Bryan D. Palmer
Jacobin
National Archives and Records Administration / Wikimedia Commons |
Tradução / Não é segredo que o trabalhador estadunidense está em apuros. Os empregos são cada vez mais precarizados e os salários reais experimentam uma tendência de queda há décadas. Os sindicatos, outrora fortes e agressivos, hoje frequentemente parecem bater em retirada, forçados a um conservadorismo defensivo. Apenas um em cada dez assalariados paga contribuições sindicais, 21% dos 14,5 milhões de sindicalizados nos Estados Unidos vive em dois estados, Nova York e Califórnia.
Em muitas outras regiões do país, sindicalismo é um palavrão. O espírito e a solidariedade do movimento operário são pilheriados como exóticos em relação aos princípios de uma sociedade (em que o mercado é) livre.
Certamente, existem sinais de que muitos trabalhadores querem reconstruir um sindicalismo militante. Mas, como isso pode ser feito? Se nós queremos reconstruir o movimento operário, primeiro é importante avaliar o que os trabalhadores alcançaram no passado, e examinar como eles conseguiram vencer lutas em condições que eram possivelmente muito piores do que aquelas confrontando os trabalhadores hoje. Se queremos ressuscitar os politicamente inconscientes, a injunção de Fredric Jameson “Historicize sempre!” é um bom ponto de partida.
O ano de 2014 marcou o octogésimo aniversário de um dos mais importantes embates de classes na história do movimento operário dos Estados Unidos. Ao longo de sete meses de 1934, os caminhoneiros de Minneapolis travaram três greves. Essas históricas batalhas prepararam o palco para um novo tipo de sindicalismo na continuidade dos anos 1930. E, décadas depois, elas ainda são relevantes para um movimento operário fragilizado.
Constituindo uma cidade sindicalista contra as probabilidades
Nos anos 1920, Minneapolis era dominada por empregadores reacionários e avessos aos trabalhadores. Eles estavam organizados em uma poderosa entidade conhecida como a Citizens’ Alliance [Aliança dos Cidadãos], fundada nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial. A Alliance elaborava listas negras de organizadores sindicais; vigiava de perto os radicais; e contratava espiões, seguranças privados e alcaguetes. As greves eram esmagadas. Minneapolis era conhecida como um refúgio para os pelegos.
Os radicais compreendiam a dimensão da sua derrota. Em uma manifestação no 1º de maio de 1920 em Minneapolis, eles amarraram um cartaz em um burro: “Eu e todos os meus parentes trabalhamos em um mercado aberto [open shop]”, dizia o texto.
Ainda assim, ao final do ano de 1934, Minneapolis passar a ser uma cidade sindicalista e a aparentemente toda poderosa Aliança dos Cidadãos fora derrotada.
O General Drivers’ Union (GDU – Sindicato Geral dos Motoristas), Seção Local 574 da International Brotherhood of Teamsters (IBT – Fraternidade Internacional dos Caminhoneiros), foi o improvável motor dessa transformação nas relações de classe. Com menos de 175 membros dirigindo caminhões dispersos em pequenas empresas de caminhões e de táxis de Minneapolis em 1933, o GDU parecia qualquer coisa, menos um veículo de mobilização militante.
Os líderes da Seção Local 574 eram uma burocracia fossilizada, hostil a qualquer tipo de ação militante. O presidente da International Brotherhood, Dan Tobin, de Boston, era um sindicalista negocial do velho estilo da American Federation of Labor (AFL – Federação Americana do Trabalho). Relutante em aprovar greves, ele louvava a respeitabilidade da sua fraternidade de caminhoneiros, “artesãos” que Tobin enxergava como superiores aos imigrantes não-qualificados e aos trabalhadores “de cor” que trabalhavam em empregos não-organizados, mal remunerados e inseguros. Tobin se esforçava ao máximo para afastar a base dos caminhoneiros das correntes radicais que circulavam pelo sindicalismo há décadas.
