22 de outubro de 2009

A ilusão de Obama

David Bromwich



Tradução / Bem antes de se tornar presidente, Barack Obama já dava sinais de prometer com facilidade e ceder com frequência. Moderado por temperamento, sempre foi claro que, uma vez eleito, ele se inclinaria para o centro. Mas havia algo de estranho na rapidez com que cunhou um slogan declarando que seu governo olharia para o futuro e não para o passado. Reduzido à prática, o slogan queria dizer que Obama preferiria não expor muitos dos atos ilegais da administração Bush. O valor da conciliação vencia o imperativo da verdade. Obama representava “as coisas que nos unem e não as que nos dividem”. Uma desagradável correção de erros passados poderia ser vista como retaliação e o novo presidente não permitiria que um equívoco dessa natureza atrapalhasse seus objetivos ecumênicos.

The message about uniting not dividing was not new. It was spoken in almost the same words by Bill Clinton in 1993; and after his midterm defeat in 1994, Clinton borrowed Republican policies in softened form – school dress codes, the repeal of welfare. The Republican response was unappreciative: they launched a three-year march towards impeachment. Os apelos de Obama pela harmonia, e seus gestos de conciliação, encontraram uma recepção uniformemente negativa. A bem da verdade, os republicanos estão tratando o sucessor de George W. Bush pior do que trataram Bill Clinton. Obama apenas parece mais estável porque a grande imprensa, que detestava Clinton de forma irracional, levantou-se em sua defesa. Mas existem inúmeras fontes de informação alternativas, capitaneadas pela Fox News Radio e Fox TV, as estações de Rupert Murdoch. Dessa fonte brotou um discurso que atingiu 20 milhões de ouvintes, no início do verão americano. A mensagem era coerente, detalhada e subvertia a ordem estabelecida. Visava atacar a legitimidade do presidente e prometia uma insurreição. Convocava-se um vago exército de furiosos e ressentidos a manifestar seu desprezo por Barack Obama e a exibir lealdade a princípios que poderiam estar ameaçados — o direito ao porte de armas, o direito de não pagar por planos de saúde. When representatives from Congress addressed town-hall meetings in the late summer, men in several states came armed with guns in leg holsters. O rancor dessa gente vinha da hostilidade ao projeto do sistema de saúde anunciado pelo presidente — projeto que detestavam sem tê-lo visto e que sequer fora explicado com clareza suficiente para compensar a desconfiança. (Clinton made the mistake of handing the construction of a national health system to his wife and a group of advisers she consulted in private. Obama, to avoid that error, left the framing and elaboration of a bill to five committees of Congress: an experiment in dissociation that rendered him blameless but also clueless beyond the broadest of rhetorical commitments.) But beneath all the accusations was a disturbance no ordinary answer could alleviate. The America these people grew up with was being taken away from them. That formulation occurred again and again on talk radio. Barack Obama passou a ser apresentado por determinados setores como o símbolo perfeito das forças que ludibriavam o povo americano, roubando-o de seus direitos de nascença. “Esse cara”— outra expressão comum — não tinha o direito de impor leis aos americanos.

When the Clinton impeachment was going forward, Obama was a young Chicago politician with other things on his mind. He could have learned something then about how the Republicans work. The most questionable of his appeals in the primary campaign against Hillary Clinton was the endlessly repeated bromide with which he dissociated himself from ‘the partisan bickering of the 1990s’ – a piece of spurious evenhandedness if there ever was one. Bill Clinton, who gained his national stature in the conservative Democratic Leadership Council, had been as much a prudent adjuster and adapter as Obama. The fury of the attack on Clinton, which started a few months into his presidency, was not the bickering of two rival parties exactly comparable in point of incivility. Yet such was Obama’s convenient picture of the recent past.

Atrasos na aprovação do “pacote de estímulo” para revigorar a economia após o colapso financeiro de 2008 e, depois, do projeto do sistema de saúde deveram-se em grande medida à espera de Obama para que os republicanos concedessem a essas medidas uma aura de unanimidade bipartidária. Alguns, de fato, votaram a favor do estímulo econômico. Nenhum encampou a proposta do novo sistema de saúde. Os republicanos se mantêm onde estavam e assistem à estatura política do presidente diminuir. Os motivos de Obama para esperar certamente têm algo a ver com o medo. Ele recebe quatro vezes mais ameaças de morte que George W. Bush. Também se vê contido por um desejo natural dos moderados — o de se manter próximo de todas as instituições ao mesmo tempo: militares, financeiras, legislativas, comerciais. Fosse o mundo ideal, ele poderia inspirar a todos e ofender a ninguém. Mas a ideia de acomodar os inimigos gradualmente para chegar ao consenso parece, em Obama, quase um delírio no sentido mais literal: uma crença estabelecida em algo que não existe. Como ela teria chegado a dominar um homem tão inteligente?

Até agora a carreira de Obama não contava com realizações singulares pelas quais ele fosse o único responsável. Sua experiência parece não ter lhe ensinado a lei da seleção natural da política, em que as maiorias se formam dos que sobraram. Qualquer ato concreto produz pequenas multidões de desiludidos. A política é feita de sentimentos feridos que só o tempo pode curar, se é que cura. Essa é uma verdade que confronta Obama em diversos campos, mas que ele não aceita com facilidade. Sua forma de pensar se aproxima do espírito do Iluminismo, que supõe que um conjunto de procedimentos corretos jamais pode ser descrito e plenamente compreendido sem ser aceito.

The Republican Party of 2009 is a powerful piece of contrary testimony. It has become the party of wars and jails, and its moral physiognomy is captured by the faces of John Boehner and Mitch McConnell, faces hard to match outside Cruikshank’s drawings of Dickens’s villains, hard as nails and mean as dirt and with an issue still up their sleeve when wars wind down and the jails are full: a sworn hostility towards immigrants and ‘aliens’. The anti-immigrant bias – from which George W. Bush and John McCain were free, but which both were powerless to counteract – is an underground stream of the party that makes it a bearer of racist sentiments no longer avowable in public. I have been studying the ante-bellum South, for a course on the career of Abraham Lincoln, and have been struck by the resemblance between the Republicans today and the pre-Civil War Democrats. The model of the Republicans today is John C. Calhoun, the political theorist of the slave South and deviser of the rationale for local nullification of federal policies.

Ele age como se fosse o líder de um partido inexistente, como se paciência e um temperamento cordato pudessem trazer à tona o melhor em todos os homens. Ele parece falar, ao mesmo tempo ou alternadamente, como um organizador e um mediador, um líder nacional e um curandeiro. Há algo de estranho nessa alternância de posturas, do ponto de vista da prudência pragmática. As grandes bandeiras que ele levantou nos primeiros meses — a decisão de fechar Guantánamo, de pressionar pelo estabelecimento de dois Estados como solução para Israel e a Palestina, e de reformar o seguro-saúde com um plano nacional — foram apresentadas com um prefácio grandioso, seguido por meses de silêncio. Deixou que seus agentes, conselheiros ou o partido — se possível, os partidos, tanto o democrata quanto o republicano — cuidassem dos detalhes. Só que, durante a longa espera, são justamente as características mais marcantes de suas intenções que acabam sendo atenuadas. Thus, a new kind of pressure on Israel and a resolve to create a Palestinian state appeared to be signalled by his Cairo speech in early June. It was a thoughtful speech, and a courageous one, even if you took it as a series of propositions uttered at a certain time in a certain place. Simply to address the Muslims of the world without condescension was sure to make him unforgiving enemies on the American right – including the considerable body of Christian Zionists in the Southern and border states – and Obama went to Cairo and delivered his speech knowing that. Yet the four months since have seemed much longer than four months. Israel has sapped and undermined the settlement freeze. Binyamin Netanyahu gambled that he could trespass against objections by Obama’s negotiators, Hillary Clinton and George Mitchell, and the gamble has worked. The American desiderata were never backed by a sanction, and the Netanyahu government approved thousands of new units for the expansion of the Israeli colonies. This the Americans called ‘not helpful’.

O sistema de saúde, por sua vez, foi sendo minado por uma agenda diferente de negligência. Primeiro houve um longo verão de doutrinação conservadora pelo rádio, que tornou a oposição à mudança tão clamorosa que muitos encontros políticos regionais explodiram em tumultos. Foi somente no dia 9 de setembro que Obama falou para uma sessão conjunta do Congresso. Ali, finalmente, fez uma defesa concatenada e impressionante de seu plano. O discurso devolveu seus índices de popularidade para mais de 50% de aprovação e foi maculado apenas pelo grito de um representante da Carolina do Sul: “O senhor está mentindo!” Violar o silêncio daquele salão monumental requer premeditação e violência tão deliberadas quanto as que seriam necessárias para gritar “Inferno!” dentro de uma catedral. Com isso, a discórdia que o discurso de 9 de setembro pretendia minorar voltou a dar as caras diante do próprio discurso. Os Estados Unidos estão cheios de cidadãos que sentem cheiro de tirania em todo e qualquer programa do governo federal. E de cidadãos não fanáticos e de poucas posses, que ficam se perguntando como seus filhos vão pagar a conta das medidas de emergência adotadas pelo governo.

Early suspicion of the bank bail-outs found a ready target of displaced resentment in the later demand for health insurance reform. Healthcare had never seemed a main concern of Obama’s as a candidate, and this looked like one more exorbitance. O novo presidente tinha bancado uma conta imensa, perto de 1 trilhão de dólares, para pagar as corretoras e evitar uma depressão. Ele esperava uma gratidão que não recebeu. Sua escolha tática jamais seria facilmente explicável em um cenário em que tantos banqueiros sobreviveram, enquanto tantas pessoas comuns perderam casas e empregos. As medidas tomadas por Obama não tinham justificativa fácil. Ademais, alertou o presidente: “Vocês também estão perdendo a cobertura do seu seguro-saúde!” But in a country where 85 per cent have coverage of some sort, more have been worrying about their homes and their jobs. Most people’s health insurance payments are taken out of their monthly pay cheques and put into private plans offered by their employers; when an employer cuts your job you lose the insurance too; but it betrayed a planner’s conceit in Obama to imagine that people would worry first, and most acutely, about the loss of their insurance. Many without a history of political resentment, some of whom voted for Obama, are startled that they keep being asked to foot the bill. It was easier to blame ‘big government’ than to say that the bankers and brokers and the whole financial establishment, with Goldman Sachs at its core, did not deserve the bail-outs. Obama’s speech on 9 September arrived too late to work as a counter-charm. Num país em que 85% da população têm algum tipo de cobertura, a preocupação maior, porém, era com suas casas e empregos. Para a maioria desses 85%, os pagamentos pelo seguro-saúde saem de seus contracheques e vão direto para os planos privados oferecidos por seus empregadores; quando um empregador corta o seu emprego, você perde o seguro também. Só que Obama imaginou que as pessoas se preocupariam primeiro e mais agudamente com o seguro. Muitos sem histórico de ressentimento político, alguns dos quais votaram em Obama, ficam surpresos ao serem solicitados a pagar a conta. Era mais fácil culpar o "grande governo" do que dizer que os banqueiros e corretores e todo o establishment financeiro, com o Goldman Sachs no seu núcleo, não mereciam os resgates. O discurso de Obama de 9 de setembro veio tarde demais para funcionar como antídoto.

The pattern of the major announcement, the dilatory follow-up and the tardy self-defence has shown an alarming consistency in his administration. Obama ordenou o fechamento da prisão da baía de Guantánamo como o primeiro ato de sua presidência. Oito meses depois, Guantánamo continua aberta e sem solução, a data de seu fechamento foi adiada e a questão de o que fazer com os prisioneiros se tornou um dos assuntos mais candentes que confrontam a autoridade presidencial. After signing the order in January, he took a long break; and his enemies rallied. Two elements of the syndrome should be distinguished. Primeiro, Obama está tentando fazer muita coisa ao mesmo tempo, nem tudo isso é causado pelos desastres do governo anterior. It is also beginning to appear that Obama has a slower ratio to the passage of time than most politicians. When he was attacked for the Guantánamo order, on the grounds that it placed the security of Americans in jeopardy, he let it be known that the issue was undergoing reappraisal; then, on 21 May, he gave a speech on law and national security at the National Archives: the worst speech of his presidency. He said that his paramount duty was ‘to keep the American people safe’: that word, safe, which was accorded a primacy by George W. Bush it had not been given by any earlier president, Obama himself now ranked ahead of the words justice, right, liberty and constitution. The National Archives speech was, more particularly, a response to the charges made by Dick Cheney over several preceding weeks.

In a speech delivered on the same day, 21 May, the former vice president, who has never really retired, gave a digest of his own published criticisms. The decision to release photos of the victims of torture, and to rule out ‘enhanced interrogation methods’ in the future, could only ‘lead our government further away from its duty to protect the American people’. Cheney intimated that if an attack occurred in the coming years, the fault would be Obama’s for having restored an antiquarian understanding of civil liberties and obedience to international law. Obama’s answer was sober and resolute in appearance, but, in detail, the National Archives speech was a capitulation on most of the points specified by Cheney. Prisoners would now be divided into five categories: those who could be freed because they were innocent; those who could be extradited to foreign countries; those who fell under the jurisdiction of military tribunals; those who could be tried in civilian courts in the US; and then a fifth category – those whom we lacked evidence to convict but who (it had been decided) were too dangerous to set free. These prisoners would be held indefinitely under a new legal dispensation still to be devised.

