Cássia Almeida
O Globo
A economista Maria da Conceição Tavares, em 1986, foi às lágrimas durante a implantação do Plano Cruzado |
RIO - A imagem da economista Maria da Conceição Tavares às lágrimas, na televisão, em março de 1986, foi uma das mais marcantes durante a vigência do Plano Cruzado. A professora da UFRJ acompanhou a implantação do plano, perdendo noites de sono para auxiliar no desenvolvimento da nova tentativa de debelar a hiperinflação, que chegava a 256% ao ano.
— Foi uma experiência amarga, depois, capotou tudo de maneira estrondosa.
A senhora chegou a chorar na televisão ao defender o Plano Cruzado...
Fui à televisão, passei noites sem dormir. Acompanhei o plano todo, até que capotou de maneira estrondosa. Todas as experiências foram muito amargas. Foram feitas mais de cinco tentativas de atacar a hiperinflação. E não deu, só deu mais tarde. Estava comovida. Pela primeira vez se fazia um plano anti-inflacionário que não prejudicava o trabalhador. Isso é comovedor, todos os outros, como este agora também, provocaram recessão, desemprego e queda de salários.
O que fez a senhora acreditar no plano? Já tinha havido outros.
O plano estabilizava a distribuição, ao contrário dos outros planos anti-inflacionários que faziam os de baixo, os trabalhadores, pagarem o pato. Aquele não, a distribuição ficava neutra. Então era um plano bom. Era o primeiro plano do meu conhecimento, já tinha sido tentado um parecido em Israel, em que um ataque desinflacionário não prejudicava os de baixo. Em geral, todos os ataques prejudicam os de baixo.
E como ele preservava os salários?
Fazia uma deflação dos salários pela média, sem ser pelo pico nem arbitrária. Uma série de salários que ficaram preservados ao longo do tempo. Mas precisava manter os preços congelados, e não foi possível. Para o plano dar certo, precisava manter os preços congelados.
Por que não foi possível manter os preços congelados?
Temos um comércio muito oligopolizado, muito concentrado. E as grandes empresas comerciais não cumpriram o plano. E, na base dos fiscais de Sarney, não deu. Não se pode mandar milhões de pessoas para a rua fiscalizar preços. Não tinham poder para nada, não resolvia. Agora, estamos com inflação de novo. E volta sempre a mesma coisa: subir a taxa de juros, cortar os gastos. Sempre a mesma porcaria. Espera-se que ela não suba com mais força. Ela tende a desaparecer ao longo do ano que vem.
O ajuste fiscal cortou benefícios trabalhistas. Foi o caminho certo?
É um caminho recessivo, vamos pagar o preço com desemprego e com recessão, que já está prevista. O desemprego já começou a subir. Na crise de 2008, não teve desemprego. Nesta crise está tendo. A situação vai ficar socialmente mais difícil.
A senhora acha que essa crise é pior que a de 2008/2009?
Não acho, tenho certeza. Em 2008, foi só uma esfriada, mas o desemprego não subiu.
O que está errado agora?
Meteu o freio com muita força, subindo taxa de juros desvairadamente. Isso corta o investimento, o que torna mais difícil a recuperação adiante.
Em 2016, vai ser pior?
Espero que não. Este ano já vai tão brabo, espero que não fique pior. Mas leva 2016 para terminar de ajustar, não é uma coisa que passe só num ano, como aconteceu em 2008.
Aprendeu-se com o cruzado?
Essas coisas só se aprendem, infelizmente, em matéria de política anti-inflacionária, na porrada, não é legal, não é um aprendizado alegre.
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