Uma dessas correntes estava enraizada em Minneapolis. No final dos anos 1920 e início dos 1930, ela parecia enterrada nas profundezas dos depósitos de carvão da cidade. Numericamente poucos, esses militantes eram isolados pela burocracia dos caminhoneiros, mantidos afastados do sindicato, e atacados publicamente como perigosos “vermelhos”. Eles decidiram constituir um comitê organizativo informal, composto por uma dúzia de motoristas e carregadores de carvão majoritariamente não sindicalizados.
A partir desse começo pouco auspicioso, o contingente rebelde organizou e liderou as greves de 1934 que alteraram a correlação de forças classistas em Minneapolis. A associação à Seção Local 574 explodiu, chegando a 7 mil membros, e o sindicato se tornou uma força vibrante. Ele liderou uma marcha organizativa em onze estados, que levou dezenas de milhares de caminhoneiros que trabalhavam por empreitada ao movimento operário, ampliando as bases nacionais da International Brotherhood of Teamsters a 500 mil no início dos anos 1940.
A emersão dos revolucionários
O punhado de radicais que programaram essa nova direção formava um grupo revolucionário. Figuras-chave entre eles haviam sido membros dos Industrial Workers of the World (IWW – Trabalhadores Industriais do Mundo) ou do Socialist Party. Tendo se frustrado em relação a essas organizações, eles ajudaram a fortalecer o Communist Party (CP – Partido Comunista) nos anos 1920. Entretanto, a crescente estalinização da Internacional Comunista, e suas reverberações no partido estadunidense, não foi bem digerida por eles.
Em 1928-1929, os dissidentes de Minneapolis criticaram o alinhamento do Partido Comunista à União Soviética, levando à sua expulsão em massa de um partido em cuja construção eles haviam sido muito ativos. Eles se tornaram parte de um pequeno movimento trotskista cujo centro estava em Nova York, denominado Communist League of America (CLA – Liga Comunista da América); a organização seria renomeada Socialist Workers Party (SWP – Partido Socialista dos Trabalhadores) em 1938.
A CLA de Minneapolis foi liderada por Carl Skoglund, um socialista sueco que imigrara para os Estados Unidos em 1911 após organizar greves e um motim de soldados conscritos, e Vincent Ray Dunne, possivelmente o “vermelho” de Minnesota com maior presença pública ao longo dos anos 1920. A dupla de trotskistas percebeu que organizar a indústria do transporte em Minneapolis era central para ressuscitar a militância trabalhista em meio à calmaria da Grande Depressão.
Eles sabiam que a direção oficial da IBT, implacavelmente conservadora, não seria de nenhuma utilidade. Então, Skoglund, Dunne e outros membros da CLA foram atuar por conta própria. Discutindo o sindicato com seus companheiros de trabalho, esses militantes recrutaram um pequeno número de trabalhadores para seu círculo mais próximo. Eles abriram discussões sobre problemas de longa data com trabalhadores descontentes na base, envolvendo tanto filiados ao sindicato, quanto trabalhadores não-organizados.
Desse pequeno começo, cresceu entre a classe trabalhadora a percepção de que havia um alternativa à burocracia local da IBT. Tudo poderia ter sido perdido, entretanto, se esse comitê organizativo voluntário tivesse se precipitado, convocando uma greve açodadamente e conduzindo os trabalhadores rumo à derrota. De fato, no mesmo momento em que Dunne foi demitido de seu trabalho em um depósito de distribuição de combustíveis ao final da temporada do carvão de 1933, por terem os patrões se cansando de sua presença pública em protestos dos desempregados, houve clamores por uma ofensiva. Dunne e Skoglund sabiam que a primavera (com as entregas de carvão caindo a quase zero) não era o momento para uma confrontação com os patrões.