Preventive detention was a step President Nixon had proposed to Congress in 1970, but he never found the support or the temerity to put the programme into effect. Yet here was a Democratic president and professor of constitutional law doing what Nixon and for that matter Cheney and his assistants had only dreamed of. We have yet to see the final result, but the lesson of the encounter would seem to be: when you announce a great change, steal a march on your opponents by clinching the declaration with the deed. In no decision of his administration has Obama followed the wisdom of that Machiavellian precept. His government is also hampered by its want of a spokesman who can hit hard with words when the president wishes not to be seen to strike. Obama’s confidant David Axelrod, who managed his campaign and is often summoned to speak to the press on his behalf, emits a pleasant porridge of upper-media demotic. Another close adviser, Valerie Jarrett, a Chicago friend, is a technocrat to the bone, genially officious but lacking in any pith and point. These people are no match for Cheney, or for the president’s antagonists in the substitute media who speak under no restraint.

What Cheney and the radio demagogues sowed, the less gifted members of the Republican minority in Congress gratefully reaped. The minority leader of the House of Representatives, John Boehner, said on 17 September on the PBS show NewsHour: ‘We’re in the middle of a modern-day political rebellion in America.’ Interviewer: ‘Rebellion?’ Boehner: ‘Rebellion’. He repeated the word without compunction, and added: ‘I’ve never seen anything like this.’ The tone of our public ‘conversation’ (he chose with malice the soft liberal word) Boehner pronounced to be healthy. He only hoped the crowds ‘would be civil’ or somehow would not become ‘too hateful’. But with Cheney at its head – a rebel against the constitution and a man above the laws since 2002 – the popular movement for nullification of the laws of the federal government has again become a force in American life.

Talk radio in the United States is a law unto itself. With the diffusion of authority that has followed wide adoption of the internet, Fox News Radio and Fox TV may be the only major outlets that still command a sizeable fraction of the audience of the old networks. The intuition of Obama and his advisers must have been that any protest in these byways of discourse was right-wing business as usual. That lazy assumption left them unequipped for the gravity of the challenge. They thought the anger would simmer and die down. It did not occur to them that it might simmer and boil. If a threat is seen to spring from a determined opponent, Obama’s inclination is generally to let it go. He will emerge (he trusts) in the long run as the man who takes long views. By the effects of these postponements, however, he is forever giving new hostages to the truckle of compromise; he is put in the position of backing away while his enemies pick up strength; and in a leader whose nature is conciliatory, this means that the declared scope of every undertaking slowly shrinks and recedes. Guantánamo will be closed but not as soon as we said. Israel must recognise the wrong of further expansion of the settlements, but Israel will not be required to stop soon. Healthcare will be passed on some terms or other, but government will not compete with the big insurers; price reductions will be conceived and executed by private consortiums; illegal immigrants will stay uninsured; and even legal immigrants will be prohibited from buying coverage.

There were plenty of people in December 2008 who nursed a prejudice against Obama but were still in search of reasons to back it. Rush Limbaugh was the radio talker who brought those people to a boil. Limbaugh’s style is a mixture of bluster, clowning and poison, in proportions hard to capture without his voice in your ear – a ‘fat’ voice, someone called it, that shifts in a beat from muttering to imprecation. It is always excited, always breathless, yet the pace is unhurried. Part of the appeal lies in a conscious and amiable egotism. ‘Rush Limbaugh,’ he will introduce himself after an ad, ‘with talent on loan from God.’ ‘El Rushbaugh, serving humanity (simply by being here).’ He tells people to believe him and believe no one else: ‘Shown by scientific study to be right 99.1 per cent of the time.’ He was capable, early, of nicknaming Obama ‘Bamster’ (to rhyme with ‘ham’), a semi-affectionate take-down in the parlance of fraternity boys. He nicknamed the health plan, with automatic sarcasm, ‘ObamaCare’. But the tone grew noticeably more bitter by late July. ‘You don’t know how difficult it is for me to say: the president of the United States is lying through his teeth.’ By 5 August it was ominous to the point of open menace: ‘The president of the United States, who is president of all of us, has decided to take aim at over half of the American people as political opponents.’

He was the scourge of Obama in the summer, a palpable challenge to his claim of legitimacy, as much as Cheney was in the spring. On his show of 27 July, Limbaugh could boast without exaggeration: ‘July is the month of horrors for Obama and the Democrats. And I am largely the reason why.’ In the absence of these accusers, the Republican Party would be adrift. With the impetus of such voices, it now stands a chance of winning the midterm elections in 2010. Limbaugh was placed on the defensive some months ago when he said that he wanted President Obama to fail. This seemed an insult to the office as well as the man. It also seemed to suggest a peculiarly self-separating definition of national loyalty. But he justified himself by remarking that Obama’s success would mean the end of America as we knew it. (The president had to fail for the country to succeed.) A link between Cheney and Limbaugh certainly exists. Limbaugh, unlike the other far right hosts, shuns the interviewing of guests, and yet Cheney, who for his part shuns interviews, was the guest of Limbaugh even when he was vice president. More recently Limbaugh has interviewed him in the role of ex officio party counsellor.

When I started taking notes for this piece at the end of the summer, violence was in the air. Has it passed? A protest march was shepherded to the Washington Mall and a monster rally of 100,000 was held on 12 September, the day after the anniversary of the World Trade Center and Pentagon attacks. One message of the demonstration was a rebuke of Obama’s supposed offence against patriotic memory by his naming of 11 September as National Day of Service and Remembrance. Service – except for military service – is heard on the American right as a codeword or moral wedge for socialism: it is to socialism as doubt is to atheism. Probably they wanted something more like Pearl Harbor Day (though that is no longer commemorated). But when was there ever a rational fit between the size of a grievance flourished by an audience like this and a single cause the crowd can name?

‘They’ve taken on too much, too fast,’ Limbaugh said of Obama’s domestic curriculum, ‘and they’re not doing it right.’ That was in late spring; and it was close to common sense. By late summer the mood on the right was reminiscent of the rage against Kennedy in 1962, which passed through November 1963 unchastened, and attained a temporary climax with the nomination of Barry Goldwater as the Republican presidential candidate in 1964. It surfaced again in the run-up to the Clinton impeachment in 1996-97; but the fury of that time was allowed to take a detour through sex mania. Given the emotions he was up against, Clinton may have got off lightly.

Malthus’s doctrine on population and the necessity of many living in adversity, Hazlitt wrote, was a gospel ‘preached to the poor’. Equality in the United States in the early 21st century has become a gospel preached by the liberal elite to a populace who feel they have no stake in equality. Since the Reagan presidency and the dismemberment of the labour unions, America has not known a popular voice against the privilege of the large corporations. Yet without such a voice from below, all the benevolent programmes that can be theorised, lacking the ground note of genuine indignation, have turned into lumbering ‘designs’ espoused by the enlightened for moral reasons that ordinary people can hardly remember. The gambling ethic has planted itself deep in the America psyche – deeper now than it was in 1849 or 1928. Little has been inherited of the welfare-state doctrine of distributed risk and social insurance. The architects of liberal domestic policy, put in this false position, make easy prey for the generalised slander that says that all non-private plans for anything are hypocritical.

Afghanistan is the largest and the most difficult crisis Obama confronts away from home. And here the trap was fashioned largely by himself. He said, all through the presidential campaign, that Iraq was the wrong war but Afghanistan was the right one. It was ‘a war of necessity’, he said this summer. And he has implied that he would accept his generals’ definition of the proper scale of such a war. Now it appears that Afghanistan is being lost, indeed that it cannot be controlled with fewer than half a million troops on the ground for a decade or more. The generals are for adding troops, as in Vietnam, in increments of tens of thousands. Their current request was leaked to Bob Woodward, who published it in the Washington Post on 21 September, after Obama asked that it be kept from the public for a longer interval while he deliberated. The leak was an act of military politics if not insubordination; its aim was to show the president the cost of resisting the generals.

The political establishment has lined up on their side: the addition of troops is said to be the most telling way Obama can show resoluteness abroad. This verdict of the Wall Street Journal, the Post and (with more circumspection) the New York Times was taken up by John McCain and Condoleezza Rice. If Obama declined at last to oppose Netanyahu on the settlement freeze, he will be far more wary of opposing General Petraeus, the commander of Centcom. Obama is sufficiently humane and sufficiently undeceived to take no pleasure in sending soldiers to their deaths for a futile cause. He will have to convince himself that, in some way still to be defined, the mission is urgent after all. Afghanistan will become a necessary war even if we do not know what marks the necessity. Robert Dole, an elder of the Republican Party, has said he would like to see Petraeus as the Republican candidate in 2012. Better to keep him in the field (this must be at least one of Obama’s thoughts) than to have him to run against.

For Obama to do the courageous thing and withdraw would mean having deployed against him the unlimited wrath of the mainstream media, the oil interest, the Israel lobby, the weapons and security industries, all those who have reasons both avowed and unavowed for the perpetuation of American force projection in the Middle East. If he fails to satisfy the request from General McChrystal – the specialist in ‘black ops’ who now controls American forces in Afghanistan – the war brokers will fall on Obama with as finely co-ordinated a barrage as if they had met and concerted their response. Beside that prospect, the calls of betrayal from the antiwar base that gave Obama his first victories in 2008 must seem a small price to pay. The best imaginable result just now, given the tightness of the trap, may be ostensible co-operation with the generals, accompanied by a set of questions that lays the groundwork for refusal of the next escalation. But in wars there is always a deep beneath the lowest deep, and the ambushes and accidents tend towards savagery much more than conciliation.

Sobre o autor

David Bromwich teaches English at Yale. How Words Make Things Happen is out now.

10 de outubro de 2009

Guerra e prêmios da paz

O desanimador prêmio do prêmio Nobel coloca Barack Obama na lista de seus vencedores que prometeram a paz, mas prosseguiram com a guerra

Howard Zinn


Vencedor do Prêmio Nobel da Paz Henry Kissinger (à direita) com Richard Nixon. Fotografia: AP

Tradução / Fiquei consternado quando soube que Barack Obama recebeu o prémio Nobel da Paz. Um choque, realmente, pensar que um presidente que leva a cabo duas guerras receberia um prémio da paz. Até que me lembrei que Woodrow Wilson, Theodore Roosevelt e Henry Kissinger tinham, todos, recebido prémios Nobel da Paz. O comité Nobel é famoso pelas suas avaliações superficiais, por se deixar conquistar pela retórica e por gestos vazios, e ignorar óbvias violações da paz mundial.

Sim, Wilson recebe crédito pela Liga das Nações - esse corpo ineficiente que não fez nada para prevenir a guerra. Mas ele tinha bombardeado a costa mexicana, enviado tropas para ocupar o Haiti e a República Dominicana, e levado os EUA para o matadouro da Primeira Guerra Mundial na Europa, seguramente entre as mais estúpidas e mortíferas guerras.

Certo, Theodore Roosevelt negociou a paz entre o Japão e a Rússia. Mas era um amante da guerra, que participou da conquista de Cuba pelos EUA, fingindo libertá-la da Espanha, enquanto apertava os grilhões estadunidenses sobre essa pequena ilha. E, como presidente, presidiu à guerra sangrenta para subjugar os filipinos, felicitando mesmo um general estadunidenses que tinha acabado de massacrar 600 aldeões indefesos nas Filipinas. O comité não deu o prémio Nobel a Mark Twain, que denunciou Roosevelt e que criticou a guerra, nem a William James, dirigente da liga anti-imperialista.

Ah! sim, o comité achou apropriado dar um prémio da paz a Henry Kissinger, porque ele assinou o acordo final que pôs fim à guerra do Vietname, da qual fora um dos arquitetos. Kissinger, que acompanhou obsequiosamente a expansão da guerra de Nixon com o bombardeamento de aldeias camponesas no Vietname, no Laos e no Camboja. Kissinger, que se coaduna perfeitamente com a definição do criminoso de guerra, teve um prémio da paz!

As pessoas deveriam receber um prémio da paz não com base em promessas que tenham feito - tal como Obama, um eloquente fazedor de promessas -, mas com base em feitos reais no sentido de acabar com a guerra; e Obama tem prosseguido as acções militares mortíferas e desumanas no Iraque, no Afeganistão e no Paquistão.

O comitê Nobel da paz deveria retirar-se e entregar os seus enormes fundos a alguma organização internacional da paz que não seja assombrada pelo estrelato e pela retórica, e que tenha alguma compreensão da história.

9 de outubro de 2009

Obituário de Giovanni Arrighi

Economista político e historiador do capitalismo global

David Harvey

The Guardian


O scholar italiano da economia política e da sociologia Giovanni Arrighi, que morreu de câncer de aos 71 anos, foi um excelente professor e mentor. Ele será melhor lembrado por sua trilogia de trabalhos que analisam o capitalismo global, O Longo Século XX: Dinheiro, Poder e as Origens dos Nossos Tempos (1994); Caos e Governança no Sistema Mundial Moderno (com sua esposa, Beverly Silver, 1999); e Adam Smith em Pequim: Origens e Fundamento do Século XXI (2007).

Nessas obras, ele identificou quatro ciclos sistêmicos de acumulação na história do capitalismo global. As crises sistêmicas que produziram tais reorganizações, argumentou, foram precedidas por fases de expansão financeira. Apelando ao conceito de hegemonia de Antonio Gramsci, ele forneceu um relato convincente de mudanças de poder dentro do sistema interestatal das cidades-Estado italianas do século XVI para os Países Baixos do século XVII, para a Grã-Bretanha do século 19 e depois para os EUA depois de 1945. Ele abriu um debate fértil sobre uma possível mudança hegemônica futura para a China e para o Leste da Ásia e sobre a compreensão da governança chinesa e sua longa história de dissidência interna.

