Noam Chomsky
The Nation
Uma bandeira israelense é vista em frente ao assentamento judaico de Maaleh Adumim, na Cisjordânia, nos arredores de Jerusalém. Créditos: Bernat Armangu / AP. |
Tradução / O sofrimento ocasionado pelas ações de Israel nos Territórios Ocupados causou séria preocupação, pelo menos entre alguns israelenses. Um dos mais francos tem sido, durante muitos anos, Gideon Levy, colunista do Haaretz, que escreve que “seria preciso condenar e castigar Israel por tornar a vida insuportável na ocupação, [e] pelo fato de que um país que afirma figurar entre as nações mais ilustradas continua abusando de todo um povo, noite e dia”.
Sem dúvida, ele tem razão, e teria de acrescentar ainda: seria preciso também condenar e castigar os Estados Unidos por proporcionar decisivo apoio militar, econômico, diplomático e ideológico a esses crimes. À medida que continua fazendo isso, há poucas razões para esperar que Israel suavize suas brutais medidas políticas.
Um distinto especialista acadêmico israelense, Zeev Sternhell, escreve, ao analisar a maré nacionalista reacionária de seu país, que “a ocupação continuará, a terra será confiscada de seus proprietários para ampliar os assentamentos, o Vale do Jordão será limpo dos árabes, a Jerusalém árabe acabará estrangulada pelos bairros judeus, e qualquer ato de roubo e insensatez que for útil para a expansão judia na cidade será bem recebido pela Corte Suprema de Justiça. Está aberto o caminho para a África do Sul e ele não será bloqueado até que o mundo ocidental apresente a Israel uma escolha inequívoca: ou põe fim à anexação e acaba com os assentamentos e o estado dos colonos ou o país se converterá em um pária”.
Uma questão crucial está em saber se os Estados Unidos deixarão de socavar o consenso internacional, que está a favor de um acordo entre os dois estados, seguindo a fronteira internacionalmente reconhecida (a Linha Verde, estabelecida nos acordos de cessar fogo de 1949), dando garantias da “soberania, integridade territorial e independência política de todos os estados da zona e a seu direito de viver em paz dentro das fronteiras seguras e reconhecidas”. Assim está redigida a resolução submetida ao Conselho de Segurança das Nações Unidas em janeiro de 1976 por Egito, Síria e Jordânia, apoiada pelos estados árabes... e vetada pelos EUA.
Esta não foi a primeira vez que Washington bloqueou um acordo diplomático pacífico. O mérito é de Henry Kissinger, que apoiou a decisão de Israel de 1971 de rechaçar o acordo oferecido pelo presidente egípcio Anuar El Sadat, optando assim pela expansão em detrimento da segurança, caminho que, desde então, foi seguido por Israel com apoio norte-americano. Em várias ocasiões, a postura de Washington se torna quase cômica, como em fevereiro de 2011, quando a administração Obama vetou uma resolução das Nações Unidas que apoiava a política oficial norte-americana: oposição à expansão dos assentamentos de Israel -- o que, em que pesem alguns murmúrios de desaprovação, ainda continua (também com apoio norte-americano).
A questão não é a expansão do grande programa de assentamentos e infraestrutura (que inclui o muro de separação), mas sim a sua própria existência: tudo isso é ilegal, tal como determinou o Conselho de Segurança das Nações Unidas e o Tribunal Penal Internacional. E é como é reconhecido praticamente pelo mundo inteiro, com exceção de Israel e dos Estados Unidos, desde a presidência de Ronald Reagan, que rebaixou o “ilegal” de categoria para convertê-lo em “obstáculo da paz”.
Uma forma de castigar Israel por seus crimes atrozes foi aquela iniciada pelo grupo israelense pela paz Gush Shalom, em 1997: o boicote dos produtos dos assentamentos. Essas iniciativas se excederam consideravelmente desde então. Em junho, a Igreja Presbiteriana decidiu se desvincular de três multinacionais com sede nos EUA implicadas na ocupação. O êxito de maior alcance é a diretiva da polícia da União Europeia que proíbe financiar, cooperar, premiar pesquisas ou qualquer relação similar com qualquer entidade israelense que mantenha “laços diretos ou indiretos” com territórios ocupados, onde todos os assentamentos são ilegais, conforme reitera a declaração da EU. A Grã Bretanha já havia dado instruções pormenorizadas ao comércio para “distinguir entre bens que procedem de produtores palestinos e bens que têm sua origem em assentamentos ilegais israelenses”.
