Stathis Kouvelakis
Créditos: Francois Lenoir / Reuters. |
Tradução / Qualquer um que viva - ou siga - o que está acontecendo na Grécia conhece muito bem o sentido de expressões como "momentos críticos", "clima de tensão", "reviravolta dramática" e "pressionando limites". Com os acontecimentos desde segunda-feira uma nova expressão pode ser acrescentada à lista: o "absurdo".
A palavra pode parecer estranha ou exagerada. Mas de que outra maneira poderíamos caracterizar a total reversão de sentido de um evento tão impressionante como o referendo do dia 5 de julho, por parte daqueles - para começar - que chamaram a votar "não"?
Como explicar que os líderes Vangelis Meimarakis da Nova Democracia e Stravos Theodorakis, de To Potami – chefes do campo derrotado de modo esmagador no domingo – possam ter se tornado os porta-vozes oficiais da linha que começou a ser seguida pelo governo grego? Como é possível que um devastador “não” ao memorando de políticas de austeridade possa ser interpretado como uma luz verde para um novo memorando? E, para colocar as coisas nos termos do senso comum: se estavam dispostos a assinar algo ainda pior e ainda mais comprometedor que as propostas do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, para quê o referendo e a luta para obter nele um resultado vitorioso?
O senso de absurdo não é apenas um produto dessa reversão inesperada. Ele decorre, acima de tudo, do fato de que acontece perante nossos olhos como se nada tivesse se passado, como se o referendo fosse algo como uma alucinação coletiva que subitamente terminou, deixando-nos continuar livremente com o que estávamos fazendo antes. Como não estamos todos alucinados, vamos dar ao menos um breve resumo do que tem acontecido nos últimos dias.
No último domingo o povo grego abalou a Europa e o mundo respondendo em massa o chamado do governo e, em condições sem precedentes para os padrões de qualquer país na Europa do pós-guerra, avassaladoramente votou “não” às propostas extorsivas e humilhantes dos credores. Tanto a extensão do “não”, como sua composição qualitativa, com enorme vantagem entre os trabalhadores e a juventude, testemunharam profundamente as transformações que estão ocorrendo, ou mesmo que se cristalizaram, em pouco tempo na sociedade grega.
Como explicar que os líderes Vangelis Meimarakis da Nova Democracia e Stravos Theodorakis, de To Potami – chefes do campo derrotado de modo esmagador no domingo – possam ter se tornado os porta-vozes oficiais da linha que começou a ser seguida pelo governo grego? Como é possível que um devastador “não” ao memorando de políticas de austeridade possa ser interpretado como uma luz verde para um novo memorando? E, para colocar as coisas nos termos do senso comum: se estavam dispostos a assinar algo ainda pior e ainda mais comprometedor que as propostas do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, para quê o referendo e a luta para obter nele um resultado vitorioso?
O senso de absurdo não é apenas um produto dessa reversão inesperada. Ele decorre, acima de tudo, do fato de que acontece perante nossos olhos como se nada tivesse se passado, como se o referendo fosse algo como uma alucinação coletiva que subitamente terminou, deixando-nos continuar livremente com o que estávamos fazendo antes. Como não estamos todos alucinados, vamos dar ao menos um breve resumo do que tem acontecido nos últimos dias.
No último domingo o povo grego abalou a Europa e o mundo respondendo em massa o chamado do governo e, em condições sem precedentes para os padrões de qualquer país na Europa do pós-guerra, avassaladoramente votou “não” às propostas extorsivas e humilhantes dos credores. Tanto a extensão do “não”, como sua composição qualitativa, com enorme vantagem entre os trabalhadores e a juventude, testemunharam profundamente as transformações que estão ocorrendo, ou mesmo que se cristalizaram, em pouco tempo na sociedade grega.
Friday’s mass mobilizations, the climate “from below” that has prevailed over the last week, not to mention the enthusiastic wave of international solidarity, testify to the huge potential that is opened by the choice of popular political conflict rather than retreat.
Mas desde a manhã de segunda-feira, antes de que o grito da vitória nas praças públicas do país tivesse desaparecido por completo, o teatro do absurdo começou. Sob a égide do ativo militante pró-“sim” e presidente da República, Prokopis Pavlopoulos, o governo convocou os líderes dos partidos derrotados para elaborar os quadros para uma negociação, postulando o euro como um limite inultrapassável da posição grega e declarando especificamente que não existe um mandato para deixar a união monetária.