Giovanni nasceu em Milão no que ele descreveu como uma família "burguesa". Tanto seu pai quanto seu avô dirigiam negócios e, quando o primeiro morreu em 1956, Giovanni tentou, sem sucesso, manter o negócio à tona antes de ir trabalhar na loja em uma das empresas de seu avô. Enquanto isso, estudou economia na Bocconi University, em Milão. Sua tese sobre a eficiência da loja o convenceu de que a teoria econômica que ele havia ensinado era irrelevante para a produção e a distribuição. Esta conclusão foi reforçada quando assumiu o cargo de ensino de economia no Colégio Universitário de Rodésia e Nyasaland em 1963. Seus estudos sobre desenvolvimento e trabalho no sul da África levaram-no aos campos da economia política e da sociologia histórica comparativa. Os compromissos anti-racistas formados lá duraram o resto de sua vida.

Expulso da Rodésia, agora Zimbabwe, em 1966, passou três anos excitantes em Dar es Salaam, no que é agora a Tanzânia, onde conheceu um grupo extraordinário de estudiosos e ativistas como Samir Amin, Walter Rodney, Andre-Gunder Frank, Immanuel Wallerstein e John Saul, todos os quais, juntamente com Giovanni, deveriam fazer grandes contribuições para a compreensão do capitalismo global.

Voltando a uma posição na Itália em 1969, Giovanni ficou enredado na política. Um membro fundador do "Gruppo-Gramsci" que procurou ligar trabalhadores de lojas com intelectuais, ele também promoveu seus estudos do trabalho e desenvolvimento econômico, particularmente na Calábria, no sul da Itália. A Geometria do imperialismo, um artigo seminal sobre a teoria da crise, escrita para os trabalhadores e outra sobre o fornecimento de mão-de-obra na perspectiva histórica foram produtos deste período.

Sua mudança para a Universidade Estadual de Nova York em Binghamton no final da década de 1970 mostrou-se decisiva. Ele se juntou ao grupo da teoria do sistema-mundo no Centro Braudel, fundado por Wallerstein, e escreveu O Longo Século XX.

Em 1998, mudou-se para a Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, Maryland, onde presidiu o departamento de sociologia. Ao pesquisar Adam Smith em Pequim, ele reuniu estudantes e estudantes de pós-graduação proeminentes do leste asiático com o objetivo de desafiar as imagens estereotipadas da China e colocar sua longa história em uma mais coerente perspectiva global.

Giovanni teve a extraordinária habilidade de extrair padrões claros das complexidades do redemoinho do histórico. Ele também possuía a integridade e paciência acadêmica para reunir evidências convincentes de seus argumentos, estabelecendo assim sua reputação como um dos maiores sociólogos históricos comparativos. Sua irresponsável cortesia e generosidade em relação a seus colegas (particularmente com aqueles com quem ele discordava) e, acima de tudo, para com seus muitos alunos, vai fazer falta.

História, ele gostava de comentar, nunca é um acordo feito, mais do que os quadros que planejamos para compreendê-lo. Ele tinha, ele uma vez me disse, apenas dois arrependimentos: que ele não tinha aprendido a tocar piano ou conversar em mandarim. No entanto, ele nos ensinou a pensar sobre a China de uma maneira radicalmente diferente e sua capacidade de togar requintadamente nas infinitas variações da história da acumulação capitalista ecoará em nossos ouvidos.

Giovanni deixou Beverly e Andrea, um filho de um antigo casamento.

- Giovanni Arrighi, economista político e sociólogo, nascido em 7 de julho de 1937; morreu 18 de junho de 2009

8 de outubro de 2009

A anarquia do sucesso

William Easterly


Os Bong Bongs da China
John Stanmeyer / VII

Resenhas:

The Drunkard's Walk: How Randomness Rules Our Lives
por Leonard Mlodinow
Vintage, 252 pp., US$ 15,00 (papel)

Bad Samaritans: The Myth of Free Trade and the Secret History of Capitalism
por Ha-Joon Chang
Bloomsbury, 276 pp., US$ 28,95

Entre os economistas, os países mais famosos pelo rápido crescimento econômico são a "Gangue dos Quatro" do Leste Asiático: Hong Kong, Coreia do Sul, Cingapura e Taiwan. Entre 1960 e 2007, as rendas nesses países cresceram em média mais de 5% a cada ano. Eles se juntaram recentemente à China, cujo extraordinário desenvolvimento econômico lhe deu um crescimento per capita anual no mesmo período de 6,2%, ficando atrás apenas de Botsuana, com 6,5%. Isso significa que a renda média na China era dezessete vezes maior em 2007 do que em 1960.1

O sucesso da Gangue dos Quatro do Leste Asiático — e agora da China — exerceu uma atração irresistível para pesquisadores de crescimento. Economistas acadêmicos que estavam acostumados a estudar se uma reforma tributária politicamente difícil poderia melhorar a vida dos americanos em uma quantia equivalente a 0,1% do PIB dos EUA correram para um campo de investigação que promete explicar como aumentar sua renda dezessete vezes mais. Avanços teóricos no final da década de 1980 por Paul Romer (agora em Stanford) e pelo ganhador do prêmio Nobel Robert Lucas ajudaram a inspirar um esforço notável dos economistas para encontrar nos dados empíricos quais fatores levam ao crescimento de forma confiável. No entanto, centenas de artigos de pesquisa depois, chegamos a um ponto final surpreendente: não sabemos.

Em 2003, Arnold Harberger, um economista de livre mercado da Universidade de Chicago, observou que "não há muitas políticas que podemos dizer com certeza... afetam o crescimento". Um ano depois, um grupo de economistas famosos (incluindo alguns no extremo liberal do espectro, como Paul Krugman e Joseph Stiglitz) produziu algo chamado Agenda de Desenvolvimento de Barcelona que anunciou: "Não há um único conjunto de políticas que possa garantir o crescimento sustentado". E em 2007, o reitor de pesquisa de crescimento, ganhador do Nobel Robert Solow, disse: "Na vida real, é muito difícil mover a taxa de crescimento permanente; e quando isso acontece... a fonte pode ser um pouco misteriosa, mesmo depois do fato".

Em vista dessa ignorância reconhecida, como ainda pode haver tantos escritores que afirmam saber como promover o crescimento? The Drunkard's Walk, de Leonard Mlodinow, oferece uma visão crucial. Os humanos são otários por encontrar padrões onde nenhum realmente existe, como ver as formas de leões e girafas nas nuvens. Não era que os economistas não tivessem explicações sobre o que causa o crescimento. Pelo contrário, tínhamos muitas. Uma pesquisa de campo contou nada menos que 145 fatores separados que foram encontrados associados ao crescimento. Mas a maioria desses padrões eram espúrios, porque não se sustentavam quando outros pesquisadores tentavam replicá-los. Os economistas podem dizer algo útil sobre o sucesso econômico, mas temos que limpar muita falsa confiança antes de chegarmos a esse ponto.

Em Bad Samaritans, Ha-Joon Chang é tanto um crítico quanto um fornecedor dessa confiança excessiva. Ele critica corretamente aqueles que fizeram alegações excessivamente fortes de livre comércio e capitalismo ortodoxo, mas então ele se vira e faz alegações igualmente fortes de protecionismo e o que ele chama de capitalismo "heterodoxo", que inclui características como promoção governamental de indústrias favorecidas, empresas estatais e regulamentação pesada de investimento estrangeiro direto. Ele parece desconhecer tanto os perigos dos padrões espúrios quanto a falha da maioria das pesquisas anteriores em estabelecer padrões verdadeiramente verificáveis ​​para explicar o crescimento — cometendo em seu próprio argumento muitos dos erros comuns que Mlodinow identifica.


Vamos primeiro dar crédito a Chang por sua exposição dos dogmáticos líderes de torcida do livre comércio como um pré-requisito para o crescimento. De acordo com Chang, o pior infrator neste grupo é o colunista do New York Times Thomas Friedman, que em seu livro best-seller The Lexus and the Olive Tree identificou uma "camisa de força dourada" de condições que eram supostamente necessárias para um país escapar da pobreza: privatização, governo pequeno, livre comércio, desregulamentação, etc. Chang ridiculariza Friedman corretamente por declarações como "Infelizmente, esta camisa de força dourada é praticamente 'tamanho único'. ... Nem sempre é bonita, gentil ou confortável. Mas está aqui e é o único modelo na prateleira nesta temporada histórica." Essas declarações não têm base em nenhum corpo de evidências, pois acabamos de ver que os economistas não tiveram sucesso em encontrar um caminho infalível para o sucesso.

Infelizmente, Chang então faz afirmações absurdas sobre suas próprias políticas preferidas. Ele argumenta que o sucesso de países como a Gangue dos Quatro do Leste Asiático pode ser replicado por outros países — ele cita Moçambique como um possível exemplo em sua introdução — se eles adotarem políticas "heterodoxas" que misturam comércio e protecionismo. Em outro ponto, ele sugere que sua abordagem preferida permitiria que um país aumentasse sua renda oito vezes ao longo de algumas gerações.

Como Chang se sai no teste de "padrões nas nuvens"? A primeira falácia que ele comete é o que Mlodinow chama de misturar probabilidades condicionais. Mlodinow explica isso relatando a história de um médico que lhe disse, com base em um resultado de teste, que havia uma probabilidade de 99,9% de que Mlodinow fosse HIV positivo ("Sinto muito", disse o médico). Depois de entrar em pânico inicialmente, Mlodinow descobriu que a probabilidade correta de que ele fosse HIV positivo com base no resultado positivo do teste era de apenas cerca de 9%; testes subsequentes de fato confirmaram que ele não tinha HIV. O médico baseou seu veredito errôneo no fato de que pessoas que têm HIV testarão positivo para HIV 99,9% das vezes. Em outras palavras, a probabilidade de se for HIV positivo, então testar positivo era de 99,9%. Mas Mlodinow, diferentemente do médico propenso a falácias, sabia que a probabilidade relevante para ele era o inverso: se você testar positivo, então qual é a chance de você ser HIV positivo?

Isso é muito diferente porque apenas cerca de um em cada 10.000 homens brancos heterossexuais, não usuários de drogas intravenosas (categoria de Mlodinow) é realmente HIV positivo. Então, em uma amostra de 10.000 nesta categoria, o único homem HIV positivo testará positivo. No entanto, como um em cada 1.000 homens HIV-negativos também testará falsamente positivo (dando a estatística de confiabilidade do teste aparentemente impressionante de 99,9%), haverá dez homens em 10.000 que testarão falsamente positivo, além daquele que é realmente HIV-positivo. Então, para alguém como Mlodinow, a probabilidade de que se você testar positivo, então você é HIV-positivo é de apenas um em onze, ou 9%.

Chang comete exatamente o mesmo erro que o médico: ele baseia a maior parte de seu argumento na probabilidade de que se você for uma economia bem-sucedida da Gangue dos Quatro do Leste Asiático, então você tem políticas da Gangue dos Quatro do Leste Asiático. Essa probabilidade é de 100 por cento por construção. Mas para outro país tentando avaliar essas políticas, o que ele precisa saber é: se eu adotar as políticas da Gangue dos Quatro do Leste Asiático, qual a probabilidade de eu ter um crescimento econômico comparável ao da Gangue dos Quatro do Leste Asiático? Chang nunca tenta calcular essa probabilidade radicalmente diferente. Para fazer isso, teríamos que levar em conta todos os países que tentaram o protecionismo. Este grupo agora incluiria alguns grandes desastres que eram muito protecionistas, como a Tanzânia dos anos 1960 até os anos 1980, quando a produção por trabalhador de fábrica estava em declínio acentuado, apesar dos enormes investimentos estatais na manufatura. A fábrica de calçados Morogoro, estabelecida na Tanzânia durante esse tempo, deveria se tornar uma grande exportadora, mas nunca produziu mais do que 4% da capacidade e então faliu.

Chang cita exemplos de empresas estatais como a Singapore Airlines, que foram apoiadas por subsídios por anos antes de gerarem lucros, para argumentar que "os países devem desafiar o mercado e entrar em indústrias difíceis e mais avançadas se quiserem escapar da pobreza". Todos nós amamos histórias de sucesso após episódios de fracasso. E, de fato, a probabilidade de que, se você é um sucesso hoje, então você teve algum episódio passado de fracasso em seu caminho para o sucesso é bastante alta. No entanto, a probabilidade que precisamos saber é: entre as empresas que tiveram desempenho cronicamente ruim, quantas delas mais tarde se tornaram bem-sucedidas? A resposta é, surpresa: a maioria das falhas continua a falhar! A Kenya Railways falha cronicamente em fornecer um serviço decente ou em cobrir suas perdas, apesar de décadas de tentativas de recuperação. A estatal Ajaokuta Steel Company na Nigéria gastou US$ 6 bilhões tentando "desafiar o mercado", mas ainda não produziu uma barra de aço. Há também companhias aéreas em Angola, Benim, República Democrática do Congo, Guiné Equatorial, Indonésia, República do Quirguistão, Libéria, Serra Leoa e Suazilândia, todas tão ruins que a União Europeia as baniu do espaço aéreo europeu.