Há quatro anos, a Human Rights Watch pediu a Israel que ajustasse “suas obrigações legais internacionais” de eliminar os assentamentos e por fim a suas “práticas abertamente discriminatórias” nos territórios ocupados. A HRW também pediu aos EUA para que suspendessem o financiamento de Israel “em uma medida equivalente aos custos do gasto de Israel em apoio aos assentamentos”, e verificassem que as isenções fiscais das contribuições a Israel “sejam congruentes com as obrigações norte-americanas de garantir o respeito ao Direito Internacional, incluindo a proibição de discriminar”.
Houve muitas outras grandes iniciativas de boicote e corte de investimento nas últimas décadas, ocasionalmente – mas não o bastante – tratando do assunto crucial do apoio norte-americano aos crimes israelenses. No entanto, formou-se um movimento pelo BDS (que apela ao “Boicote, Desinvestimento e Sanções”) que cita frequentemente o modelo da África do Sul. Para sermos mais precisos, a abreviatura deveria ser “BD”, dado que as sanções, ou as sanções por parte dos estados, ainda não despontaram no horizonte, o que é uma das muitas diferenças significativas com a África do Sul.
O chamamento inicial do movimento do BDS por parte de um grupo de intelectuais palestinos em 2005 exigia que Israel cumprisse com os requisitos do Direito internacional “(1) Pondo fim à sua ocupação e colonização de todas as terras árabes ocupadas em junho de 1967 e desmantelando o Muro; (2) Reconhecendo os direitos fundamentais dos cidadãos árabe-palestinos de Israel em sua plena igualdade; e (3) Respeitando, protegendo e promovendo os direitos dos refugiados a voltar a seus lugares e propriedades, tal como estipula a Resolução 194 das Nações Unidas”.
Essa chamada recebeu, e bem merecidamente, considerável atenção. Mas se o que nos preocupa é o destino das vítimas, o BD e outras táticas meditam e tratam cuidadosamente em termos de suas prováveis conseqüências. A busca do objetivo (1) da lista anterior tem sentido: tem um objetivo claro e facilmente compreendido pelo público do Ocidente, razão pela qual as muitas iniciativas guiadas por (1) tiveram bastante êxito – não só para “castigar” Israel, mas também para estimular outras formas de oposição à ocupação e ao apoio norte-americano à mesma.
No entanto, este não é o caso do (3). Se existe um apoio quase universal ao (1), praticamente não há apoio significativo ao (3) para além do mesmo movimento do BDS. Tampouco o (3) é ditado pelo Direito internacional. O texto da Resolução 194 da Assembleia Geral das Nações Unidas é condicional e, em qualquer caso, trata-se de uma recomendação, sem a força legal das resoluções do Conselho de Segurança, que são violadas regularmente por Israel. A insistência no (3) é uma garantia virtual de fracasso.
A única esperança tênue para conseguir o (3) para além de uma cifra simbólica é que as mudanças a longo prazo conduzam a uma erosão das fronteiras imperiais impostas por França e Grã Bretanha após a I Guerra Mundial, o que, assim como acontece em fronteiras semelhantes, carece de legitimidade. Isso poderia levar a uma “solução sem Estado” – em minha opinião, a melhor e, no mundo real, não menos plausível do que a “solução de um só Estado”, que é discutida normalmente, mas de forma errada como alternativa ao consenso internacional.
A defesa do (2) é mais ambígua. Existe a “proibição da discriminação” no Direito internacional, como observa a HRW. Mas perseguir o (2) abre em seguida a porta à reação convencional de “não atirar pedras sobre o próprio telhado”: por exemplo, se boicotarmos a Universidade de Tel Aviv porque Israel viola os direitos humanos em seu país, então por que não boicotar Harvard por conta de violações muito maiores perpetradas pelos EUA? Como é previsível, as iniciativas que se centram no (2) pressupõem um fracasso quase uniforme, e continuarão sendo assim até que os esforços educativos cheguem a um ponto tal, que deixem pronto o terreno para que a opinião pública o entenda, assim como ocorreu no caso da África do Sul.
