26 de agosto de 2015

Fazendo as perguntas certas

A Esquerda na Europa, e além, enfrenta enormes desafios. Que tipo de estratégia política precisamos para irmos em frente?

Catarina Príncipe e Dan Russell

Jacobin

Trabalhadores da Pirelli contra o carabinieri, no "outono quente" de Milão em 1969. Libcom

Tradução / Seria difícil fazer um trabalho melhor defendendo o projeto politico que era o Syriza – contra tanto aqueles que o condenaram desde o começo quanto aqueles que agora defendem a capitulação da direção – do que Stathis Kouvelakis fez nos últimos meses.

Kouvelakis, porém, não estava apenas defendendo o Syriza ou a “nova” esquerda europeia mais amplamente, mas precisamente a estratégia da construção de partidos de massas dos trabalhadores – para organizar e transformar a consciência da classe mediante a luta – uma estratégia que remonta o século 19.

A posição de Kouvelakis é bastante diferente daquele como Tad Tietze que descartam a possibilidade de uma alternativa política à austeridade e nos pedem para ao invés disso nos focarmos em desenvolver movimentos extraparlamentares.

Mas uma estratégia viável da esquerda para acabar com a austeridade não pode contrapor o social e o político: uma alternativa política deve contribuir para a criação de sua própria base social. Esse era precisamente o projeto do Syriza, que a recém-formada Unidade Popular levará adiante agora que a liderança do Syriza abandonou seu compromisso com a luta contra os memorandos.

Apesar de derrotas e desvios esses projetos seguem o único percurso viável em direção a uma eventual ruptura não apenas com a austeridade mas com o próprio capitalismo. Aqueles que não têm de confrontar a questão do poder estatal imediatamente ainda sim devem aprender as corretas lições tanto do Syriza quanto da história da qual este nasceu.

Reforma e revolução

A primeira experiência na construção de partidos de massas da classe trabalhadoras se encerrou com o deflagrar da I Guerra Mundial e a quase unânime decisão tanto do partido social-democrata alemão quanto do francês – os faróis guias do movimento europeu – de trair a causa do internacionalismo socialista e apoiaram a marcha de seus respectivos governos rumo à guerra.

A tarefa de unir uma oposição minoritária caiu nas mãos dos bolcheviques. Seus esforços lançaram as bases para uma nova Internacional que iria brevemente convergir no despertar da Revolução Russa.

O espaço para uma Terceira Internacional e partidos revolucionários de massas que se definiram contra a social-democracia reformista surgiu por causa de condições concretas, em particular o alto grau de luta de classes desencadeado pela guerra.

Ainda assim, apenas os comunistas alemães – já devastados pelo assassinato de suas maiores lideranças e expulsos do partido social-democrata – foram capazes de fazer uma contínua disputa pelo poder antes de a onda revolucionária retroceder, a social-democracia encontrar seu pé e o Stalinismo fatalmente remodelar os jovens Partidos Comunistas.

Aqueles que intentam traçar um curso revolucionário independente foram expurgados ou isolados tanto pelo movimento Comunista oficial quanto pela social-democracia que viriam a dominar o movimento proletário através da II Guerra Mundial. Algumas mudanças deveriam ocorrer antes de os revolucionários terem novamente públicos massivos: a revelação dos crimes de Stalin, a supressão Soviética dos levantes húngaro e tcheco, e a retomada das lutas de classes militantes nos anos 60 e 70.

Com o tempo, exposto o conservadorismo da maior parte dos Partidos Comunistas da Europa ocidental, abriu-se espaço para novas formações de esquerda, como o Partido Socialista dos Trabalhadores Britânicos e a Liga Comunista Revolucionária na França. Mas com o início da ofensiva neoliberal ao fim dos anos 70 esses partidos foram enfraquecidos.

Os partidos social-democratas tradicionais foram também irrevogavelmente prejudicados. A esquerda reformista social-democrata experimentou derrotas e recuos, enquanto sua ala direita alegremente se encarregou de gerir o neoliberalismo.

Conforme esses antigos partidos dos trabalhadores começaram a implementar a austeridade, dissidentes social-democratas, comunistas e outros construíram novos partidos que trabalharam lado a lado com movimentos sociais e se engajaram em debates sobre a melhor forma de confrontar o neoliberalismo. Através da última década, formações com o Bloco de Esquerda, Die Linke e Syriza preencheram a lacuna deixada pela social-democracia.

