https://monthlyreview.org/2004/07/01/introduction-china-and-socialism/
Volume 56, Issue 03 (July-August) |
China e socialismo. Durante as três décadas que se seguiram ao estabelecimento da República Popular da China (RPC), em 1949, parecia que estas palavras estariam juntas para sempre numa unidade inspiradora. A China foi forçada a sofrer a humilhação da derrota na Guerra do Ópio com a Grã-Bretanha em 1840-42 e o tratado de abertura de portos que se seguiu. O povo chinês sofreu não só sob o governo despótico do seu imperador e depois de uma série de senhores da guerra como também sob o peso esmagador do imperialismo, o qual dividiu o país em esferas de influência controladas pelo estrangeiro. Gradualmente, principiando na década de 1920, o Partido Comunista Chinês conduzido por Mao Zedong organizou a resistência popular crescente à dominação estrangeira, à exploração do país e à ditadura de Chiang Kai-shek. O triunfo da revolução sob a liderança do Partido Comunista Chinês chegou finalmente em 1949, quando o partido proclamou que poria um fim não só ao sofrimento do povo como traria um novo futuro democrático baseado na construção do socialismo.
Não pode haver dúvida de que a Revolução Chinesa foi um evento histórico de proporções mundiais e de que tremendas realizações foram alcançadas sob a bandeira do socialismo nas décadas que se seguiram. Contudo, é nossa opinião que esta realidade não deveria cegar-nos para três factos importantes: primeiro, no momento da morte de Mao, em 1976, o povo chinês ainda estava longe de alcançar as promessas do socialismo. Segundo, a partir de 1978 o Partido Comunista Chinês embarcou num processo de reforma com base no mercado que, apesar de alegadamente concebido para revigorar o esforço para a construção do socialismo, conduziu realmente para a direcção oposta e a um grande custo para o povo chinês. E, finalmente, pessoas progressistas por todo o mundo continuam a identificar-se e a tomar como fonte de inspiração desenvolvimentos na China, vendo o rápido crescimento do país orientado para a exportação como a confirmação das virtudes do socialismo de mercado ou a prova de que, sem considerar etiquetas, a activa direcção do Estado da economia pode produzir desenvolvimento com êxito dentro de um sistema capitalista mundial.
Embora nós também tenhamos sido inspirados pela Revolução Chinesa, acreditámos por algum tempo que esta contínua identificação de pessoas progressistas com a China e a sua "economia socialista de mercado" representa não só uma grave leitura errada da experiência chinesa de reforma como, ainda mais importante, um grande impecilho ao desenvolvimento do entendimento teórico e prático que se exige para realmente avançar o socialismo na China e alhures.
Como argumentaremos neste livro, a nossa posição é de que as reformas de mercado na China não levaram à renovação socialista mas, ao contrário, à completa restauração capitalista, incluindo a crescente dominação económica estrangeira. Significativamente, esta consequência foi conduzida por mais do que a simples cobiça e interesse de classe. Uma vez tomado o caminho das reformas de mercado, cada passo subsequente no processo de reforma foi em grande medida conduzido pelas tensões e contradições geradas pelas próprias reformas. O enfraquecimento da planificação central levou à cada vez maior dependência do mercado e dos incentivos do lucro, a qual por sua vez encorajou o favorecimento de empresas privadas em relação às estatais e, de forma crescente, de empresas e mercados estrangeiros em relação aos internos. Embora um correcto entendimento da dinâmica do processo de reforma da China confirme a posição marxista de que o socialismo de mercado é uma formação instável, esta importante percepção em grande medida foi perdida devido à continuação da crença generalizada de muitas pessoas progressistas de que em algum sentido a China continua um país socialista. Esta situação não pode ajudar senão a gerar confusão sobre o significado do socialismo ao mesmo tempo que fortalece a posição ideológica daqueles que se lhe opõem.
