17 de janeiro de 2017

Patrice Lumumba (1925-1961)

Há 58 anos, o primeiro-ministro congolês e líder anticolonial Patrice Lumumba foi assassinado.

Sean Jacobs


Patrice Lumumba (centro) em 1960. Wikimedia Commons

Tradução /  Patrice Lumumba foi primeiro-ministro do recém-independente Congo por apenas sete meses, entre 1960 e 1961, antes de ser assassinado, 63 anos atrás, com 36 anos de idade.

No entanto, a curta vida política de Lumumba – assim como figuras como Thomas Sankara e Steve Biko, que tiveram vidas igualmente curtas – ainda é um ponto de referência para debates sobre o que é politicamente possível na África pós-colonial, o papel de líderes carismáticos e o destino da política progressista em outros lugares.

Os detalhes da biografia de Lumumba são curiosos e controversos: um ex-funcionário dos Correios no Congo Belga, ele se tornou político após ingressar em um ramo local de um partido liberal belga. Ao retornar de uma viagem de estudos à Bélgica organizada pelo partido, as autoridades notaram seu crescente envolvimento político e o prenderam por desviar fundos do correio. Ele cumpriu 12 meses de prisão.

O historiador congolês Georges Nzongola-Ntalaja – que estava no ensino médio durante a ascensão e o assassinato de Lumumba – destaca que as acusações foram fabricadas. Seu principal efeito foi radicalizá-lo contra o racismo belga, embora não contra o colonialismo. Após sua liberação em 1957, Lumumba, que na época era vendedor de cerveja, foi mais explícito sobre a autonomia congolense e ajudou a fundar o Movimento Nacional Congolês [Congolese National Movement], o primeiro grupo político congolês que explicitamente rejeitou o paternalismo belga, demandando pela independência e exigindo que a vasta riqueza mineral do Congo (explorada pela Bélgica e por empresas multinacionais euro-americanas) beneficiasse primeiramente os congoleses.

Para a opinião pública belga – que destacava as diferenças étnicas congolesas, infantilizava os africanos e, no final dos anos 1950, ainda tinha um plano de 30 anos para a independência congolesa – as declarações de Lumumba e do Movimento Nacional Congolês foram chocantes.

Dois meses após sua libertação da prisão, em dezembro de 1958, Lumumba estava em Gana, a convite do Presidente Kwame Nkrumah, que havia organizado a Conferência de Todo Povo de África [All Africa People’s Conference]. Lá, enquanto vários outros nacionalistas africanos que buscavam a independência política, ouviram Lumumba declarar:

Os ventos da liberdade que atualmente varrem toda a África não deixaram o povo congolês indiferente. A consciência política, que até muito recentemente estava adormecida, agora está se manifestando e assumindo uma expressão visível, e ela se afirmou com ainda mais força nos meses vindouros. Portanto, estamos assegurados do apoio das massas e do sucesso dos esforços que estamos empreendendo.

Os belgas concederam relutantemente a independência política aos congoleses, e 2 anos depois, após uma vitória decisiva do Movimento Nacional Congolês nas primeiras eleições democráticas, Lumumba se viu eleito primeiro-ministro e com o direito de formar um governo. Um líder mais moderado, Joseph Kasavubu, ocupava a posição em grande parte cerimonial de presidente congolês.

Em 30 de junho de 1960, Dia da Independência, Lumumba proferiu o que hoje tem sido considerado um discurso atemporal. O rei belga, Boudewijn, abriu o evento elogiando o regime assassino de seu tataravô, Leopoldo II (onde 8 milhões de congoleses morreram durante seu reinado de 1885 a 1908), como benevolente, destacando os supostos benefícios do colonialismo e advertiu os congoleses: “Não comprometam o futuro com reformas precipitadas.” Kasavubu, previsivelmente, agradeceu ao rei.

Então, Lumumba, de maneira não programada, subiu ao púlpito. O que aconteceu em seguida se tornou uma das declarações mais reconhecíveis do desafio anticolonial e um programa político pós-colonial. Como o escritor e crítico literário belga Joris Note apontou posteriormente, o texto original em francês consistia em não mais do que 1.167 palavras. No entanto, abordou muitos pontos importantes.

A primeira metade do discurso traçou uma trajetória do passado ao futuro: a opressão que os congoleses tiveram que suportar juntos, o fim do sofrimento e do colonialismo. A segunda metade delineou uma visão ampla e convocou os congoleses a se unirem na tarefa que tinham pela frente.

O mais importante é que os recursos naturais do Congo iam beneficiar seu povo em primeiro lugar: “faremos com que as terras de nosso país beneficiem primeiramente seus filhos”, disse Lumumba, acrescentando que o desafio era “criar uma economia nacional e garantir nossa independência econômica”. Os direitos políticos seriam reimaginados: “revisaremos todas as leis antigas e as transformaremos em novas leis que serão justas e nobres”.

Deputados congoleses e aqueles que ouviam pelo rádio irromperam em aplausos. Mas o discurso não foi bem recebido pelos antigos colonizadores, jornalistas ocidentais, nem pelos interesses multinacionais de mineradoras, elites comerciantes locais (especialmente Kasavubu e elementos separatistas no leste do país), governo dos Estados Unidos (que rejeitou os apelos de Lumumba para ajudar na luta contra os belgas reacionários e os separatistas, forçando-o a recorrer à União Soviética) e até mesmo pelas Nações Unidas.

