Martin Luther King também defendeu a garantia do emprego, solicitando “emprego para todos que necessitam de trabalho” imediatamente. King considerou a “garantia anual de renda em níveis básicos para manutenção das necessidades básicas vitais” como sendo a segunda melhor alternativa.
A seguir apresentaremos cinco razões pelas quais concordamos com ele.
1. A garantia de emprego significaria uma quantidade menor de estadunidenses pobres.
A garantia do emprego pode reduzir a pobreza mais rapidamente e fornecer maiores benefícios que a RBU. Para fornecer uma renda básica minimamente suficiente, defendemos que o PFGE deve pagar um salário mínimo mensal de, ao menos, US$ 1.916,67 (equivalente ao limiar da linha da pobreza para uma família de quatro pessoas), podendo chegar até um valor médio de US$ 2.958,33 por mês. Isso poderia eliminar o fenômeno da “pobreza” em famílias cujos trabalhadores trabalham em tempo integral. Além do salário, os trabalhadores do PFGE teriam o direito a receber um seguro-saúde e aposentadorias da mesma forma que todos os demais servidores públicos civis e ocupantes de cargos eletivos nos EUA recebem.
A título de comparação, muitas das propostas relativas à RBU prometem algo como US$ 833,33 por mês para cada cidadão (a título de exemplo, clique aqui para conhecer a proposta de Charles Murray). Por outro lado, esta proposta poderia romper a relação entre trabalho e dinheiro. Mas se isso é levado a cabo, teríamos algo próximo da metade da quantia ofertada em comparação ao PFGE, inclusive, desconsiderando os benefícios que podem salvar vidas, como o seguro saúde.
2. Os robôs não tomaram conta de tudo ainda. Portanto, ainda dependemos de trabalhadores.
Os temores de que vivemos na iminência de uma automação total são exagerados: há uma pequena evidência de que as companhias estão substituindo humanos por robôs em grande escala. De acordo com Dean Baker,
Se a tecnologia estivesse de fato destruindo postos de trabalho, então o crescimento da produtividade, i.e., a taxa de incremento no valor de mercadorias e serviços produzidos por hora de trabalho, deveria ser muito alta, em função da maior eficiência das máquinas. Entretanto, na última década o crescimento da produtividade foi de apenas 1,4% anuais. Nos últimos dois anos esse índice cresceu a um ritmo anual inferior a 1%. A título de comparação, na era dourada que sucedeu a Segunda Guerra Mundial (1947-1973) a produtividade anual cresceu a um ritmo anual de quase 3%.
Não há dúvidas de que oportunidades de emprego bem pagas e estáveis estão cada vez mais raras, mas nós não devemos culpar os robôs. Os postos de trabalho não estão sendo extintos em função da automação, mas sim por outros trabalhadores – aqueles que recebem menores salários e que trabalham em condições precárias. Ainda assim, a tecnologia e a globalização semeiam o medo dentre os trabalhadores estadunidenses.
E isso ocorre não por um processo natural, ou um desafio para o qual não estão preparados, mas porque a relação de forças ao longo das últimas décadas tem pesado dramaticamente em favor do capital. Tampouco a tecnologia e a globalização implicam necessariamente em impactos negativos nos empregos da classe trabalhadora – mas, certamente eles podem ter impactos. Já é hora de ajustar as regras, e garantir que cada trabalhador tenha seu direito a um trabalho digno garantido. Um PFGE poderia resolver este problema, ao passo que a proposta de RBU apenas seria capaz de tratar de um problema colateral.
3. Um PFGE seria capaz de construir uma economia inclusiva.
De acordo com o senso comum, as pessoas não gostam de trabalhar. Aulas introdutórias de economia costumam demonstrar a inutilidade do trabalho, em oposição ao lazer. Posto isso, o trabalho não é sempre divertido, e diversos trabalhos são de fato perigosos e sujeitam os trabalhadores a condições precárias. Entretanto, a RBU ignora o fato de que o emprego tem a capacidade de empoderar estruturalmente ao nível da produção além das dimensões positivas intrínsecas a ele.
