29 de maio de 2022

"Precisamos mudar para não ser apenas um país agrícola", diz Paulo Feldmann, da USP

Professor de História Econômica da Universidade de São Paulo (USP) avalia que a existência de ilhas de independência tecnológica no Brasil mostram que combinação de educação e inovação viabiliza futuro

João Sorima Neto


Paulo Feldmann, professor de Economia da USP — Foto: Arte sobre foto de divulgação

Professor de História Econômica da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Feldmann observa que o Brasil deu grandes saltos em tecnologia e de fato criou ilhas de independência quando investiu em educação de qualidade, como revela reportagem especial do GLOBO neste domingo.

Para acelerar o desenvolvimento, terá de recorrer mais a um modelo em que grandes empresas privadas, universidades e o governo estimulem a inovação e apoiem o florescimento de start-ups.

Sem essa simbiose, o país corre o risco de ficar estagnado e perder terreno na era da economia digital, diz o pesquisador em entrevista ao GLOBO para a série de reportagens 200+20.

Como o Brasil está avançando em inovação e no uso de tecnologia na economia?

Hoje, uma economia competitiva é permeada pelo uso da tecnologia. E o Brasil só avançou nesse quesito, especialmente em suas ilhas de excelência tecnológica, quando investiu em educação de qualidade.

Na indústria aeronáutica, por exemplo, temos o melhor exemplo de impacto na economia, que é a Embraer, a terceira maior fabricante de aviões do mundo.

Ela só foi possível porque houve um investimento enorme na criação do Centro Tecnológico da Aeronáutica, que resultou no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), instituição de ensino superior pública especializada em engenharia aeroespacial.

E é possível replicar essas ilhas de tecnologia pelo país?

Sim. Mas precisamos mudar nosso modelo. Nos EUA, por exemplo, houve um investimento pesado do governo e das universidades em pesquisa. Isso foi repassado às empresas privadas, e elas se desenvolveram muito.

O governo atua de forma indireta nesse mecanismo. No Brasil, parte-se da premissa de que o mercado vai resolver tudo. A falta de uma política industrial atrapalha. Se não mudarmos, ficaremos para trás na era da economia digital. Seremos apenas um país agrícola.

Como as grandes empresas de tecnologia podem ajudar a fomentar a inovação no país?

Tome o exemplo de Israel, um dos países que mais desenvolvem tecnologia. Toda universidade israelense tem que ter várias incubadoras de empresas. É uma obrigação.

Uma grande companhia que compra um produto de uma empresa incubada tem abatimento no Imposto de Renda. Isso estimula os negócios, e a grande companhia ajuda a pequena. A universidade fornece os recursos humanos. É um modelo que usa empresas privadas, universidades, start-ups e o governo.

Mas de que forma podemos chegar ao patamar de inovação em que estão Israel e Estados Unidos?

Os modelos usados por esses países expandem a inovação. No Brasil, a empresa privada não consegue apoiar a universidade pública. Na USP, são raríssimos os casos de empresas que apoiam pesquisa, e o investimento público vem caindo.

Isso significa um atraso enorme para as universidades brasileiras, e o país vai ficando para trás nessa corrida tecnológica. Nos EUA, as empresas privadas colocam dinheiro nas universidades, junto com o governo, e se beneficiam das pesquisas.

A falta de mão de obra em tecnologia é um gargalo no Brasil para avançarmos?

Sim. Ainda temos déficit na formação de engenheiros, por exemplo. A falta de mão de obra qualificada em tecnologia aqui é enorme. Projeções indicam a necessidade de pelo menos 70 mil profissionais por ano, mas o país capacita apenas 46 mil.

Mas as ilhas tecnológicas mostram que, apesar dos obstáculos, o país é capaz de avançar, não?

Sem dúvida. Há muitos exemplos de como já avançamos em uso de tecnologia. O Brasil foi o primeiro país do mundo a ter eleição digital. A Receita Federal tem um sistema de apuração de impostos como pouquíssimos países.

Nosso sistema bancário está entre os melhores do mundo, é outra ilha de tecnologia. E as start-ups vêm crescendo e trazendo inovações. Aqui é onde o mercado funciona sozinho, com grandes empresas demandando soluções, e as start-ups criando as respostas. Por isso, as incubadoras de empresas são fundamentais. E ainda temos poucas no Brasil.

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