11 de agosto de 2015

Por trás do compromisso

O primeiro-ministro grego Alexis Tsipras sobre o referendo e o acordo que se seguiu.

Uma entrevista com
Alexis Tsipras

Jacobin

Greek Prime Minister Alexis Tsipras in Athens, February 2015. Panayiotis Tzamaros / Flickr

Em 29 de julho, Sto Kokkino, a estação de rádio politicamente próxima ao Syriza, transmitiu uma longa entrevista com o primeiro-ministro grego Alexis Tsipras. Os trechos substanciais que se seguem oferecem insights exclusivos sobre as ferozes negociações entre Atenas e seus credores e sobre o golpe financeiro direcionado contra o governo de esquerda da Grécia.

A Jacobin publicou anteriormente comentários de membros da Plataforma Esquerda do Syriza e de outros críticos do acordo. Aqui, oferecemos a perspectiva de Tsipras, que, em resposta a seus críticos, diz: "Fiz uma escolha responsável".

Kostas Arvanitis

Vamos falar sobre esses seis meses de negociações. Como você os resumiria?

Alexis Tsipras

Precisamos ser objetivos em nossas conclusões. Estes foram seis meses de grandes tensões e emoções, e a autoflagelação não ajuda ninguém. Sentimentos de alegria, orgulho, dinamismo, determinação e tristeza surgiram. Mas acho que, no fim das contas, se tentarmos analisar o processo de maneira objetiva, só podemos nos orgulhar de ter travado esta batalha.

Sob condições adversas e com um difícil equilíbrio de forças tanto na Europa quanto no mundo, tentamos afirmar o ponto de vista de um povo e a possibilidade de se traçar outro caminho. No fim, ainda que os poderosos tenham conseguido impor sua vontade, o que permanece é a confirmação absoluta, em âmbito internacional, de que a austeridade é um beco sem saída. Este processo criou uma perspectiva absolutamente nova na Europa.

E quanto ao mandato popular conferido ao Syriza? Os memorandos não foram anulados. Este acordo é particularmente difícil.

O mandato que o povo grego nos deu implicava que fizéssemos tudo quanto fosse possível para criar condições, fosse qual fosse o custo político, para conter o sangramento do povo grego.

Você disse que os memorandos seriam anulados com uma única lei.

Durante a campanha, eu não disse que os memorandos poderiam ser anulados com uma única lei. Ninguém disse isso. Nunca prometemos ao povo grego que isso seria um alegre passeio pelo parque. É por isso que estamos tão conscientes das dificuldades que encontramos, dificuldades que a própria população está enfrentando com uma notável capacidade de autocontrole. O que dissemos foi que continuaríamos lutando para nos livrarmos das condições asfixiantes impostas ao país pelas decisões políticas tomadas antes de 2008, condições que geraram déficits e dívidas que nos impossibilitavam qualquer ação.

Nós tínhamos um programa, pedimos o apoio da população para negociarmos sob condições difíceis a fim de implementar o programa. Foi uma negociação difícil sob condições de asfixia financeira sem precedentes. Nós negociamos por seis meses e, ao mesmo tempo, conseguimos tornar realidade uma das partes mais importantes do nosso programa eleitoral. Por seis meses, nós nos preocupamos se conseguiríamos pagar salários e pensões no fim do mês e cumprir com nossas obrigações para com o país, para com os trabalhadores. Esta era a nossa constante preocupação.

E, neste contexto, tivemos sucesso ao aprovar uma lei referente à crise humanitária. Milhares de cidadãos estão se beneficiando desta lei hoje. Fomos capazes de remediar graves injustiças, como a perpetrada pelo Ministério das Finanças contra as donas de casa, os zeladores de escolas, os funcionários da rádio pública e da estação de televisão ERT, que foi reaberta.

Embora não devamos tentar embelezar a situação, também não podemos apresentá-la como sendo pior do que de fato é. Se algumas pessoas acreditam que a luta de classes evolui de maneira linear, que ela é ganha em uma eleição e não envolve a luta constante, seja no governo ou na oposição, pedimos que nos expliquem e deem exemplos.