Esses exemplos sugerem a possibilidade de que obter a probabilidade condicional errada pode ser positivamente prejudicial. Mas Chang estava pelo menos correto ao concluir que a maioria dos sucessos foi, até certo ponto, resultado de "proteção, subsídios e regulamentação"? Esta é uma das partes mais novas de seu argumento: ele sugere que os países ricos da América do Norte e da Europa seguiram tais estratégias protecionistas e nacionalistas antes de se tornarem economias avançadas. Portanto, eles estão sendo "maus samaritanos" quando aconselham os países em desenvolvimento a buscar o livre comércio laissez-faire, "chutando a escada" que eles próprios subiram para ter sucesso. Chang é pelo menos parcialmente convincente: houve mais desvios do laissez-faire na história americana e europeia do que alguns ideólogos gostariam de admitir. Mas quão bom é seu caso geral?


Primeiro, a mudança no aconselhamento sobre desenvolvimento na década de 1980 em direção ao livre comércio e mercados livres não teve nada a ver com a história econômica dos próprios países ricos. Sua própria experiência nunca teve muito papel no pensamento sobre desenvolvimento, seja na década de 1940, na década de 1980 ou em qualquer outro momento. Os primeiros economistas do desenvolvimento rejeitaram a relevância dessa história por dois motivos principais. Primeiro, eles visavam encontrar soluções rápidas para a pobreza mundial, e o desenvolvimento da Europa e da América tinha sido muito gradual. Segundo, na década de 1940, o capitalismo europeu-americano tinha sido desacreditado pela Grande Depressão e pelo planejamento estatal dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial.

Ambos os motivos fizeram com que economistas da década de 1940 até a década de 1970 recomendassem o tipo de planejamento estatal voltado para dentro que Chang gosta. O que mais tarde mudou o pensamento em direção ao comércio e aos mercados, ironicamente para Chang, foi o rápido crescimento inesperado da Gangue dos Quatro do Leste Asiático. Chang e aqueles que ele critica concordam: "seja como a Coreia". Eles simplesmente não concordam sobre o que significa "ser como a Coreia".

Isso é o que Mlodinow chama de "viés de confirmação". Quando as evidências são misturadas, tendemos a selecionar as partes das evidências que confirmam o que já acreditamos. Pró-comerciantes como Anne Krueger, economista-chefe do Banco Mundial na década de 1980, notaram que o crescimento espetacular da Coreia foi baseado na forte participação no comércio global e, especialmente, no grande sucesso das exportações coreanas. Chang e outros protecionistas, em contraste, atribuem o desempenho da Coreia a tarifas ou cotas significativas sobre importações. Da mesma forma, Chang escolhe a Gangue dos Quatro como histórias de sucesso a serem imitadas, porque eles tiveram o maior crescimento per capita do mundo desde 1960 — exceto por um outro país, Botsuana. No entanto, ele não discute em nenhum lugar esse outro caso de crescimento notavelmente alto. O Botsuana de livre comércio, livre mercado e democrático foi deixado de fora porque vai contra seu viés de confirmação? Leitores preocupados podem querer saber.

Ed Kashi

Mulheres Urhobo assando tapioca em canos quentes emitindo um sinalizador de gás, Afiesere, Nigéria; fotografia de Ed Kashi de seu livro Curse of the Black Gold: Fifty Years of Oil in the Niger Delta, editado por Michael Watts e publicado pela powerHouse

Chang mostra outros sinais de viés de confirmação. Sua principal evidência para a superioridade das políticas heterodoxas, que ele repete várias vezes ao longo do livro, é que os países em desenvolvimento cresceram durante o período "heterodoxo" das décadas de 1960 e 1970 "em média, ao dobro da taxa" que cresceram desde a década de 1980, quando as políticas de livre comércio "neoliberais" se tornaram ortodoxas. A grande questão é: que ano devemos escolher como o ponto de ruptura entre a era protecionista e a era do livre comércio? É fácil manipular pontos de ruptura para confirmar suas crenças.

Chang escolhe 1980 como o grande ponto de virada, permitindo-lhe calcular um crescimento médio per capita de 3% nos países em desenvolvimento entre 1960 e 1979, com um crescimento médio de 1,7% nos mesmos países de 1980 a 2002.2 Mas Chang em outro lugar sugere que a mudança na política ocorreu por volta de 1983. Os países em desenvolvimento, ele escreve, foram "primeiramente pressionados pelo FMI e pelo Banco Mundial" a liberalizar o comércio "após a crise da dívida do Terceiro Mundo de 1982". Mas se tomarmos 1983 como o ponto de ruptura, a mudança nas taxas de crescimento é menos dramática: 2,6% entre 1960 e 1982, em comparação com 1,8% entre 1983 e 2002. (Houve uma grande recessão em 1980-1982, então é um pouco suspeito que Chang inclua esse momento ruim no período de livre mercado, embora ele diga que a mudança de política não ocorreu até 1983.)

Outra maneira clássica de verificar as alegações de antes e depois é encontrar alguns dados novos. Agora temos dados até 2008. Se incluirmos esses dados mais recentes e usarmos o próprio ponto de ruptura da política de Chang de 1983, não há praticamente nenhuma mudança: o crescimento nos países em desenvolvimento foi de 2,6% entre 1960 e 1982 e 2,7% entre 1983 e 2008. A principal evidência de Chang vai por água abaixo quando corrigimos o viés de confirmação.

E quanto à história econômica americana e europeia anterior? Embora essa história não tenha sido influente para economistas do desenvolvimento, ela é obviamente relevante. Infelizmente, no entanto, Chang escolheu mais uma vez os episódios que confirmam a história que ele quer contar. Ele mostra que a política comercial dos EUA oscilou entre protecionismo e livre comércio, mas não menciona que a taxa média de crescimento per capita nos EUA, independentemente da direção da política, tem sido notavelmente estável por dois séculos. Ele também não observa que os países ricos frequentemente protegeram a agricultura em vez da indústria.3

Em contraste com suas políticas protecionistas em casa, Chang sugere que a Europa e os Estados Unidos frequentemente impuseram livre comércio aos países em desenvolvimento durante a era colonial. Mas o conceito de "imperialismo de livre comércio" foi contrariado décadas atrás pelo historiador econômico D.C.M. Platt.4 Sim, a metrópole queria matérias-primas de colônias e outras fontes de importação e desencorajou a indústria em algumas ocasiões, mas Platt mostrou que não há um padrão histórico geral de "imperialismo de livre comércio". Mais importante, Chang ignora a maior barreira ao livre comércio em países pobres — os custos de transporte. Com longas distâncias separando-os da Europa e da América, e uma infraestrutura de transporte ainda mais primitiva e escassa, os países pobres tinham bastante "proteção" contra importações baratas até meados do século XX.

Enquanto isso, havia um comércio crescente entre os países europeus por rios, canais, ferrovias e viagens costeiras curtas. Os portos orientais dos Estados Unidos e os portos da Europa Ocidental eram conectados por boas rotas oceânicas e, por sua vez, eram conectados a vastos mercados interiores por uma boa infraestrutura. Durante esse longo período em que os países não europeus estavam ficando cada vez mais para trás, seria difícil argumentar que o resto do mundo era de fato mais "livre comércio" do que a Europa e a América. Se ampliarmos a questão para considerar quais regiões tinham instituições como leis de propriedade e bancos comerciais para apoiar "mercados livres", o consenso é que o resto do mundo era de fato menos "livre mercado" do que a Europa e a América. Então, enquanto Chang mostra que a história da industrialização nos países agora ricos foi muito mais complicada do que a adoção do laissez-faire, ele não percebe como esses países avançaram ao longo de um longo período, quando eram, em geral, mais adeptos do livre comércio e do livre mercado do que o resto do mundo.


Mas e quanto ao fracasso da pesquisa econômica em estabelecer o que determina o crescimento, citado no início deste artigo? Foi por causa dessas mesmas falácias? A maioria dos pesquisadores de crescimento não reverteu probabilidades condicionais; em vez de focar apenas em quais políticas as histórias de sucesso seguiram, como Chang faz, comparamos as políticas médias nos fracassos com aquelas nos sucessos. Isso eliminou o caso do protecionismo e da política industrial, porque eram tão comuns entre os fracassos quanto entre os sucessos. Mas também eliminou o caso oposto do livre comércio e dos mercados livres, porque eles também falharam em mostrar uma associação confiável com o crescimento per capita no curto e médio prazo.

Infelizmente, tínhamos muitas respostas sobre como aumentar o crescimento. As 145 "respostas" separadas surgiram por causa de uma versão um pouco mais sofisticada do "viés de confirmação". Quando você estuda o efeito de uma política específica no crescimento, também precisa controlar alguns dos outros fatores que o afetam, para os quais há possibilidades praticamente infinitas. Também há muitas maneiras possíveis de medir a política que você está estudando. Todas essas possibilidades sugerem que você pode continuar tentando vários exercícios estatísticos diferentes até obter o resultado que esteja de acordo com suas crenças anteriores.

Para o crédito dos economistas, pelo menos temos maneiras de capturar o viés de confirmação, como adicionar novos dados, como fiz com o exercício de antes/depois de Chang acima. Mas os economistas, incluindo Chang e quase todos os outros, também sofrem de uma terceira falácia comum, o que Mlodinow (seguindo o ganhador do Nobel Daniel Kahneman) chama de Lei dos Pequenos Números. Esta é uma referência sarcástica à Lei dos Grandes Números, na qual você pode ter um alto grau de confiança no valor médio de uma amostra se a amostra incluir um número muito grande de observações. A Lei dos Pequenos Números é quando você para muito antes de ter observações "suficientes" e mostra alta confiança de qualquer maneira. A Lei dos Pequenos Números é nossa tendência de julgar o desempenho por uma fatia muito pequena de experiência.

Os primeiros economistas do desenvolvimento cometeram esse erro quando rejeitaram o capitalismo euro-americano com base na Grande Depressão e no bom desempenho do crescimento soviético durante o mesmo período. Essas acabaram sendo aberrações no longo prazo da história econômica, na qual o capitalismo superou decisivamente o planejamento central. Da mesma forma, Chang em um ponto sugere como evidência de que o livre comércio não está funcionando o fato de que o México teve apenas 1,8% de crescimento per capita de 1994 a 2002 — o período após a promulgação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte. Mas o crescimento econômico é tão volátil entre e dentro dos países que leva um tempo para decidir quais políticas estão tendo um efeito positivo no crescimento.

Isso sugere a possibilidade de que se você obtiver um resultado associando alto crescimento a um país específico como característica em um período, é provável que ele desapareça no período seguinte. O próprio Chang mostra isso de forma divertida nas correlações espúrias que muitas vezes foram traçadas entre cultura e crescimento. Ser protestante era obviamente a melhor coisa para o crescimento, argumentou Max Weber; basta olhar para a Inglaterra e a América. Mas então a Irlanda católica, Portugal e Espanha começaram a crescer mais rápido do que os países protestantes! Bem, pelo menos Max Weber estava certo (olhando para o século XIX) que o confucionismo era ruim para o crescimento. Mas agora o Leste Asiático confucionista está crescendo mais rápido do que qualquer outro. Então, vamos celebrar os "valores japoneses" após o crescimento japonês notavelmente alto entre 1950 e 1990; mas não, o Japão estagnou principalmente desde 1990, então agora os valores japoneses não são tão atraentes. A lição é que, assim que você tiver uma "explicação" persuasiva para o crescimento, ficará surpreso com seu fracasso e o surgimento de uma nova.


Por que o crescimento é tão instável? Entre muitas outras razões, os países descobrem de repente "grandes sucessos" nos mercados de exportação e, em seguida, obtêm uma explosão de crescimento explorando esse avanço específico. Os quenianos capturaram o mercado europeu de flores de corte, os fijianos romperam no mercado americano de ternos de algodão femininos e os egípcios tomaram o mercado italiano de cerâmica para banheiro. Que receita heterodoxa ou ortodoxa o levaria a dizer aos egípcios: "simplesmente vendam vasos sanitários para os italianos"? “Aleatoriedade” no sucesso econômico não é aleatória no sentido de alguém jogando uma moeda, mas sim na incapacidade de prever quem estará no lugar certo na hora certa para vender a coisa certa para as pessoas certas. É por isso que a Lei dos Pequenos Números é prejudicial — você tira conclusões errôneas muito rápido.

Uma maneira de escapar da Lei dos Pequenos Números é tentar explicar os níveis de renda per capita já atingidos hoje em vez das taxas de crescimento. O nível de renda que você atingiu hoje o liberta de pequenos números porque reflete o resultado de toda a sua experiência de crescimento anterior. Então, vamos perguntar: quem são os países mais ricos e mais pobres agora, e qual é a diferença entre eles? Argumentei acima que os países agora ricos avançaram durante um longo período em que eram mais livres-comércio e livre-mercado (embora longe do laissez-faire) do que o resto do mundo. Os economistas, portanto, têm um grau muito maior de consenso sobre essa questão — tanto a evidência quanto a intuição sugerem que coisas como educação, propriedade privada, execução de contratos e liberdade de expropriação governamental contribuem para o desenvolvimento econômico.

Essas descobertas apenas confirmam o consenso ocidental em torno do conceito básico de um estado moldado pela democracia representativa, salvaguardando direitos individuais e fornecendo infraestrutura crucial, como transporte, ao mesmo tempo em que recompensa o empreendedorismo e a criatividade tecnológica. Essas ideias de senso comum resistiram ao teste do tempo por um longo período, tanto em sua aceitação pela população na maioria das sociedades economicamente bem-sucedidas (comparadas à sua ausência e rejeição em economias malsucedidas) quanto em suas consequências pragmáticas para a prosperidade (como mostrado pela comparação com a pobreza de estados que não têm a maioria das condições acima). O desenvolvimento é complexo demais para se encaixar nessas ideias 100% do tempo, é claro — há exceções autoritárias como Cingapura. A China ainda não é uma exceção porque seu nível de renda ainda é menor que um décimo do dos EUA. Podemos conjeturar que a rápida mudança na renda da China seguiu mudanças positivas nos direitos econômicos individuais (e até mesmo alguns políticos).

