Miranda Campbell
Jacobin
Um músico de rua em New York City. Sergio Cruz / Flickr. |
A lista dos artistas com dificuldades financeiras continua crescendo. Os cineastas mostram seu trabalho em festivais de cinema renomados, mas ainda recorrem ao financiamento coletivo para pagar a conta do veterinário. Escritores agonizam com a forma como os agentes das hipotecas receberão os pagamentos acumulados com contratos de ensino e eventos freelance. Músicos fazem turnês bem-sucedidas, mas voltam para casa com enormes dívidas, enquanto suas músicas amplamente transmitidas ganham uma ninharia.
Em 2012, uma das bandas indie mais populares do mundo, Grizzly Bear, compartilhou o quão pouco suas vidas mudaram desde o seu sucesso – um membro da banda permaneceu no mesmo apartamento de 42 metros quadrados, enquanto o restante ainda não tinha plano de saúde. Como as vendas de discos caíram, a banda passou a ganhar seu sustento por meio de licenças e turnês, mas, como o cantor Ed Droste explica, as vezes não tem como pagar aluguel por alguns meses.
Em uma era pós-Napster, artistas de todas os tipos enfrentam a expectativa de que os frutos de seu trabalho devem circular gratuitamente, tanto online quanto off-line, e quando as receitas do trabalho criativo escorrem, raramente chegam a um salário decente.
A vergonha persistente e o estigma sobre a pobreza fizeram com que alguns artistas tivessem cautela para admitir sua dificuldade em pagar suas contas. Uma blogueira graduada em escrita criativa escreveu: “Eu não tenho falado sobre o quão pobre eu estou, de maneira séria, ou quão aterrorizante é estar à beira do meu 30º aniversário imaginando quando terei moedas suficientes para lavar roupa novamente.”
No entanto, hoje em dia, cada vez mais artistas estão desafiando a postura boêmia de que os artistas devem evitar o capital econômico em favor da arte pela arte. Artistas e trabalhadores da cultura lambem cada vez mais as feridas dos boletos publicamente e desabafam sobre a elaborada dança da autorreinvenção na Era digital. Tornou-se moda discutir e até mesmo quantificar exatamente o pouco dinheiro ganho por projetos criativos. A matemática nunca esteve tão descolada.
Essas confissões vêm do desejo de conscientizar sobre os meios de subsistência dos artistas e chamar a atenção para os desafios contemporâneos de ganhar a vida com o trabalho criativo. Histórias como a do Grizzly Bear trazem imediatismo e detalhes para realidades econômicas amplas e duras e podem ser veículos para a empatia, construindo pontes para o leitor se compadecer com seus semelhantes.
Mas além da compaixão, não está claro se essas histórias desempenham algum papel que instiga mudanças ou cria condições de trabalho mais favoráveis. Histórias de luta se tornaram uma maneira normalizada de falar sobre a dificuldade de ganhar a vida com o trabalho criativo em uma economia pós-crise; mas contar essas histórias faz algum bem, ou desempenha algum papel em ajudar os artistas a encontrar seus pares em tempos economicamente estagnados?
Estamos vivendo em uma Era na qual a fama não significa fortuna, apesar das percepções dominantes de que alcançar visibilidade equivale ao sucesso financeiro. O ensaísta David Rakoff satirizou a “velha fantasia do caos carnal de panos manchados de tinta, cavaletes, terebintina, garrafas de vinho importado embrulhadas com palha segurando gotas de velas, e modelos nus rebolando”, destacando o quão doloroso, tedioso e solitário o trabalho artístico pode ser.
Fazer arte “requer o oposto de sair” e muitas vezes é “uma tarefa profundamente solitária e sem graça tolerar a si mesmo tempo suficiente para colocar algo para fora”, caracterizado por uma “falta de segurança financeira e horas necessárias de solidão gastas se fodendo repetidamente”.
Mas a maioria das pessoas ainda considera fazer arte um privilégio, demonstrada pela reação imediata às conversas sobre artistas sendo pagos de forma justa por seu trabalho, particularmente quando o artista é, ou parece ser, rico. O lançamento do Tidal — um site de streaming de música desenvolvido por artistas, embora longe de ser uma panaceia, busca distribuir mais igualmente os ganhos aos criadores — foi recebido com uma revirada de olhos, e alguns comentários ironizaram a ideia de artistas ricos ficarem mais ricos.
Quando David Byrne, do Talking Heads, declarou recentemente que estava retirando seu catálogo do Spotify por causa das míseras receitas do serviço, além de preocupações com a sustentabilidade desse método de distribuição para artistas emergentes, os comentários não foram nada simpáticos. “As pessoas verdadeiramente criativas têm prazer em compartilhar seu trabalho e ideias gratuitamente”, alguém escreveu. Outro comentário dizia: “Se você está apenas sendo criativo para ficar rico, então eu dispenso a sua merda de arte e espero que você vá à falência.”