Infelizmente, alguns revolucionários fizeram daquilo que de 1930 a 1980 era uma necessidade – construir pequenos grupos revolucionários por conta da dificuldade ou impossibilidade de operar independentemente no interior de partidos reformistas de massas ou comunistas oficiais – uma virtude mediante interpretar erroneamente a experiência da social-democracia em geral e dos bolcheviques em particular.

Os bolcheviques não tentaram construir um partido especial “revolucionário”, mas um social-democrata no contexto repressivo da Rússia tzarista. Foi esse contexto e a cisão com os mencheviques – não qualquer pureza teórica – que tornaram as tendências reformistas, que dominavam o aparato partidário na Alemanha, marginalizadas na Rússia.

A mais relevante lição da social-democracia pré-guerra para a luta de classes de hoje é que devemos primeiramente construir partidos que se tornem dominantes no movimento operário através da luta por reformas. É apenas pela experiência coletiva de conquistar vitórias tangíveis e testar os limites do reformismo que uma maioria será ganha para políticas revolucionárias.

Enquanto é verdade que tais formações iriam recriar muitas das mesmas contradições presentes na social-democracia pré-guerra, isso não significa que estejam fadadas ao mesmo resultado. E revolucionários que cedem aos reformistas a tarefa de criar e modelar formações políticas que possam atrair e mobilizar a maioria da classe trabalhadora na luta política minam não apenas tais organizações, mas na mesma medida qualquer projeto revolucionário “separado”.

Partidos de um novo tipo

Com as ascensão do neoliberalismo e a mudança subserviente de tradicionais partidos social-democratas de partidos de massa de trabalhadores em partidos que administram a austeridade, o centro de gravidade político se deslocou à Direita. Isso significa que as lutas na Europa por estados de bem-estar social funcionais e direitos trabalhistas se tornou órfão por muitas décadas.

O giro à direita, pareado pela queda da União Soviética e os movimentos anti-guerra e alter-mundistas abriram um espaço político que precisava ser ocupado por uma nova esquerda. Esses partidos foram fundado em rejeição ao stalinismo e uma nova ideia de como se relacionar com os movimentos sociais, com a meta de conquistas a base social da social-democracia liberalizada.

Fazê-lo significava adotar pontos programáticos centrais de partidos social-democratas tradicionais – protegendo o estado de bem-estar social e direitos trabalhistas – e acrescentando uma mais ampla camada de demandas feministas e ambientais. Conforme a política na Europa e além se desviou para a direita, era dado aos radicais se organizar ao redor destas políticas.

Esses partidos se orientaram na construção de partidos de massas de trabalhadores com duas coisas em mente. A primeira é que o partido é um instrumento de intervenção social – interagindo com movimentos sociais, com o movimento sindical e esforços organizativos de base – que deveria simultaneamente construir um programa político autônomo e lutar pelo poder estatal.

A segunda é que a base de sustentação da Nova Esquerda é tanto a base tradicional dos partidos de massas de trabalhadores e os milhões que se tornaram descontentes com o sistema político como um todo.

Essas novas correntes se estabeleceram no entendimento de que não há necessidade de contrapor o esforço para ganhar pessoas em torno de um leque de demandas reformistas de esquerda e a necessidade de desenvolver o apoio a ideias e correntes mais radicais. Pelo contrário, esse tipo de engajamento amplo era o único caminho para manter a esquerda radical relevante para as pessoas comuns.

A composição ideológica difusa desses partidos permite sua transformação em sentidos progressistas, bem como oferece aos radicais uma ampla plataforma pública. O que manteve vivas as ideias revolucionárias tem sido precisamente seu engajamento com projetos reformistas de esquerda.

O partidos da Nova Esquerda agora proliferam, mais ainda permanece incerto para muitos na esquerda europeia para onde vamos daqui. Nós oferecemos três ideias estratégicas para contribuir ao debate.

Grandes partidos de esquerda não emergem do ar, ou pela boa vontade de pequenos grupos radicais ou revolucionários: eles são o produto de mudanças nascidas em mobilizações políticas mais amplas das quais os partidos existentes foram incapazes de se aproveitar.

Um dos objetivos centrais desses partidos de “novo tipo” tem sido minar os partidos social-democratas neoliberalizados absorvendo suas bases de apoiadores. Isso só é possível se há um projeto político autônomo que recusa ser uma muleta para os partidos social-democratas tradicionais, enquanto ao mesmo tempo luta por reformas, tenta ganhar maiorias sociais, e disputa o poder estatal.