Os agitadores trotskistas continuaram com o seu trabalho entre os caminhoneiros. Indo além, consolidaram as relações com os trabalhadores insatisfeitos, mas também desenvolveram uma hábil estratégia de neutralização da burocracia local da IBT. Primeiro, os militantes trotskistas cultivaram relações de trabalho próximas com dois dirigentes da IBT não membros da CLA que demonstravam um espírito de luta, atraindo-os para a sua perspectiva. Segundo, também garantiram um assento na direção executiva da Seção Local 574, conseguindo para o irmão de Dunne uma posição remunerada no âmbito do GDU, no qual ele insistiu na necessidade elementar da preparação dos trabalhadores para uma possível ação de enfrentamento.
Como Farrel Dobbs perceberia posteriormente, “a tática escolhida era a de direcionar a munição dos trabalhadores diretamente sobre os empregadores e pegar os burocratas sindicais no fogo cruzado. Se eles não reagissem positivamente, ficariam desacreditados”. Tudo isso empurrava os líderes sindicais conservadores para posições nas quais eram forçados a, pelo menos, falar na construção do tipo de sindicalismo combativo que na verdade abominavam. Isso, em contrapartida, alimentava o apetite por mudança entre os trabalhadores do ramo, organizados ou não. Um resultado disso foi que a Seção Local 574 efetivamente aprovou uma greve em votação com meros 34 membros sindicalizados presentes. Logo, entretanto, encontros organizados pelo comitê organizativo voluntário estavam atraindo centenas de trabalhadores entusiasmados. Eles exigiam ação militante, e não as habituais festas de pijama da IBT.
Uma primeira greve
Alguns dos mais importantes dentre esses atos sindicais “alternativos” foram marcados em tardes de domingos, sabendo-se que os burocratas da IBT não compareceriam. Eles agitaram os trabalhadores para perceber quais deveriam ser as demandas de uma greve e promoveram a necessidade de arrancar concessões dos patrões.
A ofensiva finalmente veio durante uma temporada de frio em fevereiro de 1934. Com as companhias precisando transportar o combustível às fornalhas dos clientes, Skoglund e Dunne entenderam que os caminhoneiros encarregados de entregar o carvão estariam em um posição de vantagem.
No dia da greve, os líderes militantes trancaram seus caminhões dentro dos pátios de carvão. Haviam sido escolhidos líderes de piquetes, e a eles foram fornecidas instruções mimeografadas esboçando as tarefas e responsabilidades dos líderes da greve. Em função do grande número de locais de trabalho espalhados pela cidade, os piquetes precisavam ser móveis. Caminhões de carvão e automóveis foram orientados a formar “esquadrões volantes”. Eles interceptaram caminhões conduzidos por fura-greves, os apreenderam e despejaram suas cargas em bairros de trabalhadores, onde catadores rapidamente coletaram o carvão gratuito.
Em algumas horas, 65 dos 67 pátios de carvão em Minneapolis estavam fechados e 150 escritórios de despacho de carvão haviam interrompido o funcionamento. Os líderes do direção da IBT, os patrões do carvão, e as empresas de caminhões ficaram todos perplexos. Nenhum deles havia previsto a dramática efetividade da greve.
Os proprietários cederam após dois dias e meio, e o GDU aceitou uma vitória parcial na qual os salários foram modestamente aumentados. Mais importante, os patrões foram forçados a reconhecer o sindicato durante uma greve real, algo que não acontecia há mais de 20 anos.
Organizando os trabalhadores para a vitória
Na ressaca da greve de fevereiro de 1934, os revolucionários da CLA efetivamente dominaram a Seção Local 574. Eles haviam ganho o respeito dos trabalhadores em uma verdadeira batalha contra os patrões. Também haviam construído uma cabeça de ponte dentro da IBT local, consolidando relações com aqueles poucos diretores que realmente queriam ampliar o sindicalismo em Minneapolis e fomentar a luta de classes. A partir dessa base de controle, a CLA criou uma infraestrutura que poderia alimentar e sustentar uma militância de base.
O resultado foram duas greves, em maio e julho. Muito maiores e longas que a ofensiva de fevereiro, elas foram planejadas até os mínimos detalhes. Mas as apostas haviam mudado. A principal batalha desses enfrentamentos de classes era em torno de um novo tipo de sindicalismo inclusivo organizado por indústria.