Estamos agora diante da situação absolutamente nova, tendo um governo de esquerda radical em uma Europa neoliberal. Mas podemos aprender com as experiências dos governos de esquerda do passado, e sabemos que ganhar as eleições não significa ter acesso às engrenagens do poder, de um dia para o outro. Travar uma batalha no âmbito governamental não é suficiente. Ela precisa ser travada também no terreno das lutas sociais.

Por que você decidiu realizar um referendo?

Eu não tinha alternativas. É preciso levar em conta o que eu e o governo grego estávamos enfrentando no dia 25 de junho, o acordo que estava sendo oferecido a nós. Preciso admitir que a decisão foi muito arriscada. Não apenas a vontade do governo grego ia contra as demandas dos credores, como também colidia com o sistema financeiro internacional, com os sistemas político e midiático da Grécia. Tudo isto estava contra nós. A probabilidade de que perdêssemos no referendo era tão grande que nossos parceiros europeus apostaram nela, decidindo fechar os bancos.

Mas, para nós, esta era a única saída, já que estavam nos oferecendo um acordo com exigências muito difíceis, parecidas com as que temos no acordo atual, mas ainda um pouco pior. Eram exigências difíceis, de qualquer forma, e ineficazes, do meu ponto de vista. Ao mesmo tempo, eles não ofereceram nenhuma possibilidade de sobrevivência.

Em contrapartida, ofereceram 10,6 bilhões de euros ao longo de cinco meses. Queriam que a Grécia, assim que cumprisse com seus compromissos, aceitasse apenas o que sobrou do programa anterior em termos financeiros, sem nem mesmo um euro a mais. Era isso o que a Holanda, a Finlândia e a Alemanha exigiam.

O principal problema político dos governos do norte era o fato de que não queriam, de maneira alguma, tomar a decisão de dar um único euro a mais aos gregos sem o consentimento de seus parlamentos, já que estavam aprisionados na atmosfera populista que eles próprios criaram, levando a população a acreditar que ela estava pagando para que os gregos fossem preguiçosos. Isto, é claro, é totalmente falso, já que eles estão pagando aos seus bancos, e não ao povo grego.

Qual o resultado do forte posicionamento do povo grego, contrário a todas as probabilidades, no referendo? Com isso, foi possível internacionalizar o problema, fazer com que ele transcendesse as fronteiras nacionais, desmascarasse a imagem dos parceiros e credores europeus. Assim foi possível fazer com que o mundo todo percebesse que os gregos não são um povo preguiçoso, mas um povo que está resistindo e exigindo justiça, exigindo um futuro. Testamos o limite de resistência da zona do euro. Exercemos um impacto sobre a relação de forças.

A França, a Itália e os países do norte tiveram posições muito diferentes. O resultado, com certeza, é bastante difícil, mas, por outro lado, a zona do euro foi levada ao seu limite de resistência e coesão. Os próximos seis meses serão decisivos, assim como a relação de forças construída neste período. Neste momento, o destino e as estratégias da zona do euro foram colocados em questão.

Há várias possibilidades. Os que disseram "nem um único euro a mais" decidiram, no fim das contas, por mais 83 bilhões de euros. Portanto, de 10,6 bilhões para os próximos cinco meses, fomos para 83 bilhões para os próximos três anos, com o comprometimento essencial em torno da redução da dívida, a ser discutida em novembro.

Este é um dos principais problemas, determinar se a Grécia é capaz de tomar um caminho que a tire da crise. Precisamos colocar um ponto final nas histórias contadas por Samaras [Antonis Samaras, primeiro-ministro grego entre junho de 2012 e janeiro de 2015], e Venizelos [Evangelos Venizelos, vice-primeiro-ministro grego entre junho de 2013 e janeiro de 2015], que garantiam estar abandonando os memorandos.

A verdade é que havia uma lacuna nessas histórias, e essa lacuna é a dívida. Com uma dívida entre 180 e 200% maior do que o próprio PIB, não se consegue uma economia estável. O único caminho que poderíamos tomar seria o da redução, cancelamento ou atenuação da dívida. A condição para que o país seja capaz de ganhar alguma margem financeira é que ele não seja obrigado a criar superávits gigantescos para uma dívida impossível de ser paga.