Da mesma forma, grande parte da resposta volumosa e acalorada aos desafios pós-fama do Grizzly Bear buscou tirar o crédito da história de luta da banda. Os comentários citavam o pedigree da família de Droste – incluindo um primo que fundou o Hooter’s – e os restaurantes da moda onde ele foi visto.
O célebre autor britânico Rupert Thomson recentemente falou sobre os efeitos esmagadores da Grande Recessão na capacidade dos escritores de ganhar a vida a partir de seu ofício. Aos 60 anos, ele não tem mais condições de alugar um escritório para escrever. Em vez disso, Thompson decidiu transformar um pequeno canto de seu sótão – uma área tão pequena que ele mal pode ficar em pé – em um espaço de trabalho. “Eu não tenho renda privada, nenhuma esposa rica, nenhuma herança, nenhuma pensão. Não tenho nenhuma rede de segurança”, disse ele.
Ainda assim, os comentários online debateram o mérito de dar a Thompson qualquer apoio. Alguns sugeriram que ele deveria ser grato por estar fazendo algo que ama, que ele possui uma casa, que é capaz de converter seu sótão em um pequeno espaço de trabalho. Outros sugeriram que esperar sobreviver da escrita foi imprudente, para começo de conversa.
É difícil imaginar essa reação a histórias de trabalhadores de outras profissões lamentando sua capacidade vacilante de ganhar a vida com um trabalho bem remunerado.
Quando histórias de luta de artistas estão enraizadas na experiência individual de artistas ou bandas, o público muitas vezes reage mal e desmerece, encontrando falhas na história ou sugerindo que o indivíduo não seja um porta-voz confiável para o problema que está sendo articulado. Mas debater até que ponto os membros do Grizzly Bear, Rupert Thompson, ou qualquer outro artista lutam ou não financeiramente é inútil e não aborda por que os artistas lutam, quais lições podem ser aprendidas com suas histórias e quais soluções podem ser desenvolvidas.
Não é uma questão de desenterrar um garoto propaganda mais apropriado para a causa dos artistas passando necessidade. Se quisermos melhorar o lote de artistas, precisamos mudar as engrenagens de um discurso “coitado do artista” para um sobre a importância da arte e a necessidade de apoiar a criação da arte a nível social.
Essa nova conversa dependerá, em parte, do desenvolvimento de novas formas de pensar as lutas dos artistas e da direção do foco da produção cultural para longe dos praticantes individuais. Há alguns trabalhos recentes em particular que nos ajudam a conceituar esses problemas.
Em seu livro The Public Platform: Taking Back Power and Culture in the Digital Age, a autora Astra Taylor primeiro pergunta qual importância dos artistas ganharem dinheiro. Ao responder a esta pergunta, ela se baseia em histórias de dificuldades individuais de artistas, citando até mesmo sua própria experiência de receber US$ 20.000 por uma produtora independente por dois anos de trabalho intenso para fazer seu documentário Examined Life, apenas para ter o filme disponibilizado em sites de torrents logo após sua estreia.
Taylor conta essas histórias não apenas para mostrar os desafios da produção de arte na economia atual, mas também para fazer um argumento mais amplo sobre o papel da arte e da cultura no fomento de uma esfera pública democrática informada e engajada. Para ela, a cultura democrática significa o acesso amplo e igualitário tanto aos instrumentos de criação quanto aos meios de disseminação.
Se artistas não podem ganhar a vida com seu trabalho criativo, eles eventualmente jogarão a toalha. Assim, Taylor afirma que a intervenção política é necessária para garantir que as grandes corporações não monopolizem a esfera cultural. “Nossas vidas são melhoradas pelas externalidades positivas que a arte e as ideias produzem; nosso mundo fica mais bonito, mais interessante, mais ambicioso.”
Em Culture Crash: The Killing of the Creative Class, Scott Timberg também enfatiza o papel das instituições no apoio ao trabalho criativo. Ele observa que, desde a Grande Recessão, não são apenas artistas ou criadores que foram afetados — pessoas que desempenham papéis de apoio, como DJs, atendentes de livrarias, cenógrafos e editores também foram duramente atingidas.
E as instituições não desempenham apenas um papel incubador para a produção cultural — elas também fornecem emprego para uma ampla parcela da população. Então, quando os discos não vendem, não são só os artistas que sofrem. Timberg afirma que não importa se alguém trabalha como artista ou em um papel coadjuvante, “estamos todos juntos nisso.”