Uma diferença decisiva entre a burocracia da IBT liderada por Tobin e o GDU de Minneapolis liderado pela CLA era que, para os militantes, as greves de 1934 foram travadas para abranger todos os trabalhadores do ramo. A Seção Local 574 seria construída pela luta – contra patrões e burocracias sindicais – para incluir todos aqueles que transportavam bens, carregavam caminhões e preparavam vegetais nos distritos de mercados e armazéns de Minneapolis.
Para marginalizar ainda mais seus precavidos oponentes da cúpula sindical, que não queriam nenhuma relação com um sindicalismo de massas no setor de caminhões, a liderança da CLA criou um “Comitê de Greve de 100”, que tornou pequenos os burocratas do GDU que permaneciam relutantes. Os membros da CLA e seus defensores agora dominavam todos os pequenos, e criticamente importantes, comitês de organização e negociação.
Os empregadores e seus aliados revidaram violentamente, escorando-se cada vez mais na Citizens’ Alliance. Os poderes municipal e estadual rapidamente cerraram fileiras ao lado da lei e da ordem.
O prefeito apoiou uma força policial vingativa liderada por um chefe determinado a esmagar os trabalhadores e disposto a executar grevistas e seus apoiadores nas ruas se necessário. “Vocês têm espingardas, e vocês sabem como utilizá-las”, foi a instrução dada pelo Chefe de Polícia Johannes aos seus homens em julho de 1934.
Um líder de piquete descreveu a carnificina policial em uma infame batalha, lembrada como a “sexta-feira sangrenta”: “Eles simplesmente ficaram loucos. Na verdade, eles atiravam em qualquer pessoa que se movesse. (…) eles continuavam atirando até que todos os participantes dos piquetes tivessem se escondido ou conseguido abrigo em algum lugar. Oh, eles não estavam de brincadeira”. O relato do romancista Meredel Le Sueur foi mais aterrorizantemente lírico: “Os policiais abriram fogo (...) homens ficaram estirados nas ruas gritando com sangue jorrando da miríade de ferimentos que as balas de grosso calibre haviam causado. Instintivamente se virando para buscar proteção, eles eram alvejados nas costas (...) Nenhum dos participantes dos piquetes estava armado com mais do que palitos de dentes”.
Dois trabalhadores morreram na “sexta-feira sangrenta”: Henry Ness, um grevista, cravado de chumbo grosso, sucumbiu aos seus ferimentos quase imediatamente. John Bellor, um apoiador da greve desempregado, também gravemente ferido na batalha, morreu dias depois. Quarenta mil tomaram as ruas e marcharam acompanhando o funeral de Ness.
Para piorar a situação, o governador Floyd B. Olson, a despeito de se autoproclamar um amigo do trabalhador, convocou a Guarda Nacional para o cenário crescentemente tempestuoso, prendendo os líderes da greve e ocupando sedes de sindicatos. Os líderes da greve estavam preparados para esse tipo de oposição. Eles desenvolveram uma extensa rede de inteligência formada por secretários que trabalhavam para variadas empresas, os quais explicavam o que os magnatas dos caminhões preparavam para seu próximo passo. O sindicato ocupou as ruas e os céus. Ele conseguiu um avião para promover a causa dos trabalhadores com faixas aéreas e um grupamento de motociclistas adolescentes para transportar através de Minneapolis os relatórios dos acontecimentos produzidos pelos líderes da greve.
Eventualmente, como a greve de julho-agosto fazia da guerra entre as classes o drama principal da cidade, irremediavelmente dividindo Minneapolis em campos favoráveis e contrários à greve, a liderança da CLA começou um jornal diário da greve, The Organizer, dirigido por um experiente quadro trotskista de Nova York.