O público, ainda na alegre névoa do domingo, assistiu os representantes dos 62% se subordinarem aos dos 38% imediatamente após uma sonora vitória da democracia e da soberania popular.
Na terça-feira, o governo, sem nenhuma nova “proposta’ para fazer, transferiu suas operações para Bruxelas, para uma reunião extraordinária do Eurogrupo e, logicamente, confrontou a si próprio com um novo e ainda mais duroultimatum. No dia seguinte Euclid Tsakalotos inaugurou suas funções como ministro das finanças (para sermos breves, passaremos por cima do fator da renúncia de Yanis Varoufakis, simplesmente notando que esta era uma das reivindicações dos credores) enviando ao Mecanismo de Estabilidade Europeia (ESM), a organização que administra a maior parte da dívida grega, uma carta solicitando um novo empréstimo de 50 bilhões de euros, o qual deverá ser acompanhado, é claro, por um terceiro memorando. Prevê-se, na verdade, que o parlamento começará a votar na próxima segunda-feira a legislação relevante para permitir isso.
A carta de Tsakalotos mantém as referências ao compromisso da Grécia “de honrar suas obrigações financeiras a todos os credores de maneira completa e pontual”. É óbvio que, apesar das garantias que foram ouvidas após o anúncio do referendo para “reiniciar as discussões a partir do zero”, as “negociações” continuaram exatamente de onde tinham parado, com os gregos diminuindo as dificuldades para os seus adversários a cada passo do caminho. No mesmo dia, enquanto se aguardavam as novas “propostas”, as quais deveriam ser “confiáveis” e “detalhadas”, o primeiro-ministro Alexis Tsipras dirigiu-se ao Parlamento Europeu e declarou que “se o meu objetivo fosse levar a Grécia para fora do euro, não teria imediatamente após o encerramento da votação feito as declarações que fiz e interpretado o resultado do referendo não como um mandato para uma ruptura com a Europa, mas como um mandato para reforçar os nossos esforços de negociação, de modo a chegar a um acordo melhor”.
Isso equivale a um reconhecimento, mais ou menos explícito, de que o resultado do referendo estava sendo interpretado com um fim específico em mente, o da negociação a todo o custo e evitar uma ruptura.
No mesmo discurso, o primeiro-ministro esboçou muito sucintamente a filosofia que, por muitas semanas, tem informado toda a postura do governo grego e para a qual o parênteses do referendo não trouxe a menor mudança:
Assim, o quadro está dado: é o das medidas restritivas que garantem os superávits fiscais e visam o pagamento de dívidas. É incontestavelmente o quadro dos memorandos. O desacordo é sobre a “distribuição do fardo”. Trata-se de uma variante da austeridade (supostamente) “socialmente mais justa”, apresentada como “redistribuição” ao mesmo tempo em que perpetua a recessão (todas as referências ao compromisso com medidas não recessivas tem sido apagadas) e o empobrecimento da maioria.
Entretanto, e enquanto estas garantias reconfortantes estão sendo apresentadas para demolir o que restava dos compromissos programáticos do Syriza, o país está sendo submetido a um estado de sítio crescente, com o Banco Central Europeu mantendo fechada a torneira da liquidez e aparando cada vez mais o valor das obrigações bancárias, levando inevitavelmente ao colapso.
Mesmo assim, apesar da gravidade da situação e do fato de que, por meio da imposição de controles do capital, parte da estrada já está fechada, ninguém, além de Costas Lapavitsas e alguns quadros da Plataforma de Esquerda, está falando sobre as medidas auto-evidentes e básicas de autoproteção que são necessárias em circunstâncias deste tipo, começando pelo controle público e a nacionalização do sistema bancário.
A explicação para isso, é claro, é muito simples: qualquer coisa desse tipo poderia colocar a Grécia com um pé fora do euro, o que o governo não quer de jeito algum, apesar do fato de que até mesmo economistas do mainstream,como Paul Krugman, afirmarem que “a maior parte dos custos já foram pagos” e que é hora da Grécia “colher os benefícios”.
Uma conclusão simples emerge de tudo isso: com os movimentos que fez nesta última semana, o governo conseguiu nada mais do que um retornar completamente à armadilha anterior, em uma posição muito mais desfavorável, sob a pressão de uma asfixia econômica ainda mais implacável. Ele conseguiu desperdiçar a poderosa injeção de capital político do referendo em tempo recorde, ao seguir em todos os pontos a linha daqueles que se opuseram a ele e que têm todos os motivos para se sentirem vingados, apesar de terem sido derrotados nas urnas.