Isso nos leva a um debate candente na esquerda. Mas por ora, não há dúvidas de que as pessoas desejam trabalhar, mas elas querem bons empregos que as propiciem flexibilidade e oportunidade. Elas desejam contribuir, servir a um propósito, contribuírem com a economia e, acima de tudo, com a sociedade. Ainda assim, o setor privado segue a manter milhões de pessoas sem trabalho, mesmo nos períodos de forte atividade econômica.
Os ambientes de trabalho são sociais, locais onde gastamos uma grande parcela de tempo interagindo com outras pessoas. Além do estresse associado à limitação de recursos materiais, a solidão que aflige a maioria dos desempregados agrava problemas de saúde mental. O emprego – especialmente aquele que garante benefícios sociais adicionais como pausas coletivas para refeições – eleva o bem estar e a produtividade dos trabalhadores. O PFGE pode dar aos trabalhadores empregos com benefícios sociais – dando trabalhos dignos a todos que os desejam.
O PFGE poderia funcionar também como uma forma de estabelecer efetivamente um salário mínimo, posto que os empregadores do setor privado terão de oferecer salários e benefícios no mínimo iguais aos fornecidos pelo PFGE para conseguirem atrair trabalhadores. Os aumentos recentes no salário mínimo têm sido amplamente apoiados pela opinião pública, a exemplo da campanha “lute por $15/h”, comprovando que a maioria dos estadunidenses crê que os trabalhadores merecem um salário digno. A luta pela elevação do salário mínimo é um passo importante para assegurar que os trabalhadores serão recompensados com salários que garantam as condições de subsistência de forma satisfatória, e não nos deixa esquecer de que o salário mínimo efetivo nos EUA sem a RBU e sem o PFGE é zero. E isso precisa mudar.
Por fim, muitos argumentam que uma “falta de capacitação” explica o porquê de alguns trabalhadores seguirem desempregados. Ao passo que rejeitamos essa narrativa, acreditamos que um PFGE bem concebido deve abranger programas de treinamento para capacitar os trabalhadores e lhes permitir mobilidade social ascendente no mundo do trabalho.
Todos estes elementos agirão no sentido de construir uma economia inclusiva que fornecerá bons empregos a todos. Por sua vez, a RBU subsidia [indiretamente] empregos ruins, garantindo baixos salários aos trabalhadores, desprovidos de benefícios adicionais.
4. Os empregos gerados no âmbito do PFGE poderiam fornecer bens e serviços socialmente úteis.
Durante a Grande Depressão, a Administração de Progresso do Trabalho (Work Progress Administration - WPA) e o Corpo de Conservação Civil (Civilian Conservation Corps - CCC) se constituíram em programas públicos de empregos concebidos para colocar os desempregados estadunidenses de volta ao mercado de trabalho depois que a taxa de desemprego atingiu 25%. Tais programas, implementados durante o governo Roosevelt, promoveram benefícios sociais e serviços que atingiram toda a sociedade dos EUA. Alguns de nossos parques nacionais – Zion, Glacier e Shenandoah – receberam contribuições significativas a partir dos empregados dos programas federais de emprego. A Estrada-Parque Blue Ridge foi resultado de um programa de construção de infraestruturas financiado pelo governo federal.
Um novo PFGE seria capaz de promover projetos de obras públicas igualmente ousados e necessários.