O sindicato organizou seu quartel-general em uma garagem abandonada que ocupava um quarteirão inteiro. O “centro nervoso” do quartel-general grevista era um conjunto de telefones operado por voluntários. Para esses telefones fluíam ligações dos líderes de piquetes através de quinze distritos delineados na cidade, esboçando as condições e pedindo ajuda quando era necessário. Um rádio de ondas curtas era usado para monitorar a comunicação policial. Dunne e Dobbs supervisionavam a distribuição dos piquetes.
Uma despensa foi organizada. Fazendeiros doaram comida para a cozinha, equipada para alimentar cinco mil trabalhadores por dia. Cozinheiros se apresentaram para preparar refeições. Um hospital improvisado foi estabelecido em uma seção do quartel-general para cuidar dos trabalhadores feridos e seus apoiadores. Médicos e enfermeiros compassivos ocuparam a estrutura em suas horas de repouso. Uma organização de trabalhadores desempregados foi estruturada; aqueles em suas fileiras foram nomeados membros honorários do GDU.
Uma unidade auxiliar de mulheres atraiu esposas e filhas, mães e tias. Todas ajudaram a construir o sindicato. Integradas à luta, aquelas mulheres serviam refeições, sanduíches e café aos grevistas; distribuíam o jornal do sindicato; angariavam fundos; marchavam à prefeitura; e até lutavam, de porretes nas mãos, nas linhas de piquetes.
A Seção Local 574 também foi transformada em modelo de procedimentos democráticos e discussão aberta. Reuniões de massas regularmente convocadas mantinham os filiados a par dos desdobramentos da greve. Quando efetivamente garantiram posições pagas no sindicato após as vitórias das greves de 1934, os trotskistas dirigindo a insurgência dos caminhoneiros alteraram as escalas de salários, garantindo que os burocratas do sindicato não recebessem mais do que aqueles que trabalhavam no ramo.
Ao final, os trabalhadores venceram, e venceram bem. A luta sindical foi garantida em Minneapolis. Certamente, os salários subiram e as condições de trabalho melhoraram. Mas, talvez, ainda mais importante, os sindicalistas viram a si mesmos e ao mundo de forma diferente. Os possíveis frutos da luta coletiva e da solidariedade agora estavam presentes no modo como os trabalhadores compreendiam as suas vidas.
Os guerreiros da guerra de classes e o medo vermelho
Tudo isso deixou os patrões apopléticos. A Seção Local 574 e sua liderança trotskista foi vilipendiada nos principais jornais. O anticomunismo cobriu Minneapolis em 1934 como uma densa neblina.
Empregadores e seus aliados socioculturais sem dúvida dirigiam o “medo vermelho” na cidade naquele ano, mas líderes sindicais conservadores como Tobin também contribuíram. Um grevista escreveu para o The Organizer que, como “membro da 574”, ele era “um índio Chippewa e um verdadeiro americano”, “não um comunista”, mas ele desprezava a forma como certos líderes da IBT estavam adicionando “combustível ao fogo” com a suas persistentes acusações de comunismo.
Uma das lideranças da Seção Local 574 era Ray Rainbolt, um caminhoneiro da nação indígena Sioux que atribuía a Dunne seu recrutamento para a causa dos trabalhadores. Rainbolt desempenhou um papel decisivo nas greves de 1934, atuando em diversos comitês cruciais e enfrentando o governador Olson.
No final dos anos 1930, Rainbolt aderiu ao SWP e liderou a Union Defense Guard (UDG – Guarda de Defesa Sindical). Esse corpo foi formado quando os fascistas conhecidos como Silver Shirts [Camisas Prateadas] ameaçaram se organizar em Minneapolis. Os Silver Shirts perceberam a importância de se infiltrar nos então poderosos sindicatos, transformando-os em locais de recrutamento da direita e substituindo visões de mundo de fundo classista pelo seu racismo e antissemitismo perniciosos. Rainbolt, que tinha a experiência militar da Primeira Guerra Mundial, recrutou os sindicalistas armados de rifles da UDG, treinando-os para a ocasião de um ataque reacionário que nunca se materializou.