Como fomentar esse sentimento de solidariedade, não apenas entre os trabalhadores da cultura e aqueles cujo trabalho acaba sendo um apoio, mas também entre o público em geral?
O primeiro passo importante é enquadrar a produção da arte como obra, não como um privilégio. Apesar do suposto glamour de ser um artista, a maioria ganha uma renda que chega perto ou até abaixo da linha de pobreza.
Além de desafiar essas percepções, precisamos recapturar a ideia de que a arte e a cultura podem desempenhar funções públicas: a arte educa, a arte provoca, a arte transforma, a arte eleva, a arte acalma, a arte imagina outros mundos. O perigo de não apoiar artistas e trabalhadores da cultura é que essas funções são deixadas nas mãos das elites.
Também precisamos ampliar o acesso à criação da arte, como parte de um esforço mais amplo para apoiar o ciclo de produção artística desde a criação até sua disseminação. Isso envolverá a mudança de doação de subsídios individuais para artistas individuais e, em vez disso, o financiamento de instituições públicas — como espaços de trabalho compartilhados e moradias acessíveis — além de garantir que pequenos espaços possam continuar operando e apresentando trabalhos criativos.
A discussão dos detalhes também é essencial – lutar por licenças, licenciamento e zoneamento para a produção cultural poderia impedir o despejo de artistas devido à escalada da especulação imobiliária, reclamações de barulho ou multas por colocar cartazes em espaços públicos quando as áreas forem rezoneadas. Uma enorme parte dos trabalhadores da cultura não têm acesso à plano de saúde, licenças parentais, previdência e outras proteções. Desenvolver uma cultura sustentável também significa abordar essas questões.
Taylor sugere que momentos históricos particulares incentivem novas iniciativas de apoio cultural. A Grande Depressão viu o nascimento da Workers Progress Administration, como parte do New Deal, que empregou músicos, escritores, artistas visuais, atores e diretores em um Projeto Federal.
A Guerra Fria deu origem ao National Endowment for the Arts, após o Congresso decidir que “embora nenhum governo possa criar um grande artista ou estudioso, é necessário e apropriado para o governo federal criar e sustentar não apenas um clima encorajador da liberdade de pensamento, imaginação e investigação, mas também condições materiais que facilitem a liberação deste talento criativo.”
Neste momento econômico, é hora de um novo New Deal. Muitos tipos de trabalhadores sofrem um estresse material substancial, mas precisamos incluir artistas nesses trabalhadores em dificuldades, em vez de descartar suas histórias como o choro desnecessário de pessoas que têm o privilégio de fazer o que amam.
Em vez de assumir que a capacidade de produzir arte é um luxo, podemos apoiar o trabalho criativo para que seja mais acessível e para que mais pessoas possam continuar em suas profissões criativas em vez de ter que desistir dela para encontrar um emprego mais estável.
A teórica da cultura Angela McRobbie sugere que o subemprego estrutural generalizado significa que é hora de reimaginar o trabalho criativo desenvolvendo estruturas para “estratégias de cooperação social” para que as energias criativas dos jovens possam ser direcionadas para o bem comum de maneiras que vão além do voluntariado. A renda básica universal, por exemplo, poderia permitir que os artistas desenvolvessem projetos criativos direcionados para um maior envolvimento da comunidade.
McRobbie pede a renovação de cooperativas e empreendimentos sociais radicais, incluindo programas de alfabetização e educação de rua, oficinas de fotografia ou outros projetos de melhoria urbana e ambiental. Os artistas têm a capacidade de fazer intervenções em problemas sociais prevalentes, mas essa capacidade não pode ser deixada apenas para o mercado ditá-la.
Resta saber como reunir apoio público para tais iniciativas. Quando o problema de ganhar a vida é apresentado como uma história individual, é fácil descartá-lo como fracasso individual.
Espera-se que os artistas se reinventem, recorram ao crowdfunding (financiamento coletivo) e se espremam para sair de suas dificuldades. Mas não podemos depender de crowdfundings para ter um amplo apoio público à cultura ou para abordagens mais sustentáveis da produção cultural. Precisamos deixar de narrar lutas individuais e passar a discutir desafios para toda comunidade com soluções coletivas.
Histórias de luta importam, mas precisamos começar a discutir por que essas histórias importam e o que será perdido se apenas os ricos puderem seguir uma carreira cultural.
Sobre o autor
Miranda Campbell é professora assistente na School of Creative Industries da Universidade Ryerson e autora de Out of the Basement: Youth Cultural Production in Practice and in Policy.
Nenhum comentário:
Postar um comentário