A Sociedade Estadunidense de Engenheiros Civis (American Society of Civil Engineers) qualificou a infraestrutura dos EUA com uma baixa nota (D+), estimando uma necessidade de investimentos da ordem de US$ 3,6 trilhões. Essa carência de investimentos tem reduzido a criação de postos de trabalho, aumentando os custos de venda, e reduzido a renda das famílias dos EUA. Sem dúvidas, essas foram escolhas de governo. Ao invés disso, o governo poderia ter contratado trabalhadores para a manutenção de pontes, rodovias e de linhas de transmissão de energia. Nesse sentido, Bill MkKibben nos convoca a “declarar guerra” contra o aquecimento global. Sendo as mudanças climáticas a maior ameaça para o nosso bem estar, medidas ousadas são necessárias. O PFGE teria a capacidade de contribuir nesse sentido. O Professor do Instituto de Pesquisas de Política Econômica Robert Pollin clama pelo aceleramento da transição para uma economia limpa, que teria a capacidade de criar milhões de novos trabalhos. Pollin e seus pares projetam como seria esse novo “New Deal Verde”, e estimam que uma transição para uma economia verde poderia representar investimentos anuais da ordem de US$ 200 bilhões, provocando a queda de “40% das emissões dos EUA dentro dos próximos 20 anos, ao passo que teria o potencial de criar 2,7 milhões de empregos”. Em certa medida, isso seria consequência da necessidade de utilização intensiva de mão-de-obra em investimentos para promoção da eficiência energética e demais investimentos “verdes”.
Outros serviços, quando combinados a um PFGE, seriam capazes de aliviar o orçamento de dezenas de milhares de famílias nos EUA anualmente. De acordo com o Instituto de Política Econômica, por exemplo, serviços gratuitos de educação e de cuidados com crianças fornecidos por trabalhadores do PFGE poderiam poupar uma média anual de US$ 22.631 do orçamento de famílias americanas gastos em locais caros, como ocorre na capital Washington, ao passo que no Arkansas a economia giraria em torno de US$ 5.995 anuais.
É certo que a RBU seria capaz de propiciar ao beneficiado tempo livre para trabalhos voluntários, cuidar de parentes doentes, ou para iniciar pequenos negócios. Além disso a RBU seria capaz de fornecer liberdade financeira para aqueles que optam por não ter um trabalho remunerado para cuidar da casa e dos familiares – algo que recai desproporcionalmente sobre as mulheres. Entretanto, o PFGE seria capaz de prover serviços de alta qualidade, como cuidados infantis e para idosos, que seriam capazes de reduzir significativamente a carga de cuidado, dando maior liberdade de escolhas ao passo que fortalece a rede de seguridade social.
5. O PFGE estabilizaria a economia.
Um PFGE nos colocaria muito mais perto de um real pleno emprego, e não do conceito neoclássico de pleno emprego que torna aceitável um certo nível de desemprego friccional. A maioria dos economistas da contemporaneidade apostam na Taxa de Desemprego que Não Acelera a Inflação (Non-accelerating inflation rate of unemployment - NAIRU) para calcular uma taxa artificial de pleno emprego que funciona como uma ferramenta para disciplinar a classe trabalhadora pelas mãos da burguesia, mas segundo Roger Farmer, esta é “uma ideia que está com seus dias contados”.
Por pleno emprego, entendemos que todos aqueles que busquem um emprego o consigam. Apostamos que se você perguntar ao estadunidense médio o que ele entende por pleno emprego, ele lhe daria uma resposta semelhante: emprego para todos. Além disso, uma ampla gama de estadunidenses lhe dirão que apoiariam um PFGE.
A RBU ainda manteria uma parcela substancial da sociedade em situação de pobreza. Como reconheceu o professor belga Philippe Van Parijs, um dos maiores defensores da RBU, mesmo um pagamento substancial através da RBU não irá necessariamente garantir uma vida decente para todos os cidadãos. O que dizer daqueles que não possuem emprego, ou daqueles que auferem salários insuficientes para retirá-los da situação de pobreza? É evidente que uma RBU atrelada a uma opção de salário capaz de retirar o trabalhador da situação de pobreza e uma forte sindicalização teriam grande capacidade de combate à pobreza. A RBU poderia eliminar a situação do salário mínimo igual a zero que persiste atualmente nos EUA, embora fosse incapaz de garantir emprego adequado para todos que desejassem trabalhar – uma falha fundamental deste programa.
Por sua vez, o PFGE é um mecanismo mais sólido de combate às desigualdades estruturais, e como exemplo podemos citar o caso do fechamento sistemático de postos de trabalho enfrentados por grupos estigmatizados que enfrentam persistente discriminação. (Note que desde 1972 o desemprego tem atingido uma média de dois dígitos para trabalhadores negros, mas o nível jamais ficou abaixo dos 7% - patamar atingido apenas em crises econômicas - considerando apenas os trabalhadores brancos).