Expandindo o significado da luta local
Minneapolis não era o único ponto quente na guerra de classes de 1934. Outras greves, incluindo aquelas sustentadas pelos trabalhadores de autopeças de Toledo e pelos estivadores de São Francisco, também eram batalhas significativas. Elas também eram lideradas por “vermelhos”. Mas a sua liderança não era nem tão vinculada às localidades e aos seus ramos típicos, nem tão bem sucedida quanto os trotskistas de Minneapolis.
As greves de Minneapolis irromperam em um momento em que o movimento operário americano estava preparado para dar um importante passo a frente. Em cinemas espalhados pelos Estados Unidos, milhões assistiram a curtas-metragens mostrando trabalhadores, policiais e “xerifes especiais” recrutados pela Citizen’s Alliance lutando nas ruas do distrito do mercado de Minneapolis. O público, da classe trabalhadora, assistia aos trabalhadores de Minneapolis responderem à violência – não com submissão, mas com resistência.
Na “Batalha da Fuga dos Xerifes” de 22 de maio, os grevistas despacharam os 1.500 “xerifes especiais”. Descritos como um bando maltrapilho de “vendedores, balconistas e golfistas patrióticos” animados por um frenesi contra os “ditadores vermelhos”, os recrutas anti-greve da Citizen’s Alliance também incluíam rapazes das fraternidades universitárias, rufiões pagos, playboys e membros da alta sociedade, incluindo alguns que iam às linhas de piquete trajando calças de equitação e chapéus-pólo ou botas de alpinismo com solados de ferro, as quais estavam longe de ser o calçado mais adequado para uma luta em becos pavimentados com paralelepípedos.
Dois de seus membros – o advogado da Citizens’ Alliance, empresário local e pilar da respeitável sociedade de Minneapolis, Arthur Lyman, e um “pequeno capitalista” marginal do setor de transporte de madeira, Peter Erath – sucumbiram a ferimentos recebidos em um embate mortal no mercado com grevistas já acossados pela brutalidade policial.
Meridel Le Sueur escreveu sobre um “mundo emergente... vindo do passado... até o futuro... É o sentido da violência que emerge... o ponto do abandono do crescimento”.
John L. Lewis, líder da United Mine Workers of America (UMA – União dos Mineiros da América) enxergou a greve de maneira similar. Como um dos primeiros biógrafos de Lewis, Saul Alinsky, escreveu em 1947, quando “o sangue correu [pelas ruas de] Minneapolis”, o robusto e idiossincrático líder do sindicato dos mineiros parou para pensar.
Lewis não era entusiasta da organização sindical militante e democrática, mas ele conseguia compreender que o moribundo sindicalismo da AFL precisava ser revitalizado. Dessa forma, o sindicalismo do Congress of Industrial Organization (CIO – Congresso da Organização Industrial), voltado à produção em massa, que Lewis em breve defenderia, nasceu das percepções e atividades dos líderes da CLA de Minneapolis e das lutas das bases militantes que eles mobilizaram.
A liderança revolucionária no tribunal
Apesar de todo o sucesso da revolta dos trabalhadores de Minneapolis em 1934, as suas conquistas não sobreviveriam na era posterior à Segunda Guerra Mundial. Trabalhadores seguindo a liderança de trotskistas, revidando contra os patrões e os burocratas sindicais e, em face da ameaça fascista, se armando em uma Union Defense Guard, certamente chamaram a atenção de poderosos oponentes.
Como esses mesmos trabalhadores levaram as lições de Minneapolis para a marcha organizativa interestadual da IBT de final dos anos 1930, o Departamento de Justiça, o Federal Bureau of Investigations (FBI), os empregadores, o recém-eleito governador republicano de Minnesota, a burocracia da IBT (com um jovem e posteriormente infame Jimmy Hoffa desempenhando papel central), e até mesmo rivais de esquerda como o Partido Comunista, entraram em conluio durante a Segunda Guerra Mundial para derrotar e deslocar os trotskistas da direção dos caminhoneiros de Minneapolis.