As iniciativas falidas prejudicam as vítimas de duas formas: distraem a atenção sobre suas questões, levando-a a questões irrelevantes (o antissemitismo em Harvard, a liberdade acadêmica etc.) e desperdiçando as oportunidades atuais de fazer algo significativo.
A preocupação pelas vítimas recomenda que, ao valorizar as táticas, deveríamos ser escrupulosos na hora de reconhecer o que fracassou e por quê. E esse não foi sempre o caso (Michael Neumann discute um dos muitos exemplos desse fracasso no número de inverno de 2014 do Journal of Palestine Studies). A mesma preocupação é a que recomenda que devamos ser escrupulosos quanto aos fatos.
Tomemos o exemplo da África do Sul, constantemente citada neste contexto. Trata-se de algo muito duvidoso. Há uma razão pela qual foram utilizadas táticas de BDS contra a África do Sul, ao passo que a atual campanha contra Israel fica restrita a BD: no primeiro caso, o ativismo havia criado uma oposição internacional tão opressora ao apartheid, que os estados e as Nações Unidas impuseram sanções desde decênios antes dos anos 80, quando começaram a utilizar amplamente táticas de BD nos EUA. Naquele momento, o Congresso já estava legislando sanções e se omitindo quanto aos vetos de Reagan neste o assunto.
Anos antes – até 1960 –, investidores globais haviam abandonado a África do Sul a tal ponto, que suas reservas minguaram para a metade: embora se tenha alcançado certa recuperação, os sinais já estavam claros. Em contrapartida, o investimento norte-americano segue fluindo em direção a Israel. Quando Warren Buffett adquiriu uma empresa de fabricação de ferramentas por 2 bilhões de dólares, descreveu Israel como o país mais promissor para os investimentos, com exceção dos mesmos Estados Unidos.
Se existe, por fim, uma oposição crescente dentro dos EUA aos crimes israelenses, não se pode comparar, nem remotamente, com o caso sul-africano. Não se fez o trabalho educativo necessário. Os porta-vozes do movimento BDS podem acreditar que chegaram ao seu “momento sul-africano”, mas isso está longe de ser verdade. E se queremos que a tática seja eficaz, ela deve se basear em uma avaliação realista das circunstâncias atuais.
Boa parte disso resulta da invocação do apartheid. No seio de Israel, a discriminação contra os não judeus é severa; as leis sobre a terra são apenas o exemplo mais extremo. Mas não se trata de um apartheid ao estilo sul-africano. Nos territórios ocupados, a situação é muito pior do que era na África do Sul, onde os nacionalistas brancos precisavam da população negra: eram mão de obra do país e, por mais grotescos que os bantustões fossem, o governo nacionalista dedicava recursos para mantê-los e buscar reconhecimento internacional para eles. Em um contraste total, Israel quer se desfazer do fardo palestino. O caminho a seguir não leva à África do Sul, como comumente se afirma, mas sim a algo muito pior.
O lugar para onde esse caminho leva aparece aos poucos diante de nossos olhos. Como nos observou Sternhell, Israel continuará com suas políticas atuais. Manterá um impiedoso assédio a Gaza, separando-a da Cisjordânia, tal como fizeram os EUA e Israel desde que adotaram os Acordos de Oslo em 1993. Embora Oslo tenha declarado que a Palestina era “uma única entidade territorial”, no jargão oficial israelense, Cisjordânia e Gaza se converteram em “duas zonas separadas e diferentes”. Como de costume, há pretextos de segurança, que rapidamente caem por terra quando analisados.
Na Cisjordânia, Israel continuará ficando com aquilo que considerar valioso – água, terra, recursos –, dispersando a limitada população palestina, enquanto integra essas aquisições na Grande Israel. Nisso se inclui a “Jerusalém” enormemente estendida, que Israel anexou violando os ditames do Conselho de Segurança – tudo o que há no lado israelense do muro ilegal de separação; os corredores a leste que criam cantões palestinos inviáveis; o Vale do Jordão, onde de modo sistemático se expulsam os palestinos e se estabelecem assentamentos; e os enormes projetos de infraestrutura que ligam todas essas aquisições a Israel propriamente dito.
O caminho a seguir não leva à África do Sul, mas a um aumento da proporção de judeus na Grande Israel que se está erigindo. Esta é a alternativa realista a um acordo sobre os estados. Não há razão para esperar que Israel aceite um Estado palestino que não quer.