Muitas outros académicos e activistas progressistas afastam os argumentos acerca do significado do socialismo como irrelevantes para os desafios do desenvolvimento enfrentados pelos povos de todo o mundo. Eles olham para o récord chinês de rápido e sustentado crescimento orientado para a exportação e concluem que a China é um modelo de desenvolvimento, com uma estratégia de crescimento que poderia e deveria ser emulada pelos outros países. Acreditamos, e argumentamos neste livro, que esta celebração da China é um erro grave, um erro que reflecte uma má compreensão não só da experiência chinesa como também das dinâmicas e contradições do capitalismo como um sistema internacional. De facto, um exame dos efeitos da transformação económica da China sobre as outras economias da região torna claro que o crescimento do país está a intensificar as pressões competitivas e as tendências de crise em detrimento dos trabalhadores de toda a região, incluindo a própria China.
Nossas diferenças com pessoas de esquerda e progressistas poderiam jamais ter produzido um livro sobre a China se em Maio de 2003 não tivesse havido a nossa viagem a Cuba a fim de comparecer a uma conferência internacional sobre o marxismo. [1] Enquanto estivemos naquele país procurámos aprender o que podíamos acerca de como Cuba estava a responder às suas dificuldades económicas, e sobre como o entendimento do governo e o compromisso para com o socialismo estava a perfilar a sua resposta. Contaram-nos reiteradamente que muitos economistas cubanos encaravam a estratégia de crescimento do "socialismo de mercado" chinês como um modelo atraente para Cuba.
Temos esperanças de que isto não seja verdade. Mas na própria conferência, quando a discussão voltou-se para os desafios enfrentados por Cuba, vários economistas cubanos endossaram publicamente a experiência chinesa de crescimento rápido dirigido para a exportação com base do investimento directo estrangeiro (IDE) como sendo a única esperança para Cuba de sustentar o seu projecto socialista sob as actuais condições internacionais. Embora este economistas estivessem apenas a repetir argumentos que tínhamos ouvido de pessoas progressistas em outros países, foi especialmente chocante ouvi-los numa conferência preocupada com a relevância contemporânea do marxismo e num contexto em que se imaginaria pouco provável que economistas o fizessem. Fidel Castro também estava na conferência e o governo já havia rejeitado firmemente o socialismo de mercado.
Não somos certamente os primeiros cientistas sociais a criticarem os desenvolvimentos na China de uma perspectiva marxista. [2] Mas parece-nos claro que a importância da China em estabelecer debates sobre o desenvolvimento e o socialismo tem aumentado. E sentimos que a confusão que envolve as experiências da China pós-reforma significa uma confusão teórica e política mais profunda acerca do marxismo e do socialismo que prejudica consideravelmente nossos esforços colectivos por construir um mundo livre da alienação, da opressão e da exploração. Assim, aventuramo-nos a oferecer a nossa própria contribuição quanto ao estudo da China e do socialismo, focalizando a nossa crítica na dinâmica económica, nas consequências sociais e nas implicações políticas do processo de reforma de mercado da China. Apesar do facto de o nosso trabalho focalizar a China, esperamos e desejamos que as questões levantadas e consideradas também tenham significância para pessoas preocupadas com desenvolvimentos sociais e lutas em outros países além da China.
O nosso livro principia, no capítulo 1, com uma discussão da ascensão da China como um ponto de referência positivo para economistas do desenvolvimento, com ênfase explicativa sobre o colapso da União Soviética e das suas economias satélites, a crise asiática de 1997-98 e a tendência tanto da corrente principal como de economistas de esquerda no sentido de formularem e racionalizarem as suas visões políticas nacionais recorrendo a experiências de desenvolvimento aparentemente exitosas de "países cartaz" individuais, ao invés do desenvolvimento da acumulação desigual e do conflito de classe numa escala mundial.