Isso não implica a extrema ortodoxia de livre mercado imputada por Chang a seus oponentes. Prosperidade não é uma camisa de força de Thomas Friedman, que vem apenas em uma cor, dourado. É mais como — desculpe por esticar demais essa metáfora — um varejista do Soho que deixa muitos clientes diferentes escolherem entre itens de roupa bastante semelhantes que os farão parecer melhores.

Mas acertar no longo prazo ainda deixa uma enorme insatisfação, porque a maioria de nós quer saber como chegar a um bom resultado muito mais rápido. Não é bom o suficiente se desenvolver gradualmente da mesma forma que os países ricos, quando tanta pobreza e miséria existem no terceiro mundo. A profissão de "especialista em desenvolvimento" existe expressamente para resolver esse problema. Mas, apesar de sessenta anos de pesquisa sobre desenvolvimento, o terceiro mundo não chegou nem perto de alcançar o primeiro mundo — ele cresceu na mesma taxa per capita que o primeiro mundo.

No entanto, a pobreza, conforme definida por uma linha de pobreza absoluta, diminuiu. O crescimento médio nos países em desenvolvimento de 1960 a 2008 foi de 2,7% ao ano nos padrões de vida, aumentando a renda por pessoa em 3,5 vezes nesse período. Houve apenas um crescimento baixo e irregular nesses mesmos países antes de 1960 (que é como eles acabaram sendo classificados como "terceiro mundo", como era definido naquela época). O crescimento de 2,7% ao ano significa que o último meio século apresentou a maior fuga da pobreza absoluta na história da humanidade. A pobreza absoluta é definida como a porcentagem da população mundial vivendo com um dólar por dia ou menos (ajustado para poder de compra), que caiu de 32% em 1960 para 10% hoje. O terceiro mundo está se aproximando de um nível de renda absoluta que verá o fim da pobreza extrema, mesmo que não esteja alcançando em termos relativos o primeiro mundo ainda crescente. As taxas de mortalidade infantil despencaram no mesmo período, e a democracia e os direitos individuais atingiram uma proporção maior da humanidade do que nunca.

Poucos desses ganhos parecem ter algo a ver com recomendações específicas de especialistas sobre estratégias de desenvolvimento. Apesar do ar de desespero de Chang sobre os especialistas estarem acertando (algo compartilhado por alguns dos oponentes do livre mercado de Chang), no final, o crescimento do terceiro mundo parece ter sido bastante à prova de especialistas. Talvez a prosperidade não seja, afinal, projetada de cima; talvez ela surja de baixo, das ações independentes de muitos indivíduos que descobrem seus próprios caminhos.

No final, a Coreia não precisava de especialistas como Ha-Joon Chang tanto quanto precisava de empreendedores como Ju-Yung Chung. Chung era filho de camponeses norte-coreanos, que teve que deixar a escola aos quatorze anos para sustentar sua família. Ele havia fracassado em empregos sucessivos como operário de construção ferroviária, estivador, contador e entregador de uma loja de arroz em Seul. Aos vinte e dois anos, ele assumiu a loja de arroz, mas ela fracassou. Ele abriu a A-Do Service Garage para fazer reparos de automóveis, que também fracassou. Aos trinta e um anos em 1946 em Seul, Chung novamente iniciou um serviço de automóveis, que finalmente se tornou seu primeiro negócio de sucesso. Esse serviço de automóveis cresceu e se diversificou ao longo dos anos. Agora é conhecido como Hyundai.

William Easterly é professor de Economia na NYU e autor de The Tyranny of Experts: Economists, Dictators, and the Forgotten Rights of the Poor. (novembro de 2016).

7 de outubro de 2009

O melhor ministro das relações exteriores do mundo

Este pode ter sido o melhor mês para o Brasil desde cerca de junho de 1494. Foi quando o Tratado de Tordesilhas foi assinado concedendo a Portugal tudo no novo mundo a leste de uma linha imaginária que foi declarada existir 370 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde. Isso garantiu que o que viria a ser o Brasil seria...

David Rothkopf


Juan Mabromata/ AFP Photo

Tradução / Este pode ter sido o melhor mês para o Brasil desde, aproximadamente, junho de 1494. Foi quando o Tratado de Tordesilhas foi assinado, garantindo a Portugal tudo no Novo Mundo a leste de uma linha imaginária que se declarou existir a 370 léguas a oeste do arquipélago de Cabo Verde. Isso assegurou que aquilo que viria a se tornar o Brasil seria português e, portanto, desenvolveria uma cultura e uma identidade muito diferentes do resto da América Latina Hispânica. Isso garantiu que o mundo tivesse samba, churrasco, a "Garota de Ipanema" e, por uma série de eventos incrivelmente fortuita, posto que tortuosa, Gisele Bündchen.

Embora tenha levado algum tempo para o Brasil corresponder à máxima dúbia de que era "o país do futuro e sempre o seria", restam poucas dúvidas de que o amanhã chegou para o país, mesmo que ainda reste muito por fazer para superar suas sérias contingências sociais e aproveitar seu extraordinário potencial econômico.

As evidências de que algo novo e importante estava acontecendo no Brasil começaram a se acumular anos atrás, quando o então presidente Cardoso engendrou uma mudança rumo à ortodoxia econômica que estabilizou um país sacudido por ciclos de expansão e queda e assombrosa inflação. Elas ganharam vulto, entretanto, no decurso do extraordinário mandato do atual presidente do País, Luís Inácio Lula da Silva.

Parte desse vigor se deve ao compromisso de Lula com a manutenção dos fundamentos econômicos lançados por Cardoso, uma manobra política corajosa para um líder trabalhista de longa data que pertence ao Partido dos Trabalhadores, até então na oposição. Parte se deve à sorte, uma mudança global do paradigma energético que ajudou os trinta anos de investimento brasileiro em biocombustíveis a começar a valer a pena - e de novas e importantes formas -; descobertas de jazidas de petróleo de grande porte no mar territorial brasileiro; e a demanda crescente da Ásia que permitiu ao Brasil se tornar um líder nas exportações agrícolas globais e assumir o papel de "provedor da Ásia". Porém, muito dessa pujança se deve à grande tarimba dos líderes brasileiros em aproveitar uma conjuntura que muitos de seus predecessores teriam provavelmente desperdiçado.

Dentre esses líderes, muito do crédito vai para o presidente Lula, que se tornou meio que um astro do rock no cenário internacional, ao amalgamar energia, iniciativa, carisma, intuição incomum e sensatez de forma tão eficaz que sua falta de educação formal jamais foi um empecilho. Algum mérito vai para membros de seu gabinete, como sua ministra-chefe da Casa Civil Dilma Rousseff, antes titular das Minas e Energia, que se tornou uma chefe de gabinete durona e possível sucessora de Lula. Mas acredito que um bom quinhão deva caber a Celso Amorim, que orquestrou uma transformação do papel mundial do Brasil quase sem precedentes históricos. Ele é o chanceler de Lula desde 2003 (tendo ocupado o cargo nos anos noventa), mas creio ser possível demonstrar que ele é, atualmente, o ministro do exterior mais bem sucedido do planeta.

É impossível identificar apenas um momento crucial nos esforços de Amorim em metamorfosear o Brasil, de poder regional dormente de proeminência internacional questionável, em um dos mais importantes protagonistas do cenário global, reconhecido por consenso como possuidor de um papel de liderança inaudito. Pode ter sido quando o ministro teve um papel central em arquitetar a rejeição, pelos países emergentes, de uma jogada de poder do tipo "nada de novo", por parte dos Estados Unidos e da Europa, durante a rodada de tratativas comerciais de Cancun em 2003. Pode ter sido o modo arguto como os brasileiros têm usado distinções como sua liderança em biocombustíveis para estabelecer novas pontes de diálogo e influência, seja com os Estados Unidos, seja com outras potências emergentes. Certamente, esse processo envolveu a determinação de Amorim em abraçar a idéia de converter os BRICs, antes apenas um acrônimo, numa importante instância geopolítica de colaboração, trabalhando com seus colegas na Rússia, na Índia e na China para institucionalizar o diálogo entre os países e harmonizar suas declarações. (Pode-se discutir a afirmativa de que o BRIC que mais ganhou com essa aliança seja o Brasil. Rússia, China e Índia merecem lugar à mesa em função do poderio militar, do peso demográfico, da força econômica ou dos recursos naturais. O Brasil possui todos esses atributos... mas em menor grau que os outros.) Também envolveu outras incontáveis peças de estratégia diplomática, que vão dos laços aprofundados e estreitados do Brasil com países como a China e o fomento tanto do fluxo de investimentos como de uma reputação de porto comparativamente seguro na turbulência econômica global; à afinidade mútua entre o novo presidente dos Estados Unidos e seu colega brasileiro - a ponto de o primeiro incentivar o último a servir de mediador, por exemplo, com os Iranianos. Concorde-se ou não com cada um de seus lances em searas como Honduras ou a OEA na questão cubana, o Brasil continua a desempenhar um papel regional importante, ainda que seja evidente que seu foco se deslocou para a cena global.

Nada ilustra tão bem a distância percorrida pelo Brasil ou a eficácia do time Lula-Amorim do que os eventos das últimas semanas. Primeiro, a decisão pelos países do mundo de descartar o G8 e abraçar o G20, assegurando ao Brasil um lugar permanente na mais importante mesa de negociações do mundo. Depois, o Brasil se tornou o primeiro país na América Latina a ganhar o direito de sediar os Jogos Olímpicos. O Financial Times de ontem noticiou que "A Ásia e o Brasil lideram o crescimento na confiança do consumidor", um reflexo da reputação que o País tem vendido com sucesso (com a maior parte do mérito indo para o ressurgente setor privado brasileiro). Acrescente-se a isso as reportagens desta semana sobre o encontro FMI-Banco Mundial em Istambul, que demonstram, com a concordância em mudar a estrutura do Fundo Monetário Internacional, uma institucionalização ainda maior do novo papel do Brasil. Segundo o Washington Post de hoje, "As nações também concordaram, em caráter preliminar, em reformular a estrutura de votos nacionais do Fundo, prometendo um arcabouço que aumente a representatividade de gigantes emergentes como o Brasil e a China por volta de janeiro de 2011."

Nada mal para alguns dias de trabalho. E conquanto seja o Ministério da Fazenda brasileiro que tenha assento no encontro de Istambul, o arquiteto inconteste desta notável transformação do papel do Brasil é Amorim.

Muito trabalho resta por fazer, é claro. Parte dele tem a ver como o novo papel que foi moldado. O Brasil quer um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas e um papel de liderança maior em outros organismos internacionais. Pode ser que os consiga, mas tem de manter seu crescimento e sua estabilidade para chegar lá. Ademais, o Brasil parece inclinado a minimizar ameaças regionais tais como a venezuelana. (Brasileiros tendem a tratar com condescendência os vizinhos ao norte quase tanto quanto os amigos argentinos ao sul... e assim eles subestimam a habilidade que têm homens como Hugo Chávez de cometer grandes estragos.) E eles terão uma eleição em breve que pode mudar o elenco de líderes e, naturalmente, mudar a atual trajetória de várias maneiras - boas e ruins.

Mas é difícil achar outro ministro das relações exteriores que tenha orquestrado com tanta eficácia uma transformação de tal magnitude do papel internacional de seu país. E é por isso que, se me pedissem hoje que depositasse meu voto para melhor chanceler do mundo, ele seria provavelmente para aquele filho nativo de Santos, Celso Amorim.

David Rothkopf é professor visitante na Escola de Relações Internacionais e Públicas da Universidade de Columbia e pesquisador visitante no Carnegie Endowment for International Peace. Seu último livro é The Great Questions of Tomorrow. Ele é colaborador de longa data da Foreign Policy e foi CEO e editor do FP Group de 2012 a maio de 2017. Twitter: @djrothkopf

1 de outubro de 2009

Os caminhos do mundo

Em uma entrevista gravada no início deste ano, Peter Gowan relembra sua trajetória política e intelectual, do fim dos impérios à militância marxista, dos estaleiros do Bloco Oriental à ascensão do Regime Dólar-Wall Street.

Peter Gowan


NLR 59 • Sept/Oct 2009

Peter Gowan

Os caminhos do mundo

Entrevistado por Mike Newman e Marko Bojcun

Você poderia nos contar sobre sua infância e educação?

Nasci em Glasgow em 1946 e depois me mudei para Belfast com minha mãe e minha irmã, onde moramos até meus oito anos. (Nosso pai era um escocês-canadense que passou sua licença de guerra com nossa mãe, mas voltou para sua esposa e família no Canadá no final da guerra.) Aos nove anos, fui enviado para uma escola preparatória na Inglaterra e depois para Haileybury e para o Imperial Service College. Esta era a antiga escola da Companhia das Índias Orientais, criada para treinar os administradores coloniais que governariam a Índia, e era um foco de benthamismo. Tinha o que se poderia chamar de tradição imperialista trabalhista: Attlee e vários outros ministros trabalhistas estiveram lá. Isso foi na década de 1950, quando a Grã-Bretanha não só continuava a ter um império, como ainda se considerava o centro do mundo. Portanto, tínhamos uma consciência muito maior do que estava acontecendo no mundo do que muitos estudantes hoje — e também uma sensação muito maior de que o que a Grã-Bretanha decidia importava. A escola combinava uma forte ligação com o império — as paredes da capela eram cobertas por placas em homenagem aos ex-alunos que morreram no Passo de Khyber — com uma tradição de preocupação social com os pobres. Penso nisso como uma espécie de Milnerismo, em homenagem a Lord Milner, embora o ethos seja anterior a isso: a ideia de que o Estado deveria ser governado por uma elite dedicada, combinada com a ideia do império como uma alavanca para o progresso global.