O "não" do referendo foi um "não" à austeridade...

A pergunta do referendo tinha duas partes. Havia a parte A, que envolvia as medidas previamente exigidas, e a parte B, que envolvia o calendário financeiro. Sendo bem franco, sem embelezar a situação, tenho que dizer que o acordo posterior ao referendo foi, no que diz respeito à parte A, semelhante ao que foi rejeitado pela população grega. Por outro lado, no que diz respeito à parte B, também precisamos ser francos, e aí houve uma diferença enorme.

Antes, tínhamos cinco meses, 10,6 bilhões, cinco meses em que nossos gastos públicos foram analisados de perto. Agora, temos 83 bilhões, o que abarca nossas necessidades financeiras de médio prazo (2015 a 2018), dos quais 47 bilhões são para pagamentos estrangeiros, 4,5 bilhões para atrasos nos pagamentos de funcionários públicos e 20 bilhões para a recapitalização dos bancos; por fim, há o compromisso crucial da questão da dívida.

Portanto, nos termos da parte A, houve um retrocesso da parte do governo grego, mas quanto à parte B, houve avanço: o referendo desempenhou uma função. Na tarde de quarta-feira, antes da votação, certos grupos estavam tentando criar condições para um golpe de Estado no país, afirmando que era necessário invadir o gabinete do primeiro-ministro, que o governo estava levando o país para uma terrível catástrofe econômica, citando as filas nos bancos.

Preciso dizer que o povo grego foi capaz de se manter tão impassível que os canais de TV tiveram dificuldade em encontrar pessoas reclamando da situação; o sangue frio da população foi realmente incrível.

Naquela tarde, eu me dirigi à população grega, dizendo a verdade. Eu não disse: "Estou realizando um referendo sobre nossa saída do euro". Eu disse: "Estou realizando um referendo que nos dará uma dinâmica melhor para as negociações". O "não" ao mau acordo não era um "não" ao euro, um "sim" ao dracma. As pessoas podem me acusar de ter feito os cálculos errados, de ter tido ilusões, mas naquele momento eu falei bem claramente. Eu informei o Parlamento duas vezes sobre a situação. Eu disse a verdade ao povo grego.

Com os 61,2% dado a você pelo povo grego, qual seria o acordo em Bruxelas que o teria satisfeito?

Na manhã de sexta-feira, 25 de junho, o dia do ultimato, durante um encontro em Bruxelas, com a possibilidade de sermos humilhados e sem qualquer saída disponível, decidimos seguir adiante com o referendo. Para eles, era uma questão de aceitarmos os termos ou fim de jogo. "O jogo acabou": era o que Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, repetia. Eles não escondiam o que queriam: uma mudança política na Grécia. Não tínhamos escolhas. Escolhemos o caminho da democracia, dando a palavra ao povo grego.

Ao voltar à Grécia, naquela tarde, eu convoquei o conselho governamental e tomamos uma decisão. Eu interrompi a reunião para falar com Angela Merkel e François Hollande. Informei-os de minha decisão; naquela mesma manhã eu expliquei a eles que o que estavam propondo não era uma solução honesta.

Eles me perguntaram o que eu recomendaria ao povo grego, e eu respondi que recomendaria que votassem "não", não a fim de enfrentá-los, mas para que pudéssemos negociar a partir de uma posição mais firme. Eu pedi que eles me ajudassem a completar o procedimento de maneira bem-sucedida e tranquila, que me ajudassem a fazer com que o Eurogrupo, que se reuniria dentro de 48 horas, concordasse com uma extensão de uma semana no programa, para que o referendo ocorresse em condições de segurança e não de asfixia, com os bancos fechados.

Naquele momento, ambos me garantiram que fariam tudo o que fosse possível para tanto. Merkel me disse que ela faria uma declaração pública sobre o referendo, tratando-o como sendo uma decisão sobre a permanência ou não da Grécia na zona do euro. Eu disse a ela que eu discordava completamente disso, já que a questão não era escolher entre o euro ou o dracma, mas que ela tinha a liberdade de dizer o que quisesse. Foi aí que as conversas pararam.