Mas o referendo aconteceu. Não foi uma alucinação da qual todos já se recuperaram. Pelo contrário, a alucinação é a tentativa de reduzi-lo a uma epifania temporária, antes de retomar o percurso de descida em direção a um terceiro memorando.
E parece que o governo vai precisamente seguir esse caminho suicida. Ontem [quarta-feira, 9 de julho], no final da noite, ele enviou a todos os membros do parlamento um texto de doze páginas, escrito às pressas em inglês por peritos enviados pelo governo francês e com base no pedido Tsakalotos para o ESM de um empréstimo de 50 bilhões de euros.
Isso não é nada além de um pacote de austeridade – na verdade um “copia e cola” do plano Juncker, rejeitado pelo eleitorado poucos dias antes. Seu fulcro é muito familiar: superávits primários, cortes nas pensões, elevação do VAT (imposto sobre valor agregado) e de outras taxas e um conjunto de medidas para dar um leve sabor de “justiça social” (por exemplo, uma elevação de 2% na alíquota do imposto sobre as corporações). O documento foi aprovado por todos os principais ministros, com a exceção de Panos Kammenos, líder do Partido dos Gregos Independentes (Anel) e Panagiotis Lafazanis, o líder da Plataforma de Esquerda.
O parlamento foi convocado para votar esse texto hoje, sob os mesmos procedimentos emergenciais que foram previamente denunciados por Syriza. Em muitos aspectos esse processo pode ser considerado um “golpe parlamentar”, uma vez que o parlamento foi convocado para votar um texto que não é uma lei e nem um acordo internacional, dando um tipo de carta branca ao governo para assinar qualquer compromisso de empréstimo. Essa aprovação parlamentar foi posta explicitamente como uma condição, para qualquer negociação futura, pelo ministro das finanças da Alemanha, Wolfgang Schäube.
Como era previsível, e, provavelmente até mesmo planejado, a proposta desse acordo provocou um tumulto dentro de Syriza. No momento, a maioria das reações fortes vieram da Plataforma de Esquerda e outras correntes da esquerda da coligação, como KOE, a organização maoísta que tem quatro deputados. Hoje (quinta-feira), em uma reunião dramática do grupo parlamentar de Syriza, Lafazanis, ministro de Energia e líder da Plataforma de Esquerda, disse que o acordo é “incompatível com o programa do Syriza” e “não oferece uma perspectiva positiva para o país”. Espera-se que os ministros da Plataforma da Esquerda renunciem hoje.
Thanassis Petrakos, um dos três porta-vozes do grupo parlamentar de Syriza e um proeminente membro da Plataforma de Esquerda, declarou:
Dizem que Varoufakis também se opôs ao acordo, bem como alguns deputados do grupo dos “cinquenta e três” (a ala esquerda da maioria) ainda que, em uma reunião interna realizada ontem, um distanciamento significativo apareceu entre os quadros médios e de base, que se opuseram fortemente ao acordo, e os deputados, muito mais inclinados a apoiá-lo. A votação que terá lugar no final da noite terá, certamente, uma importância fundamental para os futuros acontecimentos, mas também para o futuro de Syriza.
Aconteça o que acontecer nas próximas horas e dias, uma coisa precisa estar clara: qualquer tentativa de cancelar a vontade popular para retornar à austeridade e os memorandos aumenta a húbris no antigo sentido grego do termo. Quem se atrever a liderar o país, e a esquerda, para se render e desonrar deve estar pronto para encarar a Nemesis correspondente.
Mas desde a manhã de segunda-feira, antes de que o grito da vitória nas praças públicas do país tivesse desaparecido por completo, o teatro do absurdo começou. Sob a égide do ativo militante pró-“sim” e presidente da República, Prokopis Pavlopoulos, o governo convocou os líderes dos partidos derrotados para elaborar os quadros para uma negociação, postulando o euro como um limite inultrapassável da posição grega e declarando especificamente que não existe um mandato para deixar a união monetária.
O público, ainda na alegre névoa do domingo, assistiu os representantes dos 62% se subordinarem aos dos 38% imediatamente após uma sonora vitória da democracia e da soberania popular.