E você compartilhava dessa visão geral?

Com certeza. Eu era o editor da revista da escola e meus editoriais estavam repletos desses sentimentos. Eu era um fervoroso apoiador do Partido Trabalhista, muito a favor da nacionalização. Minha irmã mais velha, a quem eu admirava muito, era cristã e socialista, e eu levava suas ideias muito a sério. Além disso, desenvolvi uma forte orientação terceiro-mundista. Na escola, eu acompanhava de perto o fim dos impérios, principalmente na África. Mas a grande experiência para mim aconteceu durante meu ano sabático, entre a escola e a universidade. Eu estava viajando de carona pela Europa e pelo Norte da África e encontrei um jovem sueco na fronteira da Tunísia com a Argélia. Viajamos juntos pela Argélia e Marrocos, até a Espanha. Dick foi o primeiro comunista que conheci. Ele tinha apenas dezoito anos, era engenheiro em uma fábrica em Gotemburgo e membro da Liga dos Jovens Comunistas, com uma formação política bastante sólida. Tínhamos discussões acaloradas sobre o papel britânico no Congo. Insisti que a política britânica era apoiar a ONU no fim da secessão de Katanga, que os belgas apoiavam. Dick me informou que eu estava falando bobagem: os britânicos queriam sabotar a independência congolesa e estavam ativamente engajados, militarmente, ao lado dos belgas. Eles haviam enviado suas tropas da Rodésia do Norte para Katanga. Tudo o que estava acontecendo na ONU era apenas um estratagema. Rejeitei seus argumentos. Eu lia o The Times com bastante devoção e tinha certeza do meu ponto de vista. Mas quando voltei para a Inglaterra e li os relatos sobre a crise do Congo por Thomas Hodgkin e Conor Cruise O'Brien, percebi que Dick estava certo e eu errado. Foi um choque enorme, não pelos detalhes do Congo, mas porque percebi que o The Times vinha mentindo sistematicamente sobre o que os britânicos estavam tramando por lá. Isso me fez pensar que o mundo era muito mais complicado do que eu imaginava.

Em 1964, você foi para a Universidade de Southampton para estudar História Moderna, Política e Economia. Como essas ideias se desenvolveram enquanto você estava lá?

Em Southampton, especializei-me em história econômica irlandesa, 1780-1820, sob a orientação de Miriam Daly. Havia muito pouca literatura secundária, então trabalhamos com materiais primários. Miriam nos fez pensar sobre diferentes métodos de interpretação, comparando as abordagens dos economistas clássicos ao problema camponês com as dos marxistas. Comecei a perceber que o marxismo poderia fornecer algumas ferramentas analíticas poderosas para esse tipo de trabalho. Eu também lia sobre a África, não de forma muito sistemática: o movimento Mau Mau no Quênia e o Nkrumahismo em Gana. A partir de 1965, acompanhávamos o que estava acontecendo no Vietnã. Evasivos americanos começaram a aparecer na Grã-Bretanha e foram uma influência importante para nós, assim como o movimento pelos Direitos Civis nos Estados Unidos. Um estudante malaio, muito anti-imperialista, me fez ler a New Left Review, e isso foi muito emocionante. Eu também estava muito interessado na revolução cubana. Por fim, tive uma aula sobre história europeia de 1870 e, durante essa aula, li Deutscher sobre a Revolução Russa. Foi uma experiência emocional e intelectual enorme para mim.

Todos esses interesses ocorreram em paralelo a uma abordagem social-democrata de esquerda convencional em relação ao governo Wilson. Eu estava no Clube Trabalhista da Universidade e participei das conferências nacionais dos Estudantes Trabalhistas, onde conheci pela primeira vez a extrema esquerda britânica: o Partido Comunista, os Socialistas Internacionais e alguns membros da Quarta Internacional, organizados em torno de um jornal chamado The Week, que mais tarde formaria o Grupo Marxista Internacional. Não entrei para o IMG nessa época, mas gostei deles porque, em primeiro lugar, eram fortemente a favor de trabalhar no Partido Trabalhista, e eu acreditava que não havia sentido em fantasiar que a classe trabalhadora britânica fosse algo diferente do que era: o movimento trabalhista na Grã-Bretanha era o Partido Trabalhista e os sindicatos, e tínhamos que estar nele — isso era uma espécie de dever. Em segundo lugar, eles estavam muito envolvidos no movimento anti-imperialista, principalmente em relação ao Vietnã. A terceira coisa que me atraiu foi a dupla faceta da visão deles sobre a União Soviética: que, por trás de um sistema político terrível e maciçamente distorcido, havia um impulso emancipatório enterrado em algum lugar; não era um Estado capitalista. Eu havia participado de uma viagem estudantil à União Soviética em 1966, e na Universidade Estatal de Moscou o clima entre os estudantes ainda era relativamente aberto. Eles me falaram com bastante liberdade sobre o início da repressão sob Brejnev em 1966 e sobre como estavam perturbados com os julgamentos dos escritores Sinyavsky e Daniel. Senti então que havia a possibilidade de movimento e reforma ali. E, em contraste, eu simpatizava bastante com o Partido Comunista, mas não tanto com o Socialismo Internacional — principalmente porque tinha ido ouvir Chris Harman falar sobre a Revolução Cubana. Fiquei chocado com a animosidade de seu discurso e com a hostilidade em relação a Castro. Havia algo muito estreito e jesuítico nele, completamente alheio à realidade de um tremendo movimento de libertação em Cuba.

Em 1967, você foi para o Centro de Estudos Russos e do Leste Europeu em Birmingham para fazer um doutorado sobre a União Soviética.

Sim, eu estava estudando o período da Guerra Civil na província de Tambov. Esta foi a única província com excedente de grãos que permaneceu com os soviéticos durante todo o conflito. E então, assim que a Guerra Civil terminou, houve uma revolta muito poderosa em Tambov, liderada por pessoas dos Socialistas-Revolucionários, mais ou menos na mesma época da rebelião de Kronstadt. Ficou conhecida como tambovshchina, uma espécie de revolta anarquista contra os soviéticos liderada por camponeses, professores e assim por diante. Ninguém havia escrito sobre isso, então minha tarefa era analisar os materiais primários; em parte, era uma extensão do meu trabalho sobre os camponeses na Irlanda. Eu admirava muito muitos funcionários do Centro, era um lugar maravilhoso. Mas eu estava cada vez mais envolvido em trabalho político. Entrei para o IMG no final da primavera de 1968, em Birmingham. A primeira reunião que organizamos foi sobre Malcolm X — convidamos C. L. R. James, o marxista caribenho, para dar uma palestra sobre ele. Estávamos profundamente envolvidos na Campanha de Solidariedade ao Vietnã. Em 1969, mudei-me para Londres para trabalhar no jornal Black Dwarf, editado por Tariq Ali, e desempenhar um papel mais central na liderança do IMG — abandonando efetivamente o doutorado.

Como a repressão da Primavera de Praga e a invasão da Tchecoslováquia em 1968 afetaram sua atitude em relação à União Soviética?

Comecei a tentar descobrir por que isso havia acontecido. É claro que havia uma explicação pronta dentro do movimento trotskista, que dizia que havia um grupo burocrático no poder nessas sociedades, que havia se distanciado da massa da população e estava usando a repressão política para aumentar seus privilégios e seu poder. Isso, então, levaria a coisas como a repressão da Primavera de Praga. Mas esses argumentos não me convenceram completamente, simplesmente porque não explicavam a Primavera de Praga em si, que, a meu ver, havia vindo com bastante força tanto de cima quanto de baixo. Pode-se argumentar que foram os confrontos no topo que geraram uma dinâmica em direção ao fim da censura. Certamente, fomos muito inspirados pelas mudanças que estavam ocorrendo na Tchecoslováquia na primavera de 1968 e lideramos os protestos contra a invasão em frente à Embaixada Soviética em Londres naquele agosto. Mas, curiosamente, a invasão não nos desmoralizou inicialmente, porque achávamos que ela poderia ser rapidamente rechaçada — não entendíamos a dinâmica na Tchecoslováquia. Foi um grande choque quando a liderança de Dubcćek não conseguiu mobilizar a população e foi finalmente derrotada e destituída na primavera de 69.

Qual foi a sua experiência na Quarta Internacional nessa época?

Fui ao Nono Congresso da Internacional em Rimini, em 1969. Havia pessoas de todo o mundo — América Latina, Extremo Oriente, Europa. Dos líderes da Internacional naquela época, Pierre Frank foi o que mais me influenciou. Ele esteve no Partido Comunista Francês no período entreguerras e na Oposição de Esquerda internacionalmente, durante toda a guerra. Sua abordagem sempre foi: a análise concreta de uma situação concreta; nada na política era tão claro quanto se poderia imaginar. Ernest Mandel era uma figura muito atraente, e fui enormemente influenciado por seu livro sobre teoria econômica marxista. Mas não o considerava necessariamente muito confiável em análise política; Havia muito romantismo em seus discursos.

Na década de 1970, envolvi-me no "trabalho de segurança" da FI, que envolvia ajudar pessoas na América Latina ou em outros lugares que precisavam de documentos falsos, e também fui muito ativo na Europa Oriental. Como resultado, eu viajava muito: ia a Paris quase uma vez por mês para as perguntas de segurança e organizava entregas de material proibido para a Tchecoslováquia. Nossos contatos iniciais foram por meio da oposição Dubčekista exilada, sob a liderança de Jiří Pelikan, que mantinha contato próximo com a oposição de esquerda em Praga: Josef Smrkovský, Zdeněk Mlynář, o próprio Dubček e outros. Fui responsável por esse trabalho durante toda a década de 1970 e conheci pessoas muito interessantes lá. Dirigíamos vans através da fronteira, recolhendo livros e documentos escondidos em compartimentos falsos e trazendo coisas para fora. Entregar o material era sempre estressante, assim como atravessar a fronteira em si. Em cada viagem, levávamos entre cinquenta e cem livros de um tipo ou outro, muitos deles bastante anticomunistas. A situação ficou cada vez mais difícil, e eventualmente um membro da nossa equipe foi parado na fronteira. Outros assumiram o controle, foram presos e mantidos presos por alguns meses antes de serem libertados.

Para mim, a perspectiva política era basicamente a de Deutscher, a de construir um movimento por reforma e renovação no Leste. Eu achava que a esquerda ocidental tinha um papel significativo nisso. Minha experiência na Europa Centro-Oriental era que esses Estados eram autoritários, sem dúvida; mas não eram regimes totalitários de gângsteres, aterrorizando a população. Eu também acreditava que havia elementos reformistas dentro dos partidos governantes, inclusive na União Soviética. Eu era, claro, ingênuo quanto a isso. Mas eu era ingênuo principalmente quanto ao momento. O que eu não percebi foi o quão profundamente desmoralizante a esmagadora Primavera de Praga havia sido para essas forças reformistas. Os grupos de apoio à reforma, muito substanciais, que existiam nos anos 60 foram drasticamente reduzidos depois disso.

Com quais países você mais se envolveu?

Hungria, Polônia e Tchecoslováquia foram os principais lugares que visitei. Mas eu estava muito interessado no que acontecia dentro da União Soviética. Halya e eu fizemos uma longa viagem para lá em 1975 — foi uma espécie de lua de mel, na verdade; viajamos por toda a Ucrânia, e foi muito útil para obter vários aperçus sobre o que estava acontecendo lá. No final da década de 70, eu estava profundamente envolvido no trabalho sobre a Polônia, por meio de dois grupos extremamente interessantes. Um deles era uma rede de psicólogos que trabalhavam nas grandes fábricas e empresas do país. Ela havia sido criada com o apoio da liderança do Partido após as revoltas de 1970-71, para humanizar os locais de trabalho, abordar os problemas ocupacionais dos trabalhadores e assim por diante. Eu estava em contato particularmente próximo com um psicólogo que trabalhava nos estaleiros de Szczecin. Por meio dele, pude conhecer a vida dos trabalhadores do estaleiro e, em 1980, quando as greves começaram e o Solidarność estava sendo organizado, estive no estaleiro mais ou menos desde o início e tive um acesso fantástico ao que estava acontecendo por lá. Uma segunda rede era um grupo semiclandestino na Universidade de Varsóvia, conhecido como Clube Sigma. Envolvia principalmente marxistas — tanto professores quanto estudantes — discutindo o que percebiam ser a crise na República Popular da Polônia. Por meio deles, obtive relatórios muito detalhados, fornecidos por sociólogos, sobre as revoltas de 1976 em vários estaleiros, mas também em Radom e na grande fábrica de tratores em Ursus. Também ajudei Edmund Baluka, o líder exilado da greve no estaleiro de Szczecin em 1970-71, a restabelecer contato com membros de seu comitê de greve.