John Kerry foi amargamente infeliz quanto repetiu a lamentação – muito corrente em Israel – de que, a menos que os israelenses aceitem algum tipo de solução de dois estados, este país se converterá em um estado de apartheid, que governará um território com uma maioria palestina oprimida e enfrentando o pavoroso “problema demográfico”: muitos não-judeus em um Estado judeu. A crítica adequada é que essa crença comum é uma miragem. Enquanto os EUA continuam apoiando as políticas expansionistas de Israel, não há razão para esperar que estas sejam interrompidas. É preciso idealizar táticas que estejam em consonância com isso.
No entanto, há uma comparação com a África do Sul que é realista... e significativa. Em 1958, o ministro de Relações Exteriores sul-africano informou o embaixador norte-americano de que não importava muito o fato de a África do Sul se converter em um estado pária. As Nações Unidas podem condenar asperamente a África do Sul, ele declarou, mas, tal como disse o embaixador, “o que importava mais do que todos os demais votos juntos era o dos EUA, por conta de sua posição dominante de liderança no mundo ocidental”. Durante quarenta anos, desde que optou pela expansão em detrimento da segurança, Israel fez, em essência, a mesma estimativa.
Para a África do Sul, o cálculo resultou em bastante êxito durante um logo tempo. Em 1970, emitindo seu primeiro veto de uma resolução do Conselho de Segurança, os EUA se somaram à Grã Bretanha para bloquear as ações contra o regime racista da Rodésia do Sul, um fato que se repetiu em 1973. Finalmente, Washington se converteu em campeão do veto por ampla margem nas Nações Unidas, primordialmente me defesa dos crimes israelenses. Mas, já na década dos anos 1980, a estratégia da África do Sul foi perdendo eficácia. Em 1987, até Israel – talvez o único país que então violava o embargo de armas contra a África do Sul – concordou em “reduzir seus laços para evitar por em risco as relações com o Congresso dos Estados Unidos”, segundo informou o diretor geral do ministério de Relações Exteriores israelense. A preocupação estava no fato de o Congresso poder punir Israel por sua violação da recente legislação norte-americana. Em privado, os funcionários israelenses asseguravam a seus amigos sul-africanos que as novas sanções seriam “pura fachada”. Poucos anos mais tarde, os últimos apoiadores da África do Sul se somaram ao consenso mundial e o regime do apartheid caiu por terra.
Na África do Sul, chegou-se a um compromisso que acabou sendo satisfatório para as elites do país e para os interesses dos negócios norte-americanos: colocou-se fim ao apartheid, mas continuou o regime socioeconômico. De fato, viam-se algumas caras negras em limusine, mas os privilégios e os benefícios não se veriam muito afetados. Na Palestina, não há um compromisso similar à vista.
Outro fator decisivo na África do Sul foi Cuba. Tal como Piero Gleijeses demonstrou em seu magistral trabalho de pesquisa, o internacionalismo cubano, que não tem hoje qualquer parâmetro de comparação, desempenhou um destacado papel na conclusão do apartheid e na libertação da África negra em geral. Há uma razão suficiente para que Nelson Mandela visitasse Havana pouco depois de sua saída da prisão e declarasse: “Que outro país pode ter um histórico de maior abnegação senão Cuba em suas relações com a África?”
Ele tinha muita razão. As forças cubanas expulsaram os agressores sul-africanos de Angola; foram um fator-chave para liberar a Namíbia de suas garras brutais e deixaram muito claro ao regime do apartheid que seu sonho de impor seu domínio sobre a África do Sul e sobre a região estava se convertendo em um pesadelo. Nas palavras de Mandela, as forças cubanas “destruíram o mito da invencibilidade do opressor branco”, que, segundo ele disse, “construiu o momento de inflexão para a libertação do nosso continente – e do meu povo – do açoite do apartheid”.
O “poder brando” cubano não foi menos eficaz, aí incluídos os 70 mil colaboradores altamente capacitados e as bolsas a milhares de africanos para estudar em Cuba. Um contraste radical com Washington, que não só foi o último em continuar protegendo a África do Sul, mas depois continuou apoiando as forças terroristas assassinas de Jonas Savimbi, “um monstro cujo apetite de poder ocasionou sofrimentos horripilantes a seu povo”, nas palavras de Marrack Goulding, embaixador britânico em Angola, um ditame relegado pela CIA.