A promessa não foi mantida. Quarenta e oito horas mais tarde, o Eurogrupo tomou uma decisão bem diferente. A decisão foi tomada no mesmo momento em que o Parlamento Grego estava votando a aprovação do referendo.

Em 24 horas, a deliberação do Eurogrupo levou à decisão do Banco Central Europeu de não aumentar o teto do ELA [o mecanismo de assistência emergencial à liquidez, do qual os bancos gregos dependem], o que nos forçou a estabelecer o controle de capitais para evitar o colapso do sistema bancário. A decisão de fechar os bancos foi, eu acredito, uma vingança contra a escolha do governo de consultar sua população.

Você esperava este resultado?

Eu confesso que, até a quarta-feira, antes do referendo, eu tinha a impressão de que os resultados não seriam decisivos. Na quinta-feira eu comecei a perceber que o "Não" venceria, e na sexta-feira eu já estava convicto disto. Nesta vitória, foi mobilizada a promessa feita por mim ao povo grego, de que eu não jogaria com uma catástrofe humanitária. Eu não fiz apostas irresponsáveis no que diz respeito à sobrevivência do país e de suas camadas populares.

Depois disto, vários cenários aterradores foram discutidos em Bruxelas. Eu sabia que durante as 17 horas em que tive de travar esta batalha sozinho, sob condições adversas, se eu fizesse o que realmente queria — levantar, dar um tapa na mesa e ir embora — as filiais estrangeiras de bancos gregos entrariam em colapso naquele mesmo dia.

Dentro de 48 horas, a liquidez que permitia saques diários de 60 euros deixaria de existir e, pior ainda, o Banco Central Europeu decidiria reduzir a garantia dos bancos gregos e exigiria reembolsos, o que levaria ao colapso de todo o sistema bancário. Neste caso, o colapso significaria não apenas uma redução das poupanças, mas seu desaparecimento.

Apesar de tudo isto, eu resisti, tentando reconciliar razão e emoção. Eu sabia que, se me levantasse e fosse embora, provavelmente teria de retornar em condições ainda mais desvantajosas. Eu estava enfrentando um dilema. A opinião pública no mundo todo proclamava #IstoÉumGolpe, de modo que esta se tornou a principal hashtag do Twitter no mundo todo, naquela mesma noite.

De um lado, havia lógica; do outro lado, a sensibilidade política. Refletindo sobre isso, eu continuo convicto de que a decisão certa era a de optar pela proteção das classes populares. Do contrário, represálias severas poderiam destruir o país. Eu fiz uma escolha responsável.

Você não acredita neste acordo, mas ainda assim pede que os deputados votem a favor dele. O que você tem em mente?

Eu acredito, e disse isso ao parlamento, que o que nossos parceiros e credores europeus conseguiram foi uma vitória pírrica, obtida a alto preço, mas que isto representa, ao mesmo tempo, uma grande vitória moral para a Grécia e seu governo esquerdista. É uma concessão dolorosa, tanto no âmbito econômico quanto político. Mas sabemos que as concessões são um elemento da realidade política e também um elemento das táticas revolucionárias.

Lênin foi o primeiro a falar deste tipo de concessão em seu ensaio “Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo”, em que dedica várias páginas à explicação de que as concessões são parte das táticas revolucionárias. Em certa passagem, ele dá o exemplo de um bandido que aponta sua pistola para você e diz: "Seu dinheiro ou sua vida". O que o revolucionário deve fazer? Dar a vida? Não, ele deve dar o dinheiro, para que possa exigir seu direito de viver e continuar lutando.

Nós estivemos lidando com um dilema coercivo. Hoje, os partidos de oposição e a grande mídia estão fazendo um tremendo barulho, chegando a exigir um processo penal contra Yanis Varoufakis. Estamos cientes de que arriscamos nossas cabeças ao travar uma batalha no âmbito político. Mas temos grande maioria do povo grego do nosso lado. É isso o que nos dá força.

Colaborador

Alexis Tsipras é o primeiro-ministro da Grécia.

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