Este foi meu primeiro contato real com a vida dos operários industriais na Polônia, e o que me impressionou em Szczecin foi a alta qualidade de vida dos operários dos estaleiros. Fiquei em um prédio de apartamentos inteiramente dedicado à acomodação de operários dos estaleiros, e eles viviam muito bem, em termos ocidentais. Havia uma excelente creche, uma policlínica, um supermercado — era uma estrutura agradável. Isso confirmou meus preconceitos, porque, fundamentalmente, eu via esses estados no Leste como dominados por uma espécie de aristocracia operária; eles eram um tipo peculiar de Estado operário, no qual pessoas da classe trabalhadora — muitas vezes trabalhadores de primeira geração, cujos pais eram camponeses — vinham das grandes fábricas e ascendiam a posições de autoridade no Estado. Muitas vezes eram bastante autoritários, lembrando o tipo de chefes sindicais que se pode encontrar no Ocidente — nada de individualistas liberais. Mas, para que o sistema funcionasse efetivamente, eles precisavam manter o apoio da classe trabalhadora industrial.

No final da década de 1970, houve uma crise nesse sistema social, de um tipo muito específico. Houve uma abertura significativa para o Ocidente no campo econômico; uma crescente mercantilização e diferenciação social. A representação ocidental típica da política ali era a de um monólito comunista no qual nada acontecia, e então havia vários dissidentes, certo? Essa não era a situação. Os grandes movimentos grevistas de 1980 foram o resultado, entre outras coisas, de uma grande revolta dentro do Partido. No início de 1980, houve um Congresso do Partido no qual houve uma tremenda revolta vinda de baixo; pessoas que estavam claramente destinadas à liderança máxima no início do Congresso foram varridas ao final dele. E essa revolta vinha da classe trabalhadora industrial, dos bastiões vermelhos de Gierek: as minas da Baixa Silésia, os estaleiros.

Eu estava profundamente ciente dessa crise estrutural do Estado polonês. Até 13 de dezembro de 1981, quando Jaruzelski deu o golpe de Estado, eu acreditava — e não mudei de opinião sobre isso — que poderia ter havido um acordo entre o Solidariedade e a liderança do Partido Comunista. Havia uma corrente muito forte no Partido que dizia que, em hipótese alguma, deveria haver um confronto coercitivo entre o Partido e os trabalhadores; o aparato militar era uma questão diferente. Em segundo lugar, havia outra corrente, especialmente evidente na base, que queria transformar o Partido dos Trabalhadores Unidos Poloneses em um partido social-democrata — não um partido de vanguarda, mas um partido democrático com diferentes tendências. Era uma corrente mais ou menos ignorada no Ocidente, mas não é impossível que tivesse funcionado — tinha representação na alta liderança do Partido e bons laços com o Solidariedade.

Depois de 13 de dezembro de 1981, pela primeira vez, vi a possibilidade do colapso do bloco soviético. Após o golpe, Tamara Deutscher organizou um jantar com Maria Nowicki, então bibliotecária sênior na London School of Economics. Ela havia sido secretária de Gomułka no governo de Lublin no início da década de 1940 e comunista polonesa até a década de 1960. Era próxima do filósofo Adam Schaff, um pensador extremamente sofisticado. Ela concordou comigo que se tratava de uma crise interna do Partido Comunista; não deveria ser entendida como obra de um pequeno grupo de dissidentes de fora; nem se deveria pensar que a sociedade polonesa estivesse gemendo sob um jugo totalitário e pronta para se livrar dele na primeira oportunidade: na verdade, a sociedade e a política ali eram altamente articuladas e complexas. Mas ela duvidava que existissem energias para um projeto de desenvolvimento socialista na Polônia. Ela achava que o golpe de Jaruzelski era provavelmente o fim da história; Em vez disso, veríamos desmoralização, decadência e todo tipo de correntes católicas surgindo. Eu realmente não tinha uma resposta para isso; pensei repetidamente no que ela disse e senti que ela estava certa. O conceito de desmoralização me pareceu especialmente importante. Durante a década de 1980, a sociedade polonesa e a intelectualidade estavam, sem dúvida, em declínio. A ideia de que 1989 foi uma espécie de primavera dos povos era uma farsa do clima real na Polônia: era exatamente o oposto, como se pode perceber pela participação irrisória nas primeiras eleições livres, em 1989. Era uma sociedade profundamente desmoralizada, cheia de contradições ideológicas e políticas que se tornaram muito claras depois de 1989.

Podemos voltar e falar sobre o periódico Labour Focus on Eastern Europe, que você fundou em 1977?

A ideia do Labour Focus era muito direta: era defender uma abertura democrática não com base na restauração capitalista, mas em uma economia nacionalizada contínua, embora, é claro, isso não excluísse reformas econômicas. Insistíamos em mudanças democráticas, liberdade de expressão — todas demandas políticas essencialmente liberais, mas de uma fonte claramente esquerdista; e buscávamos nos envolver com os comunistas do Leste nesse tipo de linha. Também publicávamos o máximo de material documental possível de dissidentes de esquerda — principalmente da União Soviética — e informações sobre movimentos de base.

Tínhamos todo tipo de figuras intrigantes surgindo e nos oferecendo benefícios pecuniários substanciais, se ao menos víssemos a luz e fizéssemos algumas pequenas adaptações ao que estávamos fazendo. Lembro-me, em particular, de um cara chamado Roy Godson — não sei para qual agência ele realmente trabalhava, a CIA ou uma das outras — e tive uma reunião secreta com ele na estação de Stratford, no leste de Londres. Ele me ofereceu uma quantia de cinco dígitos, uma turnê de palestras pelos Estados Unidos — tudo o que eu precisava fazer era me livrar de qualquer comunista de verdade no conselho editorial do Labour Focus!

Como você viu a chegada de Gorbachev e o período após 1985?

Zdeněk Mlynář me disse que, se Gorbachev chegasse ao poder, haveria grandes mudanças no sentido da liberalização e democratização na União Soviética. Ele era amigo de longa data de Gorbachev; eles foram colegas de quarto na Universidade Estatal de Moscou no início dos anos 50. O discurso de Gorbachev no Congresso do Partido em 1986 corroborou em muito a análise de Mlynář. Mas ficou claro que, embora o projeto Gorbachev confirmasse a ideia alemã de que poderia haver um impulso significativo para a democratização, Gorbachev não conseguiu dar o salto final necessário para uma nova base de legitimação na vitória eleitoral democrática. E essa foi uma fraqueza crítica. Eu realmente acreditei, inicialmente, que Yeltsin poderia ser uma aposta melhor, porque ele estava pronto para assumir a responsabilidade. Infelizmente, Yeltsin foi comprado por um projeto diferente e acabou se revelando um demagogo bastante desastroso.

O que você achava que precisava ser feito que Gorbachev não estava fazendo?

Era preciso haver um Rechtsstaat — um Estado governado por lei; um sistema político democrático no qual pudesse haver, em princípio, pluralismo; obviamente, seria um sistema federal no contexto soviético. Havia também a questão da reforma econômica, e aqui Gorbachev claramente errou feio. Mas, essencialmente, o problema era que, durante o período Brejnev, a nomenklatura e a aktiv partidária, para usar o jargão deles — os altos funcionários do comunismo — haviam adquirido um estilo de vida cada vez mais corrupto e confortável. Não que fossem fabulosamente ricos, mas corruptamente e seguramente abastados. Gorbachev era um pé no saco — ameaçando tudo — e eles responderam querendo ir até o fim: proteger seus novos direitos de propriedade e obter mais, tornando-se uma classe capitalista privada. Essa tendência foi muito poderosa. Em outras palavras, a desmoralização da nomenklatura soviética foi muito forte, eu diria, após 1968. On the other hand, the idea that this transition to capitalism was being pushed for and demanded by the Soviet people is absolute rubbish. It came upon them as an entirely external event of shocking proportions; it was a huge trauma for many, and they couldn’t make sense of it. What you had in the 1990s in the post-Soviet Union were deeply demoralized societies, where the great hope was the next bottle of alcohol. That’s what was going on there, not some great liberation movement.

How would you describe the effect of the collapse on your political thinking?

Well, of course it was a huge ideological shock. My world-view had been that we were in a historical period of transition from capitalism towards socialism. And the Soviet bloc was, factually, a gain in that direction. I was never dewy-eyed about the Soviet leadership; but in comparison with the kind of racist imperialism that we’d seen in the first half of the twentieth century in Europe—and the United States, if you look at the Pacific War, not to speak of the treatment of the black population—it was a gain. I regarded the Soviet bloc, and the Soviet victory in the Second World War, as not only speeding the collapse of the empires, but also helping to bring the welfare state in Western Europe. So all of this was a huge blow to me. But, alongside that, I didn’t change two other opinions: one, that, with the collapse of the Soviet bloc, you would have the Western capitalist states going on the rampage again; so I was much more prepared than many for what has subsequently happened. Secondly, I still basically believed in Marx’s approach to history and politics—namely, that the great effort is to move towards freedom. This means something very mundane and straightforward for Marx: it means free time; it means liberating humanity from the realm of necessity, and in order to do this you have to get beyond capitalism. Capitalism has, of course, liberated humanity from a great deal: the forty-hour week, pensions—these were huge gains. Nevertheless, there is an irreducible drive in capitalism to block further progress along these lines, because it is all about creating insecurities and scarcities, and finding ways to exploit the maximum labour for the maximum profit.

Moving to the 1990s, how did you see the process of European integration? Did your views change significantly over time?

Up to the early 1990s, I didn’t have any settled view on European union. I found myself torn. I liked Tom Nairn’s polemics against British nationalist attitudes towards the eec; I was not, in principle, hostile to the idea of monetary union—why should one be? But on the other hand, I was pretty appalled by some aspects of the single market, and critical of the legal regime of the eu. I really came towards a view of the European Union through my research on what it was up to vis-à-vis Central and Eastern Europe in the 1990s: through studying the eu’s so-called technical assistance programme. I was shocked, actually, as I went into the nitty-gritty of what was going on. I have always liked to immerse myself in the empirical detail of anything that I’m trying to understand; there is an unfortunate tendency among many Marxists to think that there’s no need for empirical research—a view completely contradicted by Marx’s own gargantuan appetite for empirical investigation, which he thought was absolutely vital to theory. But when you get into the detail, the way things actually work is often much more dreadful than one could imagine. The fact was that the West Europeans adopted a ruthless policy of turning east-central Europe into a kind of passive, support hinterland for West European multinationals.

Would it be true to say that, before you reached that conclusion, you’d actually seen some potential for the European Union—led, perhaps, by France and Germany—to defend or promote a European social model against Anglo-Saxon trends in the United States and Britain?

Yes, to some extent. But the main idea was slightly different: namely, that American elites were extremely worried about that possibility. It was the United States’ concern about the potentials of Franco-German partnership, rather than its reality, that was driving tensions in the transatlantic relationship. The United States was preoccupied by the danger of losing control of high politics—namely, security politics—to a German or Franco-German effort to give Europe a bigger say on these issues within the alliance. This was crucially at stake in us policy over Yugoslavia.

How do you see the European Union today?

The crucial point is the Hayekian notion of the European Union as negative integration: its function is to stop states from exercising their economic sovereignty and deciding freely how they want to organize their capitalism. It is not a Union to construct a positive, integrated, federal Europe. The Hayekian eu preserves the nation-states, retaining these national capitalisms while simultaneously taking out their economic sovereignty. Of course, with the economic crisis, the emphasis on free competition, privatizations, strict controls on state aid and so on turns out to be little more than a house of cards, all resting on the notion that the Anglo-American financial regime would work. When it doesn’t, massive state aid is shovelled in and competition policy goes out the window. The monetary union arrangements are totally inadequate for dealing with this crisis. It turns out that banks actually presuppose authoritative tax-raising bodies to protect them, and no such body exists at an eu level; so they turn back to the national level. And of course, the crisis explodes at the weakest link—the way the two halves of Europe were put together after the Cold War, using east-central Europe as a handy support system for West European capitalism.

Could the European Union in any sense be a semi-independent actor, a counterweight to the United States, or is that possibility a phantom of the past?

The trend, probably, is towards a much greater readiness of the West European states to work very closely with the Americans, and not to engage in any ‘irresponsible’ activity vis-à-vis China, say, or Iran. I don’t think we should expect to see the eu acquiring a more autonomous role. There’s another problem: while the United States insisted during the Cold War on controlling Europe’s geopolitics very tightly, it simultaneously gave the West European states a significant role in the management of the international political economy—in the imf, the World Bank, the wto. Now, with the rise of East Asia, India and China, there has to be reform which will involve a considerable cut in West European influence and voting rights. The same goes for the un Security Council. What will the European reaction be? As far as the British are concerned, their only solution is to ask: how can we continue to make ourselves useful to Uncle Sam?

How would you summarize the position of the United States today?

The big question now is whether the United States, in practice, retains its hegemony in the international political economy. Can measures taken by the Obama administration turn round the economic situation in the us and lead the world out of economic crisis, or not? The answer to this will be hugely important for the next twenty years. I have a feeling that the measures won’t work, because political obstacles inside the United States are too great, including the limits which Obama and Geithner have placed upon themselves. And if Washington can’t turn things around, then the rest of the world will need to make its own arrangements, which may involve dismantling things that are very important to the us, and some that are very important to the Europeans as well. And then you will get a real crisis of strategy in Washington—what to do in those circumstances? But this is a practical question for the future; whether or not the us loses its hegemony will not be determined by intellectual activity on our part; it will be decided in the real world. The key question is, does the American strategy elite have the capacity, the resourcefulness and imagination to adapt? My impression is that, on the political-economy front, it probably does not. On foreign-policy issues there has been a substantial degree of rebranding after Bush. There was a general elite consensus on the need for that, which the Obama administration represents. But on key neuralgic issues, whether it is America’s right to engage in what they call pre-emptive war, or extraordinary renditions, Obama has been very careful to stay within the consensus.

Looking back, would you say that there is a constant set of themes that characterizes your work?