Os palestinos não podem esperar um salvador semelhante. Razão a mais para que quem estiver sinceramente dedicado à causa palestina evite fábulas e miragens e pense com cuidado na tática que vão escolher e o caminho que vão seguir.
Sem dúvida, ele tem razão, e teria de acrescentar ainda: seria preciso também condenar e castigar os Estados Unidos por proporcionar decisivo apoio militar, econômico, diplomático e ideológico a esses crimes. À medida que continua fazendo isso, há poucas razões para esperar que Israel suavize suas brutais medidas políticas.
Um distinto especialista acadêmico israelense, Zeev Sternhell, escreve, ao analisar a maré nacionalista reacionária de seu país, que “a ocupação continuará, a terra será confiscada de seus proprietários para ampliar os assentamentos, o Vale do Jordão será limpo dos árabes, a Jerusalém árabe acabará estrangulada pelos bairros judeus, e qualquer ato de roubo e insensatez que for útil para a expansão judia na cidade será bem recebido pela Corte Suprema de Justiça. Está aberto o caminho para a África do Sul e ele não será bloqueado até que o mundo ocidental apresente a Israel uma escolha inequívoca: ou põe fim à anexação e acaba com os assentamentos e o estado dos colonos ou o país se converterá em um pária”.
Uma questão crucial está em saber se os Estados Unidos deixarão de socavar o consenso internacional, que está a favor de um acordo entre os dois estados, seguindo a fronteira internacionalmente reconhecida (a Linha Verde, estabelecida nos acordos de cessar fogo de 1949), dando garantias da “soberania, integridade territorial e independência política de todos os estados da zona e a seu direito de viver em paz dentro das fronteiras seguras e reconhecidas”. Assim está redigida a resolução submetida ao Conselho de Segurança das Nações Unidas em janeiro de 1976 por Egito, Síria e Jordânia, apoiada pelos estados árabes... e vetada pelos EUA.
Esta não foi a primeira vez que Washington bloqueou um acordo diplomático pacífico. O mérito é de Henry Kissinger, que apoiou a decisão de Israel de 1971 de rechaçar o acordo oferecido pelo presidente egípcio Anuar El Sadat, optando assim pela expansão em detrimento da segurança, caminho que, desde então, foi seguido por Israel com apoio norte-americano. Em várias ocasiões, a postura de Washington se torna quase cômica, como em fevereiro de 2011, quando a administração Obama vetou uma resolução das Nações Unidas que apoiava a política oficial norte-americana: oposição à expansão dos assentamentos de Israel -- o que, em que pesem alguns murmúrios de desaprovação, ainda continua (também com apoio norte-americano).
A questão não é a expansão do grande programa de assentamentos e infraestrutura (que inclui o muro de separação), mas sim a sua própria existência: tudo isso é ilegal, tal como determinou o Conselho de Segurança das Nações Unidas e o Tribunal Penal Internacional. E é como é reconhecido praticamente pelo mundo inteiro, com exceção de Israel e dos Estados Unidos, desde a presidência de Ronald Reagan, que rebaixou o “ilegal” de categoria para convertê-lo em “obstáculo da paz”.
Uma forma de castigar Israel por seus crimes atrozes foi aquela iniciada pelo grupo israelense pela paz Gush Shalom, em 1997: o boicote dos produtos dos assentamentos. Essas iniciativas se excederam consideravelmente desde então. Em junho, a Igreja Presbiteriana decidiu se desvincular de três multinacionais com sede nos EUA implicadas na ocupação. O êxito de maior alcance é a diretiva da polícia da União Europeia que proíbe financiar, cooperar, premiar pesquisas ou qualquer relação similar com qualquer entidade israelense que mantenha “laços diretos ou indiretos” com territórios ocupados, onde todos os assentamentos são ilegais, conforme reitera a declaração da EU. A Grã Bretanha já havia dado instruções pormenorizadas ao comércio para “distinguir entre bens que procedem de produtores palestinos e bens que têm sua origem em assentamentos ilegais israelenses”.