Na terça-feira, o governo, sem nenhuma nova “proposta’ para fazer, transferiu suas operações para Bruxelas, para uma reunião extraordinária do Eurogrupo e, logicamente, confrontou a si próprio com um novo e ainda mais duroultimatum. No dia seguinte Euclid Tsakalotos inaugurou suas funções como ministro das finanças (para sermos breves, passaremos por cima do fator da renúncia de Yanis Varoufakis, simplesmente notando que esta era uma das reivindicações dos credores) enviando ao Mecanismo de Estabilidade Europeia (ESM), a organização que administra a maior parte da dívida grega, uma carta solicitando um novo empréstimo de 50 bilhões de euros, o qual deverá ser acompanhado, é claro, por um terceiro memorando. Prevê-se, na verdade, que o parlamento começará a votar na próxima segunda-feira a legislação relevante para permitir isso.
A carta de Tsakalotos mantém as referências ao compromisso da Grécia “de honrar suas obrigações financeiras a todos os credores de maneira completa e pontual”. É óbvio que, apesar das garantias que foram ouvidas após o anúncio do referendo para “reiniciar as discussões a partir do zero”, as “negociações” continuaram exatamente de onde tinham parado, com os gregos diminuindo as dificuldades para os seus adversários a cada passo do caminho. No mesmo dia, enquanto se aguardavam as novas “propostas”, as quais deveriam ser “confiáveis” e “detalhadas”, o primeiro-ministro Alexis Tsipras dirigiu-se ao Parlamento Europeu e declarou que “se o meu objetivo fosse levar a Grécia para fora do euro, não teria imediatamente após o encerramento da votação feito as declarações que fiz e interpretado o resultado do referendo não como um mandato para uma ruptura com a Europa, mas como um mandato para reforçar os nossos esforços de negociação, de modo a chegar a um acordo melhor”.
Isso equivale a um reconhecimento, mais ou menos explícito, de que o resultado do referendo estava sendo interpretado com um fim específico em mente, o da negociação a todo o custo e evitar uma ruptura.
No mesmo discurso, o primeiro-ministro esboçou muito sucintamente a filosofia que, por muitas semanas, tem informado toda a postura do governo grego e para a qual o parênteses do referendo não trouxe a menor mudança:
“Nessas propostas, temos, evidentemente, empreendido um compromisso poderoso para alcançar as metas fiscais que são necessárias em função das regras, porque reconhecemos, e respeitamos, o fato de que a zona euro tem regras. Mas nós nos reservamos o direito de escolher, o direito de sermos capazes, como um governo soberano, de escolher onde vamos colocar e aumentar a carga fiscal, a fim de estarmos em condições de atingir os objetivos fiscais exigidos”.
Assim, o quadro está dado: é o das medidas restritivas que garantem os superávits fiscais e visam o pagamento de dívidas. É incontestavelmente o quadro dos memorandos. O desacordo é sobre a “distribuição do fardo”. Trata-se de uma variante da austeridade (supostamente) “socialmente mais justa”, apresentada como “redistribuição” ao mesmo tempo em que perpetua a recessão (todas as referências ao compromisso com medidas não recessivas tem sido apagadas) e o empobrecimento da maioria.
Entretanto, e enquanto estas garantias reconfortantes estão sendo apresentadas para demolir o que restava dos compromissos programáticos do Syriza, o país está sendo submetido a um estado de sítio crescente, com o Banco Central Europeu mantendo fechada a torneira da liquidez e aparando cada vez mais o valor das obrigações bancárias, levando inevitavelmente ao colapso.
Mesmo assim, apesar da gravidade da situação e do fato de que, por meio da imposição de controles do capital, parte da estrada já está fechada, ninguém, além de Costas Lapavitsas e alguns quadros da Plataforma de Esquerda, está falando sobre as medidas auto-evidentes e básicas de autoproteção que são necessárias em circunstâncias deste tipo, começando pelo controle público e a nacionalização do sistema bancário.
A explicação para isso, é claro, é muito simples: qualquer coisa desse tipo poderia colocar a Grécia com um pé fora do euro, o que o governo não quer de jeito algum, apesar do fato de que até mesmo economistas do mainstream,como Paul Krugman, afirmarem que “a maior parte dos custos já foram pagos” e que é hora da Grécia “colher os benefícios”.
Uma conclusão simples emerge de tudo isso: com os movimentos que fez nesta última semana, o governo conseguiu nada mais do que um retornar completamente à armadilha anterior, em uma posição muito mais desfavorável, sob a pressão de uma asfixia econômica ainda mais implacável. Ele conseguiu desperdiçar a poderosa injeção de capital político do referendo em tempo recorde, ao seguir em todos os pontos a linha daqueles que se opuseram a ele e que têm todos os motivos para se sentirem vingados, apesar de terem sido derrotados nas urnas.