Além disso, cada ruptura importante com os partidos de centro-esquerda aconteceu porque alguma formação estava aplicando pressão à esquerda – como o envolvimento Oscar Lafontaine e outros membros da ala esquerda do Partido Social-Democrata Alemão na fundação do partido socialista Die Linke.

No entanto, essa tática tem sido apenas meio bem-sucedida. A estratégia de tentar conquistar tanto apoiadores tradicionais dos partidos social-democratas e pessoas que amargaram no sistema político obviamente tem se provado difícil de levar a cabo: esses partidos “de um novo tipo” carregam demais uma lembrança dos outros para aqueles desiludidos com o sistema, e parecem distantes e anti-sistêmicos demais para aqueles despreparados para reformular o sistema político.

É preciso repetir que a vulnerabilidade e o declínio dos partidos social-democratas foi auto-infligido. Aplicando e gerindo a austeridade ao invés de expandir a prestação social, esses ex-partidos dos trabalhadores têm adotado a mesma abordagem política básica que suas contrapartes conservadoras. É precisamente por conta desta “Pasokificação” que precisamos de fortes organizações reformistas de esquerda: só elas são capazes de convencer e organizar as pessoas que mais tendem a debandar dos partidos social-democratas.

E a presença de revolucionários nessas organizações é e será crucial para prevenir uma guinada à direita.

Outro ponto chave tem a ver com a relação entre a luta social nas ruas e a busca por um gabinete político. Nós temos que entender partidos como instrumentos para a luta social, veículos que nos ajudam a coordenar e construir relações entre diferentes movimentos. Manter as características autônomas desses movimentos não é necessariamente o contrário de construir programas e campanhas para atingir o poder estatal e implementar políticas progressistas.

Embora o que os socialistas possam atingir usando o estado capitalista seja limitado, este têm uma autonomia relativa em relação aos “negócios”. A capacidade estatal de se prestar a finalidade progressistas depende do balanço de poder ente o trabalho e o capital. Não reconhecer essa possibilidade significa perder as esperanças e depreciar qualquer reforma na falta de uma revolução.

A presença de ideias revolucionárias é, mais uma vez, essencial, não apenas pela necessidade de reconhecer os limites de conquistar o poder estatal sem transformá-lo, mas inclusive porque a organização de um poder popular é central para sustentar, e a questão central para qualquer governo de esquerda.

Os limites do “Projeto Europeu”

Desde sua fundação, uma meta dos mais amplos partidos de esquerda tem sido transformar a União Europeia por dentro. Entretanto, os desenvolvimentos recentes expuseram que a EU, e a zona do euro em particular, são apenas capazes de lidar com a democracia, a igualdade e autodeterminação até um limite.

A chantagem do governo grego tornou visíveis e inquestionáveis as fissuras no assim chamado Projeto Europeu, bem como sua verdadeira natureza: uma zona com centro e periferia que almeja esmagar experiências democráticas e tentativas de reformar igualitárias a fim de dar suporte à economia dos países centrais e desmantelar a proteção social dos trabalhadores, em particular do sul da Europa.

“Negociar” de uma posição à esquerda tem rendido pouco, e a margem para manobra têm encolhido exponencialmente. A única alternativa é pensar fora das amarras da zona do euro. Essa não é uma missão fácil. O que alguns têm chamado de “euro-fetichismo” tem uma base material bastante concreta – é o resultado de trinta anos de destruição dos setores produtivos da periferia, e a sua substituição por créditos e dependência excessiva em relação aos fundos europeus.

Entender que há mais de um caminho para a saída da zona do euro é recolocar o c entro da discussão no nível político. Como nós construímos um movimento popular de esquerda que possa se ligar com projetos comuns no resto do continente, imaginar alternativas para essa prisão financeira na qual estamos emperrados e lutar contra a extrema direita e tendências nacionalistas emergentes em toda Europa? Isso não significa que deveríamos cessar as lutas e a construção de interconexões no interior deste quadro; simplesmente significa que devemos começar a pensar sobre e construir essas lutas e interconexões para além desta estrutura.

Nós apenas acharemos a resposta cera para essas difíceis questões se reconhecermos que elas são as questões chave estratégicas para toda a esquerda, se nós mantermos como meta central conquistas maiorias sociais e hegemonia ideológica – e se nós abraçamos esses partidos de “um novo tipo” com suas carências e contradições, como o melhor e mais concreto instrumento para cumprir essa tarefa hoje.

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