Há quatro anos, a Human Rights Watch pediu a Israel que ajustasse “suas obrigações legais internacionais” de eliminar os assentamentos e por fim a suas “práticas abertamente discriminatórias” nos territórios ocupados. A HRW também pediu aos EUA para que suspendessem o financiamento de Israel “em uma medida equivalente aos custos do gasto de Israel em apoio aos assentamentos”, e verificassem que as isenções fiscais das contribuições a Israel “sejam congruentes com as obrigações norte-americanas de garantir o respeito ao Direito Internacional, incluindo a proibição de discriminar”.
Houve muitas outras grandes iniciativas de boicote e corte de investimento nas últimas décadas, ocasionalmente – mas não o bastante – tratando do assunto crucial do apoio norte-americano aos crimes israelenses. No entanto, formou-se um movimento pelo BDS (que apela ao “Boicote, Desinvestimento e Sanções”) que cita frequentemente o modelo da África do Sul. Para sermos mais precisos, a abreviatura deveria ser “BD”, dado que as sanções, ou as sanções por parte dos estados, ainda não despontaram no horizonte, o que é uma das muitas diferenças significativas com a África do Sul.
O chamamento inicial do movimento do BDS por parte de um grupo de intelectuais palestinos em 2005 exigia que Israel cumprisse com os requisitos do Direito internacional “(1) Pondo fim à sua ocupação e colonização de todas as terras árabes ocupadas em junho de 1967 e desmantelando o Muro; (2) Reconhecendo os direitos fundamentais dos cidadãos árabe-palestinos de Israel em sua plena igualdade; e (3) Respeitando, protegendo e promovendo os direitos dos refugiados a voltar a seus lugares e propriedades, tal como estipula a Resolução 194 das Nações Unidas”.
Essa chamada recebeu, e bem merecidamente, considerável atenção. Mas se o que nos preocupa é o destino das vítimas, o BD e outras táticas meditam e tratam cuidadosamente em termos de suas prováveis conseqüências. A busca do objetivo (1) da lista anterior tem sentido: tem um objetivo claro e facilmente compreendido pelo público do Ocidente, razão pela qual as muitas iniciativas guiadas por (1) tiveram bastante êxito – não só para “castigar” Israel, mas também para estimular outras formas de oposição à ocupação e ao apoio norte-americano à mesma.
No entanto, este não é o caso do (3). Se existe um apoio quase universal ao (1), praticamente não há apoio significativo ao (3) para além do mesmo movimento do BDS. Tampouco o (3) é ditado pelo Direito internacional. O texto da Resolução 194 da Assembleia Geral das Nações Unidas é condicional e, em qualquer caso, trata-se de uma recomendação, sem a força legal das resoluções do Conselho de Segurança, que são violadas regularmente por Israel. A insistência no (3) é uma garantia virtual de fracasso.
A única esperança tênue para conseguir o (3) para além de uma cifra simbólica é que as mudanças a longo prazo conduzam a uma erosão das fronteiras imperiais impostas por França e Grã Bretanha após a I Guerra Mundial, o que, assim como acontece em fronteiras semelhantes, carece de legitimidade. Isso poderia levar a uma “solução sem Estado” – em minha opinião, a melhor e, no mundo real, não menos plausível do que a “solução de um só Estado”, que é discutida normalmente, mas de forma errada como alternativa ao consenso internacional.
A defesa do (2) é mais ambígua. Existe a “proibição da discriminação” no Direito internacional, como observa a HRW. Mas perseguir o (2) abre em seguida a porta à reação convencional de “não atirar pedras sobre o próprio telhado”: por exemplo, se boicotarmos a Universidade de Tel Aviv porque Israel viola os direitos humanos em seu país, então por que não boicotar Harvard por conta de violações muito maiores perpetradas pelos EUA? Como é previsível, as iniciativas que se centram no (2) pressupõem um fracasso quase uniforme, e continuarão sendo assim até que os esforços educativos cheguem a um ponto tal, que deixem pronto o terreno para que a opinião pública o entenda, assim como ocorreu no caso da África do Sul.
As iniciativas falidas prejudicam as vítimas de duas formas: distraem a atenção sobre suas questões, levando-a a questões irrelevantes (o antissemitismo em Harvard, a liberdade acadêmica etc.) e desperdiçando as oportunidades atuais de fazer algo significativo.