Mas o referendo aconteceu. Não foi uma alucinação da qual todos já se recuperaram. Pelo contrário, a alucinação é a tentativa de reduzi-lo a uma epifania temporária, antes de retomar o percurso de descida em direção a um terceiro memorando.
E parece que o governo vai precisamente seguir esse caminho suicida. Ontem [quarta-feira, 9 de julho], no final da noite, ele enviou a todos os membros do parlamento um texto de doze páginas, escrito às pressas em inglês por peritos enviados pelo governo francês e com base no pedido Tsakalotos para o ESM de um empréstimo de 50 bilhões de euros.
Isso não é nada além de um pacote de austeridade – na verdade um “copia e cola” do plano Juncker, rejeitado pelo eleitorado poucos dias antes. Seu fulcro é muito familiar: superávits primários, cortes nas pensões, elevação do VAT (imposto sobre valor agregado) e de outras taxas e um conjunto de medidas para dar um leve sabor de “justiça social” (por exemplo, uma elevação de 2% na alíquota do imposto sobre as corporações). O documento foi aprovado por todos os principais ministros, com a exceção de Panos Kammenos, líder do Partido dos Gregos Independentes (Anel) e Panagiotis Lafazanis, o líder da Plataforma de Esquerda.
O parlamento foi convocado para votar esse texto hoje, sob os mesmos procedimentos emergenciais que foram previamente denunciados por Syriza. Em muitos aspectos esse processo pode ser considerado um “golpe parlamentar”, uma vez que o parlamento foi convocado para votar um texto que não é uma lei e nem um acordo internacional, dando um tipo de carta branca ao governo para assinar qualquer compromisso de empréstimo. Essa aprovação parlamentar foi posta explicitamente como uma condição, para qualquer negociação futura, pelo ministro das finanças da Alemanha, Wolfgang Schäube.
Como era previsível, e, provavelmente até mesmo planejado, a proposta desse acordo provocou um tumulto dentro de Syriza. No momento, a maioria das reações fortes vieram da Plataforma de Esquerda e outras correntes da esquerda da coligação, como KOE, a organização maoísta que tem quatro deputados. Hoje (quinta-feira), em uma reunião dramática do grupo parlamentar de Syriza, Lafazanis, ministro de Energia e líder da Plataforma de Esquerda, disse que o acordo é “incompatível com o programa do Syriza” e “não oferece uma perspectiva positiva para o país”. Espera-se que os ministros da Plataforma da Esquerda renunciem hoje.
Thanassis Petrakos, um dos três porta-vozes do grupo parlamentar de Syriza e um proeminente membro da Plataforma de Esquerda, declarou:
“O ‘não’ do referendo era um “não” radical e de classe. Alguns camaradas importantes insistem que ‘não há outra maneira’ lógica. Devemos preparar a saída da zona do euro e dizer isso claramente ao povo. A esquerda tem um futuro, quando ele abre suas asas para o desconhecido e não para o nada. Aqueles que insistem em permanecer no euro a qualquer custo sabem que é um desastre. Precisamos de uma saída preparada que abra um novo caminho. Os primeiros passos são o controle público dos bancos e do Banco Central grego e um endurecimento com a oligarquia”.
Dizem que Varoufakis também se opôs ao acordo, bem como alguns deputados do grupo dos “cinquenta e três” (a ala esquerda da maioria) ainda que, em uma reunião interna realizada ontem, um distanciamento significativo apareceu entre os quadros médios e de base, que se opuseram fortemente ao acordo, e os deputados, muito mais inclinados a apoiá-lo. A votação que terá lugar no final da noite terá, certamente, uma importância fundamental para os futuros acontecimentos, mas também para o futuro de Syriza.
Aconteça o que acontecer nas próximas horas e dias, uma coisa precisa estar clara: qualquer tentativa de cancelar a vontade popular para retornar à austeridade e os memorandos aumenta a húbris no antigo sentido grego do termo. Quem se atrever a liderar o país, e a esquerda, para se render e desonrar deve estar pronto para encarar a Nemesis correspondente.
Colaborador
Stathis Kouvelakis ensina teoria política no King's College London. Anteriormente, ele serviu no comitê central do Syriza.
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