Além disso, o PFGE terá uma forte capacidade de estabilização macroeconômica. Durante períodos de desaceleração da atividade econômica, com o PFGE será possível dinamizar a economia e contratar mais trabalhadores, ao passo que essa ação pode ser diminuída durante períodos de crescimento econômica, ao passo que os trabalhadores se deslocam dos empregos do PFGE para empregos do setor privado com maiores remunerações. Pavlina R. Tcherneva, uma das maiores estudiosas dos efeitos macroeconômicos do PFGE, argumenta que políticas como a RBU não possuem efeitos anti-cíclicos. Dessa forma, quando há uma desaceleração da atividade econômica – tal como ocorreu em 2007 – a renda básica é incapaz de prover estabilizadores automáticos capazes de impedir que a economia afunde ainda mais.
Isso é bom para a economia como um todo. Ao invés de expandir a oferta de seguro desemprego durante as crises econômicas, o PFGE poderia colocar as pessoas para trabalhar e suavizar o ciclo econômico. Os contracheques dos trabalhadores do PFGE incrementariam a demanda, a qual aceleraria o crescimento econômico. Diversos economistas concordam que a atual estagnação da atividade econômica, decorrente da demanda insuficiente, tem continuamente contribuído para um “tímido” crescimento da atividade econômica após a Grande Recessão. E essa dinâmica será mantida caso não hajam mudanças no status quo.
Por último, como um programa mais barato, o PFGE teria mais facilidade de aprovação por um governo de esquerda. Algumas estimativas apontam que a renda básica poderia custar facilmente mais de US$ 3 trilhões anuais, ao passo que outros falam em algo próximo de US$ 2,7 trilhões. O PFGE, por sua vez, custaria muito menos. Ainda que sob uma perspectiva conservadora, estimamos que 15 milhões de desempregados necessitam de empregos, de modo que o financiamento do PFGE demandaria investimentos anuais da ordem de US$ 750 bilhões.
Queremos construir uma economia inclusiva. O PFGE construirá uma economia que servirá à classe trabalhadora de uma maneira mais eficiente e efetiva que a RBU.
Os benefícios serão distribuídos de forma ampla e imediata. O PFGE afetará diretamente os desempregados – combatendo um dos principais indicadores de pobreza. Através da oferta universal de empregos, o PFGE também será uma ferramenta de combate à discriminação sistemática contra ex-detentos, veteranos de guerra e alguns grupos étnicos. Para além disso, garantia de emprego permitirá que os trabalhadores tenham maior autonomia no setor privado. Assim, essa seria uma ação que permitiria a revigoração do movimento trabalhista, estimulando esforços de sindicalização para melhorar as condições de trabalho. Tais benefícios resultarão em empregos federais capazes de levar seus beneficiários e suas respectivas famílias a superar a situação de pobreza. Já a RBU é incapaz de garantir isso.
O PFGE não garantiria justica apenas àqueles que desejam um emprego, mas também seria capaz de ajudar a superar injustas barreiras históricas que mantiveram amplos segmentos da sociedade excluídos da força de trabalho.
Finalmente, o PFGE poderia atuar no sentido de reverter a tendência de aumento das desigualdades para toda a classe trabalhadora. Através do aumento da capacidade de barganha dos trabalhadores e da eliminação da ameaça de desemprego de uma vez por todas, o PFGE poderia devolver aos trabalhadores o poder que lhes pertence.
Sobre os autores
Mark Paul is an assistant professor of economics at New College of Florida and a fellow at the Roosevelt Institute.
William Darity Jr is the Samuel DuBois Cook professor of public policy, African and African-American Studies, and economics; and the director of the Samuel DuBois Cook Center on Social Equity at Duke University.
Darrick Hamilton is associate professor of economics and urban policy at the Milano School of International Affairs, Management and Urban Policy and the Department of Economics, New School for Social Research.
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