A preocupação pelas vítimas recomenda que, ao valorizar as táticas, deveríamos ser escrupulosos na hora de reconhecer o que fracassou e por quê. E esse não foi sempre o caso (Michael Neumann discute um dos muitos exemplos desse fracasso no número de inverno de 2014 do Journal of Palestine Studies). A mesma preocupação é a que recomenda que devamos ser escrupulosos quanto aos fatos.
Tomemos o exemplo da África do Sul, constantemente citada neste contexto. Trata-se de algo muito duvidoso. Há uma razão pela qual foram utilizadas táticas de BDS contra a África do Sul, ao passo que a atual campanha contra Israel fica restrita a BD: no primeiro caso, o ativismo havia criado uma oposição internacional tão opressora ao apartheid, que os estados e as Nações Unidas impuseram sanções desde decênios antes dos anos 80, quando começaram a utilizar amplamente táticas de BD nos EUA. Naquele momento, o Congresso já estava legislando sanções e se omitindo quanto aos vetos de Reagan neste o assunto.
Anos antes – até 1960 –, investidores globais haviam abandonado a África do Sul a tal ponto, que suas reservas minguaram para a metade: embora se tenha alcançado certa recuperação, os sinais já estavam claros. Em contrapartida, o investimento norte-americano segue fluindo em direção a Israel. Quando Warren Buffett adquiriu uma empresa de fabricação de ferramentas por 2 bilhões de dólares, descreveu Israel como o país mais promissor para os investimentos, com exceção dos mesmos Estados Unidos.
Se existe, por fim, uma oposição crescente dentro dos EUA aos crimes israelenses, não se pode comparar, nem remotamente, com o caso sul-africano. Não se fez o trabalho educativo necessário. Os porta-vozes do movimento BDS podem acreditar que chegaram ao seu “momento sul-africano”, mas isso está longe de ser verdade. E se queremos que a tática seja eficaz, ela deve se basear em uma avaliação realista das circunstâncias atuais.
Boa parte disso resulta da invocação do apartheid. No seio de Israel, a discriminação contra os não judeus é severa; as leis sobre a terra são apenas o exemplo mais extremo. Mas não se trata de um apartheid ao estilo sul-africano. Nos territórios ocupados, a situação é muito pior do que era na África do Sul, onde os nacionalistas brancos precisavam da população negra: eram mão de obra do país e, por mais grotescos que os bantustões fossem, o governo nacionalista dedicava recursos para mantê-los e buscar reconhecimento internacional para eles. Em um contraste total, Israel quer se desfazer do fardo palestino. O caminho a seguir não leva à África do Sul, como comumente se afirma, mas sim a algo muito pior.
O lugar para onde esse caminho leva aparece aos poucos diante de nossos olhos. Como nos observou Sternhell, Israel continuará com suas políticas atuais. Manterá um impiedoso assédio a Gaza, separando-a da Cisjordânia, tal como fizeram os EUA e Israel desde que adotaram os Acordos de Oslo em 1993. Embora Oslo tenha declarado que a Palestina era “uma única entidade territorial”, no jargão oficial israelense, Cisjordânia e Gaza se converteram em “duas zonas separadas e diferentes”. Como de costume, há pretextos de segurança, que rapidamente caem por terra quando analisados.
Na Cisjordânia, Israel continuará ficando com aquilo que considerar valioso – água, terra, recursos –, dispersando a limitada população palestina, enquanto integra essas aquisições na Grande Israel. Nisso se inclui a “Jerusalém” enormemente estendida, que Israel anexou violando os ditames do Conselho de Segurança – tudo o que há no lado israelense do muro ilegal de separação; os corredores a leste que criam cantões palestinos inviáveis; o Vale do Jordão, onde de modo sistemático se expulsam os palestinos e se estabelecem assentamentos; e os enormes projetos de infraestrutura que ligam todas essas aquisições a Israel propriamente dito.
O caminho a seguir não leva à África do Sul, mas a um aumento da proporção de judeus na Grande Israel que se está erigindo. Esta é a alternativa realista a um acordo sobre os estados. Não há razão para esperar que Israel aceite um Estado palestino que não quer.
