Um líder de quadro comunista aborda uma multidão de sobreviventes da Longa Marcha no norte da China. (Foto de Hulton Archive/Getty Images) |
Bernie Sanders provavelmente perderá a indicação do Partido Democrata para Hillary Clinton, depois de sua impressionante, mas insuficiente, performance na terça passada. Ainda assim, a esquerda saiu ganhando essa noite.
A campanha de Sanders tem energizado e galvanizado um grande número de pessoas, especialmente jovens. E tornou rotineiro e socialmente aceitável falar sobre "socialismo". Como alguém que está há 20 anos pregando no deserto sobre marxismo e socialismo, não tenho como não adorá-la por essas razões.
Inevitavelmente, entretanto, há uma camada de ativistas inexperientes que tem tanto investimento afetivo na campanha que perdem de vista o quadro maior. Fazem desse político em particular algo muito mais significativo do que ele é, ao passo que não compreendem corretamente seu real valor.
Não apenas porque o "socialismo" de Sanders não é mais do que, em muitos outros contextos, seria considerado uma forma tíbia de capitalismo de bem-estar europeu. Para que possamos realmente apreciar o significado de Sanders, é necessário ver sua candidatura como algo mais que apenas outra campanha eleitoral, algo que diz respeito a algo além da capacidade desse sujeito de Vermont conquistar um certo número de delegados e prevalecer na convenção.
Recentemente, Corey Robin escreveu sobre a campanha e encorajou os apoiadores de Sanders a continuarem na luta. Em vez de "ficarmos presos na questão da contagem de delegados", ele aconselha, devemos "educar, agitar e organizar o corpo político". E devemos fazer isso por meio da campanha de Sanders, especificamente, porque, embora "a esquerda ame movimentos sociais", tais movimentos "não são imunes ao clima e ao meio da política eleitoral", que ele retrata como uma maneira de concentrar e focar as energias da esquerda.
Eu colocaria de modo ligeiramente distinto. A campanha do Sanders é um “movimento social”, e seria um erro colocar ênfase excessiva no fato de que esse movimento particular está ocorrendo por meio da política eleitoral. No nível de infra-estrutura e de pessoal, a campanha de Sanders se alimenta dos resíduos organizacionais em torno de campanhas prévias como as de Howard Dean e Barack Obama.
Mas Bernie como um inesperado fenômeno social, e inspiração para memes clichês, está mais para um sucessor de movimentos não-eleitorais recentes como Occupy e Black Lives Matter.
É no fluxo e refluxo desses movimentos interligados que podemos ver os componentes em evolução de uma esquerda ressurgente, um desafio emergente ao capitalismo que assume várias formas, algumas eleitorais e outras não.
Partidários de candidatos políticos, em especial de candidatos presidenciais, têm uma tendência a exagerar o significado de cada eleição, tornando-a um ponto de viragem crucial do qual toda a política depende. Mas é provavelmente melhor ver coisas como a campanha de Sanders como parte do que a tradição “autonomista” do marxismo chama de um processo de “composição de classe”.
Composição de classe, como o historiador Steve Wright coloca, lida com “a relação entre a estrutura material da classe trabalhadora, e seu comportamento como sujeito, autônomo aos ditames tanto do capital quanto do movimento sindical”.
Os militantes que desenvolveram o conceito, como Raniero Panzieri e Mario Tronti, estavam se debatendo com um velho problema marxista: transformar uma classe trabalhadora “em si”, em classe “para si”. Isto é: como indivíduos atomizados, explorados pelo capitalismo, podem passar a fazer parte de um movimento coletivo auto-consciente, com uma identidade comum ligada à transformação social?
Para os autonomistas originais, composição de classe estava intimamente ligada à experiência dos operários industriais na fábrica. Mas autores que fazem um uso mais recente do conceito, incluindo Antonio Negri, começaram a generalizá-lo.
Esses autores insistem que a experiência de classe se estendeu para a cidade, e para o lar, de modo que o processo de composição de classe deve levar em conta toda a vida do trabalhador e não apenas sua experiência com o trabalho assalariado. O que significa que as forças de composição de classe podem incluir não apenas o salário mínimo que você recebe no McDonald´s, mas a violência policial que você sofre depois que acaba o turno de trabalho.