Esses interesses encontraram um cúmplice, o amigo de Lumumba, o ex-jornalista e agora chefe do Exército, Joseph Mobutu. Juntos, eles trabalharam para fomentar a rebelião no Exército, alimentar a agitação, explorar ataques contra brancos, criar uma crise econômica e, eventualmente, sequestrar e executar Lumumba. A CIA tentou envenená-lo, mas acabou optando por políticos locais (e assassinos belgas) para fazer o trabalho. Ele foi capturado pelo Exército amotinado de Mobutu e levado à província separatista de Katanga, onde foi torturado, baleado e morto.

Na sequência de seu assassinato, alguns dos companheiros de Lumumba – especialmente Pierre Mulele, ministro da Educação em seu governo – controlaram parte do país e lutaram bravamente, mas foram esmagados por mercenários norte-americanos e sul-africanos. Nessa época, Che Guevara viajou para o Congo em uma missão militar fracassada para ajudar o exército de Mulele.

Mobutu ficou colocou a máscara do anticomunismo, ao declarar o Estado unipartidário, repressivo e governar, com o consentimento dos Estados Unidos e dos governos ocidentais, pelos próximos trinta e poucos anos.

Em fevereiro de 2002, o governo da Bélgica expressou “seus profundos e sinceros arrependimentos e suas desculpas” pelo assassinato de Lumumba, reconhecendo que “alguns membros do governo e alguns atores belgas na época têm uma parte inegável de responsabilidade pelos acontecimentos.”

Uma comissão governamental também ouviu testemunhos de que “o assassinato não poderia ter sido realizado sem a cumplicidade de oficiais belgas apoiados pela CIA, e concluiu que a Bélgica tinha uma responsabilidade moral pelo assassinato”.

Hoje, Lumumba possui uma tremenda força semiótica: ele é um avatar das redes sociais, um meme no Twitter e uma fonte de citações inspiradoras – um herói perfeito como Biko. Ele está até livre do tipo de críticas reservadas a figuras como Fidel Castro ou Thomas Sankara, que enfrentaram algumas das contradições inerentes de seus próprios regimes por meio de “métodos antidemocráticos”.

Nesse sentido, Lumumba polariza os debates sobre estratégia política: muitas vezes, ele é criticado como sendo apenas um líder carismático ou um bom orador com visão estratégica bastante limitada.

Por exemplo, no livro muito elogiado do escritor belga de ficção histórica David van Reybrouck, Congo: An Epic History of a People, Lumumba é caracterizado como um mau estrategista, pouco estadista e mais interessado em rebelião e adulação do que em governança. Ele seria culpado por não priorizar os interesses dos ocidentais.

A denúncia de Lumumba ao rei belga em junho de 1960, por exemplo, só serviu para fortalecer seus inimigos, argumenta Van Reybrouck. Lumumba também foi criticado por seus críticos ocidentais por se voltar para a União Soviética depois que os Estados Unidos o haviam rejeitado.

Mas, como o escritor Adam Shatz argumentou: “Não está compreensível como... em seus dois meses e meio no cargo, Lumumba poderia ter lidado de maneira diferente com uma invasão, duas rebeliões secessionistas e uma campanha americana secreta para desestabilizar seu governo.”

Talvez ainda mais poderoso seja como Lumumba lidou com o tamanho do seu desafio. À medida que a decepção com os movimentos de libertação nacional na África (em particular, Argélia, Angola, Zimbábue, Moçambique e mais recentemente o Congresso Nacional Africano da África do Sul) se instala, e novos movimentos sociais (#OccupyNigeria, #WalktoWork em Uganda, o mais radical #FeesMustFall e lutas por terra, moradia e saúde na África do Sul) começam a tomar forma, referências e imagens de Patrice Lumumba servem como um chamado à ação.

No Congo de Lumumba, cidadãos comuns estão atualmente lutando contra as tentativas do presidente Joseph Kabila de contornar a Constituição (seus dois mandatos expiraram em dezembro, mas ele se recusou a renunciar). Centenas foram mortos pela polícia e milhares foram presos. Kabila, que herdou a presidência de seu pai, que derrubou Mobutu, explora a fraqueza da oposição, especialmente o poder da etnia (por meio da política clientelista) para dividir os congoleses politicamente. Nisso, Kabila esteve apenas imitando os colonizadores belgas e Mobutu.

Aqui, o legado de Lumumba pode ser útil. O Movimento Nacional Congolês de Lumumba foi o único partido que ofereceu uma visão nacional – em oposição a uma visão étnica – e meios de organizar os congoleses em torno de um ideal progressista.

Mas a história de Lumumba não oferece apenas um convite para revisitar o potencial político de movimentos e correntes passados, mas também oportunidades para se abster de projetar demais em líderes como Lumumba, que tiveram uma vida política complicada e que não puderam confrontar a confusão da governança pós-colonial. Também significa tratar os líderes políticos como seres humanos. Para levar a sério o conselho do cientista político Adolph Reed Jr. sobre Malcolm X:

Ele era apenas como o resto de nós — uma pessoa comum carregada de conhecimento imperfeito, fraquezas humanas e imperativos conflitantes, mas ainda assim tentando dar sentido à sua história muito específica, tentando sem sucesso transcendê-la e lutando para direcioná-la de forma humana.

É talvez então que possamos começar a tornar real o desejo crítico de Patrice Lumumba, como autorreflexão, quando ele escreveu em uma carta da prisão para sua esposa em 1960:

O dia chegará quando a história falará. Mas não será a história que será ensinada em Bruxelas, Paris, Washington ou nas Nações Unidas. Será a história que será ensinada nos países que conquistaram a liberdade do colonialismo e de seus fantoches. África escreverá sua própria história e, tanto no norte quanto no sul, será uma história de glória e dignidade.

Colaborador

Sean Jacobs é professor associado de assuntos internacionais na New School e editor-fundador da Africa is a Country.

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