John Kerry foi amargamente infeliz quanto repetiu a lamentação – muito corrente em Israel – de que, a menos que os israelenses aceitem algum tipo de solução de dois estados, este país se converterá em um estado de apartheid, que governará um território com uma maioria palestina oprimida e enfrentando o pavoroso “problema demográfico”: muitos não-judeus em um Estado judeu. A crítica adequada é que essa crença comum é uma miragem. Enquanto os EUA continuam apoiando as políticas expansionistas de Israel, não há razão para esperar que estas sejam interrompidas. É preciso idealizar táticas que estejam em consonância com isso.
No entanto, há uma comparação com a África do Sul que é realista... e significativa. Em 1958, o ministro de Relações Exteriores sul-africano informou o embaixador norte-americano de que não importava muito o fato de a África do Sul se converter em um estado pária. As Nações Unidas podem condenar asperamente a África do Sul, ele declarou, mas, tal como disse o embaixador, “o que importava mais do que todos os demais votos juntos era o dos EUA, por conta de sua posição dominante de liderança no mundo ocidental”. Durante quarenta anos, desde que optou pela expansão em detrimento da segurança, Israel fez, em essência, a mesma estimativa.
Para a África do Sul, o cálculo resultou em bastante êxito durante um logo tempo. Em 1970, emitindo seu primeiro veto de uma resolução do Conselho de Segurança, os EUA se somaram à Grã Bretanha para bloquear as ações contra o regime racista da Rodésia do Sul, um fato que se repetiu em 1973. Finalmente, Washington se converteu em campeão do veto por ampla margem nas Nações Unidas, primordialmente me defesa dos crimes israelenses. Mas, já na década dos anos 1980, a estratégia da África do Sul foi perdendo eficácia. Em 1987, até Israel – talvez o único país que então violava o embargo de armas contra a África do Sul – concordou em “reduzir seus laços para evitar por em risco as relações com o Congresso dos Estados Unidos”, segundo informou o diretor geral do ministério de Relações Exteriores israelense. A preocupação estava no fato de o Congresso poder punir Israel por sua violação da recente legislação norte-americana. Em privado, os funcionários israelenses asseguravam a seus amigos sul-africanos que as novas sanções seriam “pura fachada”. Poucos anos mais tarde, os últimos apoiadores da África do Sul se somaram ao consenso mundial e o regime do apartheid caiu por terra.
Na África do Sul, chegou-se a um compromisso que acabou sendo satisfatório para as elites do país e para os interesses dos negócios norte-americanos: colocou-se fim ao apartheid, mas continuou o regime socioeconômico. De fato, viam-se algumas caras negras em limusine, mas os privilégios e os benefícios não se veriam muito afetados. Na Palestina, não há um compromisso similar à vista.
Outro fator decisivo na África do Sul foi Cuba. Tal como Piero Gleijeses demonstrou em seu magistral trabalho de pesquisa, o internacionalismo cubano, que não tem hoje qualquer parâmetro de comparação, desempenhou um destacado papel na conclusão do apartheid e na libertação da África negra em geral. Há uma razão suficiente para que Nelson Mandela visitasse Havana pouco depois de sua saída da prisão e declarasse: “Que outro país pode ter um histórico de maior abnegação senão Cuba em suas relações com a África?”
Ele tinha muita razão. As forças cubanas expulsaram os agressores sul-africanos de Angola; foram um fator-chave para liberar a Namíbia de suas garras brutais e deixaram muito claro ao regime do apartheid que seu sonho de impor seu domínio sobre a África do Sul e sobre a região estava se convertendo em um pesadelo. Nas palavras de Mandela, as forças cubanas “destruíram o mito da invencibilidade do opressor branco”, que, segundo ele disse, “construiu o momento de inflexão para a libertação do nosso continente – e do meu povo – do açoite do apartheid”.
O “poder brando” cubano não foi menos eficaz, aí incluídos os 70 mil colaboradores altamente capacitados e as bolsas a milhares de africanos para estudar em Cuba. Um contraste radical com Washington, que não só foi o último em continuar protegendo a África do Sul, mas depois continuou apoiando as forças terroristas assassinas de Jonas Savimbi, “um monstro cujo apetite de poder ocasionou sofrimentos horripilantes a seu povo”, nas palavras de Marrack Goulding, embaixador britânico em Angola, um ditame relegado pela CIA.
Os palestinos não podem esperar um salvador semelhante. Razão a mais para que quem estiver sinceramente dedicado à causa palestina evite fábulas e miragens e pense com cuidado na tática que vão escolher e o caminho que vão seguir.
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