Servindo-se da notória Lei Smith de 1939, a qual sufocou o dissenso rotulando-o como traição, o Estado aproveitou o clima de guerra de 1940-1943 para levar 29 militantes do SWP e líderes dos caminhoneiros de Minneapolis aos tribunais com acusações forjadas; 18, incluindo muitos líderes do movimento trotskista dos Estados Unidos, foram mandados de trem para a prisão.
Tobin e a burocracia da IBT, confiando nos comitês de certificação de sindicatos do Estado, em contratos acordados com os empregadores para prejudicar aos trabalhadores, e em bandos de rufiões liderados por Hoffa, atacaram a Seção Local de Minneapolis nos tribunais e nas ruas. Conduzidos para fora da AFL e em direção ao CIO, e então forçados a reconhecer que não conseguiriam sustentar um sindicato contra empregadores recalcitrantes, o Estado e a burocracia oficial dos caminhoneiros, os trotskistas que haviam revigorado o sindicalismo em Minneapolis foram forçados a abdicar de suas posições de liderança em favor das forças de Tobin/Hoffa. Foi um desfecho lamentável.
Relembrando 1934
Aqueles que desejam reconstruir o movimento operário podem aprender – e, em alguns casos, aprenderam – com os eventos de 1934 em Minneapolis.
A greve dos professores de Chicago em 2012, por exemplo, se originou em um pequeno comitê organizativo de militantes que conseguiu levar um sindicato que evitava a luta de classes aberta desde 1987 a uma épica confrontação com um prefeito neoliberal. Não surpreendentemente, o Caucus of Rank-and-File Educators, no percurso dessa mobilização bem sucedida, sediou grupos de leitura para organizadores que se debruçaram nos relatos de Farrell Dobbs (1976) para as greves de 1934, Teamster Rebellion.
Do movimento Occupy aos protestos em Wisconsin, das vitórias do salário mínimo em Seattle e em outros lugares às lutas para organizar os funcionários do Walmart, os trabalhadores estão mostrando que são capazes de lutar para vencer e que a luta de classes está, novamente, na agenda.
Entretanto, a maioria dessas lutas atuais, a despeito de sua crucial importância, continua enfraquecida pela falta do tipo de liderança política que guiou as greves de 1934 em Minneapolis. Décadas depois, um membro do “Comitê de Greve dos 100” relembrou: “A base era realmente o poder de todo o movimento, mas ela ainda precisava de uma direção para guiá-la. Não importa a qualidade de um exército; sem um general, ele não serve para nada”. A luta pelo renascimento dos sindicatos na era do capitalismo neoliberal é simultaneamente a luta para reconstruir a esquerda revolucionária.
Os trotskistas de Minneapolis fornecem um exemplo da face que a esquerda deveria ter. Eles não estavam, ao contrário do que supunham as acusações de “comunismo” da Citizens’ Alliance, fazendo a “Revolução em Minneapolis” em 1934. O objetivo deles era muito mais modesto. Eles queriam construir um sindicalismo democrático e adequado à produção de massa, criando uma defesa para a classe trabalhadora contra os piores excessos da exploração capitalista e transcendendo a estreita concepção de organização dos trabalhadores baseada na reserva de mercado de Dan Tobin e sua laia.
Em sua recusa militante e principista a sucumbir ao sindicalismo de negócios, os líderes das greves de Minneapolis construíram pontes importantes para possibilidades radicais. Foi essa militância obstinada que impeliu o Estado e o capital, ajudados por sindicalistas conservadores, a atacar e marginalizar a liderança das greves de 1934 em Minneapolis e sua compreensão da forma pela qual o sindicalismo nos Estados Unidos deveria ser reconstruído.
Oitenta anos depois, essas greves, com suas lições sobre a capacidade dos trabalhadores de lutarem até mesmo em tempos difíceis, ainda vivem para nós como um possível caminho.
Colaborador
Bryan D. Palmer é autor de Revolutionary Teamsters: The Minneapolis Truckers' Strikes of 1934 e co-autor de Toronto's Poor: A Rebellious History, a ser lançado em breve.
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