No capítulo 2 examinamos criticamente a dinâmica básica do processo de reforma do mercado socialista da China, mostrando como cada passo da transição da China — da planificação para o mercado, da produção orientada para o mercado interno àquela orientada para a exportação, e do estatal para o privado com controle estrangeiro cada vez maior — promoveu a mudança do sistema para mais longe de qualquer progresso significativo em direcção ao socialismo no sentido de um sistema centrado sobre as necessidades e capacidades básicas da comunidade trabalhadora. Este exame também torna claro que cada passo foi uma decorrência lógica não de quaisquer exigências objectivas para novos desenvolvimentos das forças produtivas humanas, naturais e sociais, mas sim das contradições geradas pelas reformas anteriores. Mostramos mais uma vez que o rápido crescimento económico que acompanhou as reformas foi devido em grande medida a outros factores além dos ganhos de eficiência da marketização e da privatização. Os argumentos neste capítulo cortam pela base a imagem generalizada de sábios decisores políticos chineses a projectarem cuidadosamente e deliberadamente uma transição relativamente estável e de baixo custo rumo a um regime mais produtivo orientado pelo mercado.
No capítulo 3 focamos as principais contradições internas do processo de reforma da China. Mostramos que os custos consideráveis da transição pró-mercado (desemprego ascendente, insegurança económica, desigualdade, exploração intensificada, saúde e condições de educação declinantes, explosão da dívida governamental e preços instáveis) não são efeitos colaterais transitórios e sim, ao contrário, précondições básicas de crescimento económico com rápida acumulação de capital sob condições chinesas. Também destacamos as crescentes (embora algo fragmentadas) lutas dos trabalhadores chineses para defender os direitos aparentemente garantidos para eles pelo regime da pré-reforma, e para protegê-los de algumas das piores formas de exploração sob o novo sistema face à repressão governamental organizada a todo trabalhador independente e comunidade organizada.
No capítulo 4 argumentamos que a experiência económica da China não pode ser plenamente compreendida se isolada das dinâmicas mais vastas do capitalismo global, especialmente o desenvolvimento desigual e a superprodução. Ao explorar estas dinâmicas destacamos como a transformação económica da China beneficiou e também intensificou as contradições do desenvolvimento capitalista em outros países, especialmente na Ásia do Leste. Esta perspectiva torna claro que o investimento estrangeiro atraído pela China, o crescimento conduzido pela exportação, não podem ser tratados simplesmente como uma experiência positiva replicável por outras nações.
Concluímos preliminarmente com o sumário das principais lições do nosso trabalho, destacando a contínua relevância da teoria marxista e a importância de construir movimentos para a mudança com base nos princípios da solidariedade internacional e através do compromisso com as lutas das comunidades trabalhadores contra os imperativos capitalistas. Esboçamos então uma alternativa, uma abordagem da comunidade de trabalhadores centrada no desenvolvimento socialista que trata as exportações e o investimento estrangeiro como veículos de necessidades e capacidades básicas e de solidariedade internacional.
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Notas da Introdução: A China e o socialismo
1. The “Conference on the Work of Karl Marx and Challenges for the 21st Century” was held in Havana, Cuba, May 5–8, 2003. Papers can be found at www.nodo50.org/cubasigloXXI .
2. See, for example, William Hinton, The Great Reversal: The Privatization of China, 1978-1989 (New York: Monthly Review Press, 1990); Maurice Meisner, The Deng Xiaoping Era: An Inquiry into the Fate of Chinese Socialism, 1978-1994 (New York: Hill and Wang, 1996); Robert Weil, Red Cat, White Cat: China and the Contradictions of “Market Socialism” (New York: Monthly Review Press, 1996); Gerard Greenfield and Apo Leong, “China's Communist Capitalism: The Real World of Market Socialism,” in Leo Panitch (ed.), Socialist Register 1997: Ruthless Criticism of All That Exists (New York: Monthly Review Press, 1997); Barbara Foley, “From Situational Dialectics to Pseudo-Dialectics: Mao, Jiang, and Capitalist Transition,” Cultural Logic (2002), http://eserver.org/clogic/2002 ; Liu Yufan, “A Preliminary Report on China's Capitalist Restoration,” Links, No. 21 (May-August 2002); Richard Smith “Creative Destruction: Capitalist Development and China's Environment,” New Left Review 222 (March-April 1997); Eva Cheng, “China: Is Capitalist Restoration Inevitable?,” Links 11 (January-April 1999).
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