What is probably distinctive about my work is its jack-of-all-trades dimension: interdisciplinary, if you like. I’ve always been interested in thinking across politics and economics, and thinking in historical terms. Hayek said: someone who is only an economist is no economist, and I would say the same about politics. These categories—economics and politics—which are treated as utterly autonomous within conventional thought, are absolutely imbricated with each other, in very complicated ways. The second thing is that I don’t, on the whole, have the courage to write in the field of general theory; instead, I write in a kind of analytical mode. Analytical work has narrow parameters—it’s confined to particular times and particular spaces, and doesn’t claim truth across all ages; and much of my work is also contemporary. When I write, I do try to look downwards, if you like, towards the empirical, and upwards towards the theoretical. But I also find that when you get into this kind of work, you discover the specificities of relationships and dynamics which are much more peculiar and distinctive than one could ever have imagined. Last point: I consider myself to be at the opposite extreme from, say, Gerry Cohen in his Marx’s Theory of History, in that I do not think that economic and technological determinism can explain anything. This economic–technological determinism, what I would call ‘mechanical materialism’, is the approach of the classical political economists: Adam Smith and Ricardo. It’s quite extraordinary to me that such a huge number of Marxists have adopted it; Marx himself spent his life doing what he called a critique of political economy—i.e. of that mechanical approach. I think it is very helpful to make a distinction between the constitutive and the causal: the ontological significance of capitalism, of that social structure, is fundamental for understanding modern politics, and modern economics. But that doesn’t at all mean that you should start with what’s going on in the capitalist economy to find the causes of conflicts and changes.

Could you explain that a little further?

Well, by ‘ontological’ I mean a very simple thing: your theory of what the world—the social world—is made up of. The standard approach in Western social science—the one used by Weber, but it’s an ideology that’s become as naturalized as the air people breathe—is an atomistic one: that the world is essentially made up of individuals. In addition, the individuals may be pushed by certain drives; Weber would say by rational drives in the economic field and by non-rational drives in the political field. But Marxists have taken the view that there are big objects out there which are not atomistic: social structures such as capitalism, for example, that are changing and shaping the everyday world. When we are looking at contemporary developments—say, in international politics—we need to ask ourselves what kind of ontological assumptions we are making, and what they imply for our analysis.

You’ve written on international political economy, historical thinkers—Schmitt, Kant, Grotius, De Maistre—and political institutions, such as the un . Are there any areas that you feel happiest working in?

In terms of subject-matter, I don’t think so. What I have always found myself doing is taking up issues where I think there is a crisis in conventional approaches, but where there isn’t an obvious answer from anybody else. Often the result of this is that I find myself, in the first instance, drawing upon heterodox work which is not necessarily Marxist. Sometimes I get pulled to heterodox, non-Marxist positions, and sometimes towards what I would take to be more strictly Marxist ones. But it’s very important to keep oneself open to the material.

How does your work on financial systems relate to both Marxist and non-Marxist thinking?

That’s a good question. In the 1990s there was a tremendous amount of energy around the idea of what was called financial globalization. The notion was championed right across the political spectrum—there were plenty of Marxists who bought into it, as well as liberals and conservatives. What was common to these ideas was the mechanical materialism of the classical political economists—or, if you like, utilitarians—that I referred to before: the notion that what is going on is an organic development within the world economy, proceeding from the national, and therefore the international, towards the global in the field of finance. It is no good pretending that you can escape this development; you simply have to accept it and operate on its basis.

Now, I approach this with great scepticism. To me, what was called financial globalization seemed to be radically counter-intuitive, even within a capitalist logic. To give a simple example: there were huge swings in exchange rates between the main currencies, the dollar, euro and yen. These swings are completely counter-efficient for international investment across currency zones: you cannot calculate the profitability of you, as a German, making an investment in the dollar zone over the next five years, when you have no idea whether the dollar is going to be 100 per cent up or 100 per cent down against the euro. The privatization of exchange-rate risk involved in ‘financial globalization’ seemed to be a regression from the international to something much more primitive and imperial. I found the work of Susan Strange—a sort of progressive Weberian—and a number of other heterodox thinkers very helpful on this. From Strange I gained a lot of insights on the importance of the global monetary system, and the significance of the United States’ destruction of the Bretton Woods architecture. My position has been at the opposite end of the spectrum from the globalization-theory people. I have not accepted the idea that national capitalisms have been transcended; any notions of that sort I regard as simply false. So, too, of course is the notion that national capitalisms were ever autarkic: ever since the British constructed a genuine world market in the late eighteenth century, there has always been a global market. I came to the conclusion that the real-world referent of what people talk about as financial globalization has got the Stars and Stripes tacked all over it: it’s an American system.

Then one needs to ask why, and how does it fit in with other things we know about the United States? In the early 1970s, when the Bretton Woods system collapsed, I took the view, under the influence of Mandel, that it was a devastating blow to the dollar and to American dominance; now, I’ve come to exactly the opposite view—that it was a breathtaking assertion of American dominance over the rest of the capitalist world. Robert Wade, at lse, has quite rightly said that my work on all this has rather a one-eyed character. Certainly, my thinking on this has been modified since I wrote The Global Gamble—in particular, as I acknowledged in Critical Asian Studies a few years ago, I underplayed the extent to which this system of dollar dominance rested upon co-operation from East Asia. That is an example of what was one-eyed in the earlier system of thinking. But it doesn’t actually involve a huge transformation of the main argument.

You describe your work as fundamentally Marxist, but how would you react to the suggestion that, actually, what really interests you is power, and particularly us state power; and to some extent, you interpret international developments through that prism? What would you say to the idea that there’s a pretty strong dose of realism in your approach?

Well, first of all, I have never actually said that I regard my work as ‘fundamentally Marxist’. I do regard it as being inspired by Marxism, and I would hope that the insights which Marx has provided do genuinely influence my work. But I am pulled all the time in different directions. Secondly, I am very much interested in relations of power—not least because they are so commonly denied in liberal thought, sometimes naively, sometimes disingenuously; and liberal thought tends to downplay the coercive dimensions of international politics. But one of my claims to have made a theoretical contribution is my critique of American neo-realism, and in particular of Mearsheimer’s work.footnote1 My critique hinges on one core assumption of American neo-realism, which in my view is completely false in a capitalist world: that at the centre of world politics there is a struggle between states for their very existence—an assumption that is crucial to the whole neo-realist architecture. Empirically, I think this is quite false for the advanced capitalist states in the twentieth century. There was a tremendously violent war between, say, the United States and Japan in the Pacific, and one side won. So, presumably, the state that lost was wiped off the face of the earth, if states are involved in a struggle for their very existence. Well, Japan is still there—it wasn’t like that; far from it. You might say Germany is a bit more complicated because it was split. That’s perfectly true; but it was partitioned for reasons that realists have nothing to say about: namely, because of the social-system divide between the two great powers. Again, German capitalism and the German state—the frg—was revived after it was smashed to the ground in the Second World War.

So as far as advanced capitalist states are concerned, there are simply no grounds for this claim that they are in a fight for their existence. Of course, in the rise and spread of capitalism, lots of states have disappeared: almost all the indigenous states of Africa and the Americas were destroyed. But as capitalism spreads and consolidates across the world, the main powers are increasingly reluctant to tamper with the division of the world into different geographical states. Look at the Americans in Iraq: they didn’t go down the road of breaking the whole thing up. The real drive of capitalist states is not to wipe other capitalist states off the face of the earth; it’s to change their internal regimes, again something that realists don’t concern themselves with. Capitalism involves an endless struggle for value streams, and the social preconditions for the right kinds of value streams to come out of different areas—and capitalist states get very agitated if other states create spheres of influence which cut them out of the value stream. So there are tremendous efforts to restructure the internal regimes of states, along with, of course, efforts to restructure the external regimes. One of the absurdities in so much of the orthodox economic discussion is the way people talk about markets: ‘the market’ does this, ‘the market’ does that. Markets are like clothes—all shapes and sizes. And how a market is shaped—who wins in it—is a hugely important political question.

How do you see the relationship between capital in the us and state power? Who are the agents behind particular state policies—how does the state determine what its policy is?

Firstly, the United States is in a lot of difficulties at the moment. Given what I’ve said about the importance of regime-shaping, the extent to which leading states can actually solve the problems of other capitalisms, in a way that enables them to flourish, is a very big issue. Power, in that context, is the capacity to give a development perspective to others. In my opinion, American claims to be able to do that are under huge challenge right now.

When it comes to the relationship between state and capital, this varies, of course, very greatly, between states. But I think Marx’s approach is still a very important one: the state as the committee that tries to work out the strategic problems of its own national capitalism, and the solutions to them. There is a tendency to collapse the notion of capitalist class into the idea that the state is an aggregate of ceos of big companies. I think that’s quite wrong. Some of these ceos may be into politics—may be into thinking synthetically and strategically; others, not. But why should a ceo have strategic vision for a whole class? It’s the task of the state executive to come up with that vision and the capacity to implement it. Of course, the state executive does this in dialogue with other leaders who emerge from within the ranks of capital, who turn out to be capable and persuasive. But there needs to be some distance and some tension between the ‘committee’ that tries to take a strategic view and the chief executives of different companies—the individual capitals, if you like.

The peculiarity of the United States is, first, that it is, to an extraordinarily complete degree, a bourgeois democracy—a democracy in which the power and wealth of capital has sway over virtually every field of policy-making. More: there is almost no barrier to individual American capitalists building mafias of influence to block or control policy. There is no autonomous, if you like, state committee. And this is an anomaly—and a weakness: when Washington has to make strategic turns, it’s very difficult to do so. One is seeing that now, when the us really needs to think through an alternative relationship between its financial sector and its industrial economy. It is particularly hard for it to do this because, historically, the way the us has given itself a strategic vision—a capacity to think synoptically about its problems—has been through recruiting investment bankers from Wall Street, and lawyers from giant New York or Washington law firms. The result has been that Wall Street has had an extraordinarily big political role in Washington, because the investment banker has had a global view. But also, ensconced in the centres of power in Washington, one is going to be feathering one’s own nest, because that’s the American way. In Europe, there was a different approach, much more elitist: a mandarinate, most classically in Britain and in France. Historically, these mandarinates have had the capacity to integrate thinking and produce strategic ideas for the forward path of the state. In the British case, it took a hammering under Thatcher, and from the subsequent Americanization of the British policy-making system. One result is that the Treasury, along with other parts of the senior civil service, has been pretty much gutted of the capacity to do anything at all. So in Britain there is neither a mandarinate nor any particularly developed, sophisticated private-business bunch capable of acting as the committee for capital.

How do you see the future world outlook?

The fall of the Soviet bloc was a world-changing event. With it, the whole symbolic order and discourse of Communism collapsed, and socialism as a set of ideas ceased to have resonance on an international scale. Now there are very few theorists on the left who are continuing to do research on positive left alternatives to the capitalist order. Yet the last two decades don’t suggest that the Atlantic world’s resources really offer development potential to the rest; globalization hasn’t done that. I think new movements for world reform will arise, because some of the contradictions that Marx wrote about cannot be resolved; they are going to create more and more problems. One of these is the planet of slums that Mike Davis speaks of: hundreds of millions of people living in these megacities, expelled from proper insertion in the international division of labour, and experiencing a terrible social and economic degradation. Another is the inability of capitalism to transcend the nation-state, and therefore the constant swinging between two choices: either free trade, which is a form of imperialism, because the strong dominate the market; or protectionism, which is a form of mercantilism, leading towards political conflict. So I think there will be a need to look for a radical alternative.

Will these radical alternatives be taken up by parts of the insider intelligentsia, within capitalism, distancing themselves from class interests and class logic? History doesn’t show many examples of this happening without the threat of some very big social challenge. We won’t get radical alternatives coming out of the current economic crisis; that’s already clear in the Anglo-Saxon world from what they’re doing at the moment. There were some pretty radical alternatives after Stalingrad, in the 1940s—genuine rethinking about how to organize things in the Western world. The thirty glorious years of growth and development were to some extent down to the idea that, in Western Europe, it was necessary to build a multi-class democracy, not just a narrow bourgeois democracy; and to a degree that became a reality in north-west Europe. But as soon as the Soviet Union collapsed, all this went out the window. That’s unfortunate, because the West European multi-class, social-democratic model was a genuine advance over anything that we’ve seen anywhere else.

Reflecting on all the work you’ve done, what are you most proud of, and why?

I think the thing that makes me most proud, insofar as it is true, has been my effort to perceive what’s going on in the world from a non-provincial perspective: to try to make sense of it from the angle of the the great mass of the world’s population. That applies not only to my research, but also to my teaching—I think it is very important for young people to be shaken out of nationalist prejudices and falsehoods. It’s been a huge satisfaction to me that, in my work, I’ve been able to keep that going. As to whether one has come up with anything in the intellectual field that is going to restructure the way some people think about the world, I would be extremely modest in this area. But I think there have been some benefits to the left from some of the debates I’ve been involved in. I don’t want to exaggerate the importance of these debates in changing the way the world operates. But I do think that, ultimately, we’re going to see a new movement for world reform; and in that movement, the role of intellectuals will certainly be important—and I hope that some of what I’ve written will at least help to set the record straight on a few questions for a new generation of intellectuals coming forward with projects for that movement.

From January to June 2009, Marko Bojcun and Mike Newman, friends and colleagues of Peter Gowan at London Metropolitan University, recorded a series of interviews with him. This text is an edited version, based on several of those sessions.

1 ‘A Calculus of Power’, nlr 16, July–August 2002.

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