2 de julho de 2015

O referendo como Ruptura

Para a Grécia, apenas a voto "não" no domingo pode tornar possível uma alternativa anti-austeridade duradoura.

Panagiotis Sotiris

Jacobin

Um manifestante em um comício do Syriza encorajando os gregos a votar "não" (oxi) às condições de resgate propostas pelas "instituições" europeias. Digby Fullam / Flickr

Tradução / O referendo que será realizado na Grécia no domingo não é um debate político. É uma batalha em uma guerra da sociedade grega contra a União Europeia (UE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), que tentam transformar seu país no mais brutal experimento recente da engenharia social neoliberal.

Carl Schmitt escreveu uma vez que as únicas categorias existencialistas são aquelas de amigo e inimigo. É exatamente isto que pode explicar a tática da UE, particularmente da Alemanha, durante a crise Grega. Nunca houve negociação. Esta foi, desde o começo, uma guerra existencial, no sentido schmittiano, na qual você não procura uma base comum ou um compromisso favorável a você, mas a capitulação completa do inimigo.

Isto reforça a recusa para realmente negociar com o lado grego, apesar das dolorosas concessões que este fez e sua aceitação da austeridade. É por isso sempre surgiram novos termos e novas demandas, emergidas durante as negociações. É por isso que eles recusaram qualquer discussão sobre uma possível redução do fardo da dívida grega, exatamente a dívida tem sido a ferramenta mais conveniente para essa chantagem aberta e cínica sobre uma sociedade inteira.

A decisão do governo grego em realizar o referendo foi um ato de ruptura com a UE. É importante lembrar que a UE é alérgica a referendos depois da traumática experiência de 2005 e é geralmente hostil a qualquer exercício de soberania popular que mine suas politicas neoliberais. Além disso, o referendo trata não de uma política a ser adotada, mas de algo já realizado – na verdade, para o núcleo da atual da Governança Econômica Europeia, rejeitar a proposta dos credores equivale a rejeitar a essência da forma contemporânea da integração europeia.

Consequentemente, para a UE e em especial para a Alemanha, a própria decisão de realizar um referendo significou o fim das negociações. De certa maneira, a tática alemã é simples: sigam adiante com o referendo. Se houver um resultado pelo “sim”, vocês vão levar um pacote de austeridade ainda pior. Se o resultado por “não”, então preparem-se para a saída da Grécia da zona do Euro (“Grexit”).

Neste sentido a ideia do primeiro ministro grego, Alexis Tsipras, de que depois de um massivo “não” haverá uma retomada das negociações é infundada. Mesmo se eles ainda quiserem um acordo humilhante e não uma saída forçada, eles provavelmente vão tirar vantagem da situação atual (bancos sem liquides, controle de capitais, colapso do mercado, cortes de moeda, e possível falta de bens de consumo básicos) e prolonga-la como meio de impor uma versão completa da política de devastação social.

A ideia de um referendo foi correta, e liberou forças sociais e seu potencial de uma maneira que não se via nos últimos meses. Pela primeira vez podemos ver as forças da esquerda lutando realmente, com exceção do Partido Counista, que se mantém preso em um esquerdismo paranoico. Mas o referendo não é uma negociação. É o começo de uma ruptura.

Infelizmente, o Syriza não está preparado para isso. Um exemplo dos limites do Syriza reside no fato de que muitos de seus líderes de peso, como Yannis Dragasakis, Giorgios Stathakis, Dimitros Papadimoulis e outros, terem abertamente proposto a aceitação de qualquer proposta de acordo, desafiando a insistência de Tsipras que é necessário o voto pelo “não” antes. Tsipras tem mostrado coragem e determinação ao rejeitar capitular e ao colocar todo seu peso a favor do Não. Apesar disso, ele ainda apresenta o voto pelo “não” como uma tática de negociação, fazendo propostas até o último minuto, e não como o começo de um confronto maior.

Ao mesmo tempo, já se percebe uma massiva polarização no interior da sociedade grega. A campanha pelo Sim se combina com a mobilização da burguesia e estratos médios (muitas associações profissionais apoiam o Sim), com o uso de todas as formas de guerra ideológica. As mídias privadas se converteram em máquinas de propaganda pelo Sim, e as corporações gregas abertamente ameaçam seus empregados com layoffs em massa se o Não ganhar, se recusando a pagar os salários como uma forma de dar credibilidade à ameaça.

O medo está começando a se tornar um fator determinante. Ao mesmo tempo, também é possível ver sinais de radicalização no campo do Não, com pessoas mais preparadas do que nunca para aceitar o custo integral de uma ruptura se isto abrir um horizonte para acabar com a austeridade.

O maior problema é que ainda falta o que é mais urgentemente necessário: uma narrativa coerente para um ruptura que é inescapável. Uma narrativa sincera que possa falar sobre as dificuldades iniciais e os benefícios de longo prazo do Grexit, construído de uma maneira soberana, e sobre a necessidade de um paradigma de desenvolvimento alternativo. Uma narrativa militante que possa atrair o povo a apoiar essa estratégica de uma maneira energética, aceitar suas dificuldades iniciais e combater o medo. Syriza ainda se recusa a enfrentar este desafio, e a esquerda radical é ainda muito deficiente no que diz respeito a passar dos slogans para propostas programáticas.

Um voto pelo Sim não apenas significa que o governo grego teria que assinar um acordo humilhante. Isto também significa um processo mais amplo de realinhamento da cena política, incluindo uma enorme pressão sobre o Syriza (em parte exercida de dentro) para mover-se à direita. Acima de tudo, esse resultado seria usado para alterar o equilíbrio de forças a favor do capital e preventivamente reverter qualquer aspirações que as classes subalternas possuam.

Uma vitória massiva do Não é a única solução, a única que pode desencadear uma nova dinâmica e dar cabo do piloto automático da austeridade e devastação social. Mas este resultado não será suficiente. É mais urgente do que nunca que a esquerda enfrente os desafios colocados.

O desafio não é recuperar algum respiro digno, alguns momentos de vitória e um breve intervalo de soberania popular, antes da derrota e capitulação. O desafio é provar que pode haver, de fato, uma alternativa definitiva.

Colaborador

Panagiotis Sotiris trabalha como jornalista em Atenas e leciona na Hellenic Open University. É membro do conselho editorial do Historical Materialism.

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