Para levar isso tudo de volta ao concreto, e à votação dessa semana, é mais esclarecedor olhar não para a primária presidencial em si, mas para outra coisa que aconteceu em Illinois e Ohio. A procuradora do estado Anita Alvarez perdeu a primária por grande margem em Illinois, enquanto, ao mesmo tempo Tim McGinty perdia a corrida para procurador-geral do distrito de Cuyahoga, Ohio, que inclui Cleveland. Assim como o fenômeno Sanders, nenhum desses resultados era o que se esperava até bem recentemente.
O que liga Alvarez e McGinty são suas conexões com recentes assassinatos notórios por parte da polícia: Alvarez esperou quatrocentos dias para apresentar acusações contra o policial que matou o adolescente de dezessete anos de idade, Lacquan McDonald, e McGinty não indiciou os policiais envolvidos na morte de Tamir Rice, um menino de doze anos. Ambas as derrotas estão sendo vistas, corretamente, como vitórias do Black Lives Matter e movimentos relacionados que agitaram e organizaram contra a violência de estados às comunidades negras.
Chicago, em particular, é instrutivo, e precisa de uma estudo de caso detalhado que vai bem além do que posso oferecer aqui. Para usar termos autonomistas, a composição de classe em Chicago está muito mais avançada do que em qualquer outro lugar do país.
De longe, é difícil até desembaraçar todas as correntes. Mas elas variam de coletivos feministas como "As filhas de Assata" (que foram centrais para a campanha anti-Alvarez) ao sindicato dos professores de Chicago, cuja greve bem sucedida de 2012 o tornou uma força institucional poderosa para a esquerda, de modo mais amplo, em Chicago.
Mesmo em Chicago, a esquerda ainda não ganhou seu maior prêmio, a saída do prefeito Rahm Emanuel. Mas isso pode estar por vir, na medida em que a classe trabalhadora ganhar poder e coerência por lá. E isso deve ser uma fonte de reafirmação para os apoiadores de Sanders também, dando confiança de que essa campanha não é o fim, mas apenas um passo em um processo muito mais longo.
A campanha de Sanders tem energizado e galvanizado um grande número de pessoas, especialmente jovens. E tornou rotineiro e socialmente aceitável falar sobre "socialismo". Como alguém que está há 20 anos pregando no deserto sobre marxismo e socialismo, não tenho como não adorá-la por essas razões.
Inevitavelmente, entretanto, há uma camada de ativistas inexperientes que tem tanto investimento afetivo na campanha que perdem de vista o quadro maior. Fazem desse político em particular algo muito mais significativo do que ele é, ao passo que não compreendem corretamente seu real valor.
Não apenas porque o "socialismo" de Sanders não é mais do que, em muitos outros contextos, seria considerado uma forma tíbia de capitalismo de bem-estar europeu. Para que possamos realmente apreciar o significado de Sanders, é necessário ver sua candidatura como algo mais que apenas outra campanha eleitoral, algo que diz respeito a algo além da capacidade desse sujeito de Vermont conquistar um certo número de delegados e prevalecer na convenção.
Recentemente, Corey Robin escreveu sobre a campanha e encorajou os apoiadores de Sanders a continuarem na luta. Em vez de "ficarmos presos na questão da contagem de delegados", ele aconselha, devemos "educar, agitar e organizar o corpo político". E devemos fazer isso por meio da campanha de Sanders, especificamente, porque, embora "a esquerda ame movimentos sociais", tais movimentos "não são imunes ao clima e ao meio da política eleitoral", que ele retrata como uma maneira de concentrar e focar as energias da esquerda.
Eu colocaria de modo ligeiramente distinto. A campanha do Sanders é um “movimento social”, e seria um erro colocar ênfase excessiva no fato de que esse movimento particular está ocorrendo por meio da política eleitoral. No nível de infra-estrutura e de pessoal, a campanha de Sanders se alimenta dos resíduos organizacionais em torno de campanhas prévias como as de Howard Dean e Barack Obama.
Mas Bernie como um inesperado fenômeno social, e inspiração para memes clichês, está mais para um sucessor de movimentos não-eleitorais recentes como Occupy e Black Lives Matter.
É no fluxo e refluxo desses movimentos interligados que podemos ver os componentes em evolução de uma esquerda ressurgente, um desafio emergente ao capitalismo que assume várias formas, algumas eleitorais e outras não.
Partidários de candidatos políticos, em especial de candidatos presidenciais, têm uma tendência a exagerar o significado de cada eleição, tornando-a um ponto de viragem crucial do qual toda a política depende. Mas é provavelmente melhor ver coisas como a campanha de Sanders como parte do que a tradição “autonomista” do marxismo chama de um processo de “composição de classe”.
Composição de classe, como o historiador Steve Wright coloca, lida com “a relação entre a estrutura material da classe trabalhadora, e seu comportamento como sujeito, autônomo aos ditames tanto do capital quanto do movimento sindical”.
Os militantes que desenvolveram o conceito, como Raniero Panzieri e Mario Tronti, estavam se debatendo com um velho problema marxista: transformar uma classe trabalhadora “em si”, em classe “para si”. Isto é: como indivíduos atomizados, explorados pelo capitalismo, podem passar a fazer parte de um movimento coletivo auto-consciente, com uma identidade comum ligada à transformação social?
Para os autonomistas originais, composição de classe estava intimamente ligada à experiência dos operários industriais na fábrica. Mas autores que fazem um uso mais recente do conceito, incluindo Antonio Negri, começaram a generalizá-lo.
Esses autores insistem que a experiência de classe se estendeu para a cidade, e para o lar, de modo que o processo de composição de classe deve levar em conta toda a vida do trabalhador e não apenas sua experiência com o trabalho assalariado. O que significa que as forças de composição de classe podem incluir não apenas o salário mínimo que você recebe no McDonald´s, mas a violência policial que você sofre depois que acaba o turno de trabalho.
Para levar isso tudo de volta ao concreto, e à votação dessa semana, é mais esclarecedor olhar não para a primária presidencial em si, mas para outra coisa que aconteceu em Illinois e Ohio. A procuradora do estado Anita Alvarez perdeu a primária por grande margem em Illinois, enquanto, ao mesmo tempo Tim McGinty perdia a corrida para procurador-geral do distrito de Cuyahoga, Ohio, que inclui Cleveland. Assim como o fenômeno Sanders, nenhum desses resultados era o que se esperava até bem recentemente.
O que liga Alvarez e McGinty são suas conexões com recentes assassinatos notórios por parte da polícia: Alvarez esperou quatrocentos dias para apresentar acusações contra o policial que matou o adolescente de dezessete anos de idade, Lacquan McDonald, e McGinty não indiciou os policiais envolvidos na morte de Tamir Rice, um menino de doze anos. Ambas as derrotas estão sendo vistas, corretamente, como vitórias do Black Lives Matter e movimentos relacionados que agitaram e organizaram contra a violência de estados às comunidades negras.
Chicago, em particular, é instrutivo, e precisa de uma estudo de caso detalhado que vai bem além do que posso oferecer aqui. Para usar termos autonomistas, a composição de classe em Chicago está muito mais avançada do que em qualquer outro lugar do país.
De longe, é difícil até desembaraçar todas as correntes. Mas elas variam de coletivos feministas como "As filhas de Assata" (que foram centrais para a campanha anti-Alvarez) ao sindicato dos professores de Chicago, cuja greve bem sucedida de 2012 o tornou uma força institucional poderosa para a esquerda, de modo mais amplo, em Chicago.
Mesmo em Chicago, a esquerda ainda não ganhou seu maior prêmio, a saída do prefeito Rahm Emanuel. Mas isso pode estar por vir, na medida em que a classe trabalhadora ganhar poder e coerência por lá. E isso deve ser uma fonte de reafirmação para os apoiadores de Sanders também, dando confiança de que essa campanha não é o fim, mas apenas um passo em um processo muito mais longo.
Colaborador
Peter Frase faz parte do conselho editorial da Jacobin e é autor de Four Futures: Life After Capitalism.
Nenhum comentário:
Postar um comentário