O debate sobre o papel do Estado e o do mercado tende a se alternar de tempo em tempo. Desde os anos 1970, a dominância é liberal. Mesmo a mudança no pêndulo com a recente crise financeira global foi logo contra-atacada. A austeridade voltou à crista da onda, inclusive no Brasil. Junto vêm os usuais ataques a instituições estatais. O diabo é acreditar no discurso.
Mundo a fora, o Estado continua fazendo o que o mercado não faz. O Vale do Silício é resultado de brutal intervenção estatal. Toda a tecnologia por trás do iPhone foi financiada por agências públicas, em especial relacionadas ao Departamento de Defesa, cujo modelo foi copiado em saúde e energia.
Hoje, há pesados subsídios para setores-chave como carro elétrico e energia solar. Tesla, SolarCity e SpaceX, firmas ligadas ao empresário Elon Musk, por exemplo, já receberam quase US$ 5 bilhões.
Nos EUA, onde há um profundo mercado de capital, o Estado apoia firmas inovadoras antes do "capital de risco". Mesmo lá, tecnologias, setores e empresas na prática são escolhidas pelo Estado.
No Reino Unido, custos galopantes em pesquisa e desenvolvimento de um novo motor de avião deixaram a Rolls-Royce à beira da falência, só sendo salva pela nacionalização em 1971, seguida de empréstimos públicos de longo prazo. Em 1987, ela foi privatizada, se tornando uma líder de mercado.
No Brasil, um exemplo é a Embraer, fundada em 1969 a partir de uma visão do Estado de criar do zero um setor aeroespacial. O sucesso após sua privatização em 1994 costuma ser visto como exemplo da superioridade da iniciativa privada, que assumiu com as finanças da empresa em frangalhos.
Suas competências tecnológicas centrais, porém, foram fortalecidas nos anos 1970. Ademais, quando a Embraer privada fez uma de suas primeiras grandes vendas, para a American Airlines, o financiamento não veio de bancos privados, desinteressados no perfil arriscado e de longo prazo, mas do BNDES.
Economistas em geral aceitam que o Estado deve suprir as "falhas de mercado": situações em que o mercado não consegue alocar recursos eficientemente. Tal estrutura vem associada a análises do custo-benefício dos gastos públicos, que buscam medir se os benefícios resultantes compensam os custos, incluindo os de oportunidade.
O problema é que essa é uma análise estática de um processo dinâmico, cumulativo e de desdobramentos imprevisíveis (quem diria que tecnologias militares dariam em celulares inteligentes?).
Análises de custo-benefício tendem a levar à mesma dificuldade que motiva a opção por investimentos públicos: a falta de disposição em projetos-chave, por causa de altos riscos e incertezas. Se os Estados aplicassem seus recursos nas "melhores oportunidades", não existiriam Embraer, Rolls-Royce, Apple e boa parte das tecnologias de informação e comunicação.
O arcabouço "falhas de mercado/avaliações custo-benefício" não é apropriado quando o Estado antevê, estrutura e cria mercados. Nenhum país foi bem-sucedido industrialmente guiado por essas decisões de investimento público.
Além disso, levaria a investimentos esporádicos e concentrados na pesquisa básica, não atravessando toda a cadeia de inovação. Ignorar tal história, usando a dicotomia "Estado versus mercado", serve a objetivos políticos, não econômicos.
Estabelecer um direcionamento estratégico em suas iniciativas dificulta a captura do Estado. Isso significa definir as missões que serão os vetores das políticas públicas e das ações privadas a longo prazo.
Em vez de priorizar os duvidosos benefícios da austeridade, esperando passivamente um futuro melhor, o Brasil terá maior chance de sucesso se definir suas missões e fizer seu futuro acontecer.
Mundo a fora, o Estado continua fazendo o que o mercado não faz. O Vale do Silício é resultado de brutal intervenção estatal. Toda a tecnologia por trás do iPhone foi financiada por agências públicas, em especial relacionadas ao Departamento de Defesa, cujo modelo foi copiado em saúde e energia.
Hoje, há pesados subsídios para setores-chave como carro elétrico e energia solar. Tesla, SolarCity e SpaceX, firmas ligadas ao empresário Elon Musk, por exemplo, já receberam quase US$ 5 bilhões.
Nos EUA, onde há um profundo mercado de capital, o Estado apoia firmas inovadoras antes do "capital de risco". Mesmo lá, tecnologias, setores e empresas na prática são escolhidas pelo Estado.
No Reino Unido, custos galopantes em pesquisa e desenvolvimento de um novo motor de avião deixaram a Rolls-Royce à beira da falência, só sendo salva pela nacionalização em 1971, seguida de empréstimos públicos de longo prazo. Em 1987, ela foi privatizada, se tornando uma líder de mercado.
No Brasil, um exemplo é a Embraer, fundada em 1969 a partir de uma visão do Estado de criar do zero um setor aeroespacial. O sucesso após sua privatização em 1994 costuma ser visto como exemplo da superioridade da iniciativa privada, que assumiu com as finanças da empresa em frangalhos.
Suas competências tecnológicas centrais, porém, foram fortalecidas nos anos 1970. Ademais, quando a Embraer privada fez uma de suas primeiras grandes vendas, para a American Airlines, o financiamento não veio de bancos privados, desinteressados no perfil arriscado e de longo prazo, mas do BNDES.
Economistas em geral aceitam que o Estado deve suprir as "falhas de mercado": situações em que o mercado não consegue alocar recursos eficientemente. Tal estrutura vem associada a análises do custo-benefício dos gastos públicos, que buscam medir se os benefícios resultantes compensam os custos, incluindo os de oportunidade.
O problema é que essa é uma análise estática de um processo dinâmico, cumulativo e de desdobramentos imprevisíveis (quem diria que tecnologias militares dariam em celulares inteligentes?).
Análises de custo-benefício tendem a levar à mesma dificuldade que motiva a opção por investimentos públicos: a falta de disposição em projetos-chave, por causa de altos riscos e incertezas. Se os Estados aplicassem seus recursos nas "melhores oportunidades", não existiriam Embraer, Rolls-Royce, Apple e boa parte das tecnologias de informação e comunicação.
O arcabouço "falhas de mercado/avaliações custo-benefício" não é apropriado quando o Estado antevê, estrutura e cria mercados. Nenhum país foi bem-sucedido industrialmente guiado por essas decisões de investimento público.
Além disso, levaria a investimentos esporádicos e concentrados na pesquisa básica, não atravessando toda a cadeia de inovação. Ignorar tal história, usando a dicotomia "Estado versus mercado", serve a objetivos políticos, não econômicos.
Estabelecer um direcionamento estratégico em suas iniciativas dificulta a captura do Estado. Isso significa definir as missões que serão os vetores das políticas públicas e das ações privadas a longo prazo.
Em vez de priorizar os duvidosos benefícios da austeridade, esperando passivamente um futuro melhor, o Brasil terá maior chance de sucesso se definir suas missões e fizer seu futuro acontecer.
Sobre os autores
MARIANA MAZZUCATO, 47, é professora de economia da inovação na Universidade de Sussex (Reino Unido) e autora de "O Estado Empreendedor" (Cia. das Letras)
MARIANA MAZZUCATO, 47, é professora de economia da inovação na Universidade de Sussex (Reino Unido) e autora de "O Estado Empreendedor" (Cia. das Letras)
CAETANO PENNA, 35